Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2811/16.6T8OAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DOMINGOS MORAIS
Descritores: OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS
ÓNUS DA PROVA
RECIBO
QUITAÇÃO
Nº do Documento: RP201712142811/16.6T8OAZ.P1
Data do Acordão: 12/14/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º266, FLS.305-317)
Área Temática: .
Sumário: I - No tocante às obrigações pecuniárias, cumpre ao credor demonstrar o seu direito (facto constitutivo – artigo 342.º, n.º 1. do Código Civil) e ao devedor provar o pagamento, enquanto facto extintivo da obrigação (artigo 342.º, n.º 2, do CC), recaindo sobre si uma dupla presunção: a de que não pagou e a presunção de culpa de tal falta de pagamento (cumprimento) – cf. artigo 799.º, n.os 1 e 2, do CC.
II - Por conseguinte, assiste-lhe a faculdade de recusar o cumprimento enquanto não lhe for dada quitação, ou seja, enquanto não lhe for passada declaração, em regra, constante de documento específico – o recibo – de como o cumprimento foi realizado (cf. artigo 787.º, n.º 2, do CC).
III - Nos termos do artigo 783.º do CC, se o devedor, por diversas dívidas da mesma espécie ao mesmo credor, efectuar uma prestação que não chegue para as extinguir a todas, fica à sua escolha designar as dívidas a que o cumprimento se refere (n.º 1), não podendo, porém, designar contra a vontade do credor uma dívida que ainda não esteja vencida, se o prazo tiver sido estabelecido em benefício do credor; e também não lhe é lícito designar contra a vontade do credor uma dívida de montante superior ao da prestação efectuada, desde que o credor tenha o direito de recusar a prestação parcial (n.º 2).
IV - Quando o devedor não faça a designação, deve o cumprimento imputar-se na dívida vencida; entre várias dívidas vencidas, na que oferece menor garantia para o credor; entre várias dívidas igualmente garantidas, na mais onerosa para o devedor; entre várias dívidas igualmente onerosas, na que primeiro se tenha vencido; se várias se tiverem vencido simultaneamente, na mais antiga em data (n.º 1) e não sendo possível aplicar as regras fixadas no número precedente, a prestação presumir-se-á feita por conta de todas as dívidas, rateadamente, mesmo com prejuízo, neste caso, do disposto no artigo 763.º, (n.º 2) – cf. artigo 784.º do CC.
V - No âmbito específico das relações laborais, o empregador é obrigado a emitir documento comprovativo do pagamento da retribuição ao trabalhador, podendo exigir-lhe documento de quitação – cf. artigos 276.º, n.º 3, do CT e 787.º do CC.
VI - O documento a que alude o artigo 276.º, n.º 3 do CT, não se confunde com o recibo de quitação: o que com ele se visa é permitir ao trabalhador apurar a que verbas reportam as quantias que lhe são pagas.
VII - Obtida a assinatura (autoria), o documento prova os factos que dele constem e sejam contrários aos interesses do declarante, parte em que é confessória: ou seja a autoria do documento [cf. artigos 373.º, 374. e 376.º do CC] só pode imputar-se com força probatória ao autor na parte em que concorda com a isenção de horário de trabalho, nada constando de tal declaração quanto à retribuição auferida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 2811/16.6T8OAZ.P1
Origem: Comarca de Aveiro-Oliveira Azeméis-Juízo Trabalho-J1
Relator - Domingos Morais – registo 720
Adjuntos - Paula Leal Carvalho
Rui Penha

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I.Relatório
1. - B…, representado pelo Ministério Público, deduziu a presente ação declarativa comum emergente de contrato individual de trabalho, na Comarca de Aveiro-Oliveira Azeméis-Juízo Trabalho-J1, contra C…, S.A., alegando, em resumo, que:
Foi admitido ao serviço da ré em 12-01-2007.
Em 2 de Abril de 2007 e em 25 de Junho de 2010, celebrou com a ré um convénio que designaram de “acordo sobre isenção de horário de trabalho”, nos termos do qual acordaram a não sujeição do trabalhador aos períodos normais de trabalho mediante o pagamento da contrapartida mensal de €150 e no dia 10 de Março de 2015 celebraram outro convénio nos mesmos termos, mas subindo a contrapartida para €350 mensais.
A ré nunca pagou ao autor qualquer destas quantias relativas à isenção de horário de trabalho.
Tem direito a estes montantes até Janeiro de 2016, bem como à sua repercussão na retribuição de férias e no respectivo subsídio, acrescendo ainda o valor da retribuição de férias e respectivo subsídio, vencidos em 1 de Janeiro de 2016 e aos proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal proporcionais ao tempo de serviço prestado no ano da cessação do contrato [2016], descontado do valor de €2.364,14 pagos aquando desta cessação, num total de €22.505,07 acrescido dos respectivos juros.
Terminou, pedindo: “deve a presente ação ser julgada procedente, por provada e, em consequência, ser a R. condenada a pagar ao A:
1- A quantia global de €22.505,07, correspondente ao cômputo dos créditos laborais discriminados no artº 29º da presente petição, deduzida a quantia de €2.364,14 referenciada nos arts 20º e 30º do mesmo articulado.
2- Os juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal de 4%, contados a partir do vencimento das obrigações e até efetivo e integral pagamento.”.
2. - Frustrada a conciliação na audiência de partes, a ré contestou, invocando que até Janeiro de 2008 pagou ao autor uma quantia de €150, acrescida de €8 diários, num total de €300 mensais, a título de prémio de assiduidade. Tal prémio visava (i) motivar as vendas mas também (ii) compensar o tempo gasto depois do horário de expediente, valor que se manteve em €300 entre Janeiro de 2008 e final de 2013, sendo €150 acrescidos de €15 diários, com a mesma designação e para o mesmo fim. Em Janeiro de 2014 passou a pagar ao autor a retribuição de €1250 mensais que incluía aquele prémio de assiduidade, aumentando-o para €1350 em 1 de Janeiro de 2015.
O “acordo sobre isenção de horário de trabalho” destinava-se apenas a ser apresentado às autoridade policiais ou do trabalho quando e se fosse levantada a questão do horário de trabalho das viaturas que o autor conduzia, ou seja, com aquele acordo as partes nunca quiseram aumentar o salário do autor para além do que ele já auferia e aquele valor era apenas pago nos meses de trabalho efectivo. Pagou ainda ao autor as quantias de €750 e de €16.630, a título de “gratificação” e “gratificação de balanço”, pelo que se deve considerar que o autor foi pago de tudo quanto lhe era devido, havendo, por isso, abuso de direito por o autor vir reclamar quantias que nunca reclamou ao longo de 10 anos de trabalho, sabendo que não são devidas, apenas porque não consta dos recibos a expressão “isenção do horário de trabalho”.
