Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
692/07.0TYVNG-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FILIPE CAROÇO
Descritores: RECLAMAÇÃO
VERIFICAÇÃO E GRADUAÇÃO DE CRÉDITOS
CONTRATO-PROMESSA
EXECUÇÃO ESPECÍFICA
DIREITO DE RETENÇÃO
HIPOTECA
Nº do Documento: RP20180510692/07.0TYVNG-B.P1
Data do Acordão: 05/10/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: ALTERADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 132, FLS 114-137)
Área Temática: .
Sumário: I - Recaindo o direito de retenção sobre coisa imóvel, o respetivo titular, enquanto não entregar a coisa retida, tem a faculdade de a executar, nos mesmos termos em que o pode fazer o credor hipotecário, e de ser pago com preferência aos demais credores do devedor (art.º 759º, nº 1, do Código Civil). O direito de retenção prevalece neste caso sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente (art.º 759º, nº 2, do mesmo código).
II - A mera declaração de insolvência do devedor, por regra, representa um incumprimento definitivo das obrigações a que está adstrito e relativamente às quais vêm a ser reclamados e reconhecidos os créditos.
III - A traditio basta-se com a detenção material da coisa, não sendo necessária uma verdadeira posse. O art.º 754º do Código Civil limita-se a pressupor a detenção da coisa, sem curar de como a ela acedeu o detentor, só excluindo o art.º 756º o direito de retenção àqueles que tenham obtido conscientemente por meios ilícitos a coisa que devem entregar.
IV - O art.º 755º, nº 1, al. f), do Código Civil, na interpretação restritiva do acórdão uniformizador nº 4/2014, exige a qualidade de consumidor final do promitente-adquirente no contrato-promessa de transmissão ou constituição de direito real para que possa valer-se do direito de retenção.
V - Não é consumidor final e, por isso, não lhe assiste o direito de retenção, o promitente-adquirente que, em contrato promessa de permuta, entrega um terreno para vir a receber, em troca, no futuro, 14 frações autónomas a nele construir, sem que prove o destino que lhes vai dar, exceto quanto a uma delas, na qual instalou a sua habitação aquando da tradição da coisa.
VI - O cumprimento pelo Administrador da Insolvência de um contrato-promessa celebrado anteriormente à declaração de insolvência (no âmbito do regime previsto nos artºs 102º e seg.s do CIRE), não consubstancia uma venda que se insira na liquidação do ativo do devedor, não tendo a virtualidade, em razão da sua realização, de extinguir os direitos reais de garantia que onerem os bens transmitidos, designadamente a hipoteca, com fundamento no disposto no art.º 824º, nº 2, do Código Civil.
VII - O crédito emergente de incumprimento de um contrato-promessa deixa de existir, extinguindo-se, por inerência, também o direito de retenção que recai sobre os bens prometidos, não podendo, por isso, ser reclamado e graduado no processo e insolvência, se o Administrador da Insolvência, no suposto cumprimento da promessa, celebra com o promitente-adquirente o contrato definitivo, investindo-o, por aquisição derivada, na titularidade dos mesmos bens.
VIII - Pela sentença de execução específica que seja procedente, obtêm-se os efeitos constitutivos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida (art.º 830º, nº 1, do Código Civil).
IX - Se os promitentes assim adquiriram a propriedade dos bens prometidos, extinguiu-se o crédito que emergia do incumprimento do contrato-promessa --- e o (eventual) direito de retenção que sobre eles pudesse recair ---, não podendo ser reclamado e graduado no processo de insolvência.
X - A transmissão dos bens ao promitente-adquirente operada pela sentença de execução específica não extingue a hipoteca previamente constituída sobre os mesmos bens, podendo o credor hipotecário executá-los no património do transmissário.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 692/07.0TYVNG-B.P1 – 3ª Secção (2 apelações)
Comarca do Porto – Juízo de Comércio de Vila Nova de Gaia

Relator: Filipe Caroço
Adj. Desemb. Judite Pires
Adj. Desemb. Aristides Rodrigues de Almeida

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I.
Por apenso ao processo de insolvência em que foi declarada insolvente a sociedade B..., LDA., foi autuado o respetivo apenso B, de reclamação, verificação e graduação de créditos.
Foram reclamados diversos créditos e foi elaborada pelo Administrador da Insolvência a lista de créditos reconhecidos e não reconhecidos, nos termos do art.º 129º do CIRE que foi depois objeto de impugnação por parte de C..., D... e marido, e E... e marido, cujos créditos não foram reconhecidos pelo Administrador da Insolvência.
Respondeu o referido administrador defendendo a improcedência das impugnações.
Pronunciou-se F... na qualidade de credor e de Presidente da Comissão de Credores acompanhando a posição do Sr. Administrador da Insolvência e opondo-se aos credores impugnantes.
Sobre o assunto manifestou-se ainda o credor G....
Responderam os credores impugnantes às respostas de F... nas suas duas qualidades (fl.s 125).
H..., Lda. aderiu ao conteúdo do requerimento apresentado pelos credores C..., D... e E....
Por requerimento de fl.s 187 e seg.s, o Administrador da Insolvência reiterou justificadamente o não reconhecimento dos créditos dos impugnantes D... e E....
Insistiu o credor C..., a fl.s 205, pelo reconhecimento do seu crédito, no que foi acompanhado pelas impugnantes E... e D... e maridos (fl.s 211).
Após novas vicissitudes, teve lugar a audiência de tentativa de conciliação a que se seguiu a prolação de despacho saneador, seguido da definição do objeto do processo e dos temas de prova relativos ao direito de crédito de cada um dos três impugnantes.

No crédito reconhecido da I... mostrou-se habilitada a J..., S.A.[1] para prosseguir na lide no lugar daquela entidade financeira.
K... e mulher, L... requereram ao Administrador da Insolvência o cumprimento de um contrato-promessa de compra e venda que a insolvente havia celebrado com eles na qualidade promitente-compradora e, à cautela, reclamaram o seu crédito.
Com várias vicissitudes processuais, com novos requerimentos e respostas, iniciou-se no dia 14.2.2017 a audiência final (fl.s 429), seguindo-se novos requerimentos e respostas, assim como a junção de documentos.
A segunda sessão de audiência teve lugar no dia 5 de abril de 2017 (fl.s 476), a que se seguiram novos requerimentos, respostas e documentos.
A fl.s 536 e seg.s foi proferido despacho relativo à venda de imóveis integrantes do património da insolvente efetuada pelo Administrador da Insolvência, que considerou não impugnada e válida, “passando os eventuais direitos reais de garantia adstritos aos mesmos a merecerem consideração em sede de graduação de créditos pelo produto da sua venda após a legal graduação (…)”.
A audiência final prosseguiu e culminou a 17.5.2017 (fl.s 555).
A 25 de maio, a credora J..., S.A. apresentou um pedido de esclarecimentos a dirigir ao Administrador da Insolvência (fl.s 568-570).
Sobre este requerimento recaiu o despacho de fl.s 592 que ordenou a notificação do Administrador da Insolvência para prestar esclarecimentos.
Juntou o Administrador da Insolvência documentos (fl.s 598 e seg.s) e, a fl.s 639 verso, respondeu aos esclarecimentos solicitados, juntando novos documentos.

Foi depois proferida a sentença de graduação de créditos (fl.s 662 e seg.s) que culminou com o seguinte dispositivo, ipsis verbis:

«Aqui chegados – e em sede de subsunção jurídica dos créditos reclamados e admitidos pelo Exmo AI e na total procedência das impugnações como créditos comuns (e pelos valores estabelecidos em tal decisória sede), passo doravante a decidir sobre os termos da graduação (cfr . o art. 136º nº7 e 140º,ambos do CIRE):

IMÓVEIS
*
1º) - As dívidas da massa insolvente saem precípuas, na devida proporção, do produto da venda de cada bem;
2º)- Do remanescente, será dado pagamento ao créditos garantidos por direito de retenção, sujeitos a condição suspensiva, a serem considerados na medida em que não tenham sido cumpridos os contratos-promessa aos mesmos referentes (cfr. o art. 50º do CIRE e conforme nota da lavra do Exmo. AI. que consta a fls. 7 “in fine”) - créditos reconhecidos a fls. 4 e ss sob os nºs 1, nº 5, nº 7,nº 8, nº 9, nº 14, nº 16 e nº 17:
3º)- Do remanescente, será dado pagamento aos créditos garantidos por hipoteca voluntária (no que tange ao crédito do M...,S.A – e com estribo no art. 50º do CIRE- a ser apenas considerado para a hipótese de accionamento de garantias bancárias-cfr. fls 7”in fine”.);
4º)- Do remanescente, será dado pagamento aos créditos da Fazenda Nacional;
5º)-Do remanescente, será dado pagamento aos créditos comuns (onde se incluem os créditos reconhecidos aos impugnantes como comuns);
5º)- Do remanescente, será dado pagamento ao crédito subordinado.
Custas pela massa insolvente - art. 304º, do C.I.R.E.
*
Valor da acção - o correspondente ao valor do activo - art. 301º, parte final, do diploma legal em referência.»
*
Inconformadas, recorreram autonomamente da sentença as reclamantes J..., S.A. e N..., S.A.
Na sua apelação, a J..., S.A. formulou as seguintes CONCLUSÕES:
«I – Por sentença proferida nos presentes autos, foram considerados pelo tribunal a quo como gozando de direito de retenção os créditos reclamados pelo credores G... e O..., sujeitos a condição suspensiva, a serem considerados na medida em que não tenham sido cumpridos os contratos – promessa aos mesmos referente a fls 4 n.º 14, ou seja, relação de créditos apresentada pelo administrador de insolvência nos termos do artigo 129.º CIRE, graduando estes créditos em segundo lugar em prejuízo de todos os credores hipotecários.
II – O crédito reclamado pelo credor F... abrange 18 frações reconhecendo o Juiz a quo a este credor o beneficio do direito de retenção nessas mesmas 18 frações, não separando nem discriminando esse benefício entre as mesmas.
III – A Recorrente considera que não devia ter sido reconhecido o direito de retenção nas quatro frações das quais a aqui Apelante é credora hipotecária, concretamente, nas frações designadas pelas letras “A”, “D”, “E” e “F” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o n.º ...., da freguesia ....
IV – A aqui Recorrente reclamou o seu crédito na insolvência com as suas garantias hipotecárias registadas a seu favor nessas mesmas quatro frações autónomas julgando estar assegurado o seu direito de crédito na insolvência, contudo, na reclamação de créditos enviada pelos credores F... e O... os mesmos reclamam um crédito garantido por direito de retenção nessas mesmas quatro frações hipotecadas com base num contrato promessa celebrado em 14 de Julho de 2000.
V – Porém, num período anterior à insolvência, o credor F... requereu a execução específica dessas mesmas quatro frações, alegando esse facto na sua própria reclamação de créditos em que todos os intervenientes tiveram conhecimento obtendo uma sentença de execução especifica no processo 1183/04.6TBVCD que substituiu a insolvente pelo reclamante na titularidade das frações “A”, “D”, “E” e “F” do prédio descrito na CRP 3248 da freguesia ....
VI – Na decisão dessa mesma sentença de execução especifica ficou ainda decidido, para além da titularidade das frações a favor do credor F..., a condenação da insolvente B..., Lda a distratar as referidas frações junto do titular da hipoteca. Contudo, os insolventes viriam a recorrer da decisão em que foram condenados a pagar o preço do distrate para o Tribunal da Relação do Porto, que, no dia 07-07-2007, com o número 6756/07-2 confirmou a decisão da 1.ª instância.
VII – Apesar da titularidade do direito de propriedade das quatro frações e sem que a sociedade agora insolvente pagasse o distrate de hipoteca daquelas, o credor F... requereu a insolvência da sociedade B..., ou seja, cerca de um ano após a decisão transitada em julgado da execução especifica que determinou entregar-lhe a propriedade daquelas frações, mas sem o cancelamento das hipotecas.
VIII – A Recorrente considera que aqui reside toda a ilegalidade, dado que o credor F... não pode beneficiar de um direito de retenção no processo de insolvência quando as frações já estavam na sua esfera patrimonial, pelo que o seu crédito não deveria ter sido reconhecido como garantido, mas como comum, ficando assegurado o pagamento ao credor hipotecário.
