Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2135/20.4T8STS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: ESTABILIDADE DA INSTÂNCIA
ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR
LEGITIMIDADE PROCESSUAL/SUBSTANTIVA
AUTORIDADE DE CASO JULGADO
DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
Nº do Documento: RP202110212135/20.4T8STS.P1
Data do Acordão: 10/21/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 3.ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Após a citação do réu, a modificação dos elementos subjectivos ou objectivos da instância só pode operar nos estritos limites consentidos pelos artigos 261.º a 265.º do Código de Processo Civil.
II - Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada em consequência de confissão do réu, e aceite pelo autor.
III - A construção da legitimidade pressupõe dois conceitos distintos: a legitimidade processual e a legitimidade material ou substantiva.
A legitimidade processual tem a ver com a posição relativa das partes face à relação material controvertida tal como é configurada pelo autor na petição inicial.
Com ela não se confunde a legitimidade substancial ou substantiva, em que está em causa a efectividade da tal relação material, que poderá coexistir ou não com aquela, pressupondo a aferição da existência ou não dessa efectividade já o conhecimento do mérito da causa.
IV - A autoridade de caso julgado de sentença transitada e a excepção de caso julgado constituem efeitos distintos da mesma realidade jurídica. Enquanto esta tem em vista obstar à repetição de causas e implica a tríplice identidade - de sujeitos, de pedido e de causa de pedir - aquela implica a proibição de novamente ser apreciada certa questão, podendo actuar independentemente da mencionada tríplice identidade.
Além da eficácia “inter partes”, que sempre possui, o caso julgado também pode atingir terceiros. Tal ocorre através de uma de duas situações: a eficácia reflexa do caso julgado e a extensão do caso julgado a terceiros.
V - O recurso ao instituto da desconsideração ou levantamento da personalidade colectiva visa corrigir comportamentos ilícitos de sócios que abusaram da personalidade colectiva da sociedade, actuando em abuso do direito, em fraude à lei ou com violação das regras de boa fé e em prejuízo de terceiros e, apesar disso, não exista outro fundamento legal que a invalide.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2135/20.4T8STS.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Juízo de Comércio de Santo Tirso – Juiz 5

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I. RELATÓRIO.
1. B…, LDA, com o capital social de €15.000,00, número único de pessoa colectiva e de registo comercial ………, com na Avenida …., no …., ….-… Matosinhos propôs acção declarativa com processo comum contra:
- C…, NIF n.º ……… e D…, NIF n.º …….., casados entre si no regime da comunhão de adquiridos, ambos residentes na Av. …, n.º .., ….-…, …, e
- E…., NIPC ………, com sede na Rua da …, n.º …, ….-… …., pedindo que seja “decretada a imediata exclusão dos RR., como sócios da sociedade A. «B…, Lda.», devendo operar a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade E… Lda..”, pelos factos descritos na petição inicial onde, designadamente se alega – artigo 64.º - que “…o R. através da sua conduta é responsável por gastos cujo nexo de causalidade não evidencia relação com a actividade da empresa, nem obtenção ou a garantia de rendimentos para a mesma, efectuou pagamentos a sociedades em seu benefício pessoal, adquiriu bens e serviços para seu proveito próprio e da R. mulher, sem qualquer autorização ou conhecimento dos sócios, bem como, tem vindo a interpor acções contra a sociedade e sócios, prejudicando, assim, voluntariamente os interesses da A., em benefício próprio”.
Citados, contestaram todos os Réus.
Os dois primeiros Réus, defendendo-se por excepção, invocaram a sua ilegitimidade processual, alegando que “...não têm qualquer interesse em contradizer a sua exclusão como sócios da sociedade B…, Lda., uma vez que já não ocupam tal posição” – artigo 16.º da contestação – e “da procedência da presente ação, isto é, da sua exclusão como sócios, não resultaria qualquer tipo de prejuízo para os aqui Réus C… e D…” – artigo 17.º do mesmo articulado.
Invoca ainda a excepção de caso julgado, alegando, para o efeito, ter corrido termos no Juiz 3 do Juízo de Comércio de Santo Tirso acção a que coube o n.º 44/20.6T8STS, na qual foi Autor o aqui Réus e Réus os demais sócios da aqui Autora – F…, Lda., G…, Lda., e H…, Lda. – que na contestação sustentaram a falta de qualidade de sócio do aqui Réu C…, argumento aceite pelo Tribunal.
Refere a sentença de 11 de Setembro de 2020, transitada em julgado, proferida na referida acção, entre o mais, que “ter-se-á de concluir que a aludida cessão de quota do autor a favor da sociedade E… se concretizou e que, apesar de não ter sido submetida a competente registo, tal falta de qualidade de sócio é perfeitamente invocável por banda das aqui rés, e consequentemente decide-se pela ilegitimidade dos aqui autores, assim se absolvendo as rés da instância”.
Reclamam ainda a suspensão da instância, nos termos do n.º 1 do artigo 272.º do Código de Processo Civil, sustentando que na acção que corre termos com o n.º 1632/20.6T8STS, pelo Juízo de Comércio de Santo Tirso – Juiz 1, a Autora B… pede que o Réu C… seja condenado a pagar-lhe a quantia total de €297.817,22, a título de indemnização por prejuízos que alegadamente causou àquela. Argumentam os Réus que “...a decidir-se, nos autos n.º 1632/20.6T8STS, pela improcedência do pedido da Autora B…, Lda., isto é, ao entender-se que o Réu C… não causou qualquer tipo de prejuízo à mesma” [...] “A presente ação terá, necessariamente de improceder igualmente, dado que, não havendo prejuízo, inexiste fundamento para a exclusão dos Réus C… e D… da posição de sócios da sociedade comercial B…, Lda.”.
Impugnaram ainda os factos articulados pela Autora.
Na contestação que apresentou a Ré sociedade suscitou, como questão prévia, a sua composição, alegando que “Mediante contrato de cessão de quotas o co-Réu C… cedeu a totalidade da sua quota ao Sr. I…, o qual passou a figurar como sócio único e gerente da sociedade Ré” e impugnou os factos alegados pela Autora.
A 11.11.2020 foi proferido despacho com o seguinte teor:
Considerando a matéria de exceção dilatória de legitimidade e da autoridade de caso julgado nos artigos 1.º a 34.º, da suspensão dos autos por existência de causa prejudicial, artigos 35.º a 61.º da contestação dos Réus C… e D… (referência 36852670) e o teor dos documentos juntos com tal contestação e ainda a questão prévia da composição da sociedade Ré, nos artigos 1.º a 4.º da contestação da Ré E… Unipessoal, Lda. (referência 36859134) e o teor dos documentos juntos com tal contestação, com cópia das contestações e de tais documentos, ao abrigo dos artigos 3.º, n.º 3, 415.º, n.º 1 e 590.º do CPC, notifique a Autora para querendo, em dez dias, responder a tais matérias.
Na sequência de tal despacho, sob a referência 37259419, a Autora apresentou articulado onde alega responder às excepções deduzidas pelos Réus, no qual concluiu pedindo que sejam as mesmas consideradas improcedentes.
A 5.01.2021 foi proferido despacho em que, entre o mais, determina: “...ao abrigo do art.º 590.º, n.º 3 do CPC, notifique os Réus (pessoas singulares e pessoa coletiva) para, em dez dias, informarem se aceitam a ampliação da causa de pedir, nos termos do art.º 264.º do CPC ou se confessam a mesma (Réu C…), nos termos do art.º 265.º, n.º 2 do CPC.
Não aceitando ou confessando os Réus tal matéria, de acordo com o princípio da estabilidade da instância, nos termos do art.º 260.º do CPC, manter-se-á a instância quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir constantes da petição inicial, contestações e articulado de resposta na parte admitida pelo Tribunal, nos termos do despacho proferido em 11.11.2020 (referência 419074218).
Sendo oferecida resposta ao convite por parte dos Réus, concedo o prazo de dez dias à Autora para querendo responder a tal requerimento (vd. art.º 3.º, n.º 3 do CPC)”.
Responderam todos os Réus que não aceitam a ampliação da causa de pedir introduzida pela Autora, precisando ainda os primeiros Réus que não a confessam.
Respondeu a Autora, concluindo que “Deverá ser admitida a matéria do nos art. 75.º a 83.º da resposta, nos termos do art. 265.º nº 2 do CPC e, caso assim se não entenda, deverá ser tal matéria admitida como factos supervenientes, de acordo com o art. 588.º do CPC”.
Foi proferido despacho no qual se precisa expressamente que “...manter-se-á a instância quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir constantes da petição inicial, contestações e articulado de resposta na parte admitida pelo Tribunal, nos termos do despacho proferido em 11.11.2020 (referência 419074218)”.
O mesmo despacho, após declarar a dispensa da realização da audiência prévia, conhece das excepções deduzidas pelos dois primeiros Réus – ilegitimidade passiva e caso julgado -, conclui pela procedência das mesmas, nos termos do seguinte dispositivo:
“Pelo exposto, ao abrigo dos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea e), 580.º e 581.º, todos do CPC, decido julgar os Réus partes ilegítimas e ocorrendo caso julgado sobre a legitimidade, sendo I… sócio único e gerente da sociedade E…-Unipessoal, Lda, em consequência, absolvo os Réus da instância.
Custas da ação pela Autora”.