Conclui pela sua absolvição do pedido.
3. – Foi fixado à causa o valor de €22.505,07; proferido despacho saneador tabelar com designação do objeto do litígio e dos temas da prova.
4. – Realizada a audiência de discussão e julgamento e decidida a matéria de facto, o M.mo Juiz proferiu sentença:
“Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a ação e, em consequência, condeno a ré a pagar ao autor a quantia de €20.955,07 acrescida de juros vencidos e vincendos desde o vencimento efectivo de cada parcela das obrigações até integral pagamento.
Absolvo a ré da parte restante do pedido.
Custas por autor e ré, na proporção do decaimento, sem prejuízo da isenção de que o autor eventualmente beneficie.”.
5. – A ré, inconformada, apresentou recurso de apelação, concluindo:
“I. A douta sentença recorrida não deverá manter-se.
II. Há erro na apreciação da matéria de facto na medida em que, por um lado, foram tiradas determinadas conclusões de factos que não se encontram no elenco dos factos provados em sede audiência de discussão e julgamento, e por outro, foram dados como provados ou não provados factos que mereciam uma decisão diferente.
III. Em face da prova produzida nos autos, dever-se-iam ter dado como provados os seguintes factos:
- Os montantes pagos pela Ré ao Autor entre 2007 e final de 2013, com a designação de “prémio de assiduidade” e constantes dos recibos de retribuição destinaram-se ao pagamento da retribuição devida pela prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho;
- A partir de janeiro de 2014, o montante de €1.250,00 pago pela Ré ao Autor com a designação “vencimento” constante dos recibos de retribuição incluía o pagamento da retribuição devida pela prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho;
- A partir de janeiro de 2015, o montante de €1.350,00 pago pela Ré ao Autor com a designação “vencimento” constante dos recibos de retribuição incluía o pagamento da retribuição devida pela prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho, correspondendo ao somatório do vencimento base de €1.000,00 e do valor correspondente à retribuição devida pela isenção de horário de trabalho no montante de €350,00.
IV. Tais factos deveriam ter sido considerados provados, na medida em que a resposta aos mesmos resulta, quer do depoimento das testemunhas, quer dos documentos juntos aos autos e que foram aceites pelas partes.
V. Por outro lado, deveria ter sido dado como não provado que: A retribuição pelas férias e o correspondente subsídio eram constituídos exclusivamente pelo vencimento base do Autor e não incorporavam, portanto, qualquer quantitativo monetário respeitante ao falado subsídio de isenção de horário de trabalho.
VI. As grandes questões em discussão nos presentes autos consistiam em saber se o Autor exerceu as suas funções, ao longo da relação laboral, no regime de isenção de horário de trabalho e se, tendo-as exercido sob tal regime, recebeu a retribuição devida pelo desenvolvimento da prestação de trabalho nesses moldes.
VII. Sobres estes temas de prova não foram tidas devidamente em conta as declarações da testemunha D…, no que se refere aos pagamentos realizados ao Recorrido, ao longo da relação laboral.
VIII. As declarações desta testemunha revestem especial importância para a boa decisão da causa, uma vez que esta foi a responsável única pela elaboração dos recibos de retribuição do Autor, ao longo de toda a relação laboral.
IX. Do depoimento da referida testemunha resulta claro e inequívoco que (i) os montantes pagos pela Recorrente ao Recorrido, entre 2007 e 2013 e com a rubrica “prémio de assiduidade” visavam o pagamento da isenção de horário de trabalho e que (ii) os montantes pagos pela Recorrente ao Recorrido a partir de 2014 com a rubrica “vencimento”, correspondem ao somatório da remuneração do Recorrido com o valor da isenção de horário de trabalho.
X. Tais conclusões resultam expressamente do depoimento da testemunha, cuja audição se requer, D…, gravado no dia 08.11.2016, dos minutos 02:30 a 06:04, dos minutos 06:18 a 08:18, dos minutos 15:14 a 17:12, dos minutos 18.30 a 20:00, dos minutos 29:12 a 30:20 e dos minutos 35:07 a 35:48, cujos excertos se encontram transcritos no art.º 18.º das alegações e se dão aqui por integralmente reproduzidos.
XI. Do depoimento da testemunha D… resultam, de forma clara e inequívoca, dois aspetos fundamentais:
1. A Recorrente pagou ao Recorrido a retribuição devida pela isenção de horário de trabalho;
2. Dos recibos de retribuição do Recorrido nunca constou a rubrica “isenção de horário de trabalho” apenas porque o programa informático utilizado pela Recorrente não continha essa opção.
XII. Consta da fundamentação da sentença que “de uma forma geral, consideramos que o autor e as testemunhas depuseram de forma espontânea e coerente coma razão de ciência que invocaram”.
XIII. O que significa que o Meritíssimo Juiz a quo conferiu credibilidade à descrição que esta testemunha fez dos pagamentos realizados ao Recorrido.
XIV. Pelo que face ao teor da prova testemunhal produzida e à credibilidade que mereceu, ao Tribunal, esta testemunha, outra deveria ter sido a decisão sobre a matéria de facto, no sentido de que a obrigação da Recorrente se extinguiu pelo pagamento.
XV. Não obstante, o Meritíssimo Juiz a quo entendeu que o depoimento desta testemunha não permitia afastar o facto de a Recorrente ter declarado nos recibos de retribuição um prémio de assiduidade e não a isenção de horário de trabalho.
XVI. Os argumentos avançados nas páginas 8, 9 e 10 da motivação fáctica da sentença não justificam a desconsideração da prova produzida pela testemunha D….
XVII. Com efeito, o Recorrido foi admitido a 12 de janeiro de 2007, datando o primeiro acordo de isenção de horário de trabalho de 2 de abril de 2007, ou seja, dois meses e meio depois da data da sua admissão.
XVIII. No entanto e como resulta das declarações do próprio recorrido, cuja audição se requer, gravado no dia 08.11.2016, dos minutos 09:20 a 09.50, este já vinha trabalhando para outra Sociedade, a qual veio a dar origem à Sociedade Ré e no âmbito da qual o Autor já vinha desenvolvendo as suas funções em regime de isenção de horário de trabalho.
XIX. Destas declarações não é possível inferir, como foi feito na douta sentença de que se recorre, que o prémio de assiduidade não se destinava ao pagamento do trabalho prestado em regime de isenção de horário de trabalho.