IX – Desta forma, como a sentença de execução especifica não tem na sua génese a concessão de um direito de retenção, não estaria preenchido os requisitos do artigo 755.º, n.º 1. Alínea f) do código civil dado que o credor F... já era proprietário das quatro frações. Na execução especifica foi cumprido o contrato promessa.
X – O artigo 830.º, n.º 4, do código civil, não determina nenhum direito de retenção face à não expurgação da hipoteca por parte do promitente vendedor, mas apenas um direito de crédito de ser expurgada essa mesma hipoteca pelo promitente vendedor, pelo que o crédito do credor F... deverá ser considerado comum.
XI – Tendo uma sentença de execução especifica e verificando que as hipotecas não iriam ser distratadas, o credor F... não regista na conservatória a titularidade das frações e requer ele próprio a insolvência da B..., Lda alegando na sua reclamação de créditos direito de crédito assegurado por direito de retenção de todas frações, inclusive, destas quatro frações adquiridas em sentença de execução especifica, para poder beneficiar do disposto no artigo 755.º, n.º 1, alínea f) do código civil e com esse direito prejudicar diretamente o credor hipotecário.
XII – Por esta razão, a Recorrente invoca a figura do abuso de direito, artigo 334.º do código civil, na modalidade de venire contra factum proprium, por o credor F... não ter registado o seu direito de propriedade que obteve na sentença de execução especifica por não terem sido pagas as hipotecas pela insolvente e vir em sede de insolvência requerer a apreensão das mesmas frações e beneficiar da prevalência do seu crédito por direito de retenção em prejuízo do credor hipotecário.
XIII – A Escritura de compra e venda das frações acima mencionadas é celebrada, em sede de insolvência pelo administrador de insolvência, no dia 06-06-2009, no Cartório Notarial de Vila do Conde, do livro 131-E fls 14 a 19, em que às frações aqui em discussão, com hipoteca a favor da Apelante, é atribuído à fração “A”, o preço de €79.807,66 (setenta e nove mil oitocentos e sete euros e sessenta e seis euros), à fração “D”, o preço de € € 84.795,62 (oitenta e quatro mil setecentos e noventa e cinco euros e sessenta e dois cêntimos), à fração “E”, o preço de € 84.795,62 (oitenta e quatro mil setecentos noventa e cinco e sessenta e dois cêntimos), e à fração “F” o preço de €89.700,62 (oitenta e nove mil setecentos euros e sessenta e dois cêntimos), perfazendo um total de € 339.099,52 (trezentos e trinta e nove mil noventa e nove euros e cinquenta e dois cêntimos).
XIV – Assim, o credor F... terá de devolver à massa o pagamento do preço que não foi efetuado no ato da Escritura dessas quatro frações dado que o seu crédito deverá ser considerado como crédito comum. A insolvente foi condenada pela sentença de execução específica a pagar os quatro distrates ao credor hipotecário, mas tendo ficado insolvente esse mesmo crédito será considerado como comum, pois não existe direito de retenção.
XV - Tudo conforme Acta da Comissão de Credores do dia cinco do mês de dezembro de dois mil e oito em que ficou ratificado por todos os credores na decisão de efetuar o cumprimento dos contratos – promessa e as respetivas escrituras públicas de compra e venda e recebendo a massa insolvente os valores em falta, inclusive, o pagamento dos distrates.
XVI – Em consequência da compra e venda o administrador de insolvência requereu ao tribunal a quo uma certidão para cancelamento de todos os ónus tendo essa mesma certidão sido emitida em 30-06-2009. Assim, perdeu o credor hipotecário a sua garantia hipotecária, mas não o seu crédito garantido, dado que o credor F... já era proprietário das quatro frações.
XVII – A conduta contraditória do próprio Juiz a quo é de estranhar, pois para todos os outros promitentes compradores das outras frações que requereram a execução específica e tornaram-se proprietários gradua-os, corretamente, como credores comuns, e contrariamente, no crédito do Sr. F... gradua-o como crédito garantido por direito de retenção prejudicando diretamente a aqui Apelante, credor hipotecário. O credor deverá vir aos autos depositar o montante de € 339.099,52 (trezentos e trinta e nove mil noventa e nove euros e cinquenta e dois cêntimos), salvaguardando a posição do credor hipotecário.
XVIII - A este título, é paradigmático, o que se diz no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17-11-2015, processo n.º 1999/05.6TBFUN – 1 em que não existindo direito de retenção no crédito reclamado, o mesmo não deverá prevalecer sobre o crédito hipotecário do Banco, devendo ser graduado como crédito comum.
XIX - E, ainda, o que se diz no Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 25-05-2016, proferido no processo 472/12.5TBFAF-F que decidiu no sentido do cumprimento, pelo administrador de insolvência, de um contrato – promessa celebrado, anteriormente à declaração de insolvência de que não consubstancia uma venda que se insira na liquidação do activo do devedor, não tendo a virtualidade de extinguir os direitos reais de garantia que oneram os bens, cabendo depois ao adquirente, se o pretender, diligenciar pela extinção do ónus e subrogar-se nos direitos, e defende, ainda, o Acórdão que mesmo considerando a tese de que o cumprimento do contrato – promessa equivaleria a uma venda judicial, feita no âmbito da liquidação da massa insolvente, a mesma não seria de aplicar no caso do promitente comprador que pagou integralmente o preço estipulado para a aquisição do imóvel, antes do declaração de insolvência, uma vez que não estaria salvaguardada a posição dos credores hipotecários, devendo a transmissão do imóvel objecto desse contrato – promessa operar-se com a oneração da hipoteca.
XX – Conclui-se que a Sentença de Graduação de Créditos padece de diversos vícios e causas de nulidade da sentença ao abrigo do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alínea c) e d) do código processo civil por os fundamentos da sentença estar em contradição e oposição com a decisão e ocorrer por todos os argumentos acima explanados ocorrer obscuridade que torna a sentença ininteligível. A Sentença padece, ainda, de uma causa de nulidade ao abrigo da alínea d) do citado artigo dado que o Juiz a quo deixou de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, concretamente a classificação do crédito do credor F... como comum e não como garantido por direito de retenção.
XXI – Na sentença de graduação de créditos o tribunal a quo gradua em segundo lugar todos os créditos com direito de retenção e créditos garantidos por hipoteca misturando tudo no segundo lugar da sentença, não discriminando aqueles em que considera, de facto existir um direito de retenção e os que considera não existir direito de retenção.
XXII – Esta falta de rigor e clareza leva-nos a uma nulidade da sentença ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), c) e d), ou seja, quando os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, quando ocorra alguma obscuridade que torne a decisão ininteligível e o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
XXIII - Na sentença de graduação de créditos, no crédito reconhecido como comum ao credor M..., SA, é considerado em terceiro lugar os créditos garantidos por hipoteca voluntária, ou seja, os créditos garantidos por hipoteca voluntária da N... e J..., SA (anterior hipoteca da I...), mas não se compreende o motivo pelo qual consta um parênteses em que, posteriormente, a ter graduado os créditos hipotecados surge o crédito do M..., SA a ser graduado na mesma linha dos créditos hipotecários.
XXIV – O crédito do M..., SA não está garantido por nenhuma hipoteca e foi considerado como crédito comum, e dispõe o artigo 174.º, n.º 1, do CIRE que o pagamento aos credores com garantia real é graduado com prioridade sobre os créditos comuns.
XXV – No caso concreto, em que se misturam em terceiro lugar o crédito reconhecido hipotecário sem fundamentação gera falta de rigor e clareza e por este motivo estamos igualmente perante uma nulidade da sentença ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1, alínea b), c) e d), ou seja, quando os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão, quando ocorra alguma obscuridade que torne a decisão ininteligível e o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar.
XXVI – A decisão proferida e ora objecto do presente recurso deverá ser nula, revogada ou alterada, em conformidade com o que impõem os dispositivos legais aplicáveis, e caberá ao juiz fiscalizar se o administrador de insolvência elaborou a relação de créditos com observância de todas as determinações legais, quer de ordem formal, quer de ordem substancial.
XXVII – Não pode o juiz abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes da lista que vai homologar nem dos documentos e demais elementos de que disponha, com a inclusão, montante ou qualificação desses créditos, a fim de evitar violação da lei substantiva – conforme Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25-11-2008, proferido no processo 08A3102.» (sic)
Pretende, assim, que a sentença seja declarada nula por violação do artigo 615.º, alínea b), c) e d), do Código Processo Civil ou, em alternativa, revogada se revelar diretamente violadora dos artigos 342.º e 686.º do código civil, 174.º, n.º 1 CIRE e artigo 128.º, n.º 1 CIRE, graduando-se o crédito garantido por hipoteca nas frações designadas pela letra “A”, “D”, “E” e “F” do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o n.º 3248, da freguesia ..., da ora Apelante com prevalência sobre o crédito garantido por direito de retenção do credor F... e do crédito considerado como comum do M..., SA.» (sic)
*
Na sua apelação, a N..., S.A. formulou as seguintes CONCLUSÕES:
«1º
O Credor F... reclamou créditos no montante de € 1.895.432,01 como garantido com direito de retenção sobre as quatro frações (“K”; “L”; “AL” e “AF”) sobre as quais a Recorrente tem hipoteca registada, mas que na verdade é referente à totalidade das frações prometidas transmitir (catorze frações) cujo distrate de dez das frações já foi emitido pela Reclamante e cuja propriedade já detém.
2.º
Ora, salvo melhor opinião, sendo o Credor Reclamante proprietário das frações e tendo as mesmas sido transmitidas livre de ónus e encargos (no que concerne às frações sobre as quais a Reclamante tinha hipoteca registada) não pode vir agora ao processo de insolvência, onde apenas foram apreendidas quatro frações, reclamar a totalidade do suposto crédito em dobro (se já recebeu dez das catorze frações o crédito tem necessariamente que ser diminuído e ajustado ao número de frações que faltam escriturar e distratar) acrescido do facto de sobre as mesmas ainda invocar direito de retenção.
3.º
Deveria, portanto, o Credor F... ter descriminado o valor de cada uma das frações cujo contrato ainda não havia sido cumprido e sobre as mesmas reclamar o seu crédito, ainda que se arrogue detentor do direito de retenção que não tem.
4.º
O Credor fez o óbvio e mais fácil, reclamou a totalidade do crédito, em dobro, garantido por direito de retenção sobre as oito frações apreendidas (quatro da Recorrente e quatro da J..., S.A.) e nem o senhor Administrador da Insolvência nem o Mm. Juiz a quo requereram que o mesmo viesse esclarecer quais os montantes efetivamente em dívida e sobre que frações.
5.º
A nosso ver, analisada a reclamação de créditos dos credores reclamantes F... e esposa é por demais inequívoco que o crédito foi reclamado em excesso e nunca devia o mesmo ter sido reconhecido na totalidade pelo Administrador da Insolvência e jamais acobertado pela sentença de graduação de créditos.
6.º
Acresce ainda que, não se verificam os requisitos para que o crédito reclamado tenha a proteção do direito de retenção invocado, facto que é por demais evidente.
7.º
Para a existência do direito de retenção a lei pressupõe requisitos cumulativos conforme alínea f) do n.º 1 do artigo 755.º do C.C.: a) Celebração de um contrato promessa de transmissão de direito real com tradição da coisa; b) Incumprimento definitivo do promitente vendedor;
c) Culpa pelo não cumprimento.
8.º
Ora, o Credor F... não faz prova da existência dos requisitos exigidos por lei. Limita-se a invocar o incumprimento do contrato promessa de permuta sem que para tanto indique prazos, faça prova das interpelações admonitórias que tenha efetuado para a marcação de escritura nem tão pouco faz prova da tradicio das quatro frações, aliás, o contrato promessa que possui não prevê a tradicio dos bens e não tem eficácia real.
9.º
Desta forma o Credor F... limita-se a invocar o direito de retenção sem que faça prova do mesmo, nos seguintes termos: “Os reclamantes gozam do direito de retenção sobre as frações prometidas comprar pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à insolvente nos termos dos artigos 755.º n.º 1 f) e 442.º do código civil”
10.º
Salvo o devido respeito e melhor opinião, a invocação de um direito não produz efeitos jurídicos sem mais, e se verifique o requisito previsto no n.º 2 do artigo 759.º do C. C., ou seja a prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca ainda que esta tenha sido registada anteriormente.
