Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
70921/21.9YIPRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCA MOTA VIEIRA
Descritores: PROCEDIMENTO DE INJUNÇÃO
ACÇÃO ESPECIAL
CUMPRIMENTO DE OBRIGAÇÕES PECUNIÁRIAS EMERGENTES DE CONTRATO
CONTRATO DE EMPREITADA
COMPENSAÇÃO DE CRÉDITOS
RECONVENÇÃO
Nº do Documento: RP2022040770921/21.9YIPRT-A.P1
Data do Acordão: 04/07/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: No âmbito da tramitação da AECOPEC, o juiz deve fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal (arts 6º e 547º do CPC) por forma a ajustar a tramitação da AECOPEC à dedução do pedido reconvencional.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc.º 70921/21.9YIPRT-A.P1


ACORDAM OS JUÍZES DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

I. RELATÓRIO
A requerente F... Lda, com sede na Rua ... - ... ... Ilhavo, instaurou procedimento de injunção contra AA, com domícilio: Estrada ..., pedindo a condenação da requerida a pagar-lhe a quantia de €7.517,48, a título de capital e juros vencidos, a que devem acrescer os juros de mora vincendos, calculados à taxa supletiva de juros de mora aplicável aos créditos de que sejam titulares empresas comerciais.
Para tanto, e no essencial, a sociedade Requerente reclama, a título de dívida principal, o pagamento de €7.142,25 (sete mil cento e quarenta e dois euros e vinte e cinco cêntimos), por alegado incumprimento da requerida quanto ao pagamento das facturas n.º ... de 16.03.2020, nº... de 25.03.2021 e nº... de 25.03.2021.
Concretizou a alegação:
1 - A requerente é uma sociedade comercial por quotas de responsabilidade limitada com o NIPC ... e com o mesmo número matriculada na Conservatória do Registo Comercial, que se dedica, de entre outras actividades execução de instalações de redes de electricidade, águas, esgotos e fornecimento de climatização.
2 – A requerente prestou e forneceu à requerida, a pedido desta, os trabalhos e materiais para a realização de rede de águas, gás, águas pluviais, sistema solar, pré instalação de aquecimento central, bem assim como trabalhos a mais que entretanto foram solicitados, na construção de uma moradia sita na Travessa ... em ..., Aveiro, tudo devidamente discriminados nas facturas que seguidamente se discriminam:
a) Factura nº ... de 16/03/2020, no valor de €10.860,90. b) Factura nº ... de 25/03/2021, no valor de €885,060.
c) Factura nº ... de 25/03/2021, no valor de €2.896,65.
3 – As facturas foram entregues em mão à requerida, na data da sua emissão, tendo sido acordado que o pagamento seria efectuado a pronto.
4 – Por conta da factura referida na alínea a) do número anterior a requerida pagou a quantia de €7.500,00, pelo que dessa factura está em divida a quantia de €3.360,90.
5 – Apesar de, por diversas vezes, ter sido interpelada para proceder ao pagamento da quantia em divida, a requerida nunca procedeu ao pagamento do valor em divida.
6 – Assim, a requerida é devedora para com a requerente da quantia de €7.142,25 a título de capital e da quantia de €375,23 a título de juros de mora vencidos, calculados à taxa de juro comercial aplicável.

A requerida apresentou oposição pela qual, alegou não ser devedora das quantias constantes das supra referidas facturas e concretizou essa alegação nos termos seguintes:
A Requerida solicitou, em Outubro de 2018, à sociedade Requerente o fornecimento de materiais e a execução de trabalhos de montagem e instalação de rede de águas, esgotos, águas pluviais, sistema painel solar, rede de gás e instalação de aquecimento central, na moradia sita na Travessa ..., em ..., Aveiro, propriedade da aqui Oponente, tendo sido pela Requerente apresentado um orçamento, que para os devidos e legais efeitos se junta como doc. nº1, sendo que tal orçamento, no valor global de €9.010,00 (nove mil e dez euros).
Esse orçamento, no valor global de €9.010,00 (nove mil e dez euros) acrescido do respectivo IVA, foi aceite pela aqui Oponente, nomeadamente, quanto ao preço e demais condições contratuais.