XX. Acresce que mesmo que desconsiderássemos as declarações do Recorrido quanto ao regime de prestação de trabalho na anterior Sociedade, sempre se diria que a consequência a extrair da inexistência de acordo escrito de isenção de horário de trabalho durante os meses de janeiro, fevereiro e março de 2007, sempre seria o facto do trabalho realizado fora do horário de trabalho ser considerado como trabalho suplementar e, como tal, ser devido o correspondente acréscimo remuneratório.
XXI. Pagamento esse que o então Autor nem sequer requereu no processo.
XXII. Pelo que se entende que tal argumento não é suscetível de sustentar a decisão sobre a matéria de facto quanto a este tema.
XXIII. Por outro lado, refere-se na douta sentença que nos acordos de isenção de horário de trabalho é dito que a retribuição especial acordada será paga com a periodicidade com que é paga a retribuição base mas nos meses de Agosto desde 2007 até ao fim da relação contratual a ré nunca pagou prémio de assiduidade.
XXIV. Por outro lado, refere-se na douta sentença que nos acordos de isenção de horário de trabalho é dito que a retribuição especial acordada será paga com a periodicidade com que é paga a retribuição base mas nos meses de Agosto desde 2007 até ao fim da relação contratual a ré nunca pagou prémio de assiduidade. Em primeiro lugar, diga-se que não resulta da documentação junta aos autos que nos meses de agosto nunca tenha existido pagamento do prémio de assiduidade.
XXV. Veja-se, a título de exemplo, o documento junto a fls 112 dos autos e que corresponde ao recibo de retribuição de agosto de 2014 e de acordo com o qual foram pagos ao Autor €1.250,00.
XXVI. E, conforme declarações da testemunha D… acima transcritas - as quais se mostram claras e inequívocas – o referido valor correspondia ao somatório da remuneração base do Recorrido com o valor devido a título de isenção de horário de trabalho.
XXVII. Por outro lado, tal também se verifica no que se refere à retribuição de agosto de 2015, conforme documento de fls 124 dos autos, onde se verifica que nesse mês foram pagos €1.350,00 ao Recorrido, os quais correspondem a €1.000,00 a título de retribuição base, acrescidos de €350,00 a título de isenção de horário de trabalho, conforme resulta do próprio acordo de isenção de horário junto aos autos como doc. n.º 7 com a petição inicial.
XXVIII. Por último sempre se dirá que a inexistência do pagamento da remuneração de isenção de horário de trabalho nos demais meses de férias apenas poderia determinar a condenação da Recorrente no pagamento desse acréscimo remuneratório nos meses em falta, não podendo extrair-se dessa ausência de pagamento qualquer outra conclusão.
XIX. Por outro lado, consta ainda da douta sentença que existem três meses em que o prémio de assiduidade não chega sequer a €150 e, por isso, não pode dizer-se que se estava a pagar aquele montante, o mesmo sucedendo no mês de dezembro de 2012.
XXX. Sobre este ponto e em primeiro lugar, diga-se, desde já, que a douta sentença nem sequer identifica quais os três meses em que o prémio de assiduidade não chegaria a €150,00, o que, só por si, não confere sustentação fáctica a este argumento.
XXXI. No entanto e mesmo admitindo que o Meritíssimo Juiz a quo se quereria referir ao mês de outubro de 2013, mês em relação ao qual inquiriu diretamente a testemunha D…, sempre se diga que as declarações da testemunha e a análise de todos os recibos de retribuição juntos aos autos não permitem concluir no sentido do argumento constante da douta sentença.
XXXII. Requer-se assim a audição das declarações da testemunha a este propósito do minuto 30:58 a 33:30 e das quais resulta que a testemunha assume a possibilidade de se ter enganado no processamento do salário de outubro de 2013.
XXXIII. Por outro lado, do recibo imediatamente subsequente – novembro de 2013 – e junto a fls 103 dos autos, verifica-se que foi pago um prémio de assiduidade de €315,00, que permitiu cobrir o eventual erro referido pela testemunha como tendo ocorrido com o processamento do mês de outubro.
XXXIV. Assim e mais uma vez, uma análise conjunta da totalidade dos recibos de retribuição juntos aos autos permite concluir que a Recorrente sempre efetuou o pagamento do prémio de assiduidade.
XXXV. Já em relação ao mês de dezembro de 2012, verifica-se que efetivamente não houve pagamento do prémio de assiduidade.
XXXVI. No entanto, através da análise do recibo de retribuição referente ao mês imediatamente subsequente – janeiro de 2013 – e junto a fls 93, verifica-se que nesse mês o pagamento realizado a título de prémio de assiduidade atingiu o montante de €330,00, compensando assim a falta de pagamento verificada em dezembro de 2012.
XXXVII. Tendo sido juntos aos autos muitas dezenas de documentos consistentes em recibos de retribuição, sempre haveria que analisar os mesmos na sua globalidade, o que permite concluir que, mesmo não tendo existido pagamento em dezembro de 2012, essa falta de pagamento foi compensada com o pagamento realizado em dobro no mês imediatamente subsequente, facto que não pode ser ignorado, como o fez a douta sentença.
XXXVIII. Por último, refere-se ainda na douta sentença que a testemunha D… referiu que a nomenclatura isenção de horário de trabalho não existia no sistema informático e que colocou aquela que lhe pareceu mais aproximada entendendo o Tribunal que “se considera estranho que tal fosse assim pois, por um lado, então o que faria sentido era colocar como prémio de assiduidade a quantia relativa à isenção de horário de trabalho e distinguir aquela que tinha outro objetivo que também não se relaciona com a assiduidade (motivação do trabalhador) com outra discriminação e, por outro lado, a situação de isenção de horário de trabalho não é uma situação recente e, por isso, estranha-se que um sistema informático de processamento de salários não tivesse a descrição mas, mesmo que assim fosse, a verdade é que se verifica que a partir do recibo de Janeiro de 2013 o sistema informático é outro, pelo que a situação podia ser mudada, como veio a ser com a testemunha E…”.
XXXIX. Sobre este ponto importa atender, uma vez mais, ao depoimento da testemunha D… – responsável pela elaboração do processamento salarial do Recorrido - e cuja audição se requer quanto aos minutos acima indicados, a qual foi peremptória sempre que questionada sobre este tema tendo afirmado repetidamente que o programa informático não continha essa rubrica.
XL. Em relação a este ponto, verifica-se ainda, por outro lado, que o Tribunal retira conclusões de factos que não resultaram, de forma alguma, provados.