2. Não se resignando a Autora com tal decisão, dela interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
a) Na decisão ora sob recurso, o Tribunal a quo decidiu julgar procedentes as excepções de ilegitimidade e de caso julgado ao abrigo dos artigos 576.º, n.º 2, 577.º, alínea e), 580.º e 581.º, todos do CPC, ocorrendo ainda aquilo que descreve como caso julgado sobre a legitimidade ¬– vide penúltimo parágrafo do despacho antes do segmento decisório.
b) Esta decisão assenta, como resulta abundantemente da mesma, na sentença transitada em 30.09.2020 e proferida no Processo n.º 44/20.6T8STS do Juízo de Comércio de Santo Tirso (Juiz 3) – Facto 17 dado como assente.
c) No Processo n.º 44/20.6T8STS foram Autores os Senhores C… e D… e Rés as sociedades “H…, Lda.”, “F…, Lda.” e “G…, Lda.”.
d) Na presente acção a ora Recorrente veio pedir a imediata exclusão dos Réus como sócios da Autora, devendo operar a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade “E…, Unipessoal, Lda.”, com base no disposto no art.º 242.º, n.º 1, do Código das Sociedades Comerciais.
e) Não foram partes no processo n.º 44/20.6T8STS, nem a aqui Recorrente, nem a aqui Recorrida “E…, Unipessoal, Lda.”.
f) As sociedades Rés no processo n.º 44/20.6T8STS não são partes na presente acção.
g) Não sendo a ora Recorrente parte naquela acção, não pode ser afectada pela decisão ali proferida.
h) A decisão recorrida o Tribunal refere que as Rés no processo n.º 44/20.6T8STS têm corpos sociais que são também titulares de quotas na Autora da presente acção, mas tal não vem provado, nem corresponde à verdade.
i) A decisão proferida naquele processo não pode afectar a Autora, nem a decisão recorrida explica como é que tal facto permite estender a decisão sobre a ilegitimidade dos Recorridos C… e D… à Recorrida “E…, Unipessoal, Lda.”, que também não foi parte no processo n.º 44/20.6T8STS.
j) Conforme alegado nos arts.º 35º a 39.º do articulado de resposta às excepções, e provado pela certidão permanente da Recorrente, o registo da transmissão da quota pelo Réu C… à sociedade Ré foi rectificado e cancelado, não produzindo quaisquer efeitos, para além de que sempre foi ineficaz para com a Recorrente atento o disposto no art.º 228.o do CSC e no art.º 242.º-A, do CSC.
k) Como tal, os Réu C… e D… não podiam ser considerados partes ilegítimas na presente acção como decidiu a sentença posta em crise, violando, assim, o estabelecido no artigo 11.º do Código de Registo Comercial - o registo definitivo “constitui presunção de que existe a situação jurídica, nos precisos termos em que é definida”.
l) A sentença proferida no processo n.º 44/20.6T8STS também não permite estender o caso julgado à Recorrida “E…, Unipessoal, Lda.”.
m) No caso sub judice é evidente que a relação coberta pelo caso julgado formado no processo n.º 44/20.6T8STS não entra na formação de relações, como pressuposto ou como elemento necessário, estabelecidas entre a Recorrente e os (3) Recorridos, mas de forma por mais evidente, entre a Recorrente e a Recorrida “E…, Unipessoal, Lda.”, para que seja admissível a projecção reflexa do caso julgado.
n) Alega, ainda, o Tribunal a quo a Recorrente aproveitou o articulado de resposta às excepções para introduzir os factos 77 a 83, não mencionando que se tratava de ampliação da causa de pedir ou factos supervenientes.
o) A Recorrente não alegou que se tratava de uma alteração da causa de pedir, mas a superveniência do conhecimento dos factos alegados resulta cristalino do requerimento.
p) Quem veio “qualificar”, posteriormente, tais factos como uma alteração da causa de pedir foi o Tribunal a quo no seu despacho com a referência 420557280.
q) Tendo os Rés respondido à questão da alteração da causa de pedir, a Recorrente exerceu o contraditório através do seu requerimento de 28.01.2021, defendendo que caso se entendesse que tais factos configuravam uma alteração da causa de pedir tratavam-se de factos conhecidos depois da apresentação da petição inicial e como tal constituíam factos supervenientes, não estando, assim, a sua aceitação dependente da concordância do Réus.
r) A instância apenas só podia ser considerada estável depois do exercício do contraditório pela Recorrente, no seguimento da resposta das Rés à questão da alteração da causa de pedir, pelo que, a sentença ao considerar tal efeito reportado ao seu Despacho de 05.01.2021, violou o disposto no art. 3º nº 3 do CPC.
s) Além disso, o Tribunal a quo entendeu que não podia operar a desconsideração da personalidade judiciária porque, segundo o mesmo, não foram alegados outros factos posteriores ao que foi dado como assente nos factos 13) e 14) e que demonstrassem que os verdadeiros titulares da quota são os Réus, para demonstrar o alegado esquema montado de forma dolosa que visava afastar o efeito da deliberação de exclusão de sócio (do réu C…).
t) Sucede que, a Recorrente alegou factos ocorridos posteriormente à matéria que consta dos factos 13) e 14), o que fez nos artigos 33.º da p.i. e nos artigos 22.º a 24.º do articulado de resposta às excepções, designadamente, como resulta do doc. n.º 10 junto com a p.i., que o Réu C… participou na assembleia de 29 de Julho de 2020, na qualidade de sócio, representado pelo Dr. I…, e nessa qualidade tomou deliberações, nomeadamente quanto à distribuição de lucros.
u) A Autora também alegou o pagamento dos lucros devidos a C…, depois da alegada cessão de quotas e que este os recebeu, sem que os haja recusado ou devolvido à Autora!
v) Os Réus não impugnaram tais factos, pelo que, tal matéria também deverá ser dada como assente.
w) Como resulta da carta mandadeira passada pelo sócio C… em 27 de Julho de 2020 e que integra o documento n.º 10 junto com a p.i., aquele assume-se como sócio da Autora e o Dr. I… aceita ser o seu representante enquanto tal, participando e votando na assembleia.
x) Não tem qualquer relevância para a desconsideração da personalidade colectiva da Ré “E…, Unipessoal, Lda.” colocar em causa os deveres profissionais e deontológicos do Dr. I….
y) Da circunstância do Dr. I… ter representado o Réu C… em diversas acções judiciais, tal como foi alegado e demonstrado pela Autora, apenas se pretendeu inferir as ligações próximas entre cedente e cessionário da quota.
z) Além do mais a Recorrente nos artigos 30.º e 31.º da p.i., evidenciou a manobra do Réu C… que visava evitar a sua exclusão como sócio da Autora alegou.
aa) O preço e as condições do pagamento da quota estão provados documentalmente e os Réus não impugnaram tal matéria, pelo que, seguindo o mesmo critério adoptado pelo Tribunal a quo na decisão recorrida, tal matéria também deveria ter sido dada como assente.
bb) A circunstância da deliberação de exclusão do sócio C… ter sido tomada na assembleia geral de 09/05/2020, na qual o mesmo esteve presente (cfr. Doc. n.º 12 junto com a p.i.) e, como tal tomou conhecimento do seu teor e alcance, não podem ser dissociados da celebração de um contrato de cessão de quota com a sociedade Ré “E…, Unipessoal, Lda.”, de que aquele era o único sócio, em 27/06/2020, ou seja poucos dias depois daquela deliberação, e passados mais 3 dias (30/06/2020) o Réu C… cede a quota na Ré “E…” ao Dr. I….
cc) Com efeito, deveria ter sido ponderado, a circunstância alegada e provada de haver uma autorização à cessão de quotas de C… a favor da Ré E…, dada na assembleia geral de 26 de Agosto de 2019, mas o Réu ter mantido e invocado sempre a qualidade de sócio da Recorrente e, assim, se apresentar em todas as assembleias gerais, posteriores, tendo inclusivamente recebido os lucros do exercício, nessa qualidade.
dd) Todos esses factos são determinantes para apurar o efeito contraditório e de abuso de direito dos Recorridos, ao pretender que se tenha verificado a cessão de quotas, por via da decisão proferida no Proc. n.º 44/20.6T8STS, tese acolhida pela sentença e, simultaneamente, manter o Réu C… a posição de sócio em detrimento do que alegara através da Ré E… no Proc. nº 708/20.4T8STS.
ee) Destarte, as condutas dos Recorridos são contraditórias entre si e excluem-se mutuamente, de tal forma que uma impede o exercício da outra.
ff) A conduta dos Recorridos são contrários a normas ou princípios gerais, como os da boa fé e do abuso de direito, são do conhecimento próprio e pessoal de C… e mulher e do Dr. I…, que utilizaram a Recorrida E…, de forma dolosa, para impedir a execução da deliberação de exclusão de sócio.
gg) Assim os Réus aproveitaram ilicitamente a personalidade colectiva daquela Recorrida, para obter um efeito que constitui abuso do direito.
hh) Nesta situação, deve proceder a desconsideração e a inibição dos efeitos normais da autonomia da personalidade da Recorrida E…, porque esta foi empregue ilicitamente.
ii) Ao absolver os Réus da instância por julgar procedentes as excepções de ilegitimidade e de caso julgado ¬– e de caso julgado sobre a legitimidade ¬– a decisão recorrida fez uma errada interpretação e aplicação do disposto nos artigos 265.º, n.º 1, 576.º, n.º 2, 577.º, alínea e), 580.º e 581.º, e 588.º, n.º 1, todos do CPC, bem como, viola o disposto no art. 11º do Código do Registo Comercial.
Nestes termos,
E nos mais de Direito e sempre com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a sentença recorrida, sendo substituída por outra que julgue improcedentes as excepções de ilegitimidade e de caso julgado e ordene o prosseguimento dos autos”.
Os apelados C… e D… apresentaram contra-alegações, pugnando pela manutenção do decidido.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.

II. OBJECTO DO RECURSO.
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar:
- Admissibilidade da alegação dos factos constantes dos artigos 75.º a 83.º da resposta à matéria das excepções invocadas pelos Réus.
- Excepções de caso julgado e de ilegitimidade passiva.
- Desconsideração da personalidade jurídica quanto à terceira Ré.

III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
III. 1. Foram os seguintes os factos julgados provados em primeira instância e considerados na decisão sob recurso:
1) Na assembleia geral de sócios da A., de 9 de Maio de 2020, foi deliberado excluir o sócio marido, por comportamentos desleais e gravemente perturbadores do funcionamento da sociedade.
2) A Autora tem como objecto social a prestação de serviços relacionados com fornecimento, instalação, montagem e assistência técnica de máquinas, de material e de equipamento eléctrico, electrónico, mecânico e electromecânico, incluindo a sua importação e exportação; assistência, reparação de automóveis, de motores e máquinas, incluindo montagem, construção de componentes e de todos os trabalhos da sua implantação e instalação terrestre, marítima e naval, incluindo a sua importação e exportação, bem como montagem e assistência de sistemas de ar condicionado e de outros equipamentos e acessórios.
3) Na data da deliberação de exclusão de sócio, o capital social registado de €15.000,00, era representado pelas seguintes quotas:
a) Uma quota com o valor nominal de €5.000,00, pertencente a C…, NIF ………;
b) Uma quota com o valor nominal de €9.700,00, pertencente a H…, LDA, NIPC ………;
c) Uma quota no valor nominal de 150,00€, pertencente a F…, Lda, NIPC ………;
d) Uma quota no valor nominal de 150,00€, pertencente a G…, Lda., NIPC ………;
Tudo conforme certidão permanente da Autora, com o código de consulta 5622-5163-7574 – (doc. 1 da petição inicial)
4) A legitimidade da Ré mulher advém do regime de casamento com o Réu marido e a quota à data detida ser um bem comum do casal.
5) O Réu foi nomeado para o cargo de gerente no acto de constituição da sociedade, sendo o único gerente da sociedade até 05/12/2019, tendo cessado funções a 30/04/2020, por renúncia, cfr. doc. 1.
6) Em 11/02/2020, foram nomeados igualmente como gerentes da sociedade, o Exmo. Senhor J… e o Exmo. Senhor K…, tendo cessado funções os Exmo. Senhor L… e Exmo. Senhor M…, estes últimos, nomeados a 05/12/2019, cfr. doc. 1.