11.º
Aliás é entendimento, pacífico e unânime, da doutrina e jurisprudência que: uma vez impugnados os créditos reclamados, incumbe aos reclamantes/impugnados o ónus da prova de toda a factualidade respeitante à existência da celebração do contrato promessa; do pagamento de parte ou da totalidade do preço do bem prometido comprar/vender, a tradição do bem e o incumprimento definitivo do contrato promessa por parte do promitente vendedor. Em suma, compete ao credor que viu o seu crédito impugnado demonstrar os factos necessários ao reconhecimento do crédito reclamado. (Cfr., entre muitos, Ac. TRL de 29.03.2012, Proc. 3083/10.1T2SNT-L2-2 e Ac. TRP de 26.06.2014, Proc. nº 1040/12.2TBLSD-C.P1, ambos disponíveis em www.dgsi.pt)
12.º
Sem prescindir, tal como refere o Ac. S.T.J., de 25-11-2014, Uniformização de Jurisprudência, Insolvência, Não detendo, pois, a recorrente e promitente-compradora a qualidade de consumidora, não pode a mesma, nos termos expostos, beneficiar, no âmbito do processo de insolvência em que nos situamos, do direito de retenção previsto no art. 755º, nº1, al. f) do CC, para satisfação do seu reconhecido crédito de € 140.000,00, o qual tem, pois, a natureza de crédito comum, como bem decidiu a 1ª instância.”
13.º
No que ao direito de retenção diz respeito, importa considerar que a alínea f) do n.º 1 do artigo 755.º co Código Civil, não existia no texto primitivo deste diploma legal, tendo sido introduzida pelo Decreto-Lei 236/80, de 18 de Julho, com o objetivo, expresso no preâmbulo, “de reforçar a posição jurídica do promitente-comprador, especialmente no campo das transações de imóveis urbanos para habitação”.
14.º
Assim, atento todo o exposto não pode o crédito reclamado por F... e esposa ser reconhecido nos termos reclamados quer quanto ao montante quer quanto à natureza.
15.º
Deverá ser reconhecido o crédito que existia sobre as frações apreendidas em singelo e com natureza comum.

II – Do Cumprimento dos contratos-promessa pelo Administrador da Insolvência (artigo 102.º do CIRE) versos os efeitos da venda judicial (artigo 838.º do CPC):
16.º
Atento o princípio geral quanto aos negócios ainda não cumpridos à data da declaração de insolvência, o cumprimento fica suspenso até que o Administrador da Insolvência decida pelo seu cumprimento ou não cumprimentos nos termos do n.º 1 do artigo 102.º do CIRE.
17.º
Estamos, portanto, perante um direito potestativo do Administradora da Insolvência, donde resulta que a opção pelo não cumprimento do contrato-promessa não se traduz num fato ilícito gerador de obrigação de indemnização, como ocorreria no caso do não cumprimento da promessa pelo promitente-vendedor.
18.º
Assim, o Administrador da Insolvência deve decidir pelo cumprimento ou não cumprimento do contrato orientado apenas, e tão só, pelo interesse da massa insolvente.
19.º
Salienta-se que, não se pode confundir o cumprimento do contrato promessa pelo Administrador da Insolvência com a venda judicial.
20.º
Ou seja, o cumprimento do contrato-promessa pelo Administrador da Insolvência não opera uma venda livre de ónus e encargos nos termos do n.º 2 do artigo 824.º do Código Civil.
21.º
Numa situação de cumprimento do contrato-promessa de compra e venda o Administrador substitui-se à Insolvente, pois após a declaração e Insolvência é o Administrador que tem poderes de gestão do seu património – a não ser que da sentença de declaração de insolvência resulte o contrário, o que não foi o caso, e celebra o contrato definitivo.
22.º
Se não houvesse declaração de insolvência de uma das partes, neste caso da promitente vendedora, com a celebração do contrato definitivo a hipoteca voluntária tinha que ser devidamente expurgada e obtido o documento de cancelamento da mesma junto da hipotecante, como aconteceu com as frações adquiridas pelo credor F... e já distratadas.
23.º
Pelo que na presente situação é necessário, para cancelamento do ónus, o documento de distrate, o que não aconteceu!!
24.º
A hipoteca que recai sobre o imóvel terá que ser expurgada sob pena do bem ser transmitido com ónus.
25.º
A credora hipotecária teve conhecimento dos cancelamentos da sua hipoteca sem qualquer fundamento legal para tal.
26.º
Se não fosse necessário o documento de distrate emitido pela hipotecante o Credor F... já teria registado a sua aquisição com base na sentença transitada em julgado de execução especifica do contrato no que toca às frações co hipoteca da J..., S.A..
27.º
Acontece que, com a referida sentença, e bem, não conseguia o promitente comprador cancelar o registo de hipoteca, pelo que veio aos presentes autos arrogar-se de promitente comprador e conseguir (pasmese!!!), através do Senhor Administrador da Insolvência e do Tribunal a quo uma certidão para cancelamento de ónus!!
28.º
Na senda deste entendimento vai o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, proferido no processo 472/12.5TBFAF-F de 25-05-2016, por unanimidade, disponível em www.dgsi.pt:
“I) - O cumprimento, pelo Administrador da Insolvência, de um contrato-promessa celebrado anteriormente à declaração de insolvência (no âmbito do regime previsto nos artºs 102º e seguintes do CIRE), não consubstancia uma venda que se insira na liquidação do activo do devedor, não tendo a virtualidade, em razão da sua realização, de extinguir os direitos reais de garantia que onerem os bens transmitidos com fundamento no disposto no artº. 824º, nº. 2 do Código Civil.
II) - Estando em causa a celebração de contratos com inteira observância do regime jurídico que o direito civil lhe impõe, a venda a realizar com esse fundamento implicará que qualquer ónus ou direito real de garantia que onere o bem objecto do negócio acompanhe esse bem, atento o princípio da “sequela” que norteia os direitos reais, cabendo depois ao adquirente, se o pretender, diligenciar pela extinção do ónus ou da garantia e sub-rogar-se nos direitos do titular da garantia sobre o devedor.
III) - Mesmo defendendo-se a tese de que o cumprimento do contrato-promessa equivaleria a uma venda judicial, feita no âmbito da liquidação da massa insolvente, a mesma não seria de aplicar no caso do promitente-comprador que pagou integralmente o preço estipulado para a aquisição do imóvel, antes da declaração de insolvência, uma vez que não estaria salvaguardada a posição dos credores hipotecários, devendo a transmissão do imóvel objecto desse contrato-promessa operar-se com a oneração da hipoteca.
IV) – Para a verificação do direito de retenção previsto na al. f) do nº. 1 do artº. 755º do Código Civil, exige-se que o detentor no contrato-promessa em causa revista a qualidade de consumidor prevista no artº. 2º, nº. 1 da Lei nº. 24/96 de 31/7.”
29.º
Agrava ainda a presente situação o facto do senhor Administrador da Insolvência ter procedido ao cumprimento dos contratos sem ter recebido qualquer montante para a massa dado que este reconheceu o crédito dos adquirentes como garantido com direito de retenção.
30.º
A massa insolvente ficou sem os bens e nada recebeu e o credor hipotecário sem a hipoteca e também nada recebeu.
III – Do Cancelamento das Hipotecas Voluntárias registadas a favor da N..., S.A.
31.º
A N..., S.A. tinha uma hipoteca voluntária legitimamente registada para garantia do seu crédito perante a Insolvente.
32.º
A hipoteca voluntária é aquela que nasce de contrato ou declaração unilateral (artigo 712.º do C.C.), e confere ao credor o direito de ser pago com preferência aos demais credores que não gozem de privilégio especial ou de prioridade de registo (artigo 686.º do C.C.).
33.º
Ora, a hipoteca voluntária permite ao credor satisfazer o seu direito de crédito através do produto resultante da venda do imóvel, quer ela se faça no âmbito de um processo judicial (executivo ou de insolvência) ou extra judicial.
Pelo que,
34.º
Conforme já se referiu supra, uma vez que não estamos perante uma venda judicial não se aplicam os efeitos do n.º 2 do artigo 824.º do C.C., logo não há cancelamento de ónus registados sobre o imóvel.
35.º
Os bens podem ser transmitidos, nada o proíbe, mas com os ónus que se encontram sobre eles registados.
Ou seja,
36.º
Tudo acontece como nos termos e efeitos e uma venda extrajudicial dado que o Administrador da Insolvência se substitui ao Insolvente.
37.º
Não há um contrato novo, ou alteração do preço, há apenas o cumprimento de um contrato anteriormente celebrado entre as partes.
38.º
Não pode, portanto, o Tribunal cancelar um registo de hipoteca no âmbito de uma negociação extra judicial.
39.º
O Tribunal não tem qualquer interferência no cancelamento dos ónus como não teria caso a Insolvente tivesse cumprido o contrato diretamente.
40.º
Acresce que, o artigo 56.º do Código do Registo Predial estipula que o cancelamento de hipoteca é feito com base em documento do qual conste o consentimento do credor devendo esse documento conter a assinatura reconhecida presencialmente, salvo se for feita perante funcionário do serviço de registo no momento do pedido, estando este documento sujeito a depósito eletrónico.
41.º
Como se verifica são vários os requisitos de forma exigidos pela lei para que um registo de hipoteca seja cancelado.
42.º
Para além de que, conforme já se referiu, ao contrário das hipotecas legais e judiciais, a hipoteca voluntária não pode ser cancelada ou reduzida sem o consentimento expresso e formal do credor hipotecário.
43.º
Assim, atento todo o exposto verifica-se que não podia este Tribunal emitir uma certidão de cancelamento de hipoteca voluntária pois não tem fundamento legal para tal!!
44.º
Pelo que se requer que este douto Tribunal corrija a referida certidão e imponha a legalidade de volta aos presentes autos anulando o cancelamento da hipoteca voluntária.
45.º
Sem prescindir, cumpre ainda referir que por se tratar do cumprimento de um contrato promessa que tem por base um contrato e permuta a massa insolvente não recebeu qualquer montante pelo cumprimento dos contratos, ou seja, do cumprimento dos contratos promessa apenas se defraudou o Credor Hipotecário que viu a sua garantia cancelada sem qualquer fundamento legal e a massa insolvente nada recebeu!
46.º
Em suma, a N..., S.A., aqui Recorrente, apesar de ter visto o seu crédito reconhecido como garantido neste momento encontra-se despojada da sua garantia e defraudada nas suas garantias de ressarcimento do seu crédito sobre a Insolvência pois viu as suas hipotecas canceladas, pasme-se, por certidão de cancelamento de ónus emitida pelo Tribunal a quo por solicitação do Administrador da Insolvência.
47.º
Atento todo o exposto requer a V. Exas. que se Dignem repor a legalidade dos atos praticados nos presentes autos uma vez que a emissão da certidão de cancelamento de ónus no seguimento do cumprimentos dos contratos promessa é NULA E INEFICAZ perante a N..., S.A. (credora hipotecária) não podendo produzir qualquer efeito, ou seja não pode tal documento completamente carente de fundamento legal ser fundamento para cancelamento das hipotecas voluntárias registadas sobre os imóveis, sob pena de a mesma se ver obrigada a avançar com ações de responsabilização pelos atos danosos dos interesses dos credores praticados nos presentes autos.
IV – Do crédito do Credor M..., S.A:
48.º
No que concerne ao crédito reclamado pelo Credor M..., S.A, analisada a reclamação de créditos apresentada pelo credor verifica-se que o mesmo reclamou créditos de natureza comum sob condição.
49.º
Não se entende, portanto, porque é que o Tribunal a quo gradua o crédito do Credor em questão em paridade com os créditos garantidos por hipoteca da Recorrente e do Credor J..., S.A.
50.º
Conforme já se referiu o credor M..., S.A. não reclamada créditos garantidos por hipoteca pelo que a inclusão deste credor com os credores hipotecário não faz qualquer sentido, e apenas se concebe por manifesto lapso do Tribunal a quo.
51.º
Nestes termos, e com o devido respeito, entende a Recorrente que o Tribunal a quo não graduou corretamente o crédito do credor M..., S.A. que deverá ser graduado como crédito comum sob condição, nos termos reclamados, e nunca em paridade com os créditos hipotecários.
52.º
O crédito do M..., S.A. deveria constar elencado nos créditos comuns no primeiro ponto 5 da sentença de graduação de créditos.
53.º
Verifica-se, pois, ao analisar a sentença aqui sob censura que o Tribunal a quo, salvo devido respeito, não foi rigoroso na análise da documentação e consequentemente tornou a sentença confusa e despojada de fundamentação no que toca aos créditos acima elencados.