XLI. Uma vez que refere ainda o Meritíssimo Juiz a quo que “a partir de janeiro de 2013 o sistema informático é outro, pelo que a situação podia ter sido mudada, como veio a ser com a testemunha E…”.
XLII. Esta afirmação contida na sentença não tem qualquer sustentação fáctica, pois não resulta nem dos documentos juntos aos autos nem das declarações das testemunhas.
XVIII. Da análise documental verifica-se apenas que, a partir de janeiro de 2013, os recibos de retribuição passaram a ter uma apresentação gráfica diferente, mas não resulta dos mesmos qualquer indicação de que houve uma alteração de software uma vez que nenhum dos recibos juntos aos autos contém identificação do software utilizado, conforme recibos de fls 93 e seguintes.
XLIV. Por outro lado, a testemunha D… foi especificamente questionada pelo Magistrado do Ministério Público quanto a cada um dos anos de vigência do contrato de trabalho do Autor, tendo-lhe sido perguntado se o sistema informático tinha sido alterado e se este tinha passado a conter o descritivo “isenção de horário de trabalho” tendo a testemunha respondido expressa e continuamente que não, conforme resulta das declarações constantes dos minutos 15:14 a 17:12 e cuja audição se requer.
XLV. Já quanto à testemunha E…, atente-se especificamente ao teor das suas declarações sobre este tema dos minutos 7:30 a 7:42 e ainda dos minutos 9:21 a 10:00, cuja audição se requer.
XLVI. Ora, se se ouvirem as declarações da referida testemunha verifica-se que em nenhum momento esta indica qual a data em que passou a ser incluída a designação “isenção de horário de trabalho” nos seus recibos de retribuição, não ficando assim demonstrado que esse descritivo existia enquanto o Recorrido esteve ao serviço da Recorrente uma vez que o seu contrato de trabalho terminou em janeiro de 2016 sendo que a testemunha E… ainda se mantém ao serviço da Recorrente.
XLVII. Por fim, refere-se ainda na motivação fáctica da sentença que “não faz sentido a sua integração na retribuição base quando o acordo de isenção de horário de trabalho era livremente denunciável por qualquer das partes”.
XLVIII. Sobre este ponto entende-se que, mais uma vez, haveria que atender-se às declarações da testemunha D… dos minutos 02:30 a 06:04 e dos minutos 18:30 a 20:00, cuja audição se requer e das quais resultou expressamente que não houve qualquer integração da isenção de horário na retribuição base, porquanto o que se verificou foi que a partir de 2014 a testemunha passou apenas a juntar numa só rubrica a retribuição base e o valor de isenção de horário de trabalho, considerando que o programa informático continuava a não dispor da rubrica “isenção de horário de trabalho”.
XLIX. Pelo exposto e de acordo com o que foi afirmado pelas testemunhas e com a prova documental junta aos autos, é manifesto que devia ter sido dado como provado que os montantes pagos com a rubrica “prémio de assiduidade” e a partir de 2014 com a rubrica “vencimento” visaram o pagamento da retribuição devida pela prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho.
L. Razão pela qual se requer que tal matéria seja considerada provada, aditando-se aos factos provados com a redação seguinte, o que desde já se requer para todos os efeitos legais:
- Os montantes pagos pela Ré ao Autor entre 2007 e final de 2013, com a designação de “prémio de assiduidade” e constantes dos recibos de retribuição destinaram-se ao pagamento da retribuição devida pela prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho;
- A partir de janeiro de 2014, o montante de €1.250,00 pago pela Ré ao Autor com a designação “vencimento” constante dos recibos de retribuição incluía o pagamento da retribuição devida pela prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho;
- A partir de janeiro de 2015, o montante de €1.350,00 pago pela Ré ao Autor com a designação “vencimento” constante dos recibos de retribuição incluía o pagamento da retribuição devida pela prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho, correspondendo ao somatório do vencimento base de €1.000,00 e do valor correspondente à retribuição devida pela isenção de horário de trabalho no montante de €350,00.
LI: A prova junta aos autos – testemunhal e documental – permite concluir que a obrigação da Recorrente se extinguiu pelo pagamento.
LII. Termos em que, deve a douta decisão recorrida ser alterada em conformidade, no sentido de ser concedido provimento ao presente recurso no que respeita à decisão sobre a matéria de facto e, consequentemente, ser proferida decisão que absolva a Recorrente do pedido, o que desde já se requer para todos os efeitos legais.
LIII. Por outro lado, não deveria ter sido dado como provado que: “A retribuição pelas férias e o correspondente subsídio eram constituídas exclusivamente pelo vencimento base do autor e não incorporavam, portanto qualquer quantitativo monetário respeitante ao falado subsídio de isenção de horário de trabalho”.
LIV. Com efeito, resulta da documentação junta aos autos pelo menos no que se refere a 2014 e 2015, que a Recorrente efetuou o pagamento da isenção de horário de trabalho nos meses de férias e no subsídio de férias, conforme se pode observar dos documentos juntos de fls 105 a 128 dos autos.
LV. Porquanto, em primeiro lugar, nos meses de agosto de 2014 e 2015 – documentos de fls 112 e 124 juntos aos autos verifica-se que o montante pago ao autor foi de €1.250,00 e €1.350,00 respetivamente, os quais, conforme descrito, nomeadamente, no acordo de isenção de horário de trabalho junto aos autos como doc. 7 com a petição inicial, correspondem ao somatório do valor da retribuição base com o valor da isenção de horário de trabalho.
LVI. Já quanto ao subsídio de férias, resulta também dos recibos de retribuição fls 108 a 128 juntos aos autos que a partir de janeiro de 2014 o valor do subsídio de férias passou a incluir o valor da isenção de horário de trabalho, uma vez que estes passaram a ser pagos em duodécimos os quais foram apurados com base no montante total de €1.250,00 (ano de 2014) e €1.350,00 (ano de 2015), os quais compreendem a retribuição base e a isenção de horário de trabalho.
LVII. Razão pela qual, se requer que o ponto da matéria de facto indicado em LIV das presentes conclusões, seja retirado da matéria de facto assente.
LVIII. Noutra ordem de considerações, na aplicação do direito, e ainda que não se alterasse a decisão da matéria de facto nos termos atrás requeridos, o que não se concede e apenas por mera hipótese de raciocínio se admite, sempre haveria que atender às quantias concretamente reclamadas pelo Recorrido e aos pagamentos realizados pela Recorrente.