7) A gerência solicitou uma auditoria financeira às contas da sociedade relativas aos exercícios de 2017, 2018 e 2019, realizada pelo Revisor Oficial de Contas Independente, Exmo. Dr. N…, R.O.C. Nº …, de acordo com as normas de revisão/auditoria em vigor, entregue à gerência e sócios em 11 de Março de 2020.
8) Aos 26 de Agosto de 2019 realizou-se uma assembleia geral da B…, Lda., cujo ponto um da ordem de trabalhos era o seguinte: Prestação de consentimento da sociedade e dos sócios à divisão e posterior cessão da quota da sócia H…, Lda., no valor nominal de €10.000,00, em duas, de €5.000,00 cada, uma que cede a favor F…, LDA., e outra a favor de G…, LDA., ambas pelo valor nominal, bem como a prestação de consentimento da sociedade e dos sócios à posterior cessão de quota do sócio C…, no valor de €5.000,00, cedendo a favor de E…, Lda., NIPC ………, tendo o Presidente da Assembleia proposto que era intenção da sua representada proceder à divisão e cessão da sua quota com o valor nominal de €10.000,00 em duas no valor de €5.000,00 cada, uma que cede a favor de “G…, Lda.”, e outra a favor de “F…, Lda.”, ambas pelo valor nominal, ao que se seguiu a menção de que o representante da sociedade cessionária G…, Lda., declarou aceitar a cessão de quotas nos termos atrás expostos, tendo a sociedade cedente declarado ter já recebido o preço de ambas, pelo que colocado à votação, foi aprovado por todos os sócios o consentimento da sociedade e o dos sócios à divisão e posterior cessão da quota da sócia H…, Lda., no valor nominal de €10.000,00, em duas de €5.000,00 cada, uma que cede a favor de G…, LDA., e outra a favor de H…, LDA., ambas pelo valor nominal, produzindo efeitos na presente data, tudo como resulta do teor da acta n.º 10, cuja cópia consta de fls. 196 e ss. destes autos (vd. doc. 2 junto com a contestação dos Réus), e que aqui se dá por integralmente reproduzido;
9) Na acta n.º 10, ficou ainda a constar que foi também proposto pelo Sr. C… ceder e cessar a sua quota com o valor nominal de €5.000,00 a favor de E…, LDA., tendo o representante legal da sociedade cessionária aceite a cessão de quotas, produzindo efeitos na presente data, em consequência do que, face à deliberação quanto ao ponto um, se passou ao ponto dois, tendo sido deliberado por unanimidade alterar o art.º 4.º do pacto social, dando- lhe a seguinte redação:
O capital social integralmente realizado é de €15.000,00, representado pelas seguintes quotas: a) uma quota com o valor nominal de €5.000,00 pertencente a G…, LDA., com sede na Rua da …, Lote ., ….-… …; b) uma quota com o valor nominal de €5.000,00 pertencente a F…, com sede na Rua …, n.º …, ….-… Matosinhos; c) uma quota com o valor nominal de €5.000,00 pertencente a E…, com sede na Rua …, n.º …, …, Matosinhos, Tendo tais deliberações sido por tomadas, tendo a acta sido assinada pelos sócios presentes, e representantes dos sócios nos termos ali identificados;
10) A cessão de quotas aludida no ponto anterior foi consentida pela sociedade H…, Lda;
11) No dia 5 de Dezembro de 2019 realizou-se uma outra Assembleia Geral da B…, Lda., constando da respectiva acta (acta n.º 11) que tinha como pontos da ordem de trabalhos constante da convocatória dirigida aos sócios: ponto um – deliberar sobre a nomeação para o cargo de gerente do Exm.º Sr. Dr. N… e Exm.º Sr. L…; ponto dois – deliberar sobre a alteração do pacto social, mediante a modificação do artigo oitavo número dois; mais tendo ali ficado consignado que se encontravam presentes os sócios que representam a totalidade do capital social, a saber, H…, Lda., titular de uma quota no valor de €10.000,00, representada pelo Exm.º Sr. L… com poderes para o ato através da carta de representação e o sócio Exm.º Sr. C…, titular de uma quota no valor nominal de €5.000,00,
12) Mais ficou consignado na acta n.º 11 que o Presidente da Assembleia, na qualidade de representante da sócia H…, Lda., propôs, dado reunir as condições previstas no art.º 378.º do Código das Sociedades Comerciais, aplicável por força do art.º 248.º do mesmo diploma, a inclusão na ordem de trabalhos do ponto terceiro, a saber: Retificação da deliberação da Assembleia Geral de 26 de Agosto de 2019, em que foi deliberado a prestação de consentimento da sociedade e dos sócios à divisão e posterior cessão da quota da sócia H…, Lda., no valor nominal de €10.000,00, em vez de duas de €5.000,00 cada, para a divisão em três quotas, uma no valor nominal de €9.700,00, que reserva e duas no valor nominal de €150,00 cada, uma que cede a favor de G…, LDA., e outra a favor de F…, LDA., ambas pelo valor nominal, proposta que foi aprovada com o voto contra do sócio C… e favorável da sócia H…, sendo que tendo sido dada entrada no aludido ponto três da Ordem de Trabalhos, o representante da sociedade cessionária G…, LDA., declarou aceitar a cessão nos termos atrás expostos, assim como o representante legal da sociedade cessionária F…, LDA., declarou aceitar a cessão de quotas nos termos atrás expostos, tendo a sociedade cedente declarado ter já recebido o preço de ambas, mais tendo sido aprovada, após colocada à votação, a retificação da deliberação da Assembleia Geral de 26.08.2019, nos termos propostos, com o voto contra do sócio C… e favorável da sócia H…, ou seja, o consentimento da sociedade e dos sócios à divisão e posterior cessão da quota da sócia H…, Lda., no valor nominal de €10.000,00 em três quotas, uma no valor nominal de €9 700,00 que reserva e duas no valor nominal de €150,00 cada, uma que cede a favor de G…, LDA., e outra a favor de F… , LDA., ambas pelo valor nominal já recebido, tendo o sócio C… votado contra a divisão dos montantes propostos, embora mantendo o voto favorável expresso na assembleia de 26 de Agosto de 2019;
13) A transmissão da quota de €5.000,00 do titular C… referente à Autora à sociedade E…, Lda ocorre em 27.06.2020 – Dep. 1090/2020-06-27) – vd. doc. 1 junto com a contestação dos Réus.
14) A transmissão da quota de €1.000,00 do titular C… referente à sociedade E…, Lda a I… ocorre em 30.06.2020 – Dep. 161/2020-06-30) – vd. doc. 1 junto com a contestação da Ré E…, Lda.
15) Após o registo da cessão de quotas em apreço, o Réu C… cedeu a sua quota na sociedade comercial aqui Ré E…, Lda. ao Dr. I…, à data mandatário do Réu C… nas acções judiciais com o n.º 44/20.6T8STS (vd. doc. de fls. 128 e ss. junto com a petição inicial) e 708/20.4T8STS (analisado via consulta citius).
16)A presente acção é registada em 26.08.2020 – Dep. 13264/2020-08-26 - vd. doc. 1 junto com a contestação dos Réus.
17) Por decisão proferida em 22.09.2020 e transitada em julgado em 30.09.2020 (vd. doc. 3 junto com a contestação), no Processo n.º 44/20.6T8STS, do Juiz 3 do Comércio de Santo Tirso, foi decidido o seguinte:
“Em face de todo o exposto, ter-se-á de concluir que a aludida cessão de quota do autor a favor da sociedade E… se concretizou e que, apesar de não ter sido submetida a competente registo, tal falta de qualidade de sócio é perfeitamente invocável por banda das aqui rés, e consequentemente decide-se pela ilegitimidade dos aqui autores, assim se absolvendo as rés da instância.-
Mas mesmo que assim se não entendesse, e se admitisse que o autor se teria mantido, para todos os efeitos, na qualidade de sócio da B…, Lda., sempre a presente demanda, em nosso entender, teria que improceder pelos argumentos igualmente esgrimidos na contestação junta aos autos.
Sem embargo de não concordarmos com o epíteto falacioso e pouco rigoroso de pretensa rectificação da deliberação da Assembleia Geral de 26 de Agosto de 2019 (concernente à divisão e posterior , pois que sob a capa de pretensa rectificação o que ali sucedeu ultrapassa em larga medida os precisos contornos de uma simples rectificação – o que justificaria eventualmente uma reacção contra a deliberação em si mesma – o certo é que somos de entender que não estão reunidas as condições que legitimam uma demanda como a presente.
Vejamos.
As cláusulas de preferência a favor de sócios ou da sociedade contidas no contrato de sociedade de uma sociedade por quotas não têm apenas a natureza de um mero pacto de preferência entre os contratantes. Aquelas cláusulas «constituem conteúdo próprio do contrato de sociedade e não um pacto de preferência ligado apenas materialmente ao contrato de sociedade.» - cfr. Raúl Ventura in “Sociedades por quotas”, I, pág. 613.
A questão centra-se, pois, na atribuição de eficácia real à cláusula de preferência, é dizer, quanto à sua admissibilidade e, em caso afirmativo, quais os requisitos de que depende a sua efectiva consagração.
Pela nossa parte, tendemos a aceitar a admissibilidade de cláusulas de preferência com eficácia real contidas no contrato de sociedade por quotas quanto à cessão de quotas, pelo menos, quando fica clausulada expressamente essa eficácia real no próprio contrato de sociedade, que deverá ser registado – v., neste sentido, Alexandre de Soveral Martins in “Cessão de quotas – cessão de quotas alguns problemas”, 2017, Almedina, pág. 113 e ss; Ac. do STJ de 23.03.1995 (relator: Sousa Inês), processo n.º 086206, in www.dgsi.pt, e Ac. do STJ de 12.09.2013 (relator: Sérgio Poças), processo n.º 388/04.4TYLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.-
Em primeiro lugar, a cláusula prevista no art.º 6.º do pacto social da B… em nada afronta o disposto nos artigos 228.º e 229.º, n.º 5, do CSC, pois que tal direito de preferência de modo nenhum subordina os efeitos da cessão a requisito diferente do consentimento da sociedade nem de modo algum condiciona aquele consentimento.
Não há dúvidas de que se trata, então, de uma cláusula legal. Mas terá eficácia real?
Com esta eficácia real, o titular do direito de preferência poderá, perante a violação do seu direito mediante transmissão a outrem, intentar a correspondente acção de preferência, o que já não sucederá se tal cláusula revestir mera eficácia obrigacional.
Seguindo de perto o já enunciado Acórdão do STJ, relatado pelo Sr. Juiz Conselheiro Sérgio Poças (de 12.09.2013), é nosso entendimento que para que tal clausulado possa ser dotado de eficácia real, esta tenha que constar expressamente do texto social em causa, e dir-se-á que esta exigência justificar-se-á por estarmos precisamente a falar de eficácia real, é dizer, por se tratar, ao fim e ao cabo, de um direito real de aquisição.