54.º
Por este motivo estamos perante uma nulidade de sentença que se invoca para os devidos efeitos.
55.º
A decisão proferida e aqui sob censura deverá ser revogada e alterada, em conformidade com o que impõem os dispositivos legais aplicáveis, e que será, nos termos atrás referidos, graduando os créditos da aqui Recorrente como garantidos por hipoteca voluntária sobre os imóveis reclamados, com preferência sobre o crédito do credor J... e esposa devendo este ser classificado como crédito comum por não gozar de direito de retenção sobre as quatro frações apreendidas para a massa insolvente graduado com preferência sobre o crédito comum do M..., SA.» (sic)
Pretende, assim, a recorrente a revogação da sentença e a sua substituição por outra que gradue o crédito da N... com preferência ao crédito de F... e cônjuge, este a graduar como comum, bem como o crédito reclamado pelo M..., S.A., devendo ainda ser declarada nula e ineficaz a certidão de cancelamento de ónus, no seguimento do cumprimento do contrato promessa, emitida pelo Tribunal a quo que cancelou as hipotecas das Recorrente.
*
Não foram apresentadas contra-alegações.
*
Recebidos os autos na Relação e admitidos os recursos, constatou-se que, daqueles, não constam as reclamações de créditos apresentadas pelas duas credoras recorrentes nem pelo credor F..., razão pela qual --- e face à sua importância para decisão das apelações --- foram solicitadas cópias das mesmas à 1ª instância.
Em cumprimento do solicitado, foram enviados autos de onde constam todas as reclamações de créditos e documentos que as acompanham, designadamente as reclamações de F... e cônjuge, da N..., S.A., da J..., S.A. e do M..., S.A., cujo conteúdo passámos a conhecer e levaremos em consideração na decisão das questões das apelações.
*
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

II.
As questões a tratar --- exceção feita para o que seja do conhecimento oficioso --- estão delimitadas pelas conclusões das apelações da J..., S.A. e da N..., S.A., acima transcritas (cf. art.ºs 608º, nº 2, 635º e 639º do Código de Processo Civil).
Com efeito, há que apreciar e decidir:
1. Na apelação da N..., S.A.
a) A redução do crédito do reclamante F... ao valor das frações que falta escriturar e com hipoteca a distratar;
b) Verificação dos requisitos da proteção do direito de crédito dos reclamantes F... e cônjuge por direito de retenção;
c) A sentença de execução específica do contrato-promessa relativamente às frações K, L, AL, e AF do edifício ...., a posterior escritura pública de compra e venda das mesmas frações levada a cabo pelo Administrador da Insolvência a favor do promitente-comprador F... e os seus efeitos sobre a garantia de hipoteca voluntária constituída a favor da N..., S.A.
d) O Crédito do reclamante M..., S.A. e a sua posição na graduação de créditos;
e) Nulidade da sentença.
*
2. Na apelação da J..., S.A.
a) A sentença de execução específica do contrato promessa relativamente às frações A, D, E e F do edifício ...., a posterior escritura pública de compra e venda das mesmas frações pelo Administrador da Insolvência a favor do promitente-comprador F... e os seus efeitos sobre a garantia de hipoteca voluntária constituída a favor da J..., S.A.;
b) O Crédito do reclamante M..., S.A. e a sua posição na graduação de créditos;
c) Nulidade da sentença.
*
III.
Foram considerados provados na 1ª instância os seguintes factos reportados à matéria das impugnações, nos seguintes termos:[2]
1)- Por escritura pública de 23 de Março de 2005, exarada a fls. 59 e segs. do livro 466-D do então Segundo Cartório Notarial de Vila do Conde, o ora impugnante adquiriu por compra à sociedade insolvente a fracção autónoma identificada pela letra "W", correspondente ao primeiro andar sul, do bloco três, com entrada pela Rua ...., nº ..., para habitação, do tipo "T-dois", com garagem na cave identificada pelo número vinte e seis, a sexta a contar de norte para sul, voltada a nascente, do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito no gaveto da Rua ..., nº's .../... e Avenida ..., nºs ... e ..., em Vila do Conde, descrito na Conservatória do Registo Predial do mesmo concelho sob o n° ...., da freguesia ..., com o título constitutivo do dito regime registado na mesma Conservatória pela inscrição F-dois e inscrito no artigo 8464 da matriz urbana respectiva. - cfr. doe. n° 1 junto à reclamação de créditos apresentada e aqui dado por reproduzido e integrado para os devidos e legais efeitos.
2)- Ainda por essa mesma escritura, os sócios-gerentes da sociedade insolvente que out saram em representação da mesma, declararam que a sociedade sua representada assumia a obrigação de, no prazo de um ano a contar do referido dia 23 de Março de 2005 e no que à fracção autónoma vendida dizia respeito, distratar a hipoteca voluntária que então se encontrava registada a favor da N..., S.A., pela inscrição C-um.
3)- Assim assumida expressamente essa obrigação por parte da sociedade insolvente de, até 23 de Março de 2006 (um ano após a data da escritura), ser efectuado o distrate/expurgação da hipoteca que à data da mencionada compra e venda impendia registada sobre a fracção autónoma comprada pelo aqui impugnante.
4)- O certo é que tal obrigação não foi cumprida, já que a referida hipoteca ainda hoje - volvidos mais de três anos - subsiste vigente e registada sobre a fracção comprada pelo ora impugnante, conforme melhor se colhe do teor do doe. n° 2 que foi junto à reclamação de créditos apresentada e cujo teor igualmente se dá aqui por reproduzido e integrado.
5)- Efectivamente, conforme se colhe do teor do doc. n° 2 junto, emitido pela Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde em 18/09/2008, a sociedade insolvente constituiu e registou sobre a totalidade do imóvel de que faz parte a fracção autónoma aqui em causa e, portanto, também sobre a própria fracção, uma hipoteca a favor da N..., S.A., para garantia de abertura de crédito, até ao montante de 280.000.000$00, correspondente a € 1.396.634,11, ao juro anual de 11,4500%, acrescido de 4% em caso de mora e a título de cláusula penal, assegurando o montante máximo de 420.980.000$00, correspondente a € 2.099.839,39.
6)- Tal hipoteca acha-se registada pela inscrição C-I, correspondente à Ap. 33/...... e à Ap. 6/......, que converteu em definitivo aquela inscrição inicialmente registada como provisória por natureza. - cfr. referido doe. n° 2 junto à reclamação de créditos.
7)- A sociedade insolvente não cumpriu, dentro do prazo a que contratualmente se obrigou, nem mesmo depois dele decorrido, a obrigação assumida de distratar a hipoteca, de forma a que a fracção comprada pelo reclamante ficasse livre daquela inscrição hipotecária, ainda hoje vigente.
8)- Os Autores são donos e legítimos possuidores da fracção identificada pela letra "C", o prédio submetido ao regime da propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o ....-C, situado na Avenida ..., nº..., em Vila do Conde.
9)- Por virtude de sentença lavrada nos autos de execução especifica, que suprindo a mora da massa insolvente no cumprimento do contrato prometido, declarou transmitido a favor dos Autores a propriedade da fracção e os reconheceu seus possuidores,
10)- Posse essa que actualmente é titulada.
11)- Assim, em resultado da aquisição daquele direito de propriedade sobre a identificada fracção, os Autores têm o direito de exigir que a vendedora - ora massa insolvente - promova à sua custa, o cancelamento dos ónus que sobre a fracção recaiam, a expensas suas.
12)- O pedido formulado sustenta-se no título executivo lavrado pelo 3° Juízo Cível do Tribunal de Vila do Conde (Sentença).
13)- A requerente, Sra. D. E... (e marido) celebraram um contrato promessa de compra e venda, no dia 7 de Agosto de 2003, com a sociedade ora insolvente.
Em virtude daquele contrato, a firma insolvente prometeu vender a fracção “M” identificada nestes autos, livre de quaisquer ónus ou encargos.
14)- Em face da mora da mesma, viria a Autora e marido a obter uma sentença judicial que reconhecendo - os como proprietários da fracção "M" correspondente ao 4° andar traseiras do edifício constituído em propriedade horizontal, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde sob o nº ....., condenava a sociedade insolvente, no pagamento da quantia que se vier a apurar como necessária para pagamento dos créditos subjacentes às garantias transcritas e subsequente cancelamento dos respectivos registos.
15)- Foi nesses autos peticionado como pedido principal, a condenação da massa insolvente, na expurgação de todos os ónus que incidam sobre a fracção dos Autores.
16)- A Autora e marido, são donos e legítimos possuidores da fracção supra identificada, direito este - o de propriedade - transmitido pela sentença judicial que suprindo a falta de vontade no cumprimento atempado da obrigação pela vendedora, lavra declaração que produz efeitos idênticos aos de escritura pública de compra e venda, transferindo assim para os Autores o correspondente direito de propriedade, e igualmente possuidores porque a sua posse actualmente é titulada também.
*
1. Apelação da N..., S.A.
a) A redução do crédito do reclamante N... ao valor das frações (em dobro) que falta escriturar e com hipoteca a distratar
Defende a recorrente que, tendo o reclamante F... recebido já, livres de ónus e encargos, 10 das 14 frações que havia para lhe transmitir no prédio .... sobre o qual recai a sua hipoteca, e estando agora aprendidas apenas as últimas 4 frações sobre as quais recai ainda a dita hipoteca (distratada quanto às 10 frações já transmitidas), não pode reclamar a totalidade do crédito em dobro (€ 1.895.432,01), mas apenas o valor de cada uma das (4) fracções[3] cuja venda não foi feita nem escriturada e sobre as quais invoca o direito de retenção.
Assim --- acrescenta ---, “analisada a reclamação de créditos dos credores F... e mulher é por demais inequívoco que o crédito foi reclamado em excesso e nunca devia o mesmo ter sido reconhecido na totalidade pelo Administrador da Insolvência e jamais acobertado pela sentença de graduação de créditos”.
Consultada a reclamação de créditos apresentada por F... e mulher, documentos que a acompanham, assim como elementos que posteriormente foram sendo coligidos no processo, verifica-se que, relativamente às 14 frações que foram objeto do contrato-promessa de permuta e que foram recebidas pelos reclamantes, estando em seu poder, 10 já estão livres de ónus e encargos, com hipoteca distratada pela recorrente, e não foram sequer apreendidas no processo.
A hipoteca de N..., S.A., relativa ao prédio ...., recai agora apenas sobre as frações K, L, AL e AF, as frações apreendidas, como a própria credora hipotecária reconhece, considerando aqueloutros reclamantes proprietários das referidas 10 frações com hipoteca distratada e, por isso, não credores da insolvente, pelos respetivos valores.
Não pode, por isso, atender-se à totalidade do crédito reclamado por F... e mulher, no valor de € 1.895.432,00 (€ 947,7167,00 x 2), relativo às 14 frações. Deve ser reduzido para passar a ser atendido apenas o valor em dobro das quatro frações apreendidas, discriminado na reclamação de créditos, no total de € 612.000,00 (fração K: € 78.000,00, fração L: € 72.000,00, fração AF: 78.000,00 e fração AL: 78.000,00). Tudo sem prejuízo do que se vier a decidir nas questões subsequentes.
*
b) Verificação dos requisitos da proteção do direito de crédito dos reclamantes F... e cônjuge por direito de retenção
Alega a recorrente que os reclamantes F... e mulher se limitam a invocar o incumprimento do contrato-promessa de permuta, sem que, para tanto, indiquem prazos, façam prova das interpelações admonitórias que tenham efetuado para a marcação de escritura de permuta e da traditio das quatro frações.
Defendem, por isso, que não podem aqueles reclamantes beneficiar do direito de retenção relativamente às quatro frações.
Resulta, conclusivamente, do artigo 23 da reclamação do F... e cônjuge: “Os reclamantes gozam do direito de retenção sobre as fracções prometidas comprar pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à insolvente nos termos aos artigos 755º, n° 1 alínea f) e 442 do Código Civil.”. Mas resulta também daquela reclamação, sob o artigo 18 que “Os reclamantes estão investidos na posse de todas as fracções, que lhes foram entregues como contrapartida do pagamento do preço dos que as utilizam conforme lhes aprouver, residindo até o reclamante marido na fracção AL onde almoça, janta e dorme”.