LIX. Assim e atendendo a que nos meses de agosto de 2014 e agosto de 2015 foram pagos respetivamente €1.250,00 e €1.350,00, valores que correspondem ao somatório da retribuição base com a isenção de horário de trabalho, haveria que descontar também dos montantes peticionados pelo Recorrido a título de retribuição de férias - para além do já reconhecido na douta sentença – o montante total de €500,00 (€150,00 + €350,00), o que desde já se requer.
LX. Por outro lado e quanto aos subsídios de férias de 2014 e 2015, considerando que a partir de janeiro de 2014 estes passaram a incluir o valor da isenção de horário de trabalho e começaram a ser pagos em duodécimos, conforme resulta dos recibos juntos aos autos de fls. 105 a 116 (2014) e de fls. 117 e seguintes (2015), haveria que descontar também dos montantes peticionados pelo Recorrido a título de subsídio de férias - para além do já reconhecido na douta sentença – o montante total de €500,00 (€150,00 + €350,00), o que desde já se requer.
LXI. Termos em que a douta sentença recorrida não deverá manter-se, devendo o presente recurso merecer integral provimento, com as consequências legais daí decorrentes.
LXII. Mais requer a V. Exa. se digne admitir a prestação de caução por parte da Recorrente, a ser prestada por meio de garantia bancária, no valor de €20.955,07.
Assim decidindo, V. Exªs. farão, como sempre, inteira JUSTIÇA”.
6. – O autor contra-alegou, concluindo:
1ª – Ao dar como assente que a R. não pagou ao A. as retribuições que lhe eram devidas em virtude da sua prestação laboral em regime de isenção de horário de trabalho, o Mmo Juiz “a quo”, no exercício da sua livre apreciação da prova, fez uma adequada apreciação da prova produzida em audiência.
2ª – Operou também, por outro lado, uma criteriosa seleção dos preceitos juslaborais aplicáveis no caso vertente, bem assim como uma adequada aplicação da disciplina vertida nos mesmos.
3ª – O presente recurso não merece provimento.
4ª – Deve, como tal, ser confirmada a douta decisão recorrida.”.
7. – O M. Público, junto deste Tribunal, não emitiu parecer, por representar o autor.
8. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II.Fundamentação de facto
1. - Na 1.ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
“1. A ré dedica-se à fabricação, comercialização, importação e exportação de artigos para a indústria de calçado (CAE Principal …… - .. e CAE Secundário ….. – ..), para o que dispõe de instalações na Rua …, …, em ….
2. Admitiu o autor ao seu serviço no dia 12-1-2007, por simples ajuste verbal e, portanto, com carácter efetivo e por tempo indeterminado, para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, desempenhar remuneradamente as funções de técnico comercial de marketing, mediante o vencimento de €730,00 mensais.
3. O autor esteve ininterruptamente ao serviço da ré até ao dia 13-1-2016.
4. O autor cumpria inicialmente um horário de trabalho de 40 horas semanais, de 2ª a 6ª- feira, entre as 9:00 e as 17:00 horas, com intervalo para almoço das 12:30 às 13:30 horas.
5. Nos dias 2-4-2007 e 25-6-2010, autor e ré celebraram convénio escrito, que denominaram de “acordo sobre isenção de horário de trabalho”, nos termos do qual acertavam “a não sujeição do trabalhador aos limites máximos dos períodos normais de trabalho”, recebendo este como contrapartida “ uma retribuição especial, no montante de €150,00, a ser paga com a mesma periocidade com que é paga a retribuição-base”, vigorando esse acordo “até que uma das partes o denuncie”.
6. No dia 10-3-2015, os mesmos celebraram outro convénio escrito nos exatos moldes supra descritos, nele se estipulando, no entanto, que a referida retribuição especial passava a ser de €350,00 mensais.
7. O autor auferiu o vencimento mensal de €1.250,00 e de €1.350,00, a partir de 1-1-2014 e de 1-1-2015, respetivamente.
8. Não deu faltas ao serviço nem gozou qualquer dia das férias vencidas a 1-1-2016.
9. Nos anos de 2007 a 2015, gozou a totalidade das suas férias no mês de Agosto. A retribuição pelas férias e o correspondente subsídio eram constituídas exclusivamente pelo vencimento base do autor e não incorporavam, portanto, qualquer quantitativo monetário respeitante ao falado subsídio de isenção de horário de trabalho.
10. Nos anos de 2007, 2008 e 2009, o subsídio de férias foi pago ao autor no mês de Julho.
11. A ré pagou ao autor em duodécimos mensais, no ano do vencimento das mesmas, o subsídio respeitante às férias vencidas a 1-1-2010, 1-1-2011, 1-1-2012, 1-1-2013, 1-1-2014, 1-1-2015.
12. No dia 13-1-2016, o autor cessou a sua colaboração com a ré, pondo unilateralmente fim à relação laboral existente entre ambos, deixando de lhe prestar serviço, em conformidade com a comunicação escrita que, para o efeito, enviara à mesma no dia 12- 11-2015, mediante carta registada com aviso de receção.
13. No dia 1-2-2016, a ré transferiu para a conta bancária do autor a quantia de €2.364,14, para pagamento das férias ainda não gozadas e vencidas no dia 1-1-2016 e do respetivo subsídio, bem assim como dos 13 dias de trabalho prestado nesse mês de Janeiro e dos proporcionais de férias, subsídio de férias e de Natal do ano da cessação do contrato. Durante o ano de 2007 e até Janeiro de 2008 a ré pagou ao autor uma quantia de €150 acrescida de €8 diários, num total de €300 mensais, a título de prémio de assiduidade.
14. Entre Janeiro de 2008 e final de 2013, a ré pagou ao autor o valor de € 15 diários, com a mesma designação.
15. Em Janeiro de 2014 a ré passou a pagar ao autor a retribuição de €1.250 mensais que incluía aquele prémio de assiduidade, aumentando-o para €1.350 em 1 de Janeiro de 2015.
16. A ré pagou ainda ao autor as quantias de € 750 e de € 16.630 a título de gratificação e gratificação de balanço”.
III. – Fundamentação de direito
1. - Atento o disposto nos artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2, ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis por força do artigo 1.º, n.º 2, alínea a) e artigo 87.º do Código de Processo de Trabalho (CPT), e salvo questões de conhecimento oficioso, o objecto do recurso está delimitado pelas conclusões da recorrente, supra transcritas.
Mas essa delimitação é precedida de uma outra, qual seja a do reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal recorrido, isto é, o tribunal de recurso não pode criar decisões sobre matéria nova, matéria não submetida ao exame do tribunal de que se recorre.