Esta exigência, parece-nos que faz todo o sentido perante a necessidade de alertar as partes para a especial natureza da cláusula em questão, e se as partes querem o mais deverão convencionar isso mesmo.
Um argumento mais a favor da necessidade de convenção de atribuição de eficácia real retira-se do panorama que encontrávamos antes da entrada em vigor do actual Código Civil ( e portanto antes de contarmos com o art.º 421.º deste último), pois que era então discutido se o direito de substituição do preferente estaria ou não acolhido. Ora, se a questão era discutida, é fácil de concluir que a lei, se quisesse optar pela atribuição da eficácia real sem mais, teria dito isso mesmo de forma clara.
Atentemos, então, na lei.
Dispõe o art.º 421.º do Código Civil que o direito de preferência pode, por convenção das partes, gozar de eficácia real se, respeitando a coisas imóveis ou a móveis sujeitos a registo, forem observados os requisitos de forma e de publicidade exigidos no art.º 413.º.
Lido o enunciado art.º 413.º do CC, verifica-se que tem de haver declaração expressa de atribuir eficácia real e inscrição no registo.
Ora, como será isento de controvérsia, no pacto social “sub judice” não existe qualquer declaração expressa no sentido de atribuir eficácia real ao direito de preferência estipulado, sendo que, de igual modo, não nos parece ser de aceitar a existência de uma declaração tácita nesse sentido, como propugnam os autores. Desde logo, não faz sentido apelar ao esvaziamento do conteúdo e utilidade de tal cláusula caso não se lhe “colasse” tal efeito erga omnes, pois que tal equivaleria a retirar qualquer conteúdo à preferência com eficácia meramente obrigacional, o que carece de fundamento.
Analisando o referido art.º 6.º do pacto social, no seu todo, entendemos, pois, que nem sequer de modo implícito os sócios quiseram atribuir eficácia real ao direito de preferência.
E não tendo o direito de preferência de que os autores se pretendem fazer valer através da presente demanda eficácia real, não é possível àqueles recorrer a esta acção de preferência prevista no art.º 1410.º do Código Civil.
O ora explanado, sempre dispensaria, por desnecessária a apreciação do requisito da publicidade no Registo Comercial, e permitiria concluir, como acima “ab initio” afirmado, pelo naufrágio da presente acção, por manifesta improcedência ou inadmissibilidade legal.
*
Decisão.
Pelo exposto, decido julgar os autores partes ilegítimas, e, em consequência, absolver da instância as aqui rés “H…, Lda.”, “G…, Lda.” e “G…, Lda.””.
18) A Ré E…, Lda. é uma sociedade por quotas, com o objecto social de serviços de consultoria e assistência operacional a empresas ou organismos em diversas matérias, como organização, controlo, informação, planeamento, gestão financeira, processos de controlo orçamental, gestão de estratégias de marketing, expansão e reorganização de empresas a nível nacional e internacional; comércio por grosso ou a retalho, importação e exportação de peças ou equipamentos para o sector industrial; gestão da sua carteira de títulos; compra e venda e aluguer de imóveis, móveis de natureza diversa, marcas registadas, patentes e direitos de autor – conforme certidão permanente com o código de acesso 4727-0572-7882 que se junta sob o documento n.º 1 e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.
19) À data da sua constituição a Ré teve como sócio-gerente o Réu C…, titular da quota de valor nominal de 1.000,00 €uros.
20) Mediante contrato de cessão de quotas o Réu C… cedeu a totalidade da sua quota ao Sr. I…, o qual passou a figurar como sócio único e gerente da sociedade Ré – conforme documento n.º 1 junto e se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais.

IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
1. Dos factos alegados nos artigos 75.º a 83.º da resposta da Autora às excepções deduzidas pelos primeiros Réus.
Na sequência do despacho datado de 11.11.2020, a Autora apresentou resposta às excepções invocadas na contestação dos Réus C… e D…, introduzindo no referido articulado, que finda pedindo a improcedência das excepções e admissão dos documentos juntos com o mesmo, os factos novos constantes dos artigos 75.º a 83.º, o que deu origem ao despacho proferido a 5.01.2021, do qual consta designadamente: “ao abrigo do art.º 590.º, n.º 3 do CPC, notifique os Réus (pessoas singulares e pessoa coletiva) para, em dez dias, informarem se aceitam a ampliação da causa de pedir, nos termos do art.º 264.º do CPC ou se confessam a mesma (Réu C…), nos termos do art.º 265.º, n.º 2 do CPC.
Não aceitando ou confessando os Réus tal matéria, de acordo com o princípio da estabilidade da instância, nos termos do art.º 260.º do CPC, manter-se-á a instância quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir constantes da petição inicial, contestações e articulado de resposta na parte admitida pelo Tribunal, nos termos do despacho proferido em 11.11.2020 (referência 419074218).
Sendo oferecida resposta ao convite por parte dos Réus, concedo o prazo de dez dias à Autora para querendo responder a tal requerimento (vd. art.º 3.º, n.º 3 do CPC)”.
Notificadas todas as partes, incluindo a própria Autora[1], todos os Réus manifestaram a sua oposição à ampliação da causa de pedir, negando também os primeiros Réus a confissão dos novos factos articulados.
Garantido o contraditório à Autora, respondeu a mesma pugnando pela admissibilidade da matéria alegada nos artigos 75.º a 83.º da resposta às excepções, nos termos do n.º 2 do artigo 265.º do Código de Processo Civil, ou, não se entendendo assim, como factos supervenientes, de acordo com o artigo 588.º do mesmo diploma legal.
Começa a decisão recorrida por apreciar a questão em debate, fazendo-o no seguintes termos:
Conforme resultava do despacho proferido em 05.01.2021, não tendo os Réus aceite ou confessado tal matéria, de acordo com o princípio da estabilidade da instância, nos termos do art.º 260.º do CPC, manter-se-ia a instância quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir constantes da petição inicial, contestações e articulado de resposta na parte admitida pelo Tribunal, nos termos do despacho proferido em 11.11.2020 (referência 419074218).
Veio agora a Autora referir que, não se aceitando tratar-se de causas de pedir, senão totalmente idênticas, pelo menos integradas no mesmo complexo de factos e no mesmo período temporal e não implicam convolação para relação jurídica diversa da controvertida (art.º 265.º, n.º 6 do CPC), ou caso não se entendendo dessa forma se tratam de factos supervenientes, nos termos do art.o 588.º, n.º 1 do CPC.
A Autora aproveitou o articulado de resposta (referência 37259419) e introduziu os factos 77 a 83, referindo que veio à data apurar tais factos.
No requerimento em apreço, a Autora não mencionou que se tratava de ampliação da causa de pedir ou de factos supervenientes, aproveitando-se do articulado de resposta às exceções para introduzir os novos factos.
Conforme foi mencionado no despacho proferido em 05.01.2021 (referência 420557280), a matéria constante dos artigos 75.º a 83.º é uma ampliação da causa de pedir da presente ação e poderia também ampliar a causa de pedir matéria da ação que corre termos com o processo n.º 1632/20.6T8STS, no Juiz 1 deste Juízo de Comércio, ação de responsabilidade, proposta pela sociedade autora, para o exercício do direito de indemnização em relação ao gerente, ora Réu C…, nos termos e para os efeitos do art.º 75.º do CSC.
Foi precisamente isso que ocorreu, pois a Autora veio também, em sede de articulado de resposta às exceções (referência 37341264), alegar a mesma matéria nos artigos 94.º a 106.º de tal requerimento no Processo n.º 1632/20.6T8STS, no Juiz 1 deste Juízo de Comércio, denominando a mesma como da ampliação do pedido, situação processual que ainda está em discussão (processo consultado via citius).
Ora, é precisamente esse o entendimento do Tribunal, ou seja, a matéria constante dos artigos 75.º a 83.º é uma ampliação da causa de pedir da presente ação.
Pelo exposto, e conforme resultava do despacho proferido em 05.01.2021 (referência 420557280), não tendo os Réus aceite ou confessado tal matéria, de acordo com o princípio da estabilidade da instância, nos termos do art.º 260.º do CPC, manter-se-á a instância quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir constantes da petição inicial, contestações e articulado de resposta na parte admitida pelo Tribunal, nos termos do despacho proferido em 11.11.2020 (referência 419074218).
É também contra esta parte da decisão que se insurge a Autora no recurso que interpôs.
Aproveitando o articulado de resposta às excepções deduzidas pelos contestantes C… e D…, a Autora introduziu nos artigos 75.º a 83.º matéria nova, que claramente não se enquadra na resposta às ditas excepções.
Não autonomizou a Autora a matéria em causa, não a qualificou e dela não extraiu outras consequências jurídicas além da reclamada improcedência das excepções.
Como precisa o n.º 3 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, “O juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação das regras de direito”, o que, naturalmente, não desonera a parte de identificar a pretensão visada com a alegação de novos factos factos.
Como resulta do n.º 1 do artigo 5.º do Código de Processo Civil, “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as exceções invocadas”.
A petição inicial é o instrumento processual próprio para o autor proceder à exposição dos factos essenciais que integram a causa de pedir e razões de direito que fundamentam a pretensão prosseguida com a acção por si proposta[2], constituindo, por sua vez, a contestação o meio de que o réu dispõe para deduzir a sua defesa, podendo fazê-lo por impugnação e/ou excepção, devendo nela “expor as razões de facto e de direito por que se opõe à pretensão do autor” e “expor os factos essenciais em que se baseiam as exceções deduzidas, especificando-as separadamente, sob pena de os respetivos factos não se considerarem admitidos por acordo por falta de impugnação”[3].
O artigo 588.º do Código de Processo Civil permite às partes, a quem aproveitem, deduzir factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem supervenientes, em articulado posterior ou em novo articulado, fixando o n.º 3 o prazo para a sua apresentação.
O n.º 3 do referido normativo define, para o efeito, o conceito de factos supervenientes, fazendo recair sobre a parte que os invoque a prova da alegada superveniência.
Por sua vez, dispõe o artigo 260.º do mesmo diploma legal, que consagra o princípio da estabilidade da instância, determina: “Citado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei”.
Assim, após a citação do réu, a modificação dos elementos subjectivos ou objectivos da instância só pode operar nos estritos limites consentidos pelos artigos 261.º a 265.º do Código de Processo Civil.
No que concerne especificamente à modificação dos elementos objectivos (causa de pedir e pedido), havendo acordo das partes, os mesmos “podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1.ª ou 2.ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito”[4].
Na falta de acordo, a modificação só pode ocorrer verificados os pressupostos exigidos pelo artigo 265.º, cujo n.º 1 determina: “Na falta de acordo, a causa de pedir só pode ser alterada ou ampliada em consequência de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, devendo a alteração ou ampliação ser feita no prazo de 10 dias a contar da aceitação”.