O prazo para a conclusão de tais trabalhos acordado entre as partes foi de um ano a contar da data de adjudicação dos trabalhos, concretamente até 30.10.2019, acrescido do respectivo IVA.
A Requerente iniciou, então, os referidos trabalhos em data que não se consegue precisar, posteriormente à data daquele orçamento, mas ainda no ano de 2018.
Alega que já pagou a quantia de €7.500,00 (sete mil e quinhentos euros), por conta do referido orçamento.
Todavia, mais alega que a Requerente não concluiu os trabalhos contratados e que os que realizou na obra da Oponente, realizou-os defeituosamente, conforme se passará a explanar.
Assim, em finais de 2019, a Requerente abandonou a obra, sem qualquer justificação e sem sequer ter informado a Oponente de tal intenção, sendo que não obstante as inúmeras insistências por parte da oponente para que terminasse os trabalhos, a Requerente não mais regressou à Obra.
A Oponente, através da sua mandatária, enviou uma missiva, carta registada, à Requerente, em 13.03.2020, a intimar a Requerente para que regressasse à obra no prazo de 5 (cinco) dias a contar da recepção da mesma, e finalizasse os trabalhos no prazo máximo de 15 (quinze) dias a contar do início dos trabalhos.
Na sequência da recepção de tal missiva, embora não tenha cumprido com os prazos indicados, a Requerente regressou à obra e reiniciou os trabalhos, sendo que, em 16.04.2020, a Requerente comprometeu-se a terminar os trabalhos no prazo de 8 (oito) dias a contar daquela data.
Contudo, mais uma vez, não só a Requerente não terminou os trabalhos, como, dias depois, abandonou novamente a obra, sem para o efeito ter informado a Oponente ou apresentado qualquer justificação.
A Oponente, nessa data, constatou a existência de anomalias/defeitos de obra, nos trabalhos já realizados pela Requerente, pelo que, em 19.03.2021, a Oponente remeteu uma carta registada com A/R à Requerente e interpelou esta para que, no prazo máximo de 5 (cinco) dias a contar da recepção da carta enviada, regressasse à obra e:
- procedesse à eliminação e todas as patologias/ desconformidades existentes na obra, decorrentes dos vossos trabalhos de canalização, até ao dia 31 de março de 2021.
- concluísse os restantes trabalhos em falta até ao dia 31 de março de 2021.
Mais informou a Requerente de que o atraso da obra por parte desta, lhe estava a causar danos gravíssimos, na medida em que a impediam de residir na sua moradia, advertindo a Requerente que, caso não o fizesse no prazo por si indicado, entenderia que já não tinha interesse em corrigir ou concluir os trabalhos orçamentados e que tal actuação revelaria a intenção firme e definitiva no sentido de não cumprir a sua obrigação contratual.
Sendo que, a Requerente respondeu à referida missiva por carta enviada à Oponente, datada de 26.03.2021, na qual referiu desconhecer as anomalias denunciadas e entender que todos os trabalhos orçamentados se encontravam concluídos, terminando, todavia, tal correspondência, com uma solicitação de visita ao imóvel, a realizar no dia 01.04.2021, pelas 9h00, para verificação da existência de tais anomalias. - Cfr. Doc. nº4.
.Pelo que, no dia 01.04.2021, a Oponente e o representante legal da Requerente, BB, deslocaram-se ao imóvel em apreço,
A Requerente verificado a existência das anomalias denunciadas na missiva datada de 19.03.2021 e ainda a existência de outras anomalias, tendo, inclusivamente a Requerente se comprometido, por escrito, a proceder à eliminação dos defeitos descritos no documento datado de 01.04.2021, designado por “Nota: O que é possível ter precepção até ao momento de trabalhos pendentes, mal efectuados(01/04/2021)”, bem como a concluir a obra, iniciando os trabalhos de imediato, ou seja, no próprio dia 01.04.2021, e comprometendo-se a terminá-los até ao dia 06.04.2021.