2. - Objecto do recurso:
- A impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
- O desconto das quantias pagas.
3. - A reapreciação da matéria de facto
3.1. - Atento o disposto no artigo 662.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC), o Tribunal da Relação deve alterar a decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto, “se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
Para o efeito da alteração da decisão de facto, o artigo 640.º, do novo CPC, dispõe:
1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à respectiva transcrição dos excertos que considere relevantes; (…)”.
4.2. – Nas suas alegações de recurso, a recorrente alegou:
“6. Em face da prova produzida nos autos, dever-se-ia ter dado como provado que:
- Os montantes pagos pela Ré ao Autor entre 2007 e final de 2013, com a designação de “prémio de assiduidade” e constantes dos recibos de retribuição destinaram-se ao pagamento da retribuição devida pela prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho;
- A partir de janeiro de 2014, o montante de €1.250,00 pago pela Ré ao Autor com a designação “vencimento” constante dos recibos de retribuição incluía o pagamento da retribuição devida pela prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho;
- A partir de janeiro de 2015, o montante de €1.350,00 pago pela Ré ao Autor com a designação “vencimento” constante dos recibos de retribuição incluía o pagamento da retribuição devida pela prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho, correspondendo ao somatório do vencimento base de €1.000,00 e do valor correspondente à retribuição devida pela isenção de horário de trabalho no montante de €350,00.
7. Por outro lado, não poderia ter resultado provado que:
- A retribuição pelas férias e o correspondente subsídio eram constituídas exclusivamente pelo vencimento base do Autor e não incorporavam, portanto, qualquer quantitativo monetário respeitante ao falado subsídio de isenção de horário de trabalho.”.
E indica como prova, a testemunha D…, pelo que nada obsta à reapreciação, nesta instância, de tal impugnação,
4.3. - No caso vertente, tanto na decisão recorrida, como nas alegações de recurso da apelante, resulta consentâneo que a factualidade dada como não provada foi referida pelas testemunhas por ela indicadas, sendo que, o que o Mmo Juiz entendeu foi que tais depoimentos, nesses concretos conspectos não mereceu credibilidade ao tribunal, por conjugação com os demais elementos juntos aos autos, designadamente, a prova documental.
A recorrente pretende (i) se dê por provado que os montantes pagos com a rubrica “prémio de assiduidade” e (a partir de 2014) com a rubrica “vencimento” visaram o pagamento da retribuição devida pela prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho e que (ii) se exclua do acervo da matéria provada os pontos em que se considerou que a retribuição pelas férias e o correspondente subsídio eram constituídas exclusivamente pelo vencimento base do autor e não incorporavam, portanto, qualquer quantitativo monetário respeitante ao falado subsídio de isenção de horário de trabalho.
Resulta dos factos provados que:
“A ré admitiu o autor ao seu serviço no dia 12-1-2007, por simples ajuste verbal e, portanto, com carácter efetivo e por tempo indeterminado, para, sob as suas ordens, direção e fiscalização, desempenhar remuneradamente as funções de técnico comercial de marketing, mediante o vencimento de €730,00 mensais.
Nos dias 2-4-2007 e 25-6-2010, autor e ré celebraram convénio escrito, que denominaram de “acordo sobre isenção de horário de trabalho”, nos termos do qual acertavam “a não sujeição do trabalhador aos limites máximos dos períodos normais de trabalho”, recebendo este como contrapartida “ uma retribuição especial, no montante de €150,00, a ser paga com a mesma periocidade com que é paga a retribuição-base”, vigorando esse acordo “até que uma das partes o denuncie.
No dia 10-3-2015, os mesmos celebraram outro convénio escrito nos exatos moldes supra descritos, nele se estipulando, no entanto, que a referida retribuição especial passava a ser de €350,00 mensais.
O autor auferiu o vencimento mensal de €1.250,00 e de €1.350,00, a partir de 1-1-2014 e de 1-1-2015, respetivamente.
O autor esteve ininterruptamente ao serviço da ré até ao dia 13-1-2016”.
Entendeu-se, ainda, na decisão recorrida que não ficou provado que “Estes valores [prémios de assiduidade] visavam efectivamente compensar o tempo que o autor gastava depois do horário de expediente e como motivação de vendas”.
A recorrente sustenta que do teor do depoimento das testemunhas por si arroladas, designadamente, D…, conjugadas com os documentos juntos aos autos deve dar-se por provado que os montantes pagos sob a rubrica “prémio de assiduidade” e (a partir de 2014) sob a rubrica “vencimento” visaram o pagamento da retribuição devida pela prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho.
Apreciados os meios de prova indicados pela recorrente, incluindo os ouvidos depoimentos das testemunhas que serviram de suporte à motivação da decisão sobre a matéria de facto, ora impugnada, mormente, da testemunha D…, adiantamos, desde já, que a decisão de facto recorrida não nos merece qualquer censura.
Na verdade, conjugando a prova documental, junta aos autos, e a prova testemunhal prestada em audiência de julgamento, e respeitando os princípios da imediação, da oralidade e da apreciação livre da prova - cf. artigo 607.º, n.º 5, do CPC –, o Mmo Juiz, formou a sua convicção acerca dos factos inseridos nos pontos ora impugnados, nos seguintes termos:
O Tribunal formou a sua convicção sobre os factos provados e não provados com base na apreciação conjugada dos documentos juntos aos autos com as declarações do próprio autor e das testemunhas D… e E…, ambos funcionários da ré.
De uma forma geral, consideramos que o autor e as testemunhas depuseram de forma espontânea e coerente com a razão de ciência que invocaram, não havendo qualquer motivo para, só por si, afastarmos, na globalidade, o depoimento de qualquer deles, sem prejuízo do afastamento em aspectos específicos no confronto com outros meios de prova.
(…).
O autor declarou que nunca recebeu qualquer valor relativo a isenção de horário de trabalho e que os prémios de assiduidade e gratificações de balanço nunca tiveram essa finalidade pois eram uma forma diversa da ré lhe pagar o salário líquido que foi inicialmente acordado sem que o salário base fosse muito elevado, sendo certo que posteriormente os valores relativos ao prémio de assiduidade e gratificações de balanço foram efectivamente integrados no salário base mas sem que tivessem qualquer relação com a compensação por isenção de horário de trabalho, apesar de ter ficado prejudicado.
Constam dos autos todos os recibos de vencimento emitidos pela ré para pagamento ao autor e em nenhum consta qualquer descritivo relativo a isenção de horário de trabalho.