No silêncio da Autora quanto ao enquadramento jurídico dos novos factos por si articulados, entendeu o Sr. Juiz que os mesmos integravam ampliação da causa de pedir. E expressou claramente esse entendimento no despacho de 5.11.2020.
Só perante a oposição manifestada pelos Réus a essa ampliação e a negação da confissão manifestada pelos primeiros Réus veio a Autora sustentar que a matéria por si alegada no aludido articulado constitui ampliação do pedido, sendo tal ampliação desenvolvimento ou consequência do pedido primitivo e, por isso, consentida pelo artigo 265.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, ou, ainda que assim se não entenda, devem aqueles factos ser admitidos como supervenientes à luz do n.º 2 do artigo 588.º do mesmo diploma.
Os factos alegados nos artigos 75.º a 83.º não respeitam, todavia, nenhum dos requisitos exigidos pelo referido normativo[5].
Tal como não integram ampliação do pedido, não se enquadrando na previsão do n.º 2 do artigo 265.º.
Tais factos traduzem sim uma ampliação da causa de pedir, que, na falta de acordo dos Réus, e na ausência da confissão exigida pelo n.º 1 do artigo 265.º, não pode ser admitida, como bem equacionou a decisão sob recurso.
2. Das excepções da ilegitimidade e do caso julgado.
A noção legal de legitimidade, quer activa, quer passiva, encontra-se plasmada actualmente no artigo 30.º do Código de Processo Civil.
De acordo com o n.º 1, do referido dispositivo, “o autor é parte legítima quando tem interesse directo em demandar; o réu é parte legítima quando tem interesse directo em contradizer”.
Por sua vez, o n.º 2 do mesmo normativo esclarece que o interesse em demandar exprime-se pela utilidade derivada da procedência da acção, e o interesse em contradizer pelo prejuízo que dessa procedência advenha, precisando o n.º 3 que “na falta de indicação da lei em contrário, são considerados titulares do interesse relevante para o efeito da legitimidade os sujeitos da relação controvertida, tal como é configurada pelo autor”.
No plano doutrinário, sobressaíram, a propósito de tal questão, as teses defendidas por José Alberto dos Reis e Barbosa de Magalhães.
Enquanto que para o primeiro era parte legítima o titular da efectiva relação jurídica controvertida, tal como se configura na realidade, para o segundo a legitimidade deve averiguar-se em face da relação jurídica controvertida, tal como a desenha o Autor.
“A questão da legitimidade tem a ver com a posição relativa das partes face à relação material controvertida tal como a configura o autor na petição inicial”[6], posição que encontrava no nº 3 do pretérito artigo 26.º, que o actual artigo 30.º reproduz, o seu fundamento legal.
Com efeito, “a legitimidade (...) é uma posição das partes em relação ao objecto do processo e tem de aferir-se pelos termos em que o demandante configura o direito invocado e a ofensa que lhe é feita”[7].
Vale dizer: não havendo coincidência entre os conceitos de legitimidade processual e legitimidade substantiva, para a determinação da primeira deve considerar-se a relação material controvertida tal como é invocada pelo autor, visto que é sempre impossível averiguar se os autores e os réus são efectivamente sujeitos dessa relação sem que tal averiguação venha a traduzir-se no conhecimento do mérito da causa”[8].
Para Manuel de Andrade[9], “a legitimidade não é (...) uma qualidade pessoal das partes (como a capacidade), mas uma certa posição delas em face da relação material litigada. Ela corresponde, grosso modo, ao conceito civilista de poder de disposição, ampliado, porém, de forma a abarcar, vg., a faculdade de constituir uma dada relação jurídica, e não apenas a de modificar ou extinguir. É o poder de dispor do processo - de o conduzir ou gestionar no papel de parte...”.
Como se escreveu no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 02.06.2015[10], “a filosofia em que assenta esta nova redefinição do paradigma do estabelecimento do critério da legitimidade das partes, na esteira da posição doutrinária de Barbosa de Magalhães [...], na querela que o opôs a Alberto dos Reis, tem por base a consideração de que a questão da titularidade ou pertinência da relação material controvertida se interliga, fortemente, com a apreciação do mérito da causa, ao passo que os pressupostos em que se baseia, quer a legitimidade plural [litisconsórcio], quer a legitimação indirecta [representação ou substituição processual] aparecem, geralmente, destacados do objecto do processo, enquanto questões prévias, condicionando a possibilidade da prolação de decisão sobre o mérito da causa.
É a legitimidade processual aferida pela relação das partes com o objecto da acção, consubstanciada na afirmação do interesse daquelas nesta, podendo acontecer situações em que a esses titulares não seja reconhecida a legitimidade processual, ao passo que, quanto a certos sujeitos, que não são titulares do objecto do processo, pode vir a ser reconhecida essa legitimidade[...].
Assim, a mera afirmação pelo autor de que ele próprio é o titular do objeto do processo não apresenta relevância definitiva para a aferição da sua legitimidade, que, aliás, não depende da titularidade, ativa ou passiva, da relação jurídica em litígio, sendo manifesta a existência de legitimidade processual nas acções que terminam com a improcedência do pedido fundada no reconhecimento de que ao autor falta legitimidade substantiva, pelo que, só em caso de procedência da acção, passa a existir fundamento material para sustentar, «a posteriori», quer a legitimidade processual, quer a legitimidade material, e ainda que, sempre que o Tribunal reconhece a inexistência do objeto da acção ou a sua não titularidade, por qualquer das partes, essa decisão de improcedência consome a apreciação da ilegitimidade da parte, pelo que, de uma forma algo redutora, as partes são consideradas dotadas de legitimidade processual até que se analise e aprecie a sua legitimidade substantiva”.
A construção da legitimidade pressupõe dois conceitos distintos: a legitimidade processual e a legitimidade material ou substantiva.
Como referem Lebre de Freitas, João Redinha e Rui Pinto[11], “a legitimidade é, no campo do direito material, um conceito de relação – relação entre o sujeito e o objecto do acto jurídico. Encarada essa relação na perspectiva do sujeito, exprime a posição pessoal deste nessa relação, justificativa de que se ocupe juridicamente do objecto (Castro Mendes, Teoria geral do direito civil, Lisboa, Associação Académica da Faculdade de Direito, 1979, ps. 72-73) e postulando, em regra, a coincidência entre o sujeito do acto jurídico e o interesse por ele posto em jogo (Isabel Magalhães Colaço, Da legitimidade do acto jurídico, BMJ 10, ps. 38 e 78)”.
Esclarecem Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio e Nora[12] que “não basta assim saber quem são as partes (em sentido formal) no processo (...). Para que o juiz se possa pronunciar sobre o mérito da causa, importa ainda saber quais devem ser as partes em sentido substancial, porque só a intervenção destas em juízo garante a legitimidade para a acção”.
E Castro Mendes[13], contrapondo-a à legitimidade processual, refere a propósito da legitimidade material: “por vezes, a própria lei [...] usa o termo noutro sentido: para designar o complexo de qualidades que representam pressupostos da titularidade, por um sujeito, de certo direito que invoque”.
E mais à frente acrescenta: “Ora, a lei e a doutrina e a linguagem corrente falam em legitimidade para designar essas qualidades subjectivas da titularidade do direito. A falta delas dará lugar, na mesma terminologia, a uma ilegitimidade. [...] Se o tribunal conclui pela ilegitimidade, entra no mérito da causa [...] e profere uma absolvição do pedido”.
Alegando, designadamente, que o Réu “através da sua conduta é responsável por gastos cujo nexo de causalidade não evidencia relação com a actividade da empresa, nem obtenção ou a garantia de rendimentos para a mesma, efectuou pagamentos a sociedades em seu benefício pessoal, adquiriu bens e serviços para seu proveito próprio e da R. mulher, sem qualquer autorização ou conhecimento dos sócios, bem como, tem vindo a interpor acções contra a sociedade e sócios, prejudicando, assim, voluntariamente os interesses da A., em benefício próprio” interpôs a Autora acção contra o Réu C… e esposa e contra “E…, Lda.”, pedindo que seja decretada a imediata exclusão dos RR., como sócios da sociedade A. «B…, Lda.», devendo operar a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade E… Lda.
Começa a Autora por referir – artigo 4.º da petição inicial – que “Na assembleia geral de sócios da A., de 9 de Maio de 2020, foi deliberado excluir o sócio marido, por comportamentos desleais e gravemente perturbadores do funcionamento da sociedade, que lhe causaram prejuízos relevantes...”. Argumenta a Autora para convencer que os seus reais e efectivos sócios são os primeiros Réus e não a sociedade “E…, Lda.
Os Réus C… e D… contrapõem na sua contestação que já não são detentores de qualquer quota no capital social da Autora, adiantando que o Réu C… solicitou o consentimento da Autora e dos restantes sócios da mesma para proceder à cessão da quota por si detida na mesma, no valor nominal de €5.000,00 a favor da sociedade comercial “E…, Lda.”, tendo tal consentimento sido prestado em sede de assembleia geral da Autora realizada no dia 26 de Agosto de 2019”.
A decisão recorrida dá como assente[14], entre o mais que:
- A transmissão da quota de €5.000,00 do titular C… referente à Autora à sociedade E…-Unipessoal, Lda ocorre em 27.06.2020 – Dep. 1090/2020-06-27) – vd. doc. 1 junto com a contestação dos Réus: ponto 13.º.
- A transmissão da quota de €1.000,00 do titular C… referente à sociedade E… -Unipessoal, Lda a I… ocorre em 30.06.2020 – Dep. 161/2020-06-30) – vd. doc. 1 junto com a contestação da Ré E…-Unipessoal, Lda.: ponto 14.º;
- Após o registo da cessão de quotas em apreço, o Réu C… cedeu a sua quota na sociedade comercial aqui Ré E… Unipessoal, Lda. ao Dr. I…, à data mandatário do Réu C… nas acções judiciais com o n.º 44/20.6T8STS (vd. doc. de fls. 128 e ss. junto com a petição inicial) e 708/20.4T8STS (analisado via consulta citius): ponto 15.º.
- A presente acção é registada em 26.08.2020 – Dep. 13264/2020-08-26 - vd. doc. 1 junto com a contestação dos Réus: ponto 16.º
Ou seja, como precisa a sentença aqui objecto de sindicância:
Quando a presente ação foi interposta em 08.08.2020 e registada em 26.08.2020 (facto 16), já havia ocorrido e sido registada a transmissão da quota de €5.000,00 do titular C… referente à Autora à sociedade E…-Unipessoal, Lda que ocorre em 27.06.2020 – Dep. 1090/2020-06-27) (facto 13), bem a transmissão da quota de €1.000,00 do titular C… referente à sociedade E…- Unipessoal, Lda a I… que ocorre em 30.06.2020 – Dep. 161/2020-06-30) (facto 14).