Acontece que, apesar de a Requerente ter reiniciado os trabalhos no referido dia 01.04.2021 e no dia 02.04.2021, no dia seguinte, 03.04.2021, a Oponente verificou que a Requerente havia deixado ligações de água mal executadas, o que provocou novamente uma inundação no imóvel da Oponente,
Pelo que, a Oponente entrou, de imediato, em contacto com a Requerente, a fim de lhe dar conhecimento do sucedido, solicitando a sua comparência imediata em obra, Sendo que a Requerente não compareceu na mesma, e mais uma vez, abandonou a obra, não tendo mais regressado,
Termina alegando que a Requerente não se removeu nem eliminou aludidos defeitos, nem a executar os trabalhos contratados em falta e assim, não executou os trabalhos descritos no art 35º da oposição, bem como, executou deficientemente, outros que igualmente descreve na oposição.
Face ao abandono da obra por parte da Requerente e à não eliminação dos defeitos existentes, a Oponente, em 09.04.2021 enviou à Requerente uma missiva, através da qual resolveu o contrato de prestação de serviços celebrado com a Requerente, por perda de interesse contratual. - Cfr. Doc. nº10,
Sendo que para a reparação dos trabalhos de canalização mal realizados e os ainda por finalizar, foi-lhe apresentado um orçamento no valor de €5.334,75 (cinco mil trezentos e trinta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos), acrescido do respectivo IVA, no valor de €1.226,99 (mil duzentos e vinte e seis euros e noventa e nove cêntimos).-Cfr. Doc. nº11
Como já se referiu, Oponente solicitou ainda um orçamento para reparação dos trabalhos mal executados descritos nas a) do art.35º e c), f) do art.36º do presente articulado, tendo-lhe sido apresentado um orçamento no valor de €5.955,00 (cinco mil novecentos e cinquenta e cinco euros), acrescido do respectivo IVA, no valor de €1.369,65 (mil trezentos e sessenta e nove euros e sessenta e cinco cêntimos).
As obras necessárias à conclusão dos trabalhos em falta descritos em 35º e à reparação/eliminação das anomalias/defeitos referidos em 36º importarão em não menos de €13.886,39 (treze mil oitocentos e oitenta e seis euros e trinta e nove cêntimos), embora tal venha a ser objecto de competente peritagem, a requerer, tratando-se, por isso, de um valor provisório.
A OPONENTE deduziu pedido reconvencional nos seguintes termos:
a) Deve ser a presente Oposição ser julgada procedente e provada e ser a Requerida absolvida do pedido formulado pela Requerente,
b) Deve ser declarado resolvido o contrato de empreitada celebrado entre Requerente e Requerida, e, consequentemente,
c) Ser a Requerente condenada a reconhecer que a obra por si realizada no prédio sito na Travessa ..., em ..., Aveiro, apresenta os defeitos descritos em 63º da Reconvenção, decorrentes dos trabalhos realizados na sequência do contrato de empreitada celebrado com a Requerida,
d) Ser a Requerente condenada a reconhecer que não procedeu à realização dos trabalhos descritos em 64º da Reconvenção, constantes do contrato de empreitada celebrado com a Requerida,
e) Ser a Requerente condenada no pagamento à Requerida do valor de €5.334,75(cinco mil trezentos e trinta e quatro euros e setenta e cinco cêntimos), acrescido do respectivo IVA, no valor de €1.226,99(mil duzentos e vinte e seis euros e noventa e nove cêntimos), correspondente ao custo da reparação dos trabalhos de canalização realizados defeituosamente e os ainda por finalizar, ou outro valor superior que venha a ser apurado em sede de peritagem requerida nestes autos,
f) Ser a Requerente condenada no pagamento à Requerida do valor de €5.955,00 (cinco mil novecentos e cinquenta e cinco euros), acrescido do respectivo IVA, no valor de €1.369,65 (mil trezentos e sessenta e nove euros e sessenta e cinco cêntimos) correspondente ao custo da reparação dos restantes trabalhos mal executados ou outro valor superior que venha a ser apurado em sede de peritagem requerida nestes autos,
g) Ser a Requerente condenada no pagamento do valor que vier a ser apurado em sede de peritagem, correspondente ao preço da empreitada que a Requerente recebeu em excesso, face aos trabalhos por si realizados, com base no incumprimento contratual, acrescido de juros de mora calculados à taxa de juro legal de 4% desde a citação até integral e efectivo pagamento
h) Ser a Requerente condenada no pagamento da quantia de €2.000,00 (dois mil euros), à Requerida, a título de danos não patrimoniais.
i) Deve a Requerente ser condenada como litigante de má- fé, em multa e indemnização condigna, de valor nunca inferior a €500,00 (quinhentos euros) à Requerida.
De seguida, foi proferido despacho pelo qual não se admitiu a reconvenção deduzida pela Requerida.
E porque importa reproduz-se aqui o teor do despacho:
“Resulta dos artigos 1º e 3º do regime anexo ao DL n.º 269/98 que este tipo de acção comporta apenas a petição inicial e a contestação e que, após os articulados, o juiz pode julgar procedente alguma excepção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer, decidir do mérito da causa ou, não sendo nenhum desses casos, designar data para a audiência de julgamento. O regime não prevê, portanto, a possibilidade de apresentar réplica, como impõe o regime relativo à reconvenção.
Além do mais, este tipo de acção está previsto para exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15000€. In casu, a admissão do pedido reconvencional implicaria, em primeiro lugar, a apreciação de um pedido cuja causa de pedir não se funda na falta de pagamento previsto num contrato, mas antes numa obrigação de indemnização em virtude do cumprimento defeituoso de um contrato – extravasando, deste modo, o âmbito da referida acção especial – e, em segundo lugar, que, face ao valor de tal pedido, a somar ao da Requerente, se ultrapassasse o limiar máximo dos valores cujo pagamento as partes podem exigir neste tipo de acção.

Inconformada, a requerida-oponente interpôs recurso de apelação e concluiu nestes termos:
1 - O presente recurso tem por objecto o douto despacho proferido nos autos supra, datado de 01.11.2021, que não admitiu a reconvenção deduzida pela Requerida.
2 - O Tribunal a quo, não admitiu a reconvenção deduzida pela Requerida, em primeiro lugar por considerar que a admissão do pedido reconvencional implicaria, a apreciação de um pedido cuja causa de pedir não se funda na falta de pagamento previsto num contrato, mas antes numa obrigação de indemnização em virtude do cumprimento defeituoso de um contrato – extravasando, deste modo, o âmbito da referida acção especial.
3 - Não concordando a Requerida/Recorrente com tal entendimento,
4 - Porquanto, a causa de pedir – é pacífico – “é o facto concreto que serve de fundamento ao efeito jurídico pretendido”,
5 - Assim, a falta de pagamento de facturas não é, só por si, fundamento (causa de pedir) duma pretensão pecuniária, ainda que efectivada por intermédio de requerimento de injunção;
4 - Pois que, mesmo na injunção, a causa de pedir está no concreto negócio/contrato celebrado (que a factura se limita a documentar para fins contabilísticos e fiscais),
5 - Ou seja, no caso concreto destes autos, a causa de pedir é o contrato de empreitada celebrado entre Requerente e Requerida,
6 - Sendo que, por um lado, a Requerente alega a falta de pagamento de facturas emitidas no âmbito do referido contrato,
7 - E a Requerida, por reconvenção, peticiona o pagamento de uma indemnização, em virtude do incumprimento do contrato por parte da Requerente - Neste sentido, vide Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, processo: 161682/12.7YIPRT.C1, datado de 20-05-2014.
8 - Pelo que, contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, os pedidos formulados pela Requerente e pela Requerida, fundam-se na mesma causa de pedir,
9 - Assim, o pedido reconvencional emerge do mesmo facto jurídico do pedido principal, e tem a mesma causa de pedir que baseia o pedido da Requerente,
10 - Entendendo, a Recorrente, ao contrário do Tribunal a quo, que a Reconvenção por si deduzir é, por isso, admissível.
11 - Por outro lado, como já se referiu, o Tribunal a quo não admitiu a reconvenção deduzida pela Requerida, porquanto entendeu que, “face ao valor de tal pedido, a somar ao da Requerente, se ultrapassasse o limiar máximo dos valores cujo pagamento as partes podem exigir neste tipo de acção”.
12 - Ora, também não pode a Recorrente concordar com al entendimento.
13 - Estando em causa um pedido inferior a 15.000,00€, a decisão recorrida considerou convocável o regime especial de procedimento e, portanto, a inviabilidade processual da reconvenção.
14 - Contudo, o procedimento de injunção, após ser deduzida oposição, transmuta-se em processo declarativo que poderá revestir a forma especial ou comum, em função do valor.
15 - Se estiver em causa uma injunção destinada à cobrança de dívida fundada em transação comercial com valor superior a 15.000,00€, em que tenha sido deduzida oposição, ela segue os termos do processo comum (artigo 10º/2 do identificado decreto-lei n.º 62/2013).
16 - Por outro lado, se a injunção se destinar à cobrança de dívida de valor não superior a 15.000,00€, ela segue a forma de processo especial (artigos 3º a 5º do referido decreto-lei n.º 269/98, de 1 de setembro).
17 - Ora, atendendo a que na situação em apreço, o valor do pedido injuntivo se circunscreve a €7.517,48, considerou-se na decisão recorrida, de modo linear, que, deduzida oposição, seguir-se-ia o procedimento previsto no regime anexo ao Dec. Lei n.º 269/98, e daí, por consequência, a inviabilidade processual da reconvenção.
18 - A Recorrente discorda, assim, da decisão que não admitiu a reconvenção, na consideração de o procedimento de injunção de valor inferior a 15.000,00€ a não comportar.
19 – Pois, entende a Recorrente que, havendo dedução de oposição e reconvenção, o valor desta deve ser tido em conta, segundo as regras processuais civis, para o cálculo do valor da ação, determinando a forma de processo a seguir.
20 - Na sua ótica, ao valor do pedido (7.517,48€) somar-se-ia o valor do pedido reconvencional (€15.88639),
21 - Pelo que, se deverá aplicar a forma do processo comum e admitir-se o pedido reconvencional.
22 - Pois, ao valor do pedido inicial se deve somar o valor da reconvenção, aplicando as regras processuais gerais decorrentes dos art.ºs 299º e seguintes do CPC, de modo que a acção subsequente seguiria a forma comum, sendo então admissível a reconvenção, para além de ser possível, mesmo em acção declarativa especial, fazer actuar a compensação de créditos, mediante a dedução de reconvenção, impondo-se, se necessário, a adequação formal, tal como permitida pelo art. 547º do CPC – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-06-2017, relator Júlio Gomes, processo n.º 147667/15.5YIPRT.P1.S2; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4-06-2019, relatora Maria Cecília Agante, processo n.º 58534/18.0YIPRT.P1; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-06-2018, relator Rodrigues Pires, processo n.º 26380/17.0YIPRT.P1, onde parece aderir-se à tese da alteração da forma do processo se por força da dedução da reconvenção o valor passar a ser superior a metade do valor da alçada da Relação, embora não fosse essa a situação do caso concreto.
23 – Aderindo, assim, ao entendimento que confere à Requerida a possibilidade de, numa AECOPEC, invocar a compensação/reconvenção e, não obstante ser admissível a instauração de uma ação própria, evitar um desperdício de recursos, em violação da imprescindível economia de custos, e determinar a apreciação simultânea de toda a problemática derivada do mesmo negócio jurídico.
24 - Aliás, esta solução surge compaginada com os princípios processuais que dimanam do atual regime processual civil, que impõe ao juiz fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal (artigos 6º e 547º CPC) com vista a tingir a justiça material e, por isso, sempre lhe caberia ajustar a tramitação da AECOPEC à dedução do pedido reconvencional.
25 – Neste sentido, veja-se Miguel Teixeira de Sousa no blogue do IPPC, no sentido de dar ao demandado a possibilidade de, no âmbito de uma ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias de valor inferior a 15.000,00€, invocar a compensação de créditos por via de reconvenção, devendo o juiz fazer uso dos seus poderes de adequação formal e também de gestão processual de forma a ajustar a tramitação da AECOPEC à dedução do pedido reconvencional,
26 - Pelo que, deveria o Tribunal a quo ter admitido a Reconvenção deduzida pela recorrente.
Termina pedindo a revogação do despacho recorrido e substituído por outro que admita a reconvenção deduzida pela recorrente.
Não foram apresentadas contra-alegações.
Cumpre decidir.
II. A questão colocada no recurso traduz-se em apreciar e decidir se deve ser admitido pedido reconvencional deduzido pela requerida-oponente que foi demandada no âmbito de um AECOPEC no qual a requerente com fundamento em alegado incumprimento de um contrato de empreitada pede a condenação da requerida no pagamento de parte da remuneração em dívida, em valor inferior a €15 000,00.
III. FUNDAMENTAÇÃO.
3.1. A factualidade relevante relativa à tramitação da presente ação foi descrita no relatório por nós elaborado.
3.2.Do Mérito da decisão.
É incontestável que o procedimento de injunção foi instaurado pela Requerente com um pedido no valor de €7.619,48.
Esse procedimento alicerça-se no decreto-lei n.º 269/98, de 1 de setembro, que aprova o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias, cuja finalidade é conferir força executiva a requerimento destinado a exigir o cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de contrato de montante não superior ao valor de 15.000,00€, salvo quando esteja em causa transação comercial para os efeitos do decreto-lei n.º 32/2003, de 17 de fevereiro, caso em que inexiste limite quanto ao montante do crédito, para permitir, de modo mais célere, a obtenção de um título executivo que faculte o acesso direto à ação executiva.
O decreto-lei n.º 62/2013, de 10 de maio (artigo 2º/1), define o seu âmbito de aplicação a “pagamentos efetuados como remuneração de transações comerciais” e exclui “a) Os contratos celebrados com consumidores; b) Os juros relativos a outros pagamentos que não os efetuados para remunerar transações comerciais; c) Os pagamentos de indemnizações por responsabilidade civil, incluindo os efetuados por companhias de seguros”.
Por seu turno, a alínea b) do artigo 3.º desse mesmo diploma, conforma a transação comercial, como “uma transação entre empresas ou entre empresas e entidades públicas destinada ao fornecimento de bens ou à prestação de serviços contra remuneração”. E o seu artigo 10º prevê o regime de “Procedimentos especiais” para “O atraso de pagamento em transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, confere ao credor o direito a recorrer à injunção, independentemente do valor da dívida” (n.º 1), sendo que “ Para valores superiores a metade da alçada da Relação, a dedução de oposição e a frustração da notificação no procedimento de injunção determinam a remessa dos autos para o tribunal competente, aplicando-se a forma de processo comum” (n.º 2). Caso em que “ Recebidos os autos, o juiz pode convidar as partes a aperfeiçoar as peças processuais” (n.º 3). E acrescenta que “As ações para cumprimento das obrigações pecuniárias emergentes de transações comerciais, nos termos previstos no presente diploma, seguem os termos da ação declarativa especial para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos quando o valor do pedido não seja superior a metade da alçada da Relação” (n.º 4).

Decorre do exposto que o procedimento de injunção apenas é utilizável quando se destina a exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a €15.000 ou, independentemente desse valor, de obrigações emergentes de transações comerciais que não integrem as exceções previstas nas enunciadas alíneas a), b) e c) do predito decreto-lei 62/2013 (artigo 2º/2).

No caso em apreço, estando em causa um pedido inferior a 15.000,00€, resulta do relatório que a decisão recorrida considerando convocável o regime especial de procedimento de injunção, entendeu que à luz do DL n.º 269/98 a presente acção comporta apenas a petição inicial e a contestação, e, por isso, não admitiu a reconvenção.
E, além do mais, considerando que este tipo de acção está previsto para exigir o cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior a 15.000€ entendeu que a admissão do pedido reconvencional implicaria, em primeiro lugar, a apreciação de um pedido cuja causa de pedir não se funda na falta de pagamento previsto num contrato, mas antes numa obrigação de indemnização em virtude do cumprimento defeituoso de um contrato, extravasando, deste modo, o âmbito da referida acção especial e, ainda considerou, que, face ao valor de tal pedido, a somar ao da Requerente, se ultrapassasse o limiar máximo dos valores cujo pagamento as partes podem exigir neste tipo de acção.
Quid Iuris?
Adiantamos desde já que não acolhemos o entendimento acolhido na decisão recorrida.
Desde logo, resulta do requerimento inicial que a causa de pedir é o contrato de empreitada celebrado entre Requerente e Requerida, sendo que, por um lado, a Requerente alega a falta de pagamento de facturas emitidas no âmbito do referido contrato, e, por outro lado, a Requerida, por reconvenção, peticiona o pagamento de uma indemnização, em virtude do incumprimento do contrato por parte da Requerente, pelo que, contrariamente ao entendido pelo Tribunal a quo, os pedidos formulados pela Requerente e pela Requerida, fundam-se na mesma causa de pedir. Assim, o pedido reconvencional emerge do mesmo facto jurídico do pedido principal, e tem a mesma causa de pedir que baseia o pedido da Requerente.
Acresce que, não se ignora que durante algum tempo foi pacífico o entendimento que concedia relevo ao facto deste procedimento ser de valor inferior a 15.000,00€ e seguir a forma de processo especial e a partir desse facto determinava que a reconvenção deveria ser liminarmente indeferida, por não ser consentida neste processo especial e ser insuscetível de adição o valor processual da reconvenção, designadamente para efeito da alteração da regra da competência ou da interposição de recurso [Salvador da Costa, A Injunção e as Conexas Ação e Execução, Almedina, 6.ª edição, 2008, págs. 189/191; in www.dgsi.pt: Acs. RP de 02/05/2015, processo 143043/14.5YIPRT.P1; RC de 07/06/2016, processo 139381/13.2YIPRT.C1; RG de 22/06/\2017, processo 69039/16.0YIPRT.G1].
Já quanto às injunções de valor superior a 15.000,00€, considerava-se admissível a formulação de reconvenção na oposição ao procedimento de injunção, essencialmente sob o argumento de que a tramitação processual imprimida passa a ser, após a oposição, a do processo comum [Salvador da Costa, ob. e loc. citados]. De facto, esta solução não envolve qualquer óbice de índole adjetiva, porque a consequente distribuição da injunção como ação declarativa depois da oposição à injunção e a forma processual subsequente comporta a viabilidade da reconvenção e, por isso, se admite a reconvenção, sem controvérsia, nas ações de natureza comum decorrentes de injunção relativa a transação comercial de valor superior a €15.000,00 [Edgar Valles, Cobrança Judicial de Dívida, Injunções e Respetivas Execuções, Almedina, 4.ª edição, 2001, a págs. 107/108; In www.dgsi.pt: Ac. RP de 14/05/2012, processo 176189/11.1YIPRT-A.P1].
Defende a Recorrente que, havendo dedução de oposição e reconvenção, o valor desta deve ser tido em conta, segundo as regras processuais civis, para o cálculo do valor da ação, determinando a forma de processo a seguir. Na sua ótica, ao valor do pedido (7.517,48€) somar-se-ia o valor do pedido reconvencional (€15.88639), pelo que, se deverá aplicar a forma do processo comum e admitir-se o pedido reconvencional.
Pois, ao valor do pedido inicial se deve somar o valor da reconvenção, aplicando as regras processuais gerais decorrentes dos art.ºs 299º e seguintes do CPC, de modo que a acção subsequente seguiria a forma comum, sendo então admissível a reconvenção, para além de ser possível, mesmo em acção declarativa especial, fazer actuar a compensação de créditos, mediante a dedução de reconvenção, impondo-se, se necessário, a adequação formal, tal como permitida pelo art. 547º do CPC.
Apreciando a questão, importa assinalar que a jurisprudência tem vindo a alterar a posição de rejeição da reconvenção que antes vinha sendo pacificamente assumida com uma tripla ordem de argumentação:
(i) a solução gera uma desigualdade entre os peticionantes de valores pecuniários resultantes de transações comerciais, sem que motivos de justiça material fundem tal desigualdade;
(ii) o nosso ordenamento jusprocessual civil facilita a compensação, a qual é admissível mesmo em relação a créditos ilíquidos, já que esta, agora, parece só pode ser deduzida por reconvenção;
(iii) a economia processual resultante da discussão simultânea dos dois pedidos em contraponto com a necessidade de interposição de ação autónoma para formular o pedido reconvencional.
Não antevemos no regime do decreto-lei n.º 62/2013 (artigo 10º/2) o afastamento das regras processuais gerais sobre o cálculo do valor de uma ação. E, em função do preceituado no artigo 299º do CPC, o valor da reconvenção é adicionado ao valor da ação, salvo se o pedido for o mesmo, pelo que a dedução de oposição e da reconvenção determina a soma dos dois pedidos, valor em função do qual serão tramitados os ulteriores termos dos atos processuais (artigo 299º/3 do CPC).[1]
Com efeito, aderimos ao entendimento que confere ao Requerido a possibilidade de, numa AECOPEC, invocar a compensação/reconvenção e, não obstante ser admissível a instauração de uma ação própria, evitar um desperdício de recursos, em violação da imprescindível economia de custos, e determinar a apreciação simultânea de toda a problemática derivada do mesmo negócio jurídico.