Este aspecto não é irrelevante do ponto de vista probatório pois o artigo 276.º, n.º 3, do Código do Trabalho, estabelece que «até ao pagamento da retribuição, o empregador deve entregar ao trabalhador documento do qual constem a identificação daquele, o nome completo, o número de inscrição na instituição de segurança social e a categoria profissional do trabalhador, a retribuição base e as demais prestações, bem como o período a que respeitam, os descontos ou deduções e o montante líquido a receber».
Assim, como os documentos a que normalmente se chama “recibo de vencimento” são declarações do empregador em que se liquida aquilo que se está a pagar, não é irrelevante que a ré tenha, durante anos, declarado que estava a pagar uma coisa e afinal agora diz que respeitava a outra pois tem a obrigação de identificar “as demais prestações” que estão a ser pagas e nunca identificou qualquer prestação como “isenção de horário de trabalho” ou algo semelhante.
No entanto, da situação do autor, só a testemunha D… falou e referiu que é o próprio quem faz os recibos de vencimento e que a verba paga sobre a descrição “prémio de assiduidade” visava, por um lado, pagar a isenção de horário de trabalho, inicialmente de €150 mas €8 por dia para motivação do trabalhador e depois passou apenas a ser €15 por dia incluindo ambas as situações, ou seja, os valores reclamados já estavam pagos embora com outra descrição e, posteriormente, este valor foi integrado no salário base e, por isso, chegamos à mesma conclusão, acrescentando que o facto de constar prémio de assiduidade apenas ocorreu porque o sistema informático não tinha a descrição “isenção de horário de trabalho” e achou que era a mais parecida.
Em primeiro lugar, sempre se diga, que mesmo deste depoimento não resulta que as verbas pagas sobre a descrição “gratificação de balanço” estavam relacionadas com a isenção de horário de trabalho.
Por outro lado, em nosso entendimento, este depoimento não permite, só por si, afastar o facto da própria ré ter declarado nos recibos de vencimento que estava a pagar um prémio de assiduidade e não a isenção de horário de trabalho pelos seguintes motivos:
Primeiro: o primeiro acordo de isenção de horário de trabalho na ré data de 2 de Abril de 2007 mas desde Janeiro até Março de 2007 a ré pagou ao autor o prémio de assiduidade – folhas 66, 67 e 68;
Segundo: nos acordos de isenção de horário de trabalho é dito que a retribuição especial acordada será paga com a periodicidade com que é paga a retribuição base mas nos meses de Agosto desde 2007 até ao fim da relação contratual a ré nunca pagou prémio de assiduidade – folhas 84, 95 e 102;
Terceiro: existem três meses em que o prémio de assiduidade não chega sequer a €150 e, por isso, não pode dizer-se que estava a pagar aquele montante, o mesmo sucedendo no mês de Dezembro de 2012 – folhas 92;
Quarto: a testemunha D… refere que a nomenclatura isenção de horário de trabalho não existia no sistema informático e colocou aquela que lhe pareceu mais aproximada mas achamos estranho que tal fosse assim pois, por um lado, então o que faria sentido era colocar como prémio de assiduidade a quantia relativa à isenção de horário de trabalho e distinguir aquela que tinha outro objectivo que também não se relaciona com a assiduidade [motivação do trabalhador] com outra discriminação e, por outro lado, a situação de isenção de horário de trabalho não é uma situação recente e, por isso, estranha-se que um sistema informático de processamento de salários não tivesse a descrição mas, mesmo que assim fosse, a verdade é que se verifica que a partir do recibo de Janeiro de 2013 o sistema informático é outro, pelo que a situação podia ser mudada, como veio a ser quanto à testemunha E….
Por fim, não faz sentido a sua integração na retribuição base quando o acordo de isenção de horário de trabalho era livremente denunciável por qualquer das partes.
Logo, não consideramos provado que estes pagamentos foram feitos com essa finalidade”.

Concordando nós com estas considerações, dir-se-á que a recorrente, visando que se provasse que o “prémio de assiduidade” e o “vencimento” integravam a retribuição por IHT, não coloca em crise, impugnando o facto em que se deu por provado que:
Em Janeiro de 2014 a ré passou a pagar ao autor a retribuição de €1.250 mensais que incluía aquele prémio de assiduidade, aumentando-o para €1.350 em 1 de Janeiro de 2015” (cf. 15. dos factos provados).
Estando tal facto provado – não colocado em crise pela recorrente – dele decorre, pela sua contrariedade, que se a retribuição era pelo valor constante dos recibos (nela se incluindo o prémio de assiduidade), a verba da retribuição IHT não estava nela incluída.
4.4. – A recorrente pretende ainda que se exclua dos factos provados o ponto em que se consignou que “a retribuição pelas férias e o correspondente subsídio eram constituídos exclusivamente pelo vencimento base do Autor e não incorporavam, portanto, qualquer quantitativo monetário respeitante ao falado subsídio de isenção de horário de trabalho”.
Sustenta, para tanto, que da documentação junta aos autos resulta que, pelo menos, no que se refere aos anos de 2014 e 2015 nos meses de férias e subsídios de férias, como se pode observar dos documentos juntos de fls. 105 a 128 dos autos.

Por força das disposições conjugadas dos artigos 607.º, n.º 4, e 663.º, n.º 2, ambos do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 87.º, n.º 1, do CPT, na elaboração/fundamentação da sentença o Juiz deve tomar em consideração os factos admitidos por acordo e os provados por documento ou confissão reduzida a escrito.
O cumprimento do ónus de impugnação especificada à luz do atual CPC impõe que o réu, na posição por si assumida, aceite/repugne os factos de forma inequívoca, tomando posição definida (clara, frontal e concludente) sobre os que foram invocados pela parte contrária.
Os factos admitidos por acordo nos articulados inserem-se no âmbito da confissão – ou o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária, cf. art. 352.º do Código Civil – judicial, tácita ou presumida, «confessio ficta» resultante do efeito cominatório pleno ou semipleno ou do incumprimento do ónus de tomar posição definida perante os factos invocados pela parte contrária.
Nos casos de confissão judicial tácita, os factos que dela resultem admitidos estão subtraídos à prova, designadamente, através de testemunhas ou documentos (cf. artigos 352.º, 355.º, n.º 1, 356., n.º 1 e 358º, n.º 1, todos do CC), os quais não são factos, mas meios de prova destinados a demonstrar a realidade daqueles (factos).
Incumbindo, mesmo, ao tribunal ad quem, tê-los em consideração quando relevantes para a decisão do pleito.