A reclamação de créditos em causa não foi impugnada.
O direito de retenção consiste na faculdade que tem o detentor de uma coisa de a não entregar a quem lha pode exigir, enquanto este não cumprir uma obrigação a que está adstrito para com aquele (art.º 754º do Código Civil). É um direito real de garantia que consiste na faculdade de uma pessoa reter ou não restituir uma coisa alheia que possui ou detém até ser paga do que lhe é devido por causa dessa coisa, pelo respetivo proprietário.
O art.º 755º do Código Civil prevê casos especiais de direito de retenção onde inclui o beneficiário da promessa de transmissão ou constituição de direito real que obteve a tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, sobre essa coisa, pelo crédito resultante do não cumprimento imputável à outra parte, nos termos do art.º 442º do mesmo código (cf. respetiva al. f)).
O devedor só se pode considerar constituído em mora quando, por causa que lhe seja imputável, a prestação, ainda possível, não foi efetuada em tempo devido (art.º 804º, nº 2, do Código Civil) e fica, como tal constituído depois de ter sido judicial ou extrajudicialmente interpelado para cumprir (art.º 805º, nº 1, também do Código Civil) ou não cumprindo a obrigação dentro de prazo certo estipulado para o efeito (nº 2, al. a) daquele art.º 805º).
A mora --- que traduz, não uma falta definitiva de realização da prestação debitória, mas um simples retardamento ou dilação no cumprimento da obrigação --- apenas constituirá o devedor na obrigação de reparar os danos causados ao credor.
De acordo com o nº 2 do referido art.º 442º, se o não cumprimento do contrato for devido ao promitente-vendedor, tem o promitente-comprador a faculdade de exigir o dobro do que prestou, ou, se houve tradição da coisa a que se refere o contrato prometido, o seu valor, ou o do direito a transmitir ou a constituir sobre ela, determinado objetivamente, à data do não cumprimento da promessa, com dedução do preço convencionado, devendo ainda ser-lhe restituído o sinal e a parte do preço que tenha pago.
Conforme é entendimento de grande parte da doutrina e da jurisprudência, para que o direito de retenção do promitente-comprador tradiciário se constitua, não basta a simples mora, isto é a mera tutela moratória, antes sendo legalmente exigível o incumprimento ou inexecução definitivos.[4]
Como também tem sido entendido pela doutrina e pela jurisprudência, o incumprimento definitivo pode revelar-se por diversos meios:
1- A impossibilidade da prestação, por destruição da coisa ou pela sua alienação a terceiro, sem qualquer reserva (art.º 801º do Código Civil);
2- A perda do interesse do credor na prestação, em consequência de mora do devedor ou a sua inexecução dentro do prazo razoável que lhe for fixado por aquele (interpelação admonitória - art.º 808º do Código Civil);
3- Pelo decurso de prazo fixado contratualmente como absoluto ou improrrogável, o que equivale àquela perda de interesse; ou,
4- Pela recusa perentória do devedor em cumprir, comunicada ao credor, não se justificando então a necessidade de nova interpelação ou de fixação de prazo suplementar.[5]
Dir-se-á que são pressupostos do direito de retenção do promitente da aquisição a traditio do objeto mediato do contrato prometido, o incumprimento definitivo do contrato-promessa pelo promitente da alienação, e a existência contra este, por virtude daquele incumprimento, de um direito de crédito da titularidade do primeiro.
Recaindo o direito de retenção sobre coisa imóvel, o respetivo titular, enquanto não entregar a coisa retida, tem a faculdade de a executar, nos mesmos termos em que o pode fazer o credor hipotecário, e de ser pago com preferência aos demais credores do devedor (art.º 759º, nº 1, do Código Civil). O direito de retenção prevalece neste caso sobre a hipoteca, ainda que esta tenha sido registada anteriormente (art.º 759º, nº 2, do mesmo código).
Já no domínio do anterior Código Especial de Recuperação de Empresas e Falência se discutia o problema de saber se, em caso de falência do promitente-vendedor, o promitente-adquirente, com tradição da coisa, era titular daquele direito real de garantia.
Alguns autores negavam a existência de direito de retenção nos casos de promessa com eficácia obrigacional e tradição da coisa. Isto por considerarem o crédito como comum[6], ou por deixar de se poder qualificar o direito à restituição do sinal em dobro como “crédito resultante do não cumprimento imputável à contraparte”, que é requisito de aplicabilidade do art.º 755º, nº 1, al. f), do Código Civil[7]. Outros, porém, admitiam-no.
Assim se decidiu no Acórdão do S.T.J. de 28.5.2002[8], que, embora afirme que a “impossibilidade de cumprimento não é imputável à promitente alienante, mas à declaração da falência, defende a subsistência do direito de retenção em favor do promitente comprador”.
Continuando a questão a ser controvertida no âmbito do CIRE, há doutrina --- que aqui seguimos --- que se inclina no sentido da admissibilidade do direito de retenção, como nos dá conta Gravato de Morais, no seu artigo intitulado Promessa Obrigacional de Compra e Venda com Tradição da Coisa e Insolvência do Promitente Vendedor[9].
A jurisprudência pronunciou-se já, por várias vezes, sobre a questão de saber se ocorre o pressuposto da titularidade, por parte do beneficiário de um crédito sobre a outra parte, decorrente do incumprimento definitivo do contrato-promessa, tendo-se manifestado, nalgumas decisões, no sentido da imputabilidade reflexa.[10]
No Acórdão do STJ de 19.9.2006[11], sustenta-se que essa extinção do contrato é, sem qualquer dúvida, imputável ao falido que se colocou na situação de não poder satisfazer pontualmente as suas obrigações.[12]
Mas ainda que assim se não entendesse, sempre a impossibilidade de cumprir procederia de sua culpa, ex vi do disposto no art.º 799º, nº 1, do Código Civil.
A ideia de imputabilidade deve ser entendida, em sede de insolvência, no sentido de “ter dado causa”, “ter motivado”.
Por outro lado, é pacífico o entendimento de que a inclusão pelo Administrador da Insolvência dos créditos dos promitentes-compradores no elenco dos créditos reconhecidos, sem o subordinar a qualquer condição, corresponde à declaração de recusa de cumprimento dos invocados contratos-promessa, pelo que está processualmente adquirida a recusa pelo Sr. Administrador da Insolvência e o incumprimento definitivo dos contratos-promessa pela insolvente.
Já se tem defendido que essa recusa é abusiva e ilegal em caso de insolvência do promitente-vendedor, quando se tiver verificado a tradição da coisa para o promitente-comprador, independentemente de o contrato-promessa ter ou não eficácia real. Neste último caso, o adquirente está mesmo investido, não apenas no direito de crédito à celebração do contrato definitivo, mas simultaneamente num direito real de aquisição.[13]
Como se diz no acórdão Uniformizador de Jurisprudência nº 4/2014[14], “a insolvência não surge do nada, radicando antes e à partida no comportamento de uma entidade que se mostrou não ter cumprido as suas obrigações. Nestes casos já foi decidido e bem, neste Supremo Tribunal de Justiça, que se verifica uma imputabilidade reflexa considerando o comportamento da insolvente na origem do processo falimentar; acresce que, seria sempre a esta última que cumpriria afastar a culpa, que se presume, em matéria de responsabilidade civil contratual — artigo 799° n° 1 do Código Civil.
(…)
Subjacente a esta tomada de posição está a forte expectativa que a traditio criou no “promitente-comprador” quanto à solidez do vínculo. Cimentada esta confiança, e “corporizada” destarte a posse, existe, na prática, do lado do adquirente um verdadeiro animus de agir como possuidor, não já nomine alieno mas antes em nome próprio a partir do momento em que o insolvente entregou as chaves dos prédios ao promitente-comprador, materializou a intenção de transferir para este os poderes sobre a coisa, faltando apenas legalizar uma situação de facto consolidada. Parificada tal situação com as hipóteses do efeito real dos contratos em termos de impedir a resolução respetiva, poderá assentar-se em que o incumprimento dá assim origem ao despoletar do “direito de retenção” a que se reporta o artigo 755° n° 1 alínea f) do Código Civil viabilizado pela interpretação a que acima fizemos referência no tocante ao artigo 106°, pelo que assim sendo subsiste a preferência a que aludimos”.
No caso de existir tradição da coisa para o promitente-comprador, especialmente quando a promessa tem eficácia real (art.º 413º do Código Civil) não parece ser possível a recusa de cumprimento por parte do administrador da insolvência, devendo ser reconhecida no âmbito da graduação dos créditos a garantia do direito de retenção, prevista no art.º 755º, nº l, al. f), do Código Civil.
Como se refere no acórdão da Relação de Coimbra de 15.1.2013[15] “concluindo-se, v.g., que a traditio visou antecipar a realização das prestações objeto do contrato definitivo, o que sucederá, por exemplo, quando o preço está pago na totalidade ou em grande parte, e o promitente adquirente exerce sobre a coisa poderes de facto correspondentes ao direito real de propriedade, haverá posse nos termos deste último direito real”.
O Acórdão de Uniformização de Jurisprudência proferido em 22.5.2013 firmou jurisprudência no sentido de que «No âmbito da graduação de créditos em insolvência o promitente comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755º, nº 1 alínea f) do Código Civil»[16].
Deve, pois, concluir-se que os contratos-promessa, quer com eficácia real, quer com eficácia meramente obrigacional, em que tenha havido tradição da coisa, conferem ao promitente-comprador direito de retenção sobre as frações objeto do contrato prometido, nos termos do art.º 755º, nº 1, al. f), do Código Civil.[17] A única diferença é que, por força do art.º 106º, nº 1, do CIRE, no caso de insolvência do promitente-vendedor o cumprimento não pode ser recusado se o contrato-promessa tiver eficácia real.
Na falta de impugnação da reclamação de créditos de F... e mulher, temos que a declaração de insolvência da devedora ditou o incumprimento definitivo do contrato-promessa de permuta relativamente às frações que constituem o seu objeto, designadamente quanto às quatro delas que aqui ainda se discutem e relativamente às quais também houve traditio para os reclamantes que as passaram a utilizar como lhes apeteceu, sendo o reclamante marido residente na fração AL, onde almoça, janta e dorme. Vigorando, mas não estando cumprido o contrato-promessa, os reclamantes mantêm-se na posse das quatro frações.
A traditio basta-se com a detenção material da coisa, não sendo necessária uma verdadeira posse. O art.º 754º do Código Civil limita-se a pressupor a detenção da coisa, sem curar de como a ela acedeu o detentor, só excluindo o art.º 756º o direito de retenção àqueles que tenham obtido conscientemente por meios ilícitos a coisa que devem entregar. Nesse sentido, a traditio projeta-se no corpus, possibilita uma relação com e sobre o objeto e compõe-se de dois elementos: negativo (o abandono pelo anterior possuidor) e a apprehensio ou entrega ao novo possuidor.[18]
Verificada a traditio das frações, objeto mediato do contrato definitivo prometido, o incumprimento definitivo do contrato-promessa pelo promitente alienante e a titularidade pelos promitentes-adquirentes das frações, por virtude do incumprimento, de um direito de crédito, parecem estar preenchidos os requisitos previstos na al. f) do nº 1 do art.º 755º do Código Civil relativamente às quatro frações que foram entregues e são possuídas pelos reclamantes, podendo estes retê-las, recusando a sua restituição enquanto não forem pagos do seu crédito, designadamente pelo produto da sua venda, com preferência sobre os demais credores, designadamente a recorrente, credora hipotecária.
Este direito de retenção foi introduzido na nossa ordem jurídica na década de 80 com o fito declarado de proteger o promitente adquirente de prédios urbanos ou de frações autónomas destes do não cumprimento, por promitentes pouco escrupulosos, da promessa correspondente. Este desígnio manteve-se quando o legislador, através do Decreto-lei nº 379/86, de 11 de novembro, passou o tratamento da questão para o art.º 755º, nº 1, al. f), do Código Civil.
Desde então tem sido sentida a necessidade de harmonizar o direito de retenção com o direito do credor hipotecário, cuja garantia é muitas vezes constituída e registada em momento anterior ao da retenção e é defraudada por este. Na grande controvérsia em que preponderou, na jurisprudência, a prevalência do direito de retenção sobre a hipoteca, mesmo com registo anterior, foi sentida a necessidade de interpretar restritivamente[19] a referida al. f) do nº 1 do art.º 755º, o que culminou com o citado acórdão de uniformização de jurisprudência nº 4/2014, de 20.3.2014, segundo o qual “no âmbito da graduação de créditos em insolvência o consumidor promitente-comprador em contrato, ainda que com eficácia meramente obrigacional com traditio, devidamente sinalizado, que não obteve o cumprimento do negócio por parte do administrador da insolvência, goza do direito de retenção nos termos do estatuído no artigo 755º nº 1 alínea f) do Código Civil”.
Entendeu-se ali que “a opção legislativa no conflito entre credores hipotecários e os particulares consumidores, concedendo-lhes o “direito de retenção” teve e continua a ter uma razão fundamental: a proteção destes últimos no mercado da habitação; na verdade, constituem a parte mais débil que por via de regra investem no imóvel as suas poupanças e contraem uma dívida por largos anos, estando muito menos protegidos do que o credor hipotecário (normalmente a banca) que dispõe regra geral de aconselhamento económico, jurídico e logístico que lhe permite prever com maior segurança os riscos que corre caso por caso e ponderar uma prudente seletividade na concessão de crédito”. Seguiu-se, basicamente, o conceito restrito e funcional, de consumidor, sufragando o entendimento de Miguel Pestana de Vasconcelos[20] no Estudo “Direito de Retenção, Contrato-promessa e Insolvência”, publicado nos Cadernos de Direito Privado, nº. 33 – Janeiro/Março de 2011, quando escreve na pág. 20: “[…] O direito de retenção só tutela o promitente-adquirente quando este for um consumidor (…). O art. 755.°, n.° 1, alínea f) é uma norma material de protecção do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a ele”.
Na perspetiva da Lei de Defesa do Consumidor (art.º 2º, nº 1, da Lei nº 24/96, de 31 de julho) o consumidor é, naturalmente, o consumidor final, enquanto tal, o adquirente a fornecedores profissionais de bens e serviços ou direitos para uso ou fruição própria (ou alheia) e não para uso profissional --- por ser o único carecido da tutela disponibilizada por aquela garantia e o único compreendido no âmbito de proteção da norma. Deve, por isso, recusar-se aquele direito a todos os promitentes-compradores que não sejam consumidores.[21]
No acórdão da Relação de Guimarães de 25.5.2016[22] decidiu-se que “não podem ser tidos por consumidores os promitentes-compradores que, embora sejam pessoas singulares e tenham celebrado os contratos-promessa com uma sociedade actuando no exercício da sua actividade profissional, deram uma das lojas que prometeram comprar de arrendamento a uma instituição bancária, dali recebendo as correspondentes rendas, e na outra loja instalaram, por sua conta, um estabelecimento de pronto a vestir onde eles próprios exploram uma actividade económica, e ainda aqueles que celebraram o contrato-promessa tendo em vista a aquisição de uma loja para a prossecução da sua actividade profissional, tal como veio a suceder, tendo inclusive constituído uma sociedade comercial para o efeito”.
Como refere o Prof. Calvão da Silva[23] «[É] a consagração da noção de consumidor em sentido estrito, a mais corrente e generalizada na doutrina e nas Directivas comunitárias: pessoa que adquire um bem ou um serviço para uso privado – uso pessoal, familiar ou doméstico, na fórmula da al. a) do art. 2º da Convenção de Viena de 1980 sobre a compra e venda internacional de mercadorias, inspiradora da Directiva 1999/44/CE e do § 9-109 do … -, de modo a satisfazer as necessidades pessoais e familiares, mas não já aquele que obtém ou utiliza bens e serviços para satisfação das necessidades da sua profissão ou empresa»[24].
O acórdão da Relação do Porto de 11.10.2017[25] entende a qualidade de consumidor no sentido de estarmos perante um utilizador final que utiliza o imóvel prometido comprar para uso próprio e não com escopo de revenda.
O contrato-promessa de permuta que está na origem do crédito dos reclamantes envolve a troca de um terreno por 14 frações no edifício a construir (coisas futuras) nesse terreno pela insolvente. Os reclamantes iriam utilizar esses bens como lhes aprouvesse, tendo o reclamante marido passado a habitar apenas numa delas, ali fixando a sua residência.
É ao reclamante que cumpre demonstrar a sua qualidade de consumidor.
Admitindo a dificuldade na sua caraterização, temos para nós que os reclamantes não são nem poderiam ser consumidores na aquisição da generalidade das frações. Atento os fins a que se destinam, jamais poderiam fixar em todas elas a sua residência ou afetá-las a um qualquer fim que os possa continuar a identificar como consumidores finais relativamente a elas. Seriam, muito provavelmente, pela sua natureza e quantidade, objeto de negócio com terceiros adquirentes ou arrendatários, tendo em vista o lucro ou seja, a sua rentabilização.
Se, como aponta o acórdão uniformizador nº 4/2014, está em causa a proteção dos consumidores no mercado da habitação, por serem a parte mais débil[26], mal se compreenderia que a aquisição de 14 frações de um edifício por alguém que apenas destinou um deles à sua habitação merecesse aquela proteção.
Este acórdão nº 4/2014 acolheu o conceito restrito, funcional, de consumidor, segundo o qual é a pessoa singular, destinatário final do bem transacionado, ou do serviço adquirido, sendo-lhe alheio qualquer propósito de revenda lucrativa. Estão em causa necessidades pessoais e familiares, não abrangendo quem obtém ou utiliza bens e serviços para satisfação das necessidades da sua profissão ou empresa.
A qualidade de consumidor é elemento constitutivo essencial da garantia real/direito de retenção, impondo, consequentemente, ao credor que dela se pretenda prevalecer, o cumprimento do ónus de alegação e prova dos factos em que a mesma se consubstancia.[27]
Temos assim que os reclamantes F... e mulher poderão beneficiar do direito de retenção apenas relativamente à fração que aquele foi habitar, correspondente à fração AL, no valor de € 78.000,00 (valor em dobro: € 156.000,00).
O Supremo Tribunal de Justiça, através do referido AUJ nº 4/2014, com fundamentos vários, concluiu que, havendo tradição da coisa a favor do promitente-comprador em contrato-promessa com eficácia meramente obrigacional, não se aplica o regime próprio do CIRE quanto às consequências do incumprimento da promessa por decisão do administrador de insolvência, mas sim a indemnização prevista no art.º 442º do CC (sinal em dobro).[28]
Com efeito, aquele crédito está garantido pelo direito de retenção, enquanto o restante crédito daqueles reclamantes não beneficia daquele direito real de garantia e deve ser graduado como crédito comum, tudo sem prejuízo do que resultar da decisão da questão que se segue.
*
c) A sentença de execução específica do contrato promessa relativamente às frações K, L, AL, e AF do edifício ...., a posterior celebração de escritura pública de compra e venda das mesmas frações pelo Administrador da Insolvência a favor do promitente-comprador e os seus efeitos sobre a garantia de hipoteca voluntária de que beneficia a N..., S.A.
O art.º 102º do CIRE consagra o princípio geral de que “(…) em qualquer contrato bilateral em que, à data da declaração de insolvência, não haja ainda total cumprimento nem pelo insolvente nem pela outra parte, o cumprimento fica suspenso até que o administrador da insolvência declare optar pela execução ou recusar o cumprimento”.
É um direito potestativo que o Administrador da Insolvência exercerá ou não, tendo em consideração o interesse da massa insolvente e dos credores.
O contrato de compra e venda --- tal como o contrato de permuta --- é um contrato real quoad effectum, isto é, a transferência da propriedade ocorre por mero efeito do contrato, o que decorre expressamente dos artigos 408º, n.º 1, 879º, al. a) e 939º do Código Civil.
Sendo muito duvidoso --- não obstante a aplicação do regime da compra e venda ao contrato de permuta (art.º 939º do Código Civil) --- que a compra e venda celebrada no dia 6.6.2009 entre o Administrador da Insolvência e o F... represente o cumprimento do anterior contrato-promessa de permuta, e que o Administrador da Insolvência o pudesse celebrar ao abrigo do art.º 102º, nº 1, do CIRE[29], nem por isso o contrato efetivamente realizado deixou de transferir a propriedade das frações K, L, AL e AF da insolvente para aquele reclamante. À data do contrato-promessa de permuta as frações não estavam construídas, mas quando o contrato de compra e venda foi celebrado as frações eram já uma realidade atual e até já tinham entrado na posse do F... e mulher.
Assim, dada a bilateralidade do contrato, as recíprocas prestações envolvidas no contrato de compra e venda e o carácter simultâneo reportado a coisas determinadas, o efeito translativo da propriedade ocorreu no momento da sua celebração (nº 1 do art.º 408.º do Código Civil).
Já considerados proprietários das frações, os reclamantes lograram conseguir do tribunal uma certidão de cancelamento de hipoteca voluntária, deixando a recorrente despojada da sua garantia relativamente às 4 frações sobre as quais aquela ainda recaía.
A questão que se coloca é a de saber se esse cumprimento consubstancia uma venda equiparável a uma venda judicial, com a virtualidade de, atento o disposto no art.º 824º, nº 2, do Código Civil, extinguir os direitos reais de garantia que oneram os imóveis a vender ou uma outra qualquer realidade jurídica.
No acórdão da Relação do Porto de 11.10.2017[30] defendeu-se que no âmbito de um processo de insolvência, o cumprimento de contrato-promessa com tradição do imóvel a que se refere o contrato prometido por parte do Administrador de Insolvência, de harmonia com o disposto no artigo 106º do CIRE, não implica, necessariamente, que este deva proceder ao distrate dos ónus e encargos que incidem sobre o imóvel prometido vender. Doutro modo, seria posta em causa a função basilar da hipoteca de conferir ao credor o direito a ser pago pelo valor da coisa hipotecada, com preferência sobre os demais credores que não gozem de privilégio especial ou prioridade no registo, conforme decorre do art.º 686º, n.º 1, do Código Civil. Tal venda não pode ser vista como constituindo uma venda no âmbito da liquidação do ativo do devedor uma vez que o dito contrato foi celebrado anteriormente à declaração de insolvência e, por isso, não poderá assumir a virtualidade de extinguir os direitos reais de garantia que onerem os bens transmitidos nos termos do disposto no art.º 824º, nº 2, do Código Civil.
A recorrente entende que a sua garantia de hipoteca sobre as quatro frações não podia ter sido extinta e citou o acórdão da Relação de Guimarães de 25.5.2016[31].
Aquele acórdão, ao menos na parte em que se dirige ao assunto, afigura-se-nos inteiramente correto, pelo que, com a devida vénia, passamos a transcrevê-lo, na certeza de que essa é a melhor forma de transmitir os fundamentos que nele se contêm e com os quais concordamos:
«Prescreve o artº. 106º, nº. 1 do CIRE que “no caso de insolvência do promitente-vendedor, o administrador da insolvência não pode recusar o cumprimento do contrato-promessa com eficácia real, se já tiver havido tradição da coisa a favor do promitente-comprador”.
Ora, o processo de insolvência é um processo de execução universal que tem por finalidade a liquidação do património de um devedor insolvente e a repartição do produto obtido pelos credores, ou a satisfação destes pela forma prevista num plano de insolvência que, nomeadamente, se baseie na recuperação da empresa compreendida na massa insolvente (artº. 1º do CIRE).
Assim, na insolvência os credores hipotecários visam obter o pagamento do seu crédito e, pelo tratamento preferencial que a hipoteca lhes confere, através do produto da venda do bem sobre o qual recai a hipoteca. Vale por dizer que com a venda dos bens, os credores hipotecários vêem extinguir-se a garantia dada pela hipoteca, transferindo-se a sua preferência para o produto da venda. Por regra, mercê da sequela própria dos direitos reais, que permite ao titular do direito hipotecário invocá-lo onde quer que o bem se encontre, isto é, mesmo que tenha sido transmitido a terceiro após a constituição do direito, a hipoteca acompanha a coisa, independentemente de quaisquer vicissitudes e onde quer que ela se encontre (cfr. Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, 3ª ed., pág. 122).
O que significa que os bens hipotecados podem ser transmitidos, mas o respectivo ónus acompanha-os, ou seja, transmitida a propriedade de um imóvel onerado com uma hipoteca, o mesmo permanecerá onerado até que o adquirente a expurgue, nos termos do artº. 721º do Código Civil (cfr. Almeida Costa, Direito das Obrigações, 4ª ed., pág. 671).
Com a declaração de insolvência todos os poderes de administração e disposição dos bens integrantes da massa insolvente são transferidos para o administrador da insolvência (artº. 81º, nº. 1 do CIRE).
A actividade do administrador da insolvência é, pois, predominantemente dirigida à preparação do pagamento de dívidas do insolvente através da liquidação do património do devedor; é orientada para a satisfação dos interesses dos credores com vista à administração e liquidação da massa insolvente. E essa satisfação dos credores, sejam da insolvência ou da massa, concretiza-se pelo pagamento daquilo que lhes é devido (cfr. Carvalho Fernandes e João Labareda, Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas Anotado, 2ª ed., 2013, Quid Juris, pág. 360).
Como é sabido, a declaração de insolvência produz determinados efeitos jurídicos.
Alguns deles repercutem-se nos negócios jurídicos celebrados pelo insolvente e que ainda estejam em curso, ou seja, relativamente aos quais ainda não houve cumprimento integral pelo insolvente e/ou pela contraparte.
Assim, estando em causa contratos bilaterais ainda não cumpridos, o respectivo cumprimento fica suspenso, conferindo-se ao AI o encargo de, agindo de forma criteriosa e ordenada, optar pela recusa ou pelo cumprimento do contrato, em função daquela que seja no caso concreto a melhor solução para a prossecução dos interesses da massa insolvente e para a satisfação dos créditos sobre a insolvência. É isso o que decorre, em termos gerais, do regime plasmado no artº. 102º, nº. 1 do CIRE.
É neste âmbito que se insere o regime do cumprimento dos contratos-promessa. Relativamente a estes – com excepção daqueles aos quais tenha sido conferida eficácia real e em que tenha ocorrido tradição da coisa a favor do promitente-comprador, que se enquadram na previsão do supra citado artº. 106º, nº. 1 do CIRE – cabe ao AI, no âmbito da administração da massa insolvente que lhe cumpre levar a cabo, ponderar se o interesse da massa aconselha o cumprimento dos contratos ou se, pelo contrário, impõe a recusa do cumprimento, agindo, então, em conformidade com a posição adoptada.
No cumprimento do contrato-promessa de compra e venda de um imóvel, a acção do AI limita-se à substituição subjectiva da pessoa do promitente-vendedor (o insolvente) no acto translativo da propriedade do imóvel (a escritura pública de compra e venda).
Ora, questão diferente dos efeitos jurídicos da declaração de insolvência nos negócios em curso é a da liquidação da massa insolvente (que consiste na venda dos bens que integram o património do insolvente e repartição do produto obtido pelos credores, respeitando as preferências de pagamento de que estes possam gozar).
No caso do cumprimento de um negócio em curso à data da declaração de insolvência, estamos perante um acto do AI inserido na administração da massa insolvente e que deverá ser levado a cabo norteado pelos critérios de boa administração da massa. Como tal, tratar-se-á de um acto da exclusiva responsabilidade do Administrador e que deverá reger-se pelas regras do direito civil substantivo.
No segundo caso, estamos perante um acto que diz respeito à liquidação do património do insolvente e, assim, à vertente executiva (de vocação universal) de que o processo de insolvência se reveste para prosseguir os seus fins, a levar a cabo no quadro do próprio processo de insolvência (em apenso próprio) e, portanto, com intervenção judicial.
A venda de um bem pelo AI em representação da massa insolvente, mas em cumprimento de um contrato celebrado anteriormente à declaração de insolvência é, assim, uma realidade distinta da venda de um bem pura e simplesmente apreendido para essa massa tendo em vista a obtenção de um produto a repartir pelos credores, de acordo com as preferências de pagamento de que beneficiem.
Partilhamos da posição defendida pelo Tribunal “a quo” na sentença recorrida no sentido de que o cumprimento, pelo AI, de um contrato-promessa celebrado anteriormente à declaração de insolvência (no âmbito do regime previsto nos artºs 102º e seguintes do CIRE), não consubstancia uma venda que se insira na liquidação do activo do devedor, não tendo a virtualidade, em razão da sua realização, de extinguir os direitos reais de garantia que onerem os bens transmitidos com fundamento no disposto no artº. 824º, nº. 2 do Código Civil.
Como bem se refere na sentença recorrida «estando em causa a celebração de contratos com inteira observância do regime jurídico que o direito civil lhe impõe, a venda a realizar com esse fundamento implicará que qualquer ónus ou direito real de garantia que onere o bem objeto do negócio acompanhe esse bem, atento o princípio da “sequela” que norteia os direitos reais, cabendo depois ao adquirente, se o pretender, diligenciar pela extinção do ónus ou da garantia e sub-rogar-se nos direitos do titular da garantia sobre o devedor».
Nos termos dos n.ºs 1 e 2 do artigo 824º do Código Civil, a venda coerciva transfere para o adquirente os direitos do executado sobre a coisa vendida. Os bens são transmitidos livres dos direitos reais de garantia que os onerarem, os quais caducam, transferindo-se para o produto da venda dos respetivos bens. Por outras palavras, os direitos reais de garantia, que oneravam o bem vendido extinguem-se, o adquirente adquire o bem sem esse ónus e o credor garantido passa a exercer a sua garantia de pagamento através do produto da venda do bem.
Não obstante a execução universal própria da insolvência, não se tratou de uma venda judicial, mas de uma venda efetuada pelo Administrador da Insolvência no exercício, devido ou indevido (não releva no caso), do seu poder potestativo de cumprir um contrato em curso. Pela escritura pública que celebrou com o reclamante F... fez radicar nele o direito de propriedade das quatro frações que, até então, integravam a massa insolvente. Porém, como vimos, sem que se extinguisse (automaticamente) a hipoteca da recorrente, pois que não configura uma venda coerciva ou judicial e não pode ter aquela virtualidade sem a intervenção nem o consentimento da credora hipotecária N..., S.A.
Proprietários das frações, os reclamantes deixaram de ter um crédito sobre a insolvência, já não são credores desta. Pois que, nessa medida, conseguiram, pela compra e venda, obter o efeito que procuram com a promessa de permuta. Ao assim agir, em vez de recursarem a celebração do contrato definitivo, os reclamantes colocaram-se numa posição em que, extinguindo-se o seu crédito, se extinguiu também o direito de retenção que apenas se destinava a garanti-lo. De outro passo, por força da sequela própria dos direitos reais, nada impediu que a oneração dos bens com a hipoteca constituída a favor da N..., S.A. se mantivesse, apesar da transmissão do direito de propriedade a favor dos reclamantes.
Assiste àquela recorrente o direito a pagar-se pelo produto da venda das quatro frações, verificando-se, quanto a ela, uma ineficácia relativa da transmissão do direito de propriedade, posterior ao registo da hipoteca.[32]
A cobrança coerciva deve prosseguir, para pagamento do crédito hipotecário, como se os bens hipotecados se mantivessem na titularidade da insolvente, por aplicação analógica do art.º 819º do Código Civil[33] e de acordo com a regra do aproveitamento dos atos processuais, como emanação do princípio da economia processual.[34]
Nestas condições, mantendo-se o ónus da hipoteca voluntária, não podia o tribunal ordenar o seu cancelamento, por falta de fundamento legal.
Em resumo:
- O crédito da N..., S.A. beneficia da garantia da hipoteca e deve ser graduada após a precipuidade das dívidas da massa insolvente relativamente aos bens onerados;
- Considera-se extinto o crédito dos reclamantes F... e mulher, assim como o direito de retenção que o acompanhava, pelo que não vai ser graduado; e
- Dá-se sem efeito o cancelamento do registo da hipoteca que recai sobre as quatro frações K, L, Al e AF.
*
d) O Crédito do reclamante M..., S.A. e a sua posição na graduação de créditos
Analisada a reclamação apresentada pelo M..., S.A., nenhum dos créditos ali discriminados se pode considerar “garantido”, nos termos do art.º 47º do CIRE, sendo todos eles comuns e reclamados sob condição suspensiva, nos termos do art.º 95º, nº 2, ex vi art.º 50º do CIRE.
Como assim e ainda ao abrigo dom art.º 174º, nº 1, do referido código, não oferece dúvida alguma que a hipoteca voluntária de que beneficia a N..., S.A. prevalece sobre os créditos do M..., S.A., devendo estes passar a ocupar o ponto 5 da graduação.
*
e) Nulidade da sentença
A apelante N..., S.A. invocou, finalmente, a nulidade da sentença, alegando que o tribunal recorrido “não foi rigoroso na análise da documentação e consequentemente tornou a sentença confusa e despojada de fundamentação no que toca aos créditos acima elencados”.
Esta questão está ultrapassada, prejudicada pela decisão das questões anteriores.
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2. Apelação da J..., S.A.
a) A sentença de execução específica do contrato-promessa relativamente às frações A, D, E e F do edifício ...., a posterior escritura pública de compra e venda das mesmas frações pelo Administrador da Insolvência a favor do promitente-comprador F... e os seus efeitos sobre a garantia de hipoteca voluntária constituída a favor da J..., S.A.
A J..., S.A. (antes I...) é credora hipotecária relativamente às frações identificadas pelas letras A, D, E e F do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ...., tendo reclamado o seu crédito na insolvência.
Também F... e mulher reclamaram créditos relativos ao valor daquelas frações em dobro (€ 339.182,57 x 2), alegando um contrato-promessa de compra e venda (de 14.7.2000) e simultaneamente, que elas constituem a contrapartida da entrega que fizeram à insolvente dos terrenos onde as mesmas foram construídas.
Mais uma vez invocando o seu direito de retenção, alegaram que se encontram investidos na posse das mesmas e que as utilizam como entendem, recusando-se a insolvente a outorgar os contratos definitivos, em cumprimento do contrato-promessa.
Assumem os reclamantes, ainda na sua reclamação de créditos, que no processo nº 1183/04.6TBVCD que correu termos pelo l ° Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila do Conde, foi proferida sentença, já transitada em julgado no dia 30 de Julho de 2008 (mas instaurada ainda antes da declaração de insolvência), que substituiu a insolvente pelos reclamantes na titularidade das frações A, D, E e F. Ainda assim, reclamam o crédito por as mesmas frações continuarem registadas em nome da insolvente.
Como resulta da sentença certificada que juntaram, ficou ali decidido julgar a ação interposta pelo F... contra a B..., Lda. e outros parcialmente procedente, condenando os RR., além do mais, na substituição daquela R. pelo A. na titularidade das citadas frações A, D, E e F. A sentença transitou em julgado.
Mais se condenaram os vários RR., incluindo a B..., Lda. a procederem ao distrate da hipoteca das referidas frações.
A sentença foi integralmente confirmada pela Relação do Porto e transitou em julgado.
Sem que as hipotecas tivessem sido canceladas, o credor F... requereu a insolvência da B..., Lda., pretendendo agora beneficiar do direito de retenção que invoca sobre as quatro frações.
Valem aqui as considerações que já tecemos no tratamento das questões da apelação da N..., S.A. Seria excessivo reproduzi-las agora.
A sentença atrás aludida, como resulta dos seus próprios termos[35], é uma sentença de execução específica do contrato-promessa de permuta das ditas frações.
A execução específica, de exercício necessariamente judicial, tem a natureza de ação constitutiva. Se for procedente, a sentença cria novas situações jurídicas entre as partes, constituindo, impedindo, modificando ou extinguindo direitos e deveres fundados em situações jurídicas anteriores. Obtêm-se pela sentença os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida (art.º 830º, nº 1, do Código Civil).
No caso, visou-se obter pela via judicial o efeito que se obteria pela realização do contrato de permuta entre as partes contratantes na promessa. O tribunal como que se substituiu às partes na celebração do negócio, no caso, investindo o aqui reclamante F... na titularidade das quatro frações, dela arredando a referida sociedade B..., Lda.
Portanto, os reclamantes, marido e mulher, passaram a ser os proprietários das quatro frações, muito tempo antes da reclamação do crédito.[36]
Com os referidos bens na sua esfera patrimonial, extinguiu-se o seu crédito. Este só existiria e poderia beneficiar do direito de retenção enquanto os reclamantes não entrassem na titularidade das frações.[37]
Por conseguinte, os reclamantes em causa não beneficiam de qualquer crédito sobre a massa insolvente relativamente às ditas frações, que já são deles e, como tal, também não têm sobre elas a garantia que o direito de retenção concede aos credores, porque o não são.
Note-se que não foi reclamado o crédito relativo ao direito que os reclamantes têm de obter da insolvente o valor necessário à expurgação da hipoteca, nos termos do nº 4 do art.º 830º do Código Civil, mas o valor dos apartamentos em dobro. Este crédito está extinto.
Como se a execução específica do contrato-promessa de permuta não bastasse, o Administrador da Insolvência, na pendência do processo de insolvência, pela escritura de 6.6.2009, ainda declarou transferir para o F... as frações A, D, E e F do prédio 3248, então ainda registadas em nome da sociedade insolvente. Mas nessa altura as frações já eram propriedade dos reclamantes, por efeito da prévia sentença judicial de execução específica.
Não há elementos que permitam afirmar que os reclamantes F... e mulher deveriam ter pago e não pagaram as frações. Não obstante do contrato de compra e venda resultar que as pagaram, a verdade é que, já com a execução específica, se considerara cumprida a promessa de permuta, onde a contraprestação daqueles fora a entrega de terrenos onde as frações se construíram, e não o pagamento de qualquer preço.
Seja como for, a certidão que o tribunal emitiu no dia 30.6.2009 para cancelamento de todos os ónus relativamente às ditas frações não podia ser emitida e deve ser dada sem efeito, porque a transmissão do direito de propriedade operada pela sentença proferida pelo Tribunal de Vila do Conde não operou a extinção da hipoteca que recai sobre as quatro fações, em benefício da reclamante J..., S.A., sendo que, pela escritura pública de 6 de junho de 2009, o reclamante F... está a declarar adquirir bens que, na verdade, já lhe tinham sido transmitidos por efeito da sentença de execução específica.
Vale aqui a posição que assumimos na abordagem das questões da apelação da N..., S.A., nomeadamente por referência ao acórdão da Relação de Guimarães de 25.5.2016.
Em resumo, considera-se extinto o direito de crédito reclamado pelo F... e mulher, assim como o direito de retenção que lhe estava associado e mantém-se a oneração pela hipoteca das frações A, D, E e F do prédio .... em benefício da J..., S.A. pelo valor do crédito objeto da sua reclamação, não obstante a transmissão dos bens.
Tal como se decide na apelação da N..., S.A., a cobrança coerciva, com vista à liquidação do crédito hipotecário, deve prosseguir como se os bens hipotecados se mantivessem na titularidade da insolvente, por aplicação analógica do art.º 819º do Código Civil.
Por conseguinte:
- O crédito da J..., S.A beneficia da garantia da hipoteca e deve ser graduada após a precipuidade das dívidas da massa insolvente relativamente aos bens onerados;
- Considera-se extinto este crédito dos reclamantes F... e mulher, assim como o alegado direito de retenção que o acompanhava, pelo que não vai ser graduado;
- Dá-se sem efeito o (eventual) cancelamento do registo da hipoteca que recai sobre as quatro frações A, D, E e F do prédio 3248.
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b) O Crédito do reclamante M..., S.A. e a sua posição na graduação de créditos
Pelas razões já apontadas aquando do conhecimento do recurso da N..., S.A., onde se colocou a mesma questão, deve o crédito do M..., S.A. ser graduado como crédito comum, por ser esse o lugar que lhe compete.
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c) Nulidade da sentença
A apelante invoca vários vícios à sentença recorrida, tais como contradição entre os fundamentos da sentença e a decisão, obscuridade geradora de ininteligibilidade, omissão de pronúncia e falta de fundamentação. Conclui --- citando um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25.11.2008, como tendo sido tirado no proc. 08A3102 ---que não pode o juiz abster-se de verificar a conformidade substancial e formal dos títulos dos créditos constantes da lista que vai homologar nem dos documentos e demais elementos de que disponha, com a inclusão, montante ou qualificação desses créditos, a fim de evitar violação da lei substantiva.
Aqui, como no recurso da N..., S.A., o conhecimento das outras questões suscitadas deixa prejudicado a apreciação das nulidades da sentença, pois que as faltas apontadas, em alguma medida existentes, foram aqui resolvidas.
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SUMÁRIO (art.º 663º, nº 7, do Código de Processo Civil)
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IV.
Pelo exposto, acorda-se nesta Relação do Porto em alterar a sentença recorrida e, em consequência:
1. Declaram-se extintos os créditos reclamados por F... e mulher, O..., relativamente às frações K, L, Al e AF do prédio descrito sob o nº 3722 da Conservatória do Registo Predial de Vila do Conde e às frações A, D, E e F do prédio descrito na sob o nº 3248 da mesma conservatória, assim como o direito de retenção que aos invocados créditos estivesse associado;
2. Reconhece-se a existência e a eficácia das garantias hipotecárias que oneram as referidas frações, a favor das reclamantes N..., S.A. e J..., S.A., não obstante tais bens terem passado a integrar o património dos reclamantes F... e mulher, O..., graduando-se, relativamente aos respetivos imóveis, logo a seguir à precipuidade das dívidas da massa insolvente;
3. Dão-se sem efeito os (eventuais) cancelamentos dos registos das referidas hipoteca;
4. O crédito do M..., S.A., por ser comum, será pago em função dessa sua natureza, juntamente com os demais, identificados no ponto 5º da sentença recorrida.

No mais, mantém-se a sentença recorrida.
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Custas das apelações pela massa insolvente.
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Porto, 10 de maio de 2018
Filipe Caroço
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
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[1] Adiante também J..., S.A.
[2] Por transcrição.
[3] A que acrescem outras 4 frações no prédio nº 3248, sobre as quais recai a hipoteca da credora J..., S.A.
[4] Cf. Salvador da Costa, O Concurso de Credores, Almedina, 3ª edição, pág. 220, citando Acs. da Relação de Lisboa, de 6.7.89, Colectânea de Jurisprudência, Ano XIV, Tomo 4, pág. 113, e do Supremo Tribunal de Justiça, de 8.10.2002, Revista n.º 2624/02, 1ª Secção. Cf. ainda neste sentido A. Varela, in Das Obrigações em Geral, I, 9ª ed., pág.s 354 e seg.s e II, 7ª ed., pág. 124; Calvão da Silva, in Cumprimento e Sanção Pecuniária Compulsória, edição de 1995, pág. 297 e, entre muitos outros, os ac.s do STJ, de 27.9.2001, 8.2.2000, 27.4.1999, 10.12.1997 e 21.5.98, CJ/STJ, Ano IX (2001), T. III, 46, 2000, T. I, 72, 1999, T. II, 60, 1997, T. III, 164 e BMJ 477-460.
[5] A. Varela, in R.L.J., 121º, pág. 223 e acórdão do STJ de 24/10/1995, Colectânea de Jurisprudência do Sup., T. III, pág. 78.
[6] Rosário Epifânio, Os Efeitos Substantivos da Falência, Porto, 2000, pág. 292.
[7] Catarina Serra, Efeitos da Declaração de Falência sobre o Falido, 1998, pág. 304.
[8] In www.dgsi.pt.
[9] Cadernos de Direito Privado, nº 29, pág. 9 e seg.s.
[10] Entre outros, ao ca da Relação de Guimarães de 21.5.2013, proc. 3307/08.5TBVCT-M.G1, in www.dgsi.pt.
[11] In www.dgsi.pt.
[12] Diferentemente, já se tem sustentado também que a recusa do administrador em executar o contrato não exprime incumprimento mas “reconfiguração da relação”, tendo em vista a especificidade do processo insolvencial, não sendo aplicável o conceito do art. 442º, nº 2, do Código Civil – “incumprimento imputável a uma das partes” – que pressupõe um juízo de censura em que se traduz o conceito de culpa – (neste caso ficcionando que a parte que incumpre seria o administrador da insolvência na veste do promitente ou em representação dele), pelo que não se aplicaria o regime daquele normativo e, como tal, não tem o promitente-comprador direito ao dobro do sinal até por força do regime imperativo do art.º 119º do CIRE (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14.6.2011, proc. 6132/08.OTBBRG-J.G1.S1, in www.dgsi.pt.
[13] Luís Menezes Leitão, Direito da Insolvência, Almedina 2012, 4ª edição, pág.189.
[14] DR. 1ª Série, nº 95, de 19.5.2014.
[15] Proc. 511/10.0TBSEI-E.C1, in www.dgsi.pt.
[16] Proc. 92/05.6TYVNG-M.P1.S1, in www.dgsi.pt.
[17] Acórdão da Relação de Guimarães de 21.5.2013, proc. 3307/08.5TBVCT-M.G1, in www.dgsi.pt.
[18] Neste sentido, cf. acórdão da Relação de Coimbra de 15.1.2013, proc. 511/10.0TBSEI-E.C1, in www.dgsi.pt.
[19] Por força dela, a lei deixa de ser aplicável a factos ou situações que são abrangidos pela sua letra, do que decorre esta consequência: a regulação desses factos ou situações jurídicas por um outro regime jurídico.
[20] Estudo “Direito de Retenção, Contrato-promessa e Insolvência”, publicado nos Cadernos de Direito Privado, nº. 33 – Janeiro/Março de 2011, quando escreve na pág. 20: “[…] O direito de retenção só tutela o promitente-adquirente quando este for um consumidor (…). O art. 755.°, n.° 1, alínea f) é uma norma material de protecção do consumidor e deve ser interpretada restritivamente para o beneficiar somente a ele”.
[21] Acórdão da Relação de Coimbra de 15.1.2013, proc. 511/10.0TBSEI-E.C1, in www.dgwsi.pt, citando doutrina e jurisprudência, como L. Miguel Pestana de Vasconcelos, Direito das Garantias, Almedina, Coimbra, 2010, pág. 323 e 324 e “Direito de retenção e contrato promessa e insolvência”, in Cadernos de Direito Privado, nº 33, Janeiro/Março de 2011, pág. 20, e Ac. do STJ de 14.12.11, in www.dgsi.pt.
[22] Proc. 472/12.5TBFAF-F.G1, in www.dgsi.pt.
[23] (Venda de Bens de Consumo, 4ª ed., 2010, Almedina, pág. 55 e seg.s.
[24] Cf. acórdão da Relação de Guimarães de 25,5,2016, proc. 472/12.5TBFAF-F.G1, in www.dgsi.pt.
[25] Proc. 8892/13.7TBVNG-B.P1, in www.dgsi.pt. Na mesma base de dados, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24.5.2016, proc. 3374/07.9TBGMR-C.G2.S1 e da Relação do Porto de 27.11.2017, proc. 909/15.7T8AMT-A.P1.
[26] Na respetiva nota 10, refere-se no acórdão que “…não sofre dúvida que o promitente-comprador é in casu um consumidor no sentido de ser um utilizador final com o significado comum do termo, que utiliza os andares para o seu uso próprio e não com escopo de revenda”. Nom mesmo sentido, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17.11.2015, proc. 1999/05.6TBFUN-I.L1S1, in www.dgsi.pt.
[27] Acórdão da Relação de Coimbra de 8.9.2015, proc. 2806/11.6TBVIS-C.C1, in www.dgsi.pt.
[28] Cf. também acórdão da Relação de Guimarães de 23.11.2017, proc. 103/15.7T8ALJ-A.G1, in www.dgsi.pt.
[29] Na promessa de permuta a contraprestação das frações (coisas futuras) foi a entrega do terreno à insolvente pelos reclamantes, enquanto na compra e venda a contraprestação das frações foi o pagamento de um preço determinado para cada uma delas.
[30] Proc. 8892/13.7TBVNG-B.P1, in www.dgsi.pt.
[31] Proc. 472/12.5TBFAF-F.G1, in www.dgsi.pt.
[32] Em sentido semelhante, acórdão da Relação do Porto de 18.6.2015, proc. 4323/12.8TBVNG.P1.S1, in www.dgsi.pt.
[33] Por falta de norma expressa relativa à hipoteca, aplica-se aquela norma da penhora, já que são idênticas as razões justificativas da s.
[34] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.6.2015, proc. 4323/12.8TBVNG.P1.S1, in www.dgsi.pt, a propósito da penhora.
[35] Desde logo do pedido a) da ação: “ser proferida sentença que produza os efeitos das declarações negociais em falta nos exactos termos previstos no artigo 830° do C. Civil, substituindo –se a primeira Ré pelo Autor na titularidade das fracções melhor identificadas nos artigos 8° e 13° supra;”.
[36] Valem aqui também as considerações já efetuadas relativamente à transferência do direito de propriedade.
[37] Já atrás foi também explicado este efeito.