Aliás, esta solução surge compaginada com os princípios processuais que dimanam do atual regime processual civil, que impõe ao juiz fazer uso dos seus poderes de gestão processual e de adequação formal (artigos 6º e 547º CPC) com vista a tingir a justiça material e, por isso, sempre lhe caberia ajustar a tramitação da AECOPEC à dedução do pedido reconvencional[2].
Solução idêntica já era defendida pelo professor Miguel Teixeira de Sousa no ano de 2017 relativamente a dedução de compensação pela via reconvencional na tramitação da AECOPEC.[3]
Assim, acolhemos a tese da admissibilidade da reconvenção, em consonância com o expendido por Miguel Teixeira de Sousa no blogue do IPPC[4], no sentido de dar ao demandado a possibilidade de, no âmbito de uma ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias de valor inferior a 15.000,00€, invocar a compensação de créditos por via de reconvenção, devendo o juiz fazer uso dos seus poderes de adequação formal e também de gestão processual de forma a ajustar a tramitação da AECOPEC à dedução do pedido reconvencional.
E, convocando o entendimento sufragado em jurisprudência dos tribunais superiores
- cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6-06-2017, relator Júlio Gomes, processo n.º 147667/15.5YIPRT.P1.S2; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 4-06-2019, relatora Maria Cecília Agante, processo n.º 58534/18.0YIPRT.P1; acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 13-06-2018, relator Rodrigues Pires, processo n.º 26380/17.0YIPRT.P1,- onde se aderiu à tese da alteração da forma do processo se por força da dedução da reconvenção o valor passar a ser superior a metade do valor da alçada da Relação também se nos afigura que no caso presente de procedimento de injunção destinado à cobrança de dívida de valor inferior a €15.000,00, fundada num alegado incumprimento de contrato de empreitada, esse procedimento, após ser deduzida a oposição-reconvenção, transmuta-se em processo declarativo que poderá revestir a forma especial ou comum, em função do valor.
O art. 547º do Cód. de Proc. Civil, sob a epígrafe “adequação formal” diz-nos que o juiz deve adotar a tramitação processual adequada às especificidades da causa e adaptar o conteúdo e a forma os atos processuais ao fim que visam atingir, assegurando um processo equitativo.
Deste modo, em consonância com a argumentação que foi expendida por Miguel Teixeira de Sousa no blogue do IPPC, em 26.4.2017, entendemos que deve ser dada a possibilidade ao demandado de no âmbito de uma ação especial para cumprimento de obrigações pecuniárias (AECOP) deduzir reconvenção, devendo o juiz fazer uso dos seus poderes de adequação formal e também de gestão processual (art. 6º do Cód. do Proc. Civil) de forma a ajustar a tramitação da AECOP à dedução do pedido reconvencional.
Por conseguinte, a reconvenção deduzida, na qual a ré invocou o incumprimento do contrato, na forma de cumprimento defeituoso, alegadamente convertido em incumprimento definitivo, é de admitir, e simultaneamente é de dar, desde já, a possibilidade à autora de a ela responder em articulado próprio.
Tal implica pois a procedência do recurso interposto.

Sumário.
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IV. DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes em julgar procedente o recurso de apelação interposto pela ré ,e, em consequência, revogar o despacho que não admitiu a reconvenção, o qual se substitui por outro que procede à sua admissão, devendo dar-se à autora a possibilidade de, no tocante à matéria da reconvenção, apresentar articulado de resposta.

Custas conforme vencimento a final.

Porto,07.04.2022
Francisca Mota Vieira
Paulo Dias da Silva
Isabel Silva
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[1] In www.dgsi.pt: Ac. do STJ, em revista excecional, de 06/06/2017, processo 147667/15.5YIPRT.P1.S2, Ac Relação do Porto, de 4.06.2019.
[2] In www.dgsi.pt: Ac. RP de 13/06/2018, processo 26380/17.0YIPRT.P1.
[3] No blogue do IPPC em 26.4.2017 sob o título “AECOPs e compensação”.
[4] No blogue do IPPC em 17/12/2019, comentando o acórdão desta Relação do Porto de 4.06.2019.