E se é verdade que o Réu C… cedeu a sua quota na sociedade comercial Ré E… Unipessoal, Lda. ao Dr. I…, à data mandatário do Réu C… nas ações judiciais com o n.º 44/20.6T8STS e 708/20.4T8STS (facto 15), tal não significa que continue a ser o Réu C… o verdadeiro titular da quota E… Unipessoal, Lda. e por sua vez titular da quota da Autora.
Mesmo estando assente a cronologia dos factos que se inicia com a assembleia geral de sócios da Autora, de 9 de maio de 2020, em que foi deliberado excluir o sócio marido, por comportamentos desleais e gravemente perturbadores do funcionamento da sociedade, constata-se que todos os factos enunciados pela Autora no articulado de resposta (arts. 3.º a 48.º) são anteriores aos factos assentes n.º 13 a 17, sendo que os mesmos têm plena eficácia e validade sobre as partes e para terceiros.
Na prática, tal traduz-se no facto de, a partir de 30.06.2020 quem é titular da quota da Autora é a sociedade E…-Unipessoal, Lda, sendo titular da quota e gerente da mesma o Dr. I…”.
Quando a acção é proposta, e posteriormente registada, visando “a imediata exclusão dos RR., como sócios da sociedade A. «B…, Lda.»”, já o Réu C… havia cedido a quota nominal de €5.000,00 que detinha na B… à sociedade E…-Unipessoal, Lda., e registada essa transmissão, também a quota de €1.000,00 de que era titular em relação a esta última sociedade, transmissão essa operada a favor de I…, sócio único e gerente da sociedade E…-Unipessoal, Lda.
Acresce que na assembleia geral da Autora B…, Lda., realizada a 26.08.2019, o Réu C…, então sócio da referida sociedade, solicitou a prestação de consentimento por parte dos restantes sócios da mesma para a cessão da sua quota à sociedade E…-Unipessoal, Lda., de que também era sócio à data, tendo o consentimento solicitado sido prestado.
Cessão que a sentença proferida no processo n.º 44/20.6T8STS, do Juiz 3 do Comércio de Santo Tirso, a 22.09.2020 e transitada em julgado em 30.09.2020 considerou válida e operante naquela data.
Aí se escreveu: “Procedendo à análise de tudo quanto se processou e resultou consignado na acta n.º 10 (assembleia de 26.08.2019), verifica-se que o ponto um da ordem de trabalhos previa expressamente a realização de cedências de quotas e prestação do necessário consentimento da sociedade B… e dos sócios, sendo que, efectivamente pelo sócio C… (ali presente) foi proposto ceder e cessar a sua quota com o valor nominal de €5.000,00 a favor de E… Unipessoal, Lda., tendo o representante legal da sociedade cessionária declarado aceitar a cessão de quotas nos termos expostos, mais se consignando que tal cessão produziria efeitos naquela data.
Ora, àquela data eram sócios da sociedade B…, Lda., o aqui autor C… e a primeira ré H…, em razão do que tendo sido considerado assente que a referida cessão de quota a favor da E…, Unipessoal, Lda. foi, de facto, consentida pela primeira ré, e que, atendendo ao texto global da aludida acta, também a B… terá consentido (pelo menos tacitamente) seremos forçados a concluir que os necessários requisitos legais e estatutários foram efectivamente observados. De resto, mais tendo ficado acordado e consignado que tal cessão teria efeitos imediatos, nada de irregular se detecta ter existido.
É certo que se constata que tal cessão não foi sujeita a registo (v. certidão do registo comercial respeitante à B…, junta aos autos), o que faz com que tal cessão não possa ser oposta a terceiros, mas essa circunstância não impede que os seus efeitos, inter partes, se tornem operantes.
[...]
A ser assim, parece-nos que a cessão da quota do aqui autor poderá ser alegada e poderão dela prevalecer-se os aqui 2.º e 3.º réus.
Por outro lado, haverá que considerar o preceituado no art.º 228.º do Código das Sociedades Comerciais que estabelece que a transmissão de quota entre vivos torna-se eficaz para com a sociedade logo que lhe for comunicada por escrito ou por ela reconhecida, expressa ou tacitamente, mas também a circunstância da lei (art.º 242.º A, do CSC) estabelecer que são ineficazes relativamente à sociedade os factos relativos a quotas “enquanto não for solicitada, quando necessária, a promoção do respectivo registo”.
Contudo, estas disposições têm aplicabilidade prática em relação à própria sociedade, é dizer, em relação à sociedade B…, Lda., ente este que não é parte nestes autos e que não se confunde com a primeira ré (esta era e é apenas um dos seus sócios ou detentor de participação social)”.
Na referida acção os Autores – aqui primeiros Réus - foram julgados partes ilegítimas e absolvidos os Réus da instância precisamente com o fundamento de que C… não tinha qualquer relação societária com a B…, Lda. por na assembleia geral desta, realizada a 26.08.2019 ter solicitado aos restantes sócios consentimento para ceder a quota de que nela era titular à sociedade E… Unipessoal, Lda., consentimento que foi nesse acto prestado.
Uma decisão transita em julgado quando não seja susceptível de recurso ordinário ou de reclamação, e a excepção de caso julgado destina-se a “evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”[15].
Segundo o artigo 619.º, n.º 1 do Código de Processo Civil, “transitada julgado a sentença ou o despacho saneador que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele nos limites fixados pelos artigos 580º e 581º, sem prejuízo do disposto nos artigos 696º a 702.º.
Dispõe, por seu turno o artigo 621.º do mesmo diploma legal que, “a sentença constitui caso julgado nos precisos limites e termos em que julga: se a parte decaiu por não estar verificada uma condição, por não ter decorrido um prazo ou por não ter sido praticado determinado facto, a sentença não obsta a que o pedido se renove quando a condição se verifique, o prazo se preencha ou o facto se pratique”.
De acordo com o n.º 1 do artigo 580.º do CPC, “as excepções de litispendência e do caso julgado pressupõem a repetição de uma causa; se a causa se repete estando a anterior ainda em curso, há lugar à listispendência; se a repetição se verifica depois de a primeira causa ter sido decidida por sentença que já não admite recurso ordinário, há lugar à excepção do caso julgado”.
Por sua vez, o artigo 581.º do mesmo diploma legal, que fixa os requisitos da litispendência e do caso julgado, prescreve:
1 - Repete-se a causa quando se propõe uma ação idêntica a outra quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir.
2 - Há identidade de sujeitos quando as partes são as mesmas sob o ponto de vista da sua qualidade jurídica.
3 - Há identidade de pedido quando numa e noutra causa se pretende obter o mesmo efeito jurídico.
4 - Há identidade de causa de pedir quando a pretensão deduzida nas duas ações procede do mesmo facto jurídico. Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real; nas ações constitutivas e de anulação é o facto concreto ou a nulidade específica que se invoca para obter o efeito pretendido.
De acordo com o acórdão da Relação de Lisboa de 18.4.2013[16], “A autoridade de caso julgado de sentença transitada e a excepção de caso julgado constituem efeitos distintos da mesma realidade jurídica. Enquanto esta tem em vista obstar à repetição de causas e implica a tríplice identidade - de sujeitos, de pedido e de causa de pedir - aquela implica a proibição de novamente ser apreciada certa questão, podendo actuar independentemente da mencionada tríplice identidade.
Para o Prof. Manuel de Andrade[17] a excepção do caso julgado traduz-se em a definição dada à relação controvertida se impor a todos os tribunais quando lhes seja submetida a mesma relação, todos tendo de acatá-la, julgando em conformidade, sem nova discussão e de modo absoluto, com vista não só à realização do direito objectivo ou à actuação dos direitos subjectivos privados correspondentes, mas também à paz social.
O instituto do caso julgado encerra em si duas vertentes, que, embora distintas, se complementam: uma, de natureza positiva, quando faz valer a sua força e autoridade, que se traduz na exequibilidade das decisões; a outra, de natureza negativa, quando impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo mesmo ou por outro tribunal[18].
A autoridade do caso julgado justifica-se/impõe-se pela necessidade da certeza e da segurança nas relações jurídicas. E essa autoridade não é retirada, nem posta em causa mesmo que a decisão transitada em julgado não tenha apreciado correctamente os factos ou haja interpretado e aplicado erradamente a lei: no mundo do Direito tudo se passa como se a sentença fosse a expressão fiel da verdade e da justiça[19].
De extrema pertinência revelam-se os ensinamentos do Prof. Castro Mendes[20], a propósito do efeito preclusivo do caso julgado: “Fora da hipótese de factos objectivamente supervenientes – e esta hipótese reconduz-se à ideia dos limites temporais do caso julgado: a sentença só é válida «rebus sic stantibus» - cremos que os «contradireitos» que o réu podia fazer valer são ininvocáveis contra o caso julgado. O fundamento essencial do caso julgado não é de natureza lógica, mas de natureza prática; não há que sobrevalorizar o momento lógico do instituto, por muito que recorramos a ele na técnica e construção da figura. «O que se converte em definitivo com o caso julgado não é a definição de uma questão, mas o reconhecimento ou não reconhecimento de um bem»”.
E adianta, esclarecidamente, o mesmo autor: “a paz e a ordem na sociedade civil não permitem que os processos se eternizem e os direitos das partes reconhecidos pelo juiz após uma investigação conduzida pelo juiz de acordo com as normas legais voltem a ser contestados sob qualquer pretexto.
Outro problema que se põe é o de saber se esta figura do efeito preclusivo pertence ao instituto do caso julgado, ou lhe é estranha.
A dogmática tradicional e dominante integra-o no caso julgado. Uma regra clássica diz-nos aqui que tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat, o caso julgado abrange aquilo que foi objecto de controvérsia, e ainda os assuntos que as partes tinham o ónus (não o dever) de trazer à colação; neste último caso, estão os meios de defesa do réu.
(…) Outros autores veem este efeito preclusivo como efeito da sentença transitada, mas efeito distinto do caso julgado.
(…) Apreciando esta construção, notaremos antes de mais estarmos inteiramente de acordo com Schwab, quando este salienta que «não tem qualquer relevância prática, se os factos são excluídos com fundamento na eficácia do caso julgado ou com fundamento numa preclusão estranha ao caso julgado». O próprio Habscheid reconhece que caso julgado e efeito preclusivo «ambos se completam, ambos prosseguem o mesmo fim», tutela da paz e da segurança jurídica e chama ao efeito preclusivo «princípio-irmão» do caso julgado material.
(…) A indiscutibilidade de uma afirmação, o seu carácter de res judicata, pode resultar pelo contrário tanto de uma investigação judicial, como do não cumprimento dum ónus que acarrete consigo vi legis esse efeito. Sucede isso no processo cominatório pleno, em que faz caso julgado uma questão decidida apenas pela aplicação de normas de direito processual civil. E sucede ainda a respeito das questões que as partes têm o ónus de suscitar, sob pena de serem ulteriormente irrelevantes para impugnar ou defender uma situação jurídica acertada ou rejeitada em termos de caso julgado.”
O caso julgado confere à decisão caráter definitivo. Uma vez transitada em julgado, a decisão não pode, em princípio[21], ser alterada; antes adquire estabilidade, deixando de ser lícito a parte vencida provocar a sua alteração mediante o uso dos recursos ordinários. E sendo de caso julgado material, relativo ao mérito da causa, a estabilidade ultrapassa as fronteiras do processo, e portanto, além da preclusão operada no processo, produz-se a impossibilidade de a decisão ser alterada mesmo noutro processo. Apenas com a restrição excepcional do recurso de revisão, uma vez transitada em julgado, a sentença passa a definir, de forma definitiva, a relação jurídica sobre que recaiu.
Quer na sua função positiva de autoridade, quer na função negativa, que impede que a mesma causa seja novamente apreciada pelo tribunal[22], é a necessidade de certeza do direito e da segurança das relações jurídicas que se acautela: “desde que uma sentença, transitada em julgado, reconhece a alguém certo benefício, certo direito, certos bens, é absolutamente indispensável, para que haja confiança e segurança nas relações sociais, que esse benefício, esse direito, esses bens constituam aquisições definitivas, isto é, que não lhe possam ser tirados por uma sentença posterior. Se assim não fosse, se uma nova sentença pudesse negar o que a primeira concedeu, ninguém podia estar seguro e tranquilo; a vida social, em vez de assentar sobre uma base de segurança e de certeza, ofereceria o aspecto da insegurança, da inquietação, da anarquia. …A força e a autoridade derivam … da necessidade superior de certeza e segurança jurídica[23].
A força do caso julgado assenta, pois, na necessidade de assegurar a certeza das situações jurídicas apreciadas, nos termos em que o foram, que é inerente às decisões definitivamente julgadas, pressupondo a existência de uma conexão que impeça que a primeira decisão, transitada em julgado, seja contraditada pela segunda.
Em regra, o caso julgado forma-se sobre a parte decisória da sentença, não sobre os motivos ou fundamentos da decisão (teoria limitativa). Em princípio, estes não são mais do que elementos interpretativos e definidores do alcance da parte dispositiva da decisão. O julgado sobre os motivos só ganha relevância em relação a aspectos que poderiam ser objecto de processo autónomo, no qual sobre eles se formaria o caso julgado nos termos normais[24]. Todavia, tem-se entendido que a determinação dos limites objectivos do caso julgado e a sua eficácia passam pela interpretação do conteúdo da sentença, nomeadamente, quanto aos seus fundamentos que se apresentem como antecedentes lógicos necessários à parte dispositiva do julgado.[25]. Como precisa o acórdão do STJ de 12.1.2010[26], “o caso julgado forma-se, em princípio, sobre a decisão contida na sentença ou no acórdão, e não sobre as razões que determinaram o juiz a atingir as soluções que deu às várias questões que teve de resolver para chegar à conclusão final, a menos que se tenha de recorrer à respectiva parte motivatória para reconstituir e fixar o seu verdadeiro conteúdo, em virtude de a fundamentação da sentença ou do acórdão constituir um pressuposto lógico e necessário da decisão”.
Também J. Alberto dos Reis já defendia que a ideia de que a força do caso julgado se deva limitar à parte dispositiva da sentença tem de sofrer restrições, sustentando que “há que atender aos fundamentos ou motivos para interpretar devidamente a parte dispositiva, isto é, para fixar, com precisão, o sentido e alcance desta parte”.
Segundo Teixeira de Sousa[27], “além da eficácia «inter partes» - que o caso julgado possui sempre -, o caso julgado também pode atingir terceiros. Tal sucede através de uma de duas situações: a eficácia reflexa do caso julgado e a extensão do caso julgado a terceiros. Aquela eficácia verifica-se quando a acção decorreu entre todos os interessados directos (quer activos, quer passivos) e, portanto, esgotou os sujeitos com legitimidade para discutir a tutela judicial de uma situação jurídica, pelo que aquilo que ficou decidido entre os legítimos contraditores (…) deve ser aceite por qualquer terceiro”.
Ainda de acordo com o mesmo autor, “da circunstância de o efeito reflexo depender da presença em juízo de todos os interessados directos resulta que, numa acção em que é alegado um direito absoluto, o caso julgado da respectiva decisão nunca pode realizar aquele efeito. Como esse direito não é individualizado por qualquer sujeito vinculado (exactamente pela ausência de qualquer relação), não é possível delimitar os interessados directos que devem ser demandados para que se realize essa eficácia reflexa. Portanto, nenhum titular de um direito incompatível fica vinculado a aceitar um direito absoluto reconhecido em juízo entre terceiros. (…).
Diferente é a situação quanto aos direitos relativos, porque as razões relativas em que se baseiam esses direitos decorrem de uma relação entre sujeitos determinados e, por isso, só podem ser invocadas por certos sujeitos contra outros igualmente determinados. Também aqui vale a coincidência entre o âmbito subjectivo do caso julgado e a oponibilidade a terceiros de um negócio respeitante a um direito relativo: a regra é a eficácia reflexa do caso julgado, que só não se verifica nas situações de inoponibilidade substantiva do negócio celebrado e apreciado na acção (como acontece, por exemplo, na hipótese da impugnação pauliana, art. 610º CC)”.
Concluindo, finalmente, que “a eficácia do caso julgado realiza-se sempre que as partes da acção sejam todos os interessados directos. É uma situação frequente na área contratual, dado que nela as partes da acção coincidem normalmente com todos os contraentes. Por exemplo: o reconhecimento da qualidade de arrendatário que é obtida numa acção instaurada contra o locador é oponível a terceiros (…), porque a acção correu entre todos os interessados directos – o locador e o locatário”.
Em sentido idêntico concluiu o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19.01.2016[28]: “A sentença proferida numa acção em que estejam em discussão direitos absolutos e subjectivamente vinculantes (como é o caso dos direitos reais, entre os quais, o direito de propriedade) não expande a sua eficácia para além dos sujeitos intervenientes no processo, não podendo vincular e abranger todos quanto à exclusão de domínio (sobre a coisa), mas tão só aqueles entre quem a sentença atribuiu e delimitou a exclusão da turbação do direito perturbado”.
No processo n.º 44/20.6T8STS foram Autores C… e D…, Réus nesta acção, e Rés as sociedades “H…, Lda.”, “F…, Lda.” e “G…, Lda.”, não tendo a B…, Lda. e a E… Unipessoal, Lda., aqui, respectivamente, Autora e Ré intervenção a qualquer título, principal ou mesmo acessório, naquela acção.
Também inexiste entre as duas acções identidade de pedido e de causa de pedir.
Não existe, assim, a tríplice identidade exigida pelo artigo 581.º do Código de Processo Civil para que se possa considerar configurada a excepção do caso julgado.
Porém, pese embora o referido circunstancialismo, a autoridade de caso julgado formado na referida acção n.º 44/20.6T8STS quanto ao facto de C… não ser sócio da B… por na assembleia geral desta realizada a 26.08.2019 ter solicitado consentimento aos demais sócios para ceder a quota social que nela detinha à sociedade E… Unipessoal, Lda., e nela lhe ter sido concedido tal consentimento, sempre vinculava quer as partes na referida acção, quer as sociedades B… Unipessoal, Lda., terceiras em relação à mesma, sendo também a estas oponível, através da eficácia reflexa do caso julgado, estando em causa, em ambas as acções, direitos relativos.
Deve nesta medida relevar a autoridade de caso julgado formado na referida acção quanto à questão em causa, o que veda posterior discussão acerca dela, a fim de evitar decisões contraditórias quanto à mesma.
Deve, assim, ter-se por definitivo que quando foi registada a presente acção, e mesmo à data da sua propositura, o Réu C… já não era sócio da Autora por haver cedido - com o consentimento dos restantes sócios prestado em assembleia geral realizada a 26.08.2019 - a sua quota à sociedade E… Unipessoal, Lda., da qual também era sócio.
Tendo a Autora proposto a acção com vista a obter a imediata exclusão dos RR., como sócios da sociedade A. «B…, Lda.» - um dos pedidos que nela formula – e não tendo os primeiros Réus essa qualidade, por anterior transmissão da quota de que o primeiro Réu era titular, não têm tais Réus legitimidade passiva, quer processual, quer mesmo substantiva, na referida acção.
3. Da desconsideração da personalidade jurídica da Ré E… Unipessoal, Lda.
Para além da imediata exclusão dos Réus como sócios da sociedade Autora, pede esta ainda que seja operada a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade E… Lda., com fundamento nos factos que alega nos artigos 27.º a 35.º da petição inicial, os quais foram impugnados pelos Réus.
O acórdão desta Relação de 8.03.2021[29] faz uma detalhada análise da figura da desconsideração da personalidade jurídica. Nele se escreveu:
“Salvo pontual estatuição (artigos 84.º, 501.º e 270.º-F, nº 4 do CSComerciais), o instituto do levantamento da personalidade jurídica colectiva não tem consagração expressa no nosso ordenamento jurídico e foi a sua construção doutrinal que o corporizou em função das teorias do abuso ou da penetração institucional e da aplicação da norma ou do fim da norma.
Como refere Catarina Serra[...] “.No contexto da primeira, afasta-se a separação entre a sociedade e o sócio sempre que a utilização da pessoa jurídica é desconforme à ordem jurídica, recorrendo-se ao conceito de abuso do direito. (…) No contexto da segunda, os concretos problemas do afastamento da personalidade resolvem-se tomando em conta o sentido e a finalidade das normas no quadro do ordenamento jurídico geral”.
E continua a mesma autora[...]:
Em Portugal, o afastamento da personalidade jurídica foi invocado pela primeira vez, tanto quanto se sabe, por Ferrer Correia, em 1948 (sete anos antes de Rolf Serick ter baptizado e desenvolvido a teoria). A verdade é que (ainda) hoje não há nenhuma norma de carácter geral que o consagre.
Não é fácil, por isso, reconhecer-se-lhe a categoria de instituto jurídico-de instituto jurídico autónomo-e isto repercute-se na sua aplicação (rara).
Tentou-se suprir a insuficiência, convocando vários institutos-sem grande sucesso. Os institutos convocados não abrangem todos os casos e são, também eles, imprecisos. O que mais bem se harmoniza com o afastamento é o abuso do direito (cfr. art. 334.º do CC), na modalidade do abuso institucional-uma vez que está em causa não exactamente um abuso do direito (não o direito de constituir sociedades comerciais ou de exercer actividades por meio delas nem o direito de invocar a separação patrimonial) mas um abuso do instituto (a personalidade jurídica das sociedades comerciais ou a separação dos patrimónios)”.
Ora, a desconsideração da personalidade jurídica de uma sociedade comercial significa o desrespeito pelo princípio da separação entre a pessoa colectiva e os seus membros, ou seja, desconsiderar significa derrogar o princípio da separação entre a pessoa colectiva e aqueles que actuam por detrás dela.
Como também diz Pedro Cordeiro[...] “Todas as instituições de criação humana estão sujeitas a abusos. A esta realidade também o instituto sociedade comercial não se furta. Como Fischer reconhece, até a melhor lei possível não poderá impedir totalmente o abuso, a fraude ou a sua própria insuficiência”.
Nos casos de desconsideração o que se passa é que a própria pessoa colectiva foi desviada da rota que o ordenamento jurídico lhe traçou. A sociedade é utilizada para mascarar uma situação; ela serve de véu para encobrir uma realidade.[...]
Alguma jurisprudência portuguesa também se pronunciou sobre o assunto.
O Acórdão do STJ de 07.11.2017[8] decidiu nos seguintes termos: “O princípio da atribuição da personalidade jurídica às sociedades e da separação de patrimónios, ficção jurídica que é, não pode ser encarado, em si, como um valor absoluto e não pode ter a natureza de um manto ou véu de protecção de práticas ilícitas ou abusivas–contrárias à ordem jurídica–, censuráveis e com prejuízo de terceiros.
Assim, quando exista uma utilização da personalidade colectiva que seja, ou passe a ser, instrumento de abusiva obtenção de interesses estranhos ao fim social desta, contrária a normas ou princípios gerais, como os da boa-fé e do abuso de direito, relacionados com a instrumentalização da referida personalidade jurídica, deve actuar a desconsideração desta, depois de se ponderarem os verdadeiros interesses em causa, para poder responsabilizar os que estão por detrás da autonomia (ficcionada) da sociedade e a controlam”.
E ainda o acórdão do STJ de 10.05.2016[...]
A desconsideração da personalidade jurídica, também designada por levantamento da personalidade colectiva das sociedades comerciais, “disregard of legal entity”, tem, na sua base, o abuso do direito da personalidade colectiva, ou seja, o instituto deve ser usado, se e quando, a coberto do manto da personalidade colectiva, a sociedade ou sócios, dolosamente, utilizarem a autonomia societária para exercerem direitos de forma que violam os fins para que a personalidade colectiva foi atribuída em conformidade com o princípio da especialidade, assim almejando um resultado contrário a uma recta actuação”.
Também o Acórdão do STJ de 12.05.2011 discorreu do seguinte modo[...]: “Como é sabido, o ordenamento jurídico acolhe, a par das pessoas singulares, as pessoas colectivas. Comporta, assim, no seu seio, novos entes dotados de personalidade jurídica. Desta personalidade jurídica emerge a titularidade de direitos e obrigações autónomos e, inerentemente, além do mais, a distinção entre as pessoas singulares que são, ao mesmo tempo, membros da pessoa colectiva e esta. Os direitos e as obrigações duns não se confundem com os direitos e obrigações dos outros.
Veio-se, porém, ao longo do tempo, a constatar que casos havia em que o conceder à linha demarcadora um valor absoluto não seriam de admitir. Paulatinamente, doutrina e jurisprudência anglo-americanas e alemãs, foram construindo a figura–que cremos ainda em forte evolução–da desconsideração da personalidade jurídica das pessoas colectivas ou, porque, de longe, reportada a maior parte das vezes a sociedades comerciais, a figura da desconsideração da personalidade jurídica das sociedades comerciais.
Já Castro Mendes afirmava que: “Não devemos antropomorfizar a pessoa colectiva a ponto de perdermos de vista que–ao contrário da pessoa singular, fim em si mesma–ela não é mais que um instrumento de realização de interesses humanos. Inclusivamente, a personificação pode ser, ou passar a ser, instrumento de abuso; e deve neste caso ponderar quais os verdadeiros interesses humanos em causa. Esta atitude é o que os juristas anglo-saxónicos chamam romper o véu da pessoa colectiva”(Teoria Geral do Direito Civil, ed. da AAFDL, I, 246). No mesmo sentido, se pode ver Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 141, nota de pé de página, dizendo também Pais de Vasconcelos (Teoria Geral do Direito Civil, 183) que a “autonomia pessoal e patrimonial das pessoas colectivas é susceptível de ser abusada.” Por sua vez, Menezes Cordeiro (Tratado de Direito Civil, I, Tomo III, 617 e seguintes), ainda que afastando-se da terminologia habitual, tece longas considerações sobre esta figura, à qual Pedro Cordeiro (A Desconsideração da Personalidade Jurídica das Sociedades Comerciais) dedicou também aturado estudo.
Segundo este autor (ob. cit., pág. 19), deve entender-se por desconsideração “o desrespeito pelo princípio da separação entre a pessoa colectiva e os seus membros ou, dito de outro modo, desconsiderar significa derrogar o princípio da separação entre a pessoa colectiva e aqueles que por detrás dela actuam”. Existe, na desconsideração, um atingimento de pessoa jurídica diferente da visada. Será directa, se se ultrapassar a sociedade para atingir os sócios e indirecta se se partir dos sócios, se atingir a sociedade (cfr-se, Oliveira Ascensão, Direito Comercial, IV, 58).
Pelo menos em grande parte dos casos, a desconsideração ocorre por exigência da boa fé (assim Menezes Cordeiro, ob. e vol. Cits., 648). A lei não contem referência expressa àquela figura, mas as dimensão deste princípio–emergente, no essencial do que aqui nos importa, do artigo 762.º, n.º2, concatenado com o artigo 334.º, ambos do Código Civil–alcança-a”.
Dentre os casos enquadrados pela doutrina na figura da desconsideração da personalidade jurídica conta-se o controlo da sociedade por um sócio, mas esse mero controlo não desencadeia, só por si, qualquer tipo de reacção jurídica. É necessário que o sócio use o controlo societário para a satisfação dos seus interesses pessoais, de carácter extra-social, que não tenham em vista o lucro para o património social, antes redundem em prejuízo do ente societário e dos credores sociais.[...]
Assim, o recurso ao instituto do levantamento da personalidade colectiva tem em vista corrigir comportamentos ilícitos de sócios que abusaram da personalidade colectiva da sociedade, actuando em abuso do direito, em fraude à lei ou com violação das regras de boa fé e em prejuízo de terceiros e, apesar disso, quando essa conduta envolva um juízo de reprovação ou censura e não exista outro fundamento legal que a invalide.
[...] Não obstante não se mostrar consensual, têm sido identificadas, doutrinalmente, várias situações tidas enquanto casos típicos de crise da função da personalidade jurídica colectiva e em que, consequentemente, se poderá justificar o levantamento do véu para imputar a autoria e a responsabilidade ao real titular dos interesses humanos que a instrumentalizaram para fins contrários à ordem jurídica e/ou a princípios gerais.
Entre esses grupos de casos figura a confusão de patrimónios [...]. A mistura material de patrimónios verifica-se quando existe uma suficiente indiferenciação das esferas patrimoniais da sociedade e do sócio, o que pode ocorrer por inobservância de regras societárias (e/ou contabilísticas) ou assentar em factos puramente objectivos como seja o uso do património social para fins exclusivamente pessoais. Neste grupo de casos, o sócio (ou o grupo de sócios) age como se não houvesse separação entre o seu património e o património societário, em clara contravenção da imposição de distinção entre os respectivos acervos.
Só ocorre uma verdadeira mistura de patrimónios quando, na prática, seja inviável (ou quase) distinguir os bens que integram cada um desses acervos patrimoniais e individualizar os actos concretos que atentam contra a autonomia patrimonial”.
Ora, e volvendo ao caso concreto aqui em debate, da realidade factual dada por assente e que, repete-se, não foi objecto de impugnação em sede do presente recurso, não se extrai qualquer facto que enquadre algum dos pressupostos necessários à configuração do instituto da desconsideração da personalidade jurídica.
Deste modo, a pretensão formulada pela Autora no sentido de fazer operar a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade E… Lda., nunca poderia proceder por ausência de suporte factual que lhe conceda arrimo jurídico.
Improcede, consequentemente, o recurso da apelante B…, Lda., confirmando-se a decisão sob recurso.
*
Síntese conclusiva:
………………….
………………….
………………….
*
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação, em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
Custas: pela apelante.

Porto, 21.10.2021
Acórdão processado informaticamente e revisto pela primeira signatária.
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Francisca Mota Vieira
____________________________________
[1] Assim expressamente alertada para as consequências da falta de acordo na ampliação da causa de pedir ou de confissão dos Réus.
[2] Artigo 552º, n.º 1, d) do Código de Processo Civil.
[3] Artigos 571.º, n.º 1, e 572º, b) e c) do Código de Processo Civil.
[4] Artigo 264.º do Código de Processo Civil.
[5] A Autora aproveita a resposta à matéria das excepções deduzidas pelos primeiros Réus para introduzir os novos factos, não o fazendo em articulado específico, não respeitando os momentos legalmente ficados para a sua apresentação, tal como não indica prova da superveniência de tais factos.
[6] Acórdão Relação do Porto, Colectânea de Jurisprudência 1982, 5º, 245.
[7] Acórdão da Relação de Lisboa, 17/11/94, Colectânea de Jurisprudência ano XIX, t. 5, 103.
[8] Acórdão Relação de Coimbra, 1/4/77, Colectânea de Jurisprudência ano II, 292.
[9] Noções Elementares de Processo Civil”, pág. 84.
[10] Processo n.º 505/07.2TVLSB.L1.S1, www.dgsi.pt.
[11] “Código de Processo Civil Anotado”, vol. 1.º, 2.ª ed., Coimbra Editora, pág. 51.
[12] “Manual de Processo Civil”, 2.ª ed. Revista e Actualizada, Coimbra Editora, Limitada, pág. 132.
[13] “Direito Processual Civil”, II, ed. Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa, 1980, págs. 174 e 175.
[14] Matéria que não foi objecto de impugnação recursiva.
[15] Artigo 497º, nº2 do Código de Processo Civil.
[16] Processo 2204/10.9TBTVD.L1-2, www.dgsi.pt.
[17] “Noções Elementares de Processo Civil”, págs. 305 e 306.
[18] Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. III, pág. 93.
[19] Alberto dos Reis, ob. cit., pág. 94.
[20] “Limites Objectivos do Caso Julgado em Processo Civil”, págs. 178 e segs.
[21] Podendo ser modificada através de recurso extraordinário.
[22] A que aqui nos interessa.
[23] Código de Processo Civil anotado, vol. III, páginas 94 e 95.
[24] Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, 1982, vol. III, págs. 392 e 398.
[25] Acórdão do STJ de 12.07.2011, in dgsi.pt.
[26] www.dgsi.pt.
[27] “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, 1997, págs. 590-594.
[28] Processo n.º 126/12.8TBPTL.G1.S1, www.dgsi.pt.
[29] Processo n.º 342/20.9T8PVZ-A.P1, www.dgsi.pt.