No caso sub judice, o autor invocou que “A retribuição pelas férias e o correspondente subsídio eram constituídas exclusivamente pelo vencimento base do A. e não incorporavam, portanto, qualquer quantitativo monetário respeitante ao falado subsídio de isenção de horário de trabalho” – artigo 14.º da p.i.
Cumprindo-lhe tomar posição definida sobre o alegado pelo autor, a ora recorrente sustentou que pagava as quantias peticionadas como “prémio de assiduidade” o qual se destinava a compensar o tempo que o autor, ocasionalmente, despendia, por sua iniciativa, por sua conveniência ou dos clientes, quando tinha de levar mercadorias aos clientes, a pedido destes, depois do horário de trabalho e como estímulo pelas vendas que efectuava – artigo 6.º da contestação.
E, adianta, as férias e os subsídios não eram remunerados com o “prémio de assiduidade”, pois, a ré apenas o pagava nos meses que o autor trabalhasse efectivamente – cf. artigo 18.º da contestação.
Por conseguinte, é despicienda a invocação dos meios de prova, documental/testemunhal ora invocados, por, destinando-se a demonstrar a realidade de certos factos, estes já não carecerem de prova.
Deste modo, improcede a pretensão da ré/apelante quanto à alteração da matéria de facto, sendo de manter, nos seus precisos termos, a decisão da matéria de facto proferida pelo tribunal da 1.ª instância e supra transcrita.
5.Imputação das quantias pagas pela recorrente nos créditos reclamados pelo autor
A recorrente pretende que se considerem as quantias pagas, nas reclamadas pelo recorrido (pontos 58 e segs. das conclusões).
No tocante às obrigações pecuniárias, cumpre ao credor demonstrar o seu direito (facto constitutivo – artigo 342.º, n.º 1. do Código Civil) e ao devedor provar o pagamento, enquanto facto extintivo da obrigação (artigo 342.º, n.º 2, do CC), recaindo sobre si uma dupla presunção: a de que não pagou e a presunção de culpa de tal falta de pagamento (cumprimento) – cf. artigo 799.º, n.os 1 e 2, do CC.
Por conseguinte, assiste-lhe a faculdade de recusar o cumprimento enquanto não lhe for dada quitação, ou seja, enquanto não lhe for passada declaração, em regra, constante de documento específico – o recibo – de como o cumprimento foi realizado (cf. artigo 787.º, n.º 2, do CC).
Por outro lado, nos termos do artigo 783.º do CC, se o devedor, por diversas dívidas da mesma espécie ao mesmo credor, efectuar uma prestação que não chegue para as extinguir a todas, fica à sua escolha designar as dívidas a que o cumprimento se refere (n.º 1), não podendo, porém, designar contra a vontade do credor uma dívida que ainda não esteja vencida, se o prazo tiver sido estabelecido em benefício do credor; e também não lhe é lícito designar contra a vontade do credor uma dívida de montante superior ao da prestação efectuada, desde que o credor tenha o direito de recusar a prestação parcial (n.º 2).
Quando o devedor não faça a designação, deve o cumprimento imputar-se na dívida vencida; entre várias dívidas vencidas, na que oferece menor garantia para o credor; entre várias dívidas igualmente garantidas, na mais onerosa para o devedor; entre várias dívidas igualmente onerosas, na que primeiro se tenha vencido; se várias se tiverem vencido simultaneamente, na mais antiga em data (n.º 1) e não sendo possível aplicar as regras fixadas no número precedente, a prestação presumir-se-á feita por conta de todas as dívidas, rateadamente, mesmo com prejuízo, neste caso, do disposto no artigo 763.º, (n.º 2) – cf. artigo 784.º do CC.
No âmbito específico das relações laborais o empregador é obrigado a emitir documento comprovativo do pagamento da retribuição ao trabalhador, podendo exigir-lhe documento de quitação – cf. artigos 276.º, n.º 3, do CT e 787.º do CC.
Fazendo-o, este serve, além do mais, como indicação relativamente à justificação, finalidade e enquadramento temporal dos pagamentos que fez ao trabalhador recorrido (designadamente, através da emissão de qualquer documento contemporâneo e explicativo de tal operação), ou seja, uma concreta escolha do débito ou débitos existentes, de maneira a dar cumprimento ao número 1 do artigo 783.º do Código Civil.
[cf., neste sentido, acórdão do TRL, de 28.09.2016, proc. 233/15.5T8CSC.L1-4 - José Eduardo Sapateiro].
Daqui decorre que, em princípio, o documento a que alude o artigo 276.º, n.º 3 do CT, não se confunde com o recibo de quitação, conforme supra exposto: o que com ele se visa é permitir ao trabalhador apurar a que verbas reportam as quantias que lhe são pagas.
Muitas das vezes, tais documentos inserem em si – quando assinados pelo trabalhador – a declaração de quitação quanto aos pagamentos nele insertos.
Neste caso, uma vez obtida tal assinatura (autoria) o mesmo prova os factos que deles constem e sejam contrários aos interesses do declarante, parte em que é confessória: ou seja a autoria do documento [cf. artigos 373.º, 374. e 376.º do CC] só pode imputar-se com força probatória ao autor na parte em que concorda com a isenção de horário de trabalho, nada constando de tal declaração quanto à retribuição auferida.
Ora, no caso em apreço, e como referido na decisão, ora sob censura, nos recibos de vencimento o que consta é que se estava a pagar um prémio de assiduidade, e não a isenção de horário de trabalho.
Por outro lado, repete-se, o documento a que alude o artigo 276.º, n.º 3 do CT, não se confunde com o recibo de quitação: o que com ele se visa é permitir ao trabalhador apurar a que verbas reportam as quantias que lhe são pagas.
Assim, não se trata de um caso em que não se tendo feito prova dos meses de retribuição a que se reportavam os pagamentos efectuados, na falta de acordo das partes sobre a qual das dívidas imputar aos pagamentos realizados, o primeiro critério é o da designação do devedor (cf. artigo 783.º, n.º 1, do CC), procedendo-se ao desconto de tais quantias em face da designação feita em juízo, por se tratar de dívidas da mesma espécie (retribuições).
Ao invés, trata-se de verbas de que a recorrente/devedora/empregadora fez a designação nos recibos emitidos, conforme supra exposto.
Por conseguinte, incumbia à ré demonstrar que tais verbas não se destinavam a pagar o que deles constavam, ónus que não logrou.
Pelo que improcede o recurso.
III.A decisão
Atento o exposto, decide-se julgar o recurso improcedente e, em consequência, manter a decisão recorrida.
Custas a cargo da ré.

Porto, 2017.12.14
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha