Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
745/19.1T8VLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: UNIDADE ECONÓMICA
TRANSMISSÃO
Nº do Documento: RP20210322745/19.1T8VLG.P1
Data do Acordão: 03/22/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: IMPROCEDENTE, CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: Os conceitos de unidade económica e de transmissão da mesma não se reconduzem apenas ao exercício da actividade, nem à continuação dessa actividade, antes exigindo também a existência de um conjunto de meios organizados, materiais e/ou humanos, para tal e que sejam transferidos para o novo adjudicatário.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 745/19.1T8VLG.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1207)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

B…, instaurou acção declarativa de condenação, com processo comum, contra “C…, SA” e “D…, SA.”, pedindo que se reconheça que é trabalhador da Ré “C…”, que foi ilicitamente despedido por esta e que a “C…” seja condenada a pagar-lhe a quantia de €1.655,00, correspondente às retribuições vencidas e não pagas, bem como as que se vencerem até ao trânsito em julgado da sentença, com acréscimo dos subsídios de férias e de natal, e respectivos juros de mora vincendos, a quantia de € 13.540,60, a título de indemnização, caso não opte pela reintegração, correspondente a 45 dias por cada ano de antiguidade, a quantia de € 7.500,00 a título de danos morais, a quantia de € 2.463,63 a título de férias, subsídio de férias e de Natal, referente ao ano de 2018, vencido em 1 de janeiro de 2019, a que acrescem os juros vencidos e vincendos.
Subsidiariamente, pede que se reconheça que é trabalhador da Ré “D…”, que foi ilicitamente despedido por esta e que a “D…” seja condenada a pagar-lhe a quantia de €1.655,00, correspondente as retribuições vencidas e não pagas, bem como as que se vencerem até ao trânsito em julgado da sentença, com acréscimo dos subsídios de férias e de natal, e respectivos juros de mora vincendos, a quantia de € 13.540,60., a título de indemnização, caso não opte pela reintegração, correspondente a 45 dias por cada ano de antiguidade, a quantia de € 7.500,00 a título de danos morais, a quantia de €2.463,63 a título de férias, subsídio de férias e de Natal, referente ao ano de 2018, vencido em 1 de janeiro de 2019, a que acrescem os juros vencidos e vincendos.
Alega para tanto e em síntese que foi admitido pela “C…s” no dia 19 de julho de 2006, para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de vigilante, exercendo tais funções por conta, sob as ordens, direcção, instruções, autoridade e fiscalização da primeira Ré, sendo, desde fins de junho de 2018, tal trabalho prestado nas instalações da “E…, SA”, sitas na Rua …, …-… em …, Maia, mediante a retribuição base actual mensal de € 694,39.
Com data de 21/01/2019, a “C…”, enviou-lhe uma carta a informar que o serviço de segurança prestado no cliente “E…, S.A.” foi adjudicado ao “D…”, na sequência do “Concurso Público para a Prestação de Serviços de Segurança Preventiva das Instalações de E…, S.A” e, que seria o “D…” quem passaria a assumir a prestação de Serviço.
A Ré C…, considerando a transmissão operada, procedeu ao pagamento do vencimento devido até 31 de janeiro de 2019 e declarou a cessação do referido contrato de trabalho com o autor, com efeitos a partir dessa data, referindo que já havia dado toda a informação à segunda ré D….
O Autor juntamente com outros colegas, apresentou-se durante cinco dias consecutivos, na sede da E…, SA, em …, Maia, para prestar o seu trabalho, tendo sido sistematicamente impedidos de trabalhar pelo “D…”, invocando que não tinha havido qualquer transmissão de estabelecimento e que não o reconhecia como seu trabalhador subordinado, impedindo-o de exercer as suas funções, dizendo-lhe para se dirigir à sua entidade patronal, aqui primeira ré.
Refere que a segunda ré, D…, por carta datada de 12-2-2019, comunicou-lhe “que não reconhecia a existência de qualquer fundamento legal, sob nenhuma perspetiva, que legitimasse a transmissão do contrato de trabalho.”.
A partir do dia 01/02/2019 nunca mais lhe foi dado trabalho por qualquer uma das rés, nem lhe foi pago qualquer vencimento, a partir dessa data.
Alega também que não lhe foi pago qualquer quantia a título de férias e subsídio de férias vencidas em 1 de janeiro de 2019 e que a actuação e comportamento das rés infernizou a vida do autor, feriram a sua dignidade, obrigando-o a mendigar trabalho e brincando com o mesmo qual bola de ping-pong, provocando-lhe uma enorme depressão nervosa, passando a sofrer de ansiedade, noites em claro e dificuldade em dormir, agravada com a notícia e a concretização do despedimento.

Realizada audiência de partes não foi possível obter a conciliação das mesmas.
Devidamente notificadas, ambas as Rés apresentaram contestação.
A Ré “C…” alega em síntese que foi adjudicada à 2.ª Ré o contrato de prestação de serviço de segurança privada no espaço, locais e instalações da E…, S.A., serviço que se iniciou em 1 de fevereiro de 2019, quando a 2.ª R. começou a prestar a sua actividade no âmbito da aludida adjudicação.
Em consequência da referida adjudicação, assumiu o serviço de vigilância adjudicado até então à 1.ª R. e manteve, na sua essência, as mesmas características em relação àquele que anteriormente vinha a ser prestado.
Manteve-se a necessidade de alocar o mesmo número de vigilantes e meios afectos à prestação do serviço assegurado à E…, o modo de exercício da actividade assente na organização e hierarquização do serviço manteve-se, o local da prestação da actividade é o mesmo e corresponde ao local de trabalho do Autor, o equipamento destinado a controlar o acesso, permanência e saída das instalações de pessoas e bens, afecto o exercício da actividade de segurança das instalações, não foi alterado.
Refere que por carta datada de 21 de janeiro de 2019 informou a 2ª Ré que o Autor passava a ser trabalhador desta.
Alega que prestou serviço até às 24h00 do dia 31 de janeiro de 2019, tendo a 2.ª Ré iniciado funções às 00h00 do dia 1 de fevereiro de 2019 e que o serviço prestado nas instalações da E… funcionava como uma verdadeira unidade autónoma de serviço de segurança e vigilância, considerando que com a adjudicação de tais serviços à 2ª Ré, existiu uma transmissão dessa unidade económica.
Termina pedindo que deve a presente acção ser julgada improcedente quanto à 1ª Ré, por não provada, com as legais consequências.
A Ré “D…” alega em síntese que a “E…”, após pesquisa de mercado, tomou a decisão de adjudicar a uma nova entidade a prestação de serviços de vigilância humana nas suas instalações sitas na Maia e na …, no Seixal.
Contactou a Ré D… no sentido de convidar esta entidade a apresentar uma proposta para a prestação de serviços de segurança nos termos pretendidos.
Os serviços de vigilância humana após análise da Proposta apresentada por parte da E… foram adjudicados à Ré D… através do contrato de prestação de serviços de segurança integrada n.º …/18/CO celebrado a 08 de janeiro de 2018 e que começou a produzir efeitos a 01 de fevereiro de 2019, sendo que até então os serviços de vigilância humana nas instalações da E… eram assegurados pela C….
Os serviços de segurança privada e vigilância humana, adjudicados à Ré D… foram, por solicitação da E…, diferentes dos serviços até então assegurados pela C…, tendo a “E…”, em sede de processo negocial, condicionado a adjudicação dos serviços à afectação de uma equipa de vigilantes totalmente diferente da equipa afecta pela C….
Alega que a Ré “D…” não recebeu da “C…” quaisquer elementos necessários para a prossecução dos referidos serviços e que nenhum dos trabalhadores afectos, pela “C…”, à prestação dos serviços de vigilância para a E… foi admitido ao serviço da Ré, C….
A informatização dos serviços de portaria exige que os vigilantes que os executam tenham formação para o efeito.
Refere ainda que o “D…” não recebeu da “C…” quaisquer meios, instrumentos ou equipamentos necessários para o exercício da actividade de segurança privada e vigilância humana nas instalações da E… e que para o exercício da sua actividade, os vigilantes da D… precisam, de fardamento, instrumentos de comunicação, serviços de alarme de ligação à central, dispositivos de transmissão, e demais equipamentos informáticos necessários para a prossecução da actividade que tiveram de ser exclusivamente facultados pela Ré D….
Tão-pouco recebeu qualquer know-how, experiência, metodologias, processos ou informação, da C… relativamente à prestação da actividade de segurança privada e vigilância humana para a E….
A “D…” teve, igualmente, de fornecer os equipamentos necessários para a instalação e operação do sistema de informatização da portaria.
Considera que uma actividade, tal como é a da segurança privada, a não transmissão dos trabalhadores enquanto elemento essencial do negócio da vigilância sempre implicaria a descaracterização do mesmo enquanto unidade económica, e consequentemente a inaplicabilidade do regime legal sobre a matéria.
Desde o primeiro momento, a Ré D… informou a C… de que não reconhecia legitimidade à suposta transmissão de estabelecimento, porquanto não estavam preenchidos os respectivos pressupostos legais.
A “D…” informou o Autor – e os demais trabalhadores da C… na mesma situação –, que a situação em apreço não reunia as condições necessárias para ser qualificada como uma transmissão de estabelecimento, razão pela qual os respectivos contratos de trabalho permaneceriam com a C…
Salienta que a C…, não cumpriu com o procedimento de informação e consulta legalmente obrigatório para uma situação de transmissão de empresa.
Alega também que mesmo a considerar-se que ocorreu a transmissão da unidade económica e que o contrato de trabalho do Autor transitou para a “D…” jamais poderia considerar-se que o contrato de trabalho cessou por despedimento, dado nunca ter manifestado a vontade de fazer cessar o contrato de trabalho
Relativamente aos alegados danos morais entende que a mera alegação de um estado depressivo, de indignação ou perturbação emocional não faz prova dos pretensos danos morais que o Autor pretende ver ressarcidos, não apresentando gravidade suficiente para serem susceptíveis de tutela jurídica.
Termina pedindo que seja a acção julgada improcedente, por não provada, absolvendo-se a Ré de todos os pedidos formulados pelo Autor, com fundamento na inexistência de uma transmissão de unidade económica; subsidiariamente e por mera cautela, na eventualidade remota de se considerar que ocorreu transmissão da unidade económica e que o vínculo laboral foi transmitido para a Ré ser declarado que o trabalhador não foi despedido pela Ré e residualmente, caso se considere que o Autor foi despedido pela Ré, deve a indemnização em substituição da reintegração ser fixada pelo mínimo, à ordem de 15 dias por ano de antiguidade.

Fixado o valor da acção em €25.159,23, proferido despacho saneador tabelar, com dispensa de fixação do objecto do litígio e temas da prova e realizada a audiência de discussão e julgamento, na qual o A. optou pela indemnização de antiguidade, foi, aos 21.09.2020, proferida sentença que julgou a acção nos seguintes termos:
“Pelo exposto, julgo a presente ação parcialmente procedente, por provada e assim decido:
I – Declarar ilícito o despedimento do Autor efetuado pela “C…, SA” e consequentemente condeno-a a pagar ao Autor uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de trabalho ou fração de antiguidade contada desde 19 de julho de 2006 e até ao trânsito em julgado da sentença, estando já vencida a quantia de € 10.694,39 (dez mil, seiscentos e noventa e quatro euros e trinta e nove cêntimos).
II – vai também condenada a pagar-lhe todas as retribuições que deixou de receber desde a data do despedimento e até ao trânsito em julgado da sentença, sem prejuízo de eventuais deduções legais previstas nas alíneas b) e c) do artigo 390º do Código do Trabalho.
III – Vai ainda condenada a pagar ao Autor a quantia de € 1.388,78 a título de créditos salarias.
IV – A essas quantias condeno ainda no pagamento dos juros moratórios à taxa supletiva legal, desde a data do respetivo vencimento e até integral pagamento.
V – Absolver a co-ré “D…, SA.” da totalidade dos pedidos contra ela formulados.
Custas pelo Autor e pela co-ré “C…” na proporção de ¼ e ¾ respetivamente, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que beneficia o Autor.”.

Inconformada, a Ré C… recorreu, tendo formulado as seguintes conclusões:
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A Recorrida “D…” contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
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A Exmª Srª Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido do não provimento do recurso, sobre o qual as partes não se pronunciaram.

Colheram-se os vistos legais.
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II. Decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância
É a seguinte a decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância:
“A)
O Autor foi admitido pela primeira Ré em 19 de julho de 2006.
B)
O Autor foi contratado para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de vigilante.
C)
Tais funções eram prestadas por conta, sob as ordens, direção, instruções, autoridade e fiscalização da referida entidade patronal, aqui primeira Ré, sendo que, desde fins de junho de 2018, o trabalho era prestado nas instalações da E…, SA, em …, Maia.
D)
Em Janeiro de 2019 o Autor auferia da Ré C… o vencimento base mensal de € 694,39 e estava vinculado a esta por um contrato por tempo indeterminado.
E)
A partir do dia 01 de Fevereiro de 2019 a Ré D… passou a efetuar serviço de vigilância das instalações da “E…, SA.”, em …, Maia.
F)
A Ré C… pagou ao Autor o vencimento relativo ao mês de Janeiro de 2019, nada mais tendo pago a partir dessa data.
G)
Não foram pagas por nenhumas das Rés qualquer quantia a título de férias, subsídio de férias e de Natal vencidos no ano de 2019.
H)
Com data de 21/01/2019 a Ré C… enviou uma carta ao Autor informando-o que o serviço de segurança do cliente “E…, S.A.” tinha sido adjudicado por este cliente ao “D…” e que seria esta a assumir a prestação de serviço.
I)
A Ré C… através da mesma carta declarou também cessado o contrato de trabalho celebrado com o autor com efeitos a partir de 31 de Janeiro de 2019, referindo ainda nessa carta “que a empresa D…, S.A., foi informada da lista dos trabalhadores a operar no estabelecimento E…, S.A. e informação necessária para os contratos de trabalho.”
J)
O Autor, juntamente com outros seus colegas, apresentou-se por diversas vezes nos primeiros dias de fevereiro de 2019 nas instalações da “E…, SA”, sitas em …, Maia, para prestar o seu trabalho, tendo sido impedido pelo “D…”, que referia que não o reconhecia como seu trabalhador, que não tinha existido transmissão de estabelecimento e para se dirigir à “C…” que era a sua empregadora.
K) A “D…”, por carta datada de 12-2-2019, comunicou ao Autor “que não reconhecia a existência de qualquer fundamento legal, sob nenhuma perspetiva, que legitimasse a transmissão do contrato de trabalho” e que “rejeita qualquer responsabilidade sobre a relação laboral que V. Exª possui com a C…, não lhe reconhecendo, por tal não ser devido, a qualidade de trabalhador da empresa signatária da presente missiva”.
L)
O Autor ficou desgostoso e deprimido pelo facto de ter ficado sem trabalho.
M)
A “D…” manteve o mesmo número de vigilantes que a “C…” também alocava na prestação da atividade de segurança e vigilância nas instalações da E…, sitas na Maia.
N)
A “C…” enviou uma carta ao “D…”, datada de 21 de janeiro de 2019 na qual nomeadamente referia que na sequência a esta da adjudicação de vigilância e segurança das instalações da “E…” considera que “estamos perante uma unidade económica que se transferiu para o novo operador o qual deve herdar, manter os postos de trabalho e respetivos contratos de trabalho dos vigilantes que prestam funções na E…” enviando em anexo uma lista de tais vigilantes, que incluía o Autor.
O)
A “D…” enviou à “C…” uma carta, datada de 6 de fevereiro de 2019, na qual nomeadamente referia que “a situação em apreço não reveste as condições necessárias, por omissão de elementos essenciais, para sustentar a existência e/ou manutenção de uma unidade económica” e que não assumirá a posição de empregador relativamente aos trabalhadores identificados pela C….
P)
A “E…”, por não se encontrar satisfeita com o serviço prestado pela “C…” e por pretender passar a ter um serviço distinto com monotorização das instalações, registo informático e uma equipa de vigilantes totalmente diferente, decidiu após pesquisa do mercado, adjudicar à D… a prestação de serviços de vigilância nas suas instalações sitas em …, na Maia e na …, no Seixal.
Q)
Foi celebrado entre a “E…” e o “D…” o contrato de prestação de serviços de segurança integrada n.º …/18/CO, que começou a produzir efeitos em 1 de fevereiro de 2019.
R)
Os serviços de segurança privada e vigilância humana, adjudicados ao “D…” passaram, por solicitação da E…, nos serviços de controlo de entrada, presença e saída de pessoas e viaturas, a serem assegurados de modo informatizado, através de registos em suporte digital, permitindo que a “E…” pudesse aceder à informação do registo de entradas e de saídas naquelas instalações, em tempo real.
S)
Os dias e horas das rondas internas no edifício da “E…” efetuadas pelos vigilantes do “D…”, passaram a ficar registadas informaticamente, através de um sistema implementado por esta que permitia ao cliente “E…”, controlar quando essas rondas se tinham verificado.
T)
Os registos das pesagens das mercadorias que os camiões transportavam para a “E…” da Maia, e que os vigilantes efetuavam fora do horário do expediente dos funcionários da “E…”, passaram a partir do momento em que o “D…” passou a exercer o serviço nessas instalações, a ser registado informaticamente, o que não sucedia anteriormente.
U)
A “E…” e o “D…” acordaram a possibilidade da vigilância nas instalações da Maia passar a ser feito remotamente, sem presença dos vigilantes nessas instalações, o que não veio a ser implementado.
V) A informatização dos serviços de portaria exigiu que os vigilantes que os executam tivessem tido formação para o efeito, a qual foi dada pelo “D…”, tendo para tanto utilizado um programa informático que estava ligado em rede, criado pelo “D…” e pela “E…”, tendo o “D…” utilizado nessa tarefa o seu próprio equipamento informático.
W)
A “C…” não transmitiu qualquer tipo de equipamento que lhe pertencesse ao “D…”, nem know-how, experiência, metodologias, processos ou informação, da “C…” relativamente à prestação da atividade de segurança privada e vigilância humana para a E….
*
Matéria de facto não provada:
1- A circunstância de ter ficado sem trabalho deixou o Autor humilhado, com a dignidade ferida, passando as noites em claro.
2 - A “C…” não efetuava a verificação mensal aos sistemas de emergência das instalações da E….”
*
A referida decisão da matéria de facto não foi impugnada pela Recorrente, nem foram aliás cumpridos quaisquer dos requisitos previstos no art. 640º, nº 1, als. a), b) e c), do CPC/2013, pelo que se tem a mesma como assente, sendo a ela, mormente à dada como provada, e não a outra, que se deverá atender.
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III. Do Direito

1. O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo porém as matérias que sejam de conhecimento oficioso, (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10, alterado, designadamente, pela Lei 107/2019).
Assim, a única questão em apreço consiste em saber se ocorreu transmissão de estabelecimento da Recorrente/Ré “C…” para a Recorrida. “D…” e, por consequência, se a posição contratual daquela no contrato de trabalho que manteve com o A. se transmitiu para a Ré/Recorrida “D…”.

2. Na sentença recorrida, para além das considerações de natureza jurídica que dela constam, referiu-se o seguinte:
«No caso em apreço, embora o serviço prestado pelo “D…” seja também um serviço de segurança e vigilância das instalações da “E…”, sitas na Maia, sendo assim o mesmo o local sob vigilância e também efetuado através de vigilantes presentes no local, dado que a vigilância à distância, não chegou a ser implementada, entendo, embora considere se tratar de um caso fronteira, que não existe uma mesma identidade da unidade económica, face à importância e relevo, do uso de meios informáticos na prossecução dessa atividade, o que até então não sucedia.
Refiro-me não só ao controlo das rondas internas dos vigilantes do “E…” que até então não sucedia, ao registo informático das pesagens das mercadorias efetuadas pelos vigilantes mas sobretudo a um novo paradigma no controlo informático das entradas de pessoas e mercadorias naquelas instalações permitindo à distância aos responsáveis da “E…” poderem aferir em tempo real, quem se encontrava no interior das suas utilizações.
Para tanto, era utilizado não só o equipamento informático trazido pelo “D…”, como também um programa informático desenvolvido propositadamente para esse efeito, tendo a co-ré “D…” dado formação aos seus trabalhadores para poderem efetuar esse serviço.
Concluo assim que no caso em apreço não existiu uma transferência da unidade económica, e deste modo o Autor não passou a ser trabalhador da “D…”.»
Do assim decidido discorda a Recorrente defendendo, pelas razões que aduz, ter ocorrido transmissão de estabelecimento, alegando designadamente que:
“G - Cada um dos indícios supra referidos está preenchido:
i) O tipo de estabelecimento: trata-se de um estabelecimento de vigilância de instalações, é esse o seu objeto, tendo transitado de uma empresa para outra;
ii) Continuação da clientela: o cliente é o mesmo, a E…, pelo que não subsistem dúvidas nesta matéria;
iii) O grau de semelhança da atividade exercida antes e depois da transmissão: aqui a sentença recorrida entende que o facto de a D… utilizar meios informáticos que permitem ao cliente um maior controlo de entradas e saídas e controlo de rondas é suficiente para descaracterizar a transmissão de estabelecimento. Porém, o grau de semelhança é maior do que o grau de dissemelhança. Veja-se que os serviços prestados pela recorrente se mantiveram in totum, designadamente: controlo de entradas e saídas, rondas, pesagem de camiões, controlo de alarme de incêndio, guarda de chaveiro. Todos estes serviços se transmitiram para a D…;
iv) Assunção de efetivo, ou parte dele: para a manutenção da atividade nos mesmos moldes, à D… bastar-lhe-ia assumir os trabalhadores que ali exerciam funções;
v) Estabilidade da estrutura organizativa: para assegurar os serviços, a nova empresa recrutou o mesmo exato número de vigilantes, que distribuiu pelas 24 horas em turnos, nos moldes já preconizados anteriormente pela recorrente;
vi) A determinada e contínua localização onde o serviço é prestado: o serviço desde sempre foi prestado naquelas instalações e ali se manteve;
vii) Duração ou até inexistência de interrupção entre a atividade prestada: conforme decorre dos autos, a actividade foi mantida sem qualquer interrupção.”
Por sua vez, a Recorrida “D…” posiciona-se em sentido contrário, também pelas razões que aduz.

3. Ao caso é aplicável o CT/2009, cujo art. 285º dispõe que:
1- Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade da empresa, do estabelecimento ou ainda de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmite-se para o adquirente a posição jurídica de empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.
2 – O transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da tansmissão, durante o ano subequente a esta.
3 – O disposto nos números anteriores é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.
4 – (…)
5 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória.
As disposições transcritas correspondem, no essencial, ao que constava do art. 318º, nºs 1, 2, 3 e 4 do CT/2003 (salvo uma ou outra alteração, meramente de estilo, na redação).

3.1. A questão não é nova, tendo sido já suscitada por diversas vezes no âmbito da sucessão quer de empresas prestadoras de serviços de vigilância e segurança, quer de empresas prestadores de serviços de limpeza e sobre ela se tendo, por diversas, pronunciado a jurisprudência nacional(1) e comunitária, bem como a doutrina.
Pela sua particular relevância para o enquadramento jurídico da questão transcrever-se-á o Acórdão do STJ de 06.12.2017, Proc. 357/13.3TTPDL.L1.S1, in www.dgsi.pt, proferido em recurso de revista excepcional por, como nele se refere, “se reconhecer que está em causa nos autos uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, se mostra claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito – cf. alínea a), do n.º 1, do artigo 672.º, do mesmo Código.”, acórdão esse em que estava em causa a sucessão de empresas prestadoras de serviços de vigilância e segurança de determinado local, em que haviam sido, junto do TJUE, suscitadas questões prévias, acórdão esse que veio revogar a sentença e acórdão da Relação que haviam considerado ter ocorrido transmissão de estabelecimento [os realces correspondem ao original]:
(…)
B) DE DIREITO
1. Resulta dos autos, face aos termos supra equacionados, que a questão essencial a decidir consiste em saber se, no caso sub judice, se verificou ou não a transmissão da titularidade de empresa ou de estabelecimento da 2ª Ré, a Recorrida “SS Portugal”, para a 1ª Ré, a Recorrente “RR”, a partir do momento em que aquela foi substituída por esta na prestação de serviços de vigilância e segurança das instalações pertencentes à sociedade “TT, S.A.”, localizadas em ….
(…)
2. A Transmissão de empresa ou estabelecimento
2.1. sabido que qualquer empresa, enquanto pessoa singular ou colectiva, pode estar sujeita a modificações de diversa índole com repercussão, na sua organização empresarial, que vão desde a mudança de identidade e titularidade do capital até à concessão de exploração, trespasse, fusão e cisão de sociedades comerciais, com o consequente reflexo na transmissão ou titularidade da empresa ou do estabelecimento e nas relações contratuais laborais do pessoal abrangido por tais alterações.
Qualquer dessas situações acaba por ter implicações no seio das estruturas económicas organizadas com projecção nas relações de trabalho até então constituídas.
Daí a necessidade sentida pelo legislador de fixar os efeitos decorrentes da transmissão de empresa ou estabelecimento de molde a proteger os trabalhadores envolvidos, mas sem coarctar a iniciativa dos empresários ou limitar a vida económica das empresas integradas num sistema de funcionamento de economia do mercado.
É neste balancear de interesses resultante das vicissitudes contratuais sofridas – de acordo com a terminologia utilizada pelo próprio legislador (cf. Capítulo V, Secção I, do Código do Trabalho de 2009, arts. 285º e segts.) – que a lei procura regular e que o intérprete deve, na sua aplicação, atender.
2.2. Em matéria de efeitos de transmissão de empresa ou estabelecimento dispõe o art. 285.º do Código do Trabalho de 2009, no que aqui releva, que:
«1 - Em caso de transmissão, por qualquer título, da titularidade da empresa, ou estabelecimento ou ainda de parte da empresa ou estabelecimento que constitua uma unidade económica, transmitem-se para o adquirente a posição do empregador nos contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores, bem como a responsabilidade pelo pagamento de coima aplicada pela prática de contra-ordenação laboral.
2 - O transmitente responde solidariamente pelas obrigações vencidas até à data da transmissão, durante o ano subsequente a esta.
3 - O disposto nos números anteriores é igualmente aplicável à transmissão, cessão ou reversão da exploração de empresa, estabelecimento ou unidade económica, sendo solidariamente responsável, em caso de cessão ou reversão, quem imediatamente antes tenha exercido a exploração.
4 - …
5 - Considera-se unidade económica o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória.
6 -…»
Em termos conceptuais o tratamento desta temática não constitui nenhuma novidade tanto no ordenamento jurídico Nacional como Comunitário.
Com efeito, já a Lei do Contrato de Trabalho – Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969 – regulava tal matéria no seu art. 37º, normativo que foi, à época, erigido como pilar fulcral de protecção dos trabalhadores por garantir o direito à manutenção dos seus postos de trabalho nas circunstâncias ali previstas de transmissão do estabelecimento ou da sua exploração.
Esta finalidade foi reconhecida e plasmada nessa norma pelo legislador também com o objectivo de “tutelar o próprio estabelecimento (a continuidade do funcionamento da empresa que é objecto da transmissão)”, segundo o Acórdão desta Secção do STJ, datado de 27/05/2004.[6]
No âmbito da legislação Comunitária destaca-se a Directiva nº 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de Março, que foi transposta para o ordenamento jurídico português pelo Código de Trabalho de 2003, conforme decorre da alínea q), do artigo 2.º, da Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, que aprovou o Código do Trabalho de 2003, vindo a matéria em questão a ter assento nos artigos 318.º e seguintes daquele Código.[7]
Directiva essa relativa à aproximação das legislações dos Estados Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas ou de estabelecimentos, ou de partes de empresas ou de estabelecimentos, que codifica e revoga a Directiva nº 77/187/CEE, do Conselho, de 14 de Fevereiro, com a redacção que lhe foi dada pela Directiva nº 98/50/CE, do Conselho, de 29 de Junho.
Foi com o advento de novas formas na constituição e transmissão das empresas, assistindo-se a mudanças sucessivas na titularidade da exploração dessas empresas, que o legislador sentiu a necessidade de introduzir alterações ao regime jurídico das referidas transmissões, tendo sido então aprovada, num contexto social e económico diferente daquele, a referida Directiva nº 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de Março.
Dando, assim, origem ao art. 285º do Código do Trabalho de 2009 que regula os efeitos da transmissão de empresa ou estabelecimento no âmbito do Direito do Trabalho Nacional e define o conceito de “unidade económica” inerente a essa transmissão de empresa.
3. A Directiva nº 2001/23/CE e o conceito de transmissão
3.1. Analisando o conteúdo da mencionada Directiva verifica-se que o seu art. 1.º tem a seguinte redacção:
«1. a) A presente directiva é aplicável à transferência para outra entidade patronal de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento, quer essa transferência resulte de uma cessão convencional quer de uma fusão.
b) Sob reserva do disposto na alínea a) e das disposições seguintes do presente artigo, é considerada transferência, na acepção da presente directiva, a transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória.[8]
c) A presente directiva é aplicável a todas as empresas, públicas ou privadas, que exercem uma actividade económica, com ou sem fins lucrativos. A reorganização administrativa de instituições oficiais ou a transferência de funções administrativas entre instituições oficiais não constituem uma transferência na acepção da presente directiva.
2. (…).
3. (…).»
Por seu turno, o art. 2.º da Directiva estabelece que:
«1. Na acepção da presente directiva, entende-se por:
a) «Cedente»: qualquer pessoa, singular ou colectiva que, em consequência de uma transferência, prevista no nº 1 do art. 1º, perca a qualidade de entidade patronal em relação à empresa ou estabelecimento ou à parte de empresa ou estabelecimento.
b) «Cessionário»: qualquer pessoa singular ou colectiva que, em consequência de uma transferência, prevista no nº 1 do art. 1º, adquira a qualidade de entidade patronal em relação à empresa ou estabelecimento ou à parte de empresa ou estabelecimento.»
Resulta da alínea a), do n.º 1, do artigo 1.º, da Directiva, que o regime estabelecido é aplicável «à transferência para outra entidade patronal de uma empresa, estabelecimento ou parte de empresa ou estabelecimento», quer essa transferência resulte de uma cessão convencional ou de uma fusão.
Por força do disposto na alínea b), do n.º 1, deve entender-se como abrangida pela transferência ali disciplinada, e respeitado «o disposto na alínea a) e das disposições seguintes deste artigo», a «transferência de uma entidade económica que mantém a sua identidade, entendida como um conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória».
Por conseguinte, a transferência de titularidade dos contratos de trabalho prevista na presente Directiva abrange não apenas a transferência de empresa ou de estabelecimento, mas também a parte de empresa ou de estabelecimento que se constitua como uma «entidade económica», entendida esta nos termos estabelecidos na norma citada, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica não restringida ao exercício da actividade principal.
Daqui decorre, da conjugação do regime legal previsto na Directiva nº 2001/23/CE – arts. 1.º, n.º 1, alínea a), e 2.º, n.º 1, alíneas a) e b) – com o art. 285º, nºs 1 e 3, do Código do Trabalho de 2009, que o conceito de transmissão, para efeitos laborais, é especialmente amplo.
A amplitude desse conceito é reconhecida uniformemente, quer pela Doutrina quer pela Jurisprudência, conforme transparece dos excertos que a seguir serão reproduzidos.
3.2. Densificando o conceito, explicita Maria do Rosário Palma Ramalho[9]:
«Quanto ao âmbito do fenómeno transmissivo, é qualificada como transmissão para efeitos da sujeição a este regime legal, não apenas a mudança da titularidade da empresa ou do estabelecimento, por qualquer título (i.e., uma transmissão definitiva, por efeito de trespasse, fusão, cisão ou venda judicial), mas também a transmissão, a cessão ou a reversão da exploração da empresa ou do estabelecimento sem alteração da respectiva titularidade (i.e., uma transmissão das responsabilidades de gestão a título temporário, embora estável) – art. 285º nºs 1 e 3 do CT.
Deste modo, o conceito de transmissão para este efeito é especialmente amplo, abrangendo todas as alterações estáveis (mas não necessariamente definitivas) na gestão do estabelecimento ou da empresa».
Também Joana Vasconcelos[10], a propósito do âmbito lato de aplicação do instituto em análise, enuncia os exemplos clássicos, como a transmissão da propriedade (trespasse, a fusão e a cisão, venda judicial ou a doação) e a transmissão da exploração de empresa ou estabelecimento, assim como as situações abrangidas pelo n.º 3, do citado artigo do Código, como é o caso da cessão ou reversão da exploração de empresa ou estabelecimento, prevendo-se quanto a estas, expressamente nesse normativo, que a responsabilidade solidária recaia sobre “quem imediatamente antes tenha exercido a exploração”.
Por sua vez, a Jurisprudência desta Secção, do Supremo Tribunal de Justiça, reforçou esse entendimento, podendo ler-se no Acórdão datado de 04.05.2011, no que concerne ao regime jurídico que então enformava o art. 318.º do Código do Trabalho, e que “corresponde, sem alterações substanciais”, à disciplina que emerge do actual art. 285º do Código do Trabalho de 2009[11], que se (…) consagrou um conceito amplo de transmissão do estabelecimento, nele estando incluídas todas as situações em que aconteça a passagem, seja a que título for, do complexo jurídico-económico em que o trabalhador esteja integrado».[12]
Esse é também o entendimento do Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE), que declarou no seu Acórdão de 09.09.2015, Processo C-160/14, disponível em www.curia.europa.eu, que:
«(…) A Directiva 77/187, codificada pela Directiva 2001/23, é aplicável a todas as situações de mudança, no âmbito de relações contratuais, da pessoa singular ou colectiva responsável pela exploração da empresa (…)».
Essencial é que tenha ocorrido, efectivamente, a transmissão de um negócio ou actividade, que constitua uma unidade económica autónoma na esfera do transmitente para a do transmissário, «mantendo a sua identidade» (art. 1.º, n.º 1, da Directiva), e que demonstre o animus translativo da operação pelo facto de o primeiro ter deixado de exercer a actividade correspondente a tal unidade e o segundo passar a exercê-la nos mesmos moldes.
3.3. O conceito nuclear inserido nesta Directiva, conforme resulta da sua análise, não é tanto o de transferência/transmissão de empresa, mas sim o de “transferência de uma entidade económica” – cf. a alínea b), do nº 1, do seu art. 1º.
Conceito que reencontramos explicitado no art. 285.º do Código do Trabalho, no seu n.º 5, com a noção aí consagrada de “unidade económica”, como o conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória.
Reproduzindo na nossa ordem jurídica o citado art. 1.º, n.º 1, alínea b), da Directiva nº 2001/23/CE, de 12 de Março, em consonância com o entendimento da Jurisprudência do TJUE, segundo o qual é considerada como tal a transferência de uma unidade económica que mantém a sua identidade, entendida esta nos mesmos termos: “como um conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, seja ela essencial ou acessória”.
Asserção vertida claramente no atrás citado Acórdão do TJUE, de 09.09.2015, com a seguinte narrativa:
«Segundo jurisprudência constante, a Diretiva 2001/23 tem em vista assegurar a continuidade das relações de trabalho existentes no quadro de uma entidade económica, independentemente da mudança de proprietário. O critério decisivo para demonstrar a existência de uma transferência, na acepção dessa diretiva, consiste na circunstância de a entidade em questão preservar a sua identidade, o que resulta, designadamente, da prossecução efetiva da exploração ou da sua retoma».[13]
Sendo considerado como elemento determinante dessa definição e reconhecimento de unidade económica, pela Jurisprudência Comunitária, a autonomia de parte da empresa ou do estabelecimento transmitidos.
Podendo ler-se, a este propósito, no Acórdão proferido pelo Tribunal de Justiça da União Europeia, exarado no Proc. C-458/05 (Ac. Jouini), de 13/09/2007, que o Tribunal de Justiça acentuou a necessidade de a unidade económica manter a sua própria identidade no seio do transmissário, o que se revela pela prossecução de um objectivo próprio.[14]
Identidade a aferir pelo conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória – cf. nº 5, do art. 285º, do Código do Trabalho de 2009.
Importa, assim, avaliar se a unidade económica mantém a sua identidade, se se mostra dotada de autonomia técnico-organizativa própria, constituindo uma unidade produtiva autónoma, com organização específica.
Neste sentido se expressou igualmente o Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão desta Secção, de 26.09.2012[15], quando se sintetizou nos seguintes termos, no final do ponto 3.2.:
«Em suma, a verificação da existência de uma transferência depende da constatação da existência de uma empresa ou estabelecimento (conjunto de meios organizados, com o objectivo de prosseguir uma actividade económica), que se transmitiu (mudou de titular) e manteve a sua identidade.
É, contudo, essencial que a transferência tenha por objecto uma entidade económica organizada de modo estável, ou seja, deve haver um conjunto de elementos que permitam a prossecução, de modo estável, de todas ou de parte das actividades da empresa cedente e deve ser possível identificar essa unidade económica na esfera do transmissário».
É neste fluxo Jurisprudencial que João Reis navega quando tece as seguintes considerações[16]:
«O critério decisivo é, pois, o da preservação da identidade económica transmitida. De acordo com a noção acolhida, para verificar se há transmissão, o primeiro passo é indagar se o objeto transmitido constitui uma unidade económica estável, autónoma e adequadamente estruturada, e o segundo é aferir se tal unidade económica mantém a sua identidade própria, o que deve ser visível no exercício da atividade prosseguida ou retomada. Em primeiro lugar, é necessário averiguar se existe uma unidade económica suscetível de transferência.
Digamos que, à semelhança da pessoa humana, é preciso que tal entidade seja "um ser vivente". Isto implica uma estreita conexão entre dois aspetos: entre a transmissão de um complexo de bens e relações jurídicas e o exercício atual (ou próximo) da empresa. Portanto, a transferência de um estabelecimento que já não esteja em atividade, ainda que seja constituído por um complexo de bens potencialmente capaz para o exercício da empresa, parece não constituir transferência de estabelecimento para efeitos da diretiva
3.4. Aquilatar da subsistência de uma unidade económica exige a ponderação de determinados elementos indiciários, sendo frequentemente enunciados pelo TJUE, como relevantes, os seguintes:
- Avaliar o tipo de empresa ou de estabelecimento de que se trata;
- Apurar se houve a transferência ou não de bens corpóreos, tais como os edifícios e os bens móveis, bem como o valor dos elementos incorpóreos existentes no momento da transmissão;
- Verificar se se operou a reintegração, ou não, por parte do novo empresário, do essencial dos efectivos, v.g., no domínio dos recursos humanos;
- Confirmar se ocorreu a transmissão, entendida enquanto continuidade, da respectiva clientela;
- Comprovar o grau de similitude entre as actividades exercidas antes e depois da transmissão e a duração de uma eventual suspensão dessas actividades.
Elementos parciais indiciários a valorizar numa avaliação de conjunto, enquanto critérios orientadores e coadjuvantes da decisão a proferir, que dependerá da ponderação que se faça desses factores em função de cada caso concreto.
Conclusão corroborada, nesta parte, por Júlio Manuel Vieira Gomes[17] quando refere que:
«Decisiva para o Tribunal de Justiça é sempre a manutenção da entidade económica, e para se verificar se essa entidade continuou a ser a mesma, o tribunal destacou que há que recorrer a múltiplos elementos cuja importância pode, de resto, variar no caso concreto, segundo o tipo de empresa ou estabelecimento, a sua actividade, ou métodos de gestão, sendo que estes elementos devem ser objecto de uma apreciação global, não sendo em princípio decisivo nenhum deles».
E explicita:
«Podem ser relevantes elementos como a transmissão de bens do activo da entidade, designadamente, bens imóveis, ou equipamentos, mas também bens incorpóreos como a transmissão de know-how, a própria manutenção da maioria ou do essencial dos efectivos, a duração de uma eventual interrupção da actividade desenvolvida antes e a actividade desenvolvida depois da transferência».
(…)
5. O caso dos autos
5.1. Do cotejo dos autos constata-se que resultou provado, nomeadamente, o seguinte circunstancialismo fáctico:
(…)
Diga-se porém que, no caso em análise, a questão não se apresenta linear, porquanto somos confrontados com uma situação em que essa actividade aparenta assentar apenas no indício da mão-de-obra humana.
Sendo embora verdadeira essa constatação, tal como salienta Júlio Manuel Vieira Gomes[23] isso não significa que se reduza a transmissão de uma unidade económica à mera actividade.
Terá, assim, de se ponderar os restantes elementos disponíveis nos autos, fazendo apelo, v.g., aos métodos e organização do trabalho, aos meios colocados pela empregadora à disposição dos trabalhadores e a outros indícios que se mostrem relevantes para a aferição de identidade da unidade económica.
Igual conclusão foi vertida em Acórdão desta Secção, do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 24.03.2011[24], onde se pode ler o seguinte:
«…A mera transmissão de uma actividade não é suficiente para configurar uma transmissão de unidade económica, como, aliás o Tribunal de Justiça da União Europeia afirmou no Acórdão de 11 de Março de 1997, Processo C-13/95, em cujo ponto 15 se refere que «uma entidade não pode ser reduzida à actividade de que está encarregada. A sua identidade resulta também de outros elementos, como o pessoal que a compõe, o seu enquadramento, a organização do seu trabalho, os seus métodos de exploração ou, ainda, (…) os meios de exploração à sua disposição».
(…)
5.2. A este propósito, o TJUE, no seu Acórdão de 19 de Outubro de 2017, junto a fls. 1026-1037, do 4º Vol., quando colocado perante a factualidade provada no âmbito dos presentes autos e, bem assim, a primeira e segunda questões prejudiciais que lhe foram dirigidas, decidiu quanto a este ponto nos seguintes termos:
«O artigo 1.º, nº 1, alínea a), da Diretiva 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de março de 2001, relativa à aproximação das legislações dos Estados Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, ou de estabelecimentos, ou de parte de empresas ou de estabelecimentos, deve ser interpretado no sentido de que está abrangida pelo conceito de «transferência […] de uma empresa [ou de um] estabelecimento», na aceção desta disposição, uma situação em que um contratante resolveu o contrato de prestação de serviços de vigilância e de segurança das suas instalações celebrado com uma empresa e, em seguida, para a execução dessa prestação, celebrou um novo contrato com outra empresa, que recusa integrar os trabalhadores da primeira, quando os equipamentos indispensáveis ao exercício da referida prestação foram retomados pela segunda empresa.» - (sublinhado nosso).
Explicitou ainda que, no caso concreto, era necessário averiguar «(…) se a SS transmitiu à RR, direta ou indiretamente, equipamentos ou elementos corpóreos ou incorpóreos para exercer a atividade de vigilância e de segurança nas instalações em causa.» - (sublinhado nosso).
Acrescentando que se deverá verificar «(…) se esses elementos foram postos à disposição da SS e da RR pela TT. A este respeito, há que recordar que a circunstância de os elementos corpóreos indispensáveis ao exercício da atividade em causa no processo principal e retomados pelo novo empresário não pertencerem ao seu antecessor, mas terem sido simplesmente disponibilizados pelo contratante, não pode levar a excluir a existência de uma transferência de empresa ou de estabelecimento na aceção da Diretiva 2001/23 (…). Contudo, só os equipamentos que são efetivamente utilizados para prestar os serviços de vigilância, com exclusão das instalações que são objeto desses serviços, devem, se for caso disso, ser tomados em consideração para determinar a existência de uma transferência de uma entidade com manutenção da sua identidade, na aceção da Diretiva 2001/23 (…)» – (sublinhado nosso).
Ora, reportando-nos ao caso em análise, extrai-se dos factos provados que não ocorreu a transferência, directa ou indirecta, de quaisquer equipamentos ou bens corpóreos da 2.ª Ré “SS” para a 1.ª Ré “RR”.
Por outras palavras, a 1ª Ré “RR” não retomou, nem lhe foram entregues, quaisquer equipamentos da 2ª Ré “SS” indispensáveis ao exercício da prestação de serviços de vigilância e de segurança das instalações para que foi contratada.
Embora se esteja perante uma empresa cuja actividade assenta essencialmente na mão-de-obra prestada por aqueles que exercem a vigilância e segurança ao serviço da respectiva empresa, a mera circunstância de a 2ª Ré “SS” ter “perdido” para outra empresa o cliente junto do qual prestava serviços de vigilância, em virtude deste serviço ter sido adjudicado a uma outra empresa concorrente (a 1ª Ré “RR”), não configura, por si só, uma situação de transmissão de empresa ou estabelecimento.
Essa mudança da empresa que efectuava, in casu, os serviços de vigilância operou-se em consequência de um concurso público aberto pela sociedade “TT, S.A.” no qual ambas as Rés participaram, tendo a proposta apresentada pela 1ª Ré “RR”, logrado obter vencimento.
Constam como requisitos do Caderno de Encargos desse concurso público que, para garantir o bom funcionamento dos postos de segurança e cumprir a totalidade das obrigações exigidas, os trabalhadores ao serviço da Ré devem observar os seguintes requisitos:
- Serem titulares de cartões profissionais emitidos pela Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna, nos termos e para os efeitos do art. 10.º do Decreto-Lei n.º 35/2004, de 21 de Fevereiro e pela Lei n.º 38/2008, de 8 de Agosto;
- Deve usar uniforme conforme modelo aprovado pelo Ministério da Administração Interna e cartão profissional aposto visivelmente – cf. factos provados e inseridos no ponto 27);
- Estando provado que a 1ª Ré “RR” fornece aos vigilantes afectos à execução dos seus serviços equipamentos de rádio a si pertencentes e uniforme com o modelo e imagem identificativos da sua empresa – cf. factos provados e inseridos nos pontos 61) e 26), a).
Equipamentos esses que sendo indispensáveis ao exercício da referida actividade de vigilância não se provou que tivessem sido entregues pela anterior prestadora desses serviços – a 2ª Ré “SS” – nem à 1ª Ré, nem à entidade da Administração dos referidos TT.
Provando-se, isso sim, o contrário: que quem os fornece é a 1ª Ré Recorrente (“RR”).
Tão pouco se provou que a Recorrente tivesse recebido da 2ª Ré “SS” quaisquer outros bens que constituam indício revelador da concretização da transmissão de um estabelecimento que constitua uma unidade económica, como sejam, por exemplo, quaisquer alvarás ou licenças para o exercício específico dessa actividade ou para a organização do seu trabalho.
Igualmente não se provou que a 2ª Ré tivesse transmitido à 1ª Ré o know-how – o conjunto de conhecimentos práticos e os meios materiais e técnicos – indissociáveis à prossecução de uma actividade económica de segurança privada, tendo a cargo os referidos serviços de vigilância e segurança dos portos, cais e marinas dos “TT”.
E não se diga que esse know-how, enquanto conhecimento especializado e assente em procedimentos, informações e experiência da organização concorrente, não releva para essa função.
Tanto mais que uma das exigências do concurso assenta precisamente na obrigatoriedade desses trabalhadores serem titulares de cartões profissionais emitidos pela Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna, nos termos e para os efeitos do art. 10.º, do Decreto-Lei n.º 35/2004, de 21 de Fevereiro e pela Lei n.º 38/2008, de 8 de Agosto.
Ora, esses cartões profissionais para os serviços de segurança privada não são emitidos sem o cumprimento de determinadas formalidades e observância dos requisitos que condicionam a actividade das empresas de segurança.
Actividade regulada pelos citados diplomas e, mais recentemente, pela Lei da Segurança Privada – Lei nº 34/2013, de 16/05.
5.3. Com efeito, de acordo com a Lei da Segurança Privada, aprovada pela Lei n.º 34/2013, de 16-5, os serviços de segurança prestados a terceiros com vista à protecção de pessoas e bens, bem como à prevenção da prática de crimes nos locais para os quais são contratados, incluem, nomeadamente, serviços de vigilância de bens móveis e imóveis, com o controlo de acesso de pessoas ou bens a instalações e serviços de inspecção de cargas, bagagens e pessoas, v.g., em portos (e similares) e aeroportos – cf. seu art. 3.º.
Decorre desta lei uma série de requisitos que condicionam a actividade das empresas de segurança, como sejam a necessidade de obtenção de licenças, alvarás e deveres de prestação de caução, bem como um conjunto de deveres de grande exigência quanto ao modus operandi destas empresas e ainda a sujeição a regras procedimentais estritas no que respeita aos sistemas de controlo e vigilância e aos sistemas de alarmes que utilizem.
Obrigações de que nos dão conta a matéria de facto provada nos autos – cf. pontos 26) e segts. - e que constam do caderno de encargos inserido no concurso público que foi realizado para adjudicação da prestação de serviços na área de vigilância e segurança preventiva das instalações dos “TT”.
O que é revelador das exigências técnicas e materiais imprescindíveis à actividade desenvolvida no âmbito dos serviços de vigilância e segurança.
Exigindo, por isso, o legislador, em relação a estes trabalhadores, uma formação profissional específica e a avaliação das respectivas condições médicas e psicológicas dos mesmos.[25]
A que acresce a obrigatoriedade de deter carteira profissional e a de se sujeitarem a requisitos de aptidão específicos, bem como à utilização de um uniforme que permita a sua identificação.
Ora, a complexidade e as exigências técnicas, materiais e de formação profissional dessa actividade de segurança privada, que são imprescindíveis para o exercício da actividade, nos termos que decorrem do respectivo enquadramento legal e se espraiam nos factos que se provaram nos autos, não permitem, em nosso entender, que se equipare esta actividade a outras exclusivamente assentes em mão de obra/no «capital humano», v.g., os serviços de limpeza de escritórios e casas particulares.
Tão pouco se extrai do quadro factual traçado em juízo que o conjunto de trabalhadores composto pelos aqui Autores tivesse autonomia no seio da empresa de segurança onde prestavam a sua actividade profissional, não se tendo provado que esse conjunto de trabalhadores formasse um complexo humano organizado que conferia, por si só, individualidade à actividade desenvolvida no seio da 2.ª Ré “SS” e que aí tivesse autonomia.
Verifica-se assim que, no caso concreto, os factos provados não preenchem os requisitos indiciadores do “elemento transmissivo” e da autonomia da entidade económica, condição sine qua non para o reconhecimento da transmissão da titularidade ou da exploração de uma unidade económica, para efeitos de aplicação do regime jurídico consagrado no art. 285.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2009.
Termos em que, seguindo a interpretação preconizada pelo Tribunal de Justiça da União Europeia no Acórdão proferido no âmbito deste processo, se conclui que a situação dos autos não está abrangida pelo conceito de «transferência (…) de uma empresa (ou de um) estabelecimento» na acepção do artigo 1.º, nº 1, alínea a), da Directiva 2001/23/CE, do Conselho, de 12 de Março de 2001.
(…)”
7. Por fim, dir-se-á ainda que:
Não tendo ocorrido transmissão de estabelecimento, por força das normas legais citadas e da interpretação efectuada pelo TJUE, daqui deriva que também não se transmitiram para a 1ª Ré “RR” os contratos de trabalho dos respectivos trabalhadores da 2ª Ré “SS”, porquanto a inexistência de substituição automática da entidade patronal [29] não operou.
Quer isto dizer que os contratos de trabalho dos AA. “não cessaram, nem sofreram descontinuidade”, pelo que os trabalhadores mantêm-se contratualmente ligados à 2ª Ré “SS” e continuam a ser seus trabalhadores, não obstante esta Ré ter perdido a concessão dos serviços de vigilância e segurança nas instalações da TT, S.A. e, consequentemente, os respectivos contratos de trabalho não chegaram a ser transferidos ope legis para a 1ª Ré “RR”.
Não pode, assim, a Ré Recorrente “RR” assumir a posição de entidade empregadora de trabalhadores que não são seus e cujos contratos não se transmitiram para a sua esfera jurídica.
(…)”. [fim de transcrição]

Ou seja, e tal como também entendemos nos acórdãos desta Relação de 27.09.2010 e de 11.09.2017(2), ainda que tendo subjacente uma situação de prestação de serviços de limpeza, para que estejamos, nos termos do art. 285º, nº 5, perante uma unidade económica, necessário é a existência de um conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer uma actividade económica, principal ou acessória, e é esse conjunto de meios organizados com o objectivo de exercer a actividade que é susceptível de transmissão ou reversão. Os conceitos de unidade económica e de transmissão da mesma não se reconduzem apenas ao exercício da actividade, nem à continuação dessa actividade, antes exigindo também a existência de um conjunto de meios organizados, materiais e/ou humanos, para tal e que sejam transferidos para o novo adjudicatário.
E neste mesmo sentido se pronuncia a jurisprudência comunitária, mostrando-se com relevância, ainda que tendo subjacente uma situação de prestação de serviços de limpeza, o Acórdão de 20/01/2011, Processo C-463/09, Clece SA contra Marria Socorro Martin Valor e Ayuntmineto de Cobisa(3), no qual se referiu, para além do mais que:
“(…)
33 Contudo, para que a Directiva 2001/23 seja aplicável, a transferência deve ter por objecto, de acordo com o artigo 1.º, n.º 1, alínea b), desta directiva, uma entidade económica que mantém a sua identidade após a mudança de empresário.
34 Para determinar se essa entidade mantém a sua identidade, há que tomar em consideração todas as circunstâncias de facto que caracterizam a operação em causa, entre as quais figuram, designadamente, o tipo de empresa ou de estabelecimento de que se trata, a transferência ou não de elementos corpóreos, como os edifícios e os bens móveis, o valor dos elementos incorpóreos no momento da transferência, a reintegração ou não do essencial dos efectivos pelo novo empresário, a transferência ou não da clientela, bem como o grau de similitude das actividades exercidas antes e depois da transferência e a duração da eventual suspensão destas actividades. Estes elementos constituem apenas aspectos parciais da avaliação de conjunto que se impõe e não podem, por isso, ser apreciados isoladamente (v., designadamente, acórdãos de 18 de Março de 1986, Spijkers, 24/85, Colect., p. 1119, n.º 13; de 19 de Maio de 1992, Redmond Stichting, C-29/91, Colect., p. I-3189, n.º 24; de 11 de Março de 1997, Süzen, C-13/95, Colect., p. I-1259, n.º 14; e de 20 de Novembro de 2003, Abler e o., C-340/01, Colect., p. I-14023, n.º 33).
35 O Tribunal de Justiça sublinhou anteriormente que uma entidade económica pode, em certos sectores, funcionar sem elementos do activo, corpóreos ou incorpóreos, significativos, de tal forma que a manutenção da sua identidade para além da operação de que é objecto não pode, por hipótese, depender da cessão de tais elementos (v. acórdãos, já referidos, Süzen, n.º 18; Hernández Vidal e o., n.º 31; e UGT-FSP, n.º 28).
36 Assim, o Tribunal de Justiça declarou que, na medida em que, em certos sectores nos quais a actividade assenta essencialmente na mão-de-obra, um conjunto de trabalhadores que executa de forma durável uma actividade comum pode corresponder a uma entidade económica, essa entidade é susceptível de manter a sua identidade para além da sua transferência quando o novo empresário não se limita a prosseguir a actividade em causa mas também retoma uma parte essencial, em termos de número e de competências, dos efectivos que o seu predecessor afectava especialmente a essa missão. Nessa situação, a nova entidade patronal adquire, com efeito, um conjunto organizado de elementos que lhe permitirá a prossecução, de modo estável, das actividades ou de parte das actividades da empresa cedente (v. acórdãos Süzen, já referido, n.º 21; Hernández Vidal e o., já referido, n.º 32; de 10 de Dezembro de 1998, Hidalgo e o., C-173/96 e C-247/96, Colect., p. I-8237, n.º 32; de 24 de Janeiro de 2002, Temco, C-51/00, Colect., p. I-969, n.º 33; e UGT-FSP, já referido, n.º 29).
(…)
39 É certo que, como resulta da jurisprudência do Tribunal, uma actividade de limpeza como a que está em causa no processo principal pode ser considerada uma actividade que assenta essencialmente na mão-de-obra (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Hernández Vidal e o., n.º 27; Hidalgo e o., n.º 26; e Jouini e o., n.º 32) e, consequentemente, uma colectividade de trabalhadores que exerce duradouramente uma actividade comum de limpeza pode, na falta de outros factores de produção, corresponder a uma entidade económica (v., neste sentido, acórdão Hernández Vidal e o., já referido, n.º 27). Porém, é ainda necessário que a identidade desta última seja mantida para além da operação em causa.
40 A este respeito, resulta da decisão de reenvio que o Ayuntamiento de Cobisa, para exercer ele próprio as actividades de limpeza das suas escolas e das suas instalações, anteriormente confiadas à CLECE, contratou pessoal novo, sem retomar os trabalhadores anteriormente afectados a essas actividades pela CLECE, nem tão-pouco nenhum elemento dos activos corpóreos ou incorpóreos dessa empresa. Nestas condições, o único elemento que estabelece um nexo entre as actividades exercidas pela CLECE e as retomadas pelo Ayuntamiento de Cobisa é o objecto da actividade em causa, a saber, a limpeza de instalações.
41 Ora, a mera circunstância de a actividade exercida pela CLECE e a exercida pelo Ayuntamiento de Cobisa serem semelhantes, senão mesmo idênticas, não permite concluir pela manutenção da identidade de uma entidade económica. Com efeito, uma entidade não pode ser reduzida à actividade de que está encarregada. A sua identidade resulta de uma multiplicidade indissociável de elementos como o pessoal que a compõe, o seu enquadramento, a organização do seu trabalho, os seus métodos de exploração ou ainda, sendo caso disso, os meios de exploração à sua disposição (v., neste sentido, acórdãos, já referidos, Süzen, n.º 15; Hernández Vidal e o., n.º 30; e Hidalgo e o., n.º 30). Em especial, a identidade de uma entidade económica como a que está em causa no processo principal, que assenta essencialmente na mão-de-obra, não pode ser mantida se o essencial dos seus efectivos não for retomado pelo presumido cessionário.
42 Daqui se conclui que, sem prejuízo da eventual aplicabilidade das regras de protecção nacionais, a simples retoma, no processo principal, pelo Ayuntamiento de Cobisa, das actividades de limpeza anteriormente confiadas à CLECE não pode, por si só, revelar a existência de uma transferência na acepção da Directiva 2001/23.43
43 Consequentemente, há que responder à questão submetida que o artigo 1.º, n.º 1, alíneas a) e b), da Directiva 2001/23 deve ser interpretado no sentido de que esta última não se aplica a uma situação em que um município, que confiava a limpeza das suas instalações a uma empresa privada, decide pôr termo ao contrato que o vinculava à segunda e exercer, ele próprio, essas actividades de limpeza, recrutando novo pessoal para o efeito.
(…)” [sublinhados nossos]
No mesmo sentido se havia pronunciado também o mencionado Tribunal no Acórdão de 10.12.1998, caso Hernández Vidal(4), no qual se procedeu à seguinte interpretação: “O artigo 1.°, n.° 1, da Directiva 77/187/CEE do Conselho, de 14 de Fevereiro de 1977, relativa à aproximação das legislações dos Estados-Membros respeitantes à manutenção dos direitos dos trabalhadores em caso de transferência de empresas, estabelecimentos ou partes de estabelecimentos, deve ser interpretado no sentido de que esta última se aplica a uma situação em que uma empresa, que confiava a limpeza das suas instalações a outra empresa, decide pôr termo ao contrato que a ligava a esta e assegurar ela própria a partir daí os trabalhos em causa, desde que a operação seja acompanhada da transferência de uma entidade económica entre as duas empresas. O conceito de entidade económica remete para um conjunto organizado de pessoas e de elementos que permitem o exercício de uma actividade económica que prossegue um objectivo próprio. A mera circunstância de os trabalhos de manutenção sucessivamente assegurados pela empresa de limpeza e pela empresa proprietária das instalações serem similares não permite concluir no sentido da transferência de tal entidade.[sublinhado nosso].
Assim também os Acórdãos do STJ de 05.11.08 e de 27.05.09, www.dgsi.pt, Processos 08S1332 e 08S3256, que se pronunciaram de forma idêntica, neste último se referindo, no respectivo sumário, que: “I – Numa interpretação do artigo 318.º do Código do Trabalho conforme à jurisprudência comunitária, deve entender-se que a “transmissão” de estabelecimento nele contemplada é a transferência de uma unidade económica que mantém a sua identidade, entendida esta como um conjunto de meios organizado com o objectivo de prosseguir uma actividade económica, essencial ou acessória. II – Nas empresas cuja actividade assenta essencialmente na mão-de-obra – como é o caso da actividade de prestação de serviços de limpeza –, o factor determinante para se considerar a existência da mesma unidade económica é saber se houve manutenção do pessoal ou do essencial deste, na medida em que é esse complexo humano organizado que confere individualidade à empresa, e não tanto se se transmitiram, ou não, activos corpóreos. III – Constituem indícios da manutenção da “unidade económica” a transmissão de parte significativa dos efectivos da empresa, a natureza claramente similar da actividade prosseguida antes e depois da transmissão e a continuidade dessa actividade.
(…)” [sublinhado nosso]

3.2. Revertendo ao caso em apreço e tendo em conta as considerações tecidas no ponto anterior, impõe-se concluir não ter sido feita da factualidade necessária e suficiente no sentido da conclusão pretendida pela Recorrente, isto é, no sentido da existência de transmissão de estabelecimento para a Recorrida “D…”.
Com efeito, da matéria de facto provada resulta que:
“B) O Autor foi contratado para desempenhar as funções inerentes à categoria profissional de vigilante.
C) Tais funções eram prestadas por conta, sob as ordens, direção, instruções, autoridade e fiscalização da referida entidade patronal, aqui primeira Ré, sendo que, desde fins de junho de 2018, o trabalho era prestado nas instalações da E…, SA, em …, Maia.
E) A partir do dia 01 de Fevereiro de 2019 a Ré D… passou a efetuar serviço de vigilância das instalações da “E…, SA.”, em …, Maia.
H) Com data de 21/01/2019 a Ré C… enviou uma carta ao Autor informando-o que o serviço de segurança do cliente “E…, S.A.” tinha sido adjudicado por este cliente ao “D…” e que seria esta a assumir a prestação de serviço.
I) A Ré C… através da mesma carta declarou também cessado o contrato de trabalho celebrado com o autor com efeitos a partir de 31 de Janeiro de 2019, referindo ainda nessa carta “que a empresa D…, S.A., foi informada da lista dos trabalhadores a operar no estabelecimento E…, S.A. e informação necessária para os contratos de trabalho.”
J) O Autor, juntamente com outros seus colegas, apresentou-se por diversas vezes nos primeiros dias de fevereiro de 2019 nas instalações da “E…”, SA, sitas em …, Maia, para prestar o seu trabalho, tendo sido impedido pelo “D…”, que referia que não o reconhecia como seu trabalhador, que não tinha existido transmissão de estabelecimento e para se dirigir à “C…” que era a sua empregadora.
K) A “D…”, por carta datada de 12-2-2019, comunicou ao Autor “que não reconhecia a existência de qualquer fundamento legal, sob nenhuma perspetiva, que legitimasse a transmissão do contrato de trabalho” e que “rejeita qualquer responsabilidade sobre a relação laboral que V. Exª possui com a C…, não lhe reconhecendo, por tal não ser devido, a qualidade de trabalhador da empresa signatária da presente missiva”.
M) A “D…” manteve o mesmo número de vigilantes que a “C…” também alocava na prestação da atividade de segurança e vigilância nas instalações da E…, sitas na Maia.
N) A “C…” enviou uma carta ao “D…”, datada de 21 de janeiro de 2019 na qual nomeadamente referia que na sequência a esta da adjudicação de vigilância e segurança das instalações da “E…” considera que “estamos perante uma unidade económica que se transferiu para o novo operador o qual deve herdar, manter os postos de trabalho e respetivos contratos de trabalho dos vigilantes que prestam funções na E…” enviando em anexo uma lista de tais vigilantes, que incluía o Autor.
O) A “D…” enviou à “C…” uma carta, datada de 6 de fevereiro de 2019, na qual nomeadamente referia que “a situação em apreço não reveste as condições necessárias, por omissão de elementos essenciais, para sustentar a existência e/ou manutenção de uma unidade económica” e que não assumirá a posição de empregador relativamente aos trabalhadores identificados pela C….
P) A “E…”, por não se encontrar satisfeita com o serviço prestado pela “C…” e por pretender passar a ter um serviço distinto com monotorização das instalações, registo informático e uma equipa de vigilantes totalmente diferente, decidiu após pesquisa do mercado, adjudicar à D… a prestação de serviços de vigilância nas suas instalações sitas em …, na Maia e na …, no Seixal.
Q)Foi celebrado entre a “E…” e o “D…” o contrato de prestação de serviços de segurança integrada n.º …/18/CO, que começou a produzir efeitos em 1 de fevereiro de 2019.
R) Os serviços de segurança privada e vigilância humana, adjudicados ao “D…” passaram, por solicitação da E…, nos serviços de controlo de entrada, presença e saída de pessoas e viaturas, a serem assegurados de modo informatizado, através de registos em suporte digital, permitindo que a “E…” pudesse aceder à informação do registo de entradas e de saídas naquelas instalações, em tempo real.
S) Os dias e horas das rondas internas no edifício da “E…” efetuadas pelos vigilantes do “D…”, passaram a ficar registadas informaticamente, através de um sistema implementado por esta que permitia ao cliente “E…”, controlar quando essas rondas se tinham verificado.
T) Os registos das pesagens das mercadorias que os camiões transportavam para a “E…” da Maia, e que os vigilantes efetuavam fora do horário do expediente dos funcionários da “E…”, passaram a partir do momento em que o “D…” passou a exercer o serviço nessas instalações, a ser registado informaticamente, o que não sucedia anteriormente.
V) A informatização dos serviços de portaria exigiu que os vigilantes que os executam tivessem tido formação para o efeito, a qual foi dada pelo “D…”, tendo para tanto utilizado um programa informático que estava ligado em rede, criado pelo “D…” e pela “E…”, tendo o “D…” utilizado nessa tarefa o seu próprio equipamento informático.
W) A “C…” não transmitiu qualquer tipo de equipamento que lhe pertencesse ao “D…”, nem know-how, experiência, metodologias, processos ou informação, da “C…” relativamente à prestação da atividade de segurança privada e vigilância humana para a E….”

Ora, da referida matéria de facto decorre que, com excepção da prestação de serviços de vigilância no mesmo local e para o mesmo cliente [“E…”], nada mais foi transferido pela Recorrente à Recorrida, não tendo sido, designadamente, transferidos quaisquer bens ou equipamentos necessários à prossecução da actividade, nem tão pouco, mesmo que se tivesse em conta a maior amplitude do conceito de unidade económica no âmbito da prestação de serviços de limpeza, foram pelo “D…” assumidos quaisquer trabalhadores da Recorrente.
Acresce que nem mesmo a forma de prestação de actividade se manteve idêntica. Como se diz na sentença recorrida, a utilização de meios informáticos na prossecução da actividade, o que até então não sucedia, passou a assumir outra importância e relevo, nela se salientando não só o “controlo das rondas internas dos vigilantes do “D…” que até então não sucedia”, como o “registo informático das pesagens das mercadorias efetuadas pelos vigilantes” e “sobretudo (…) um novo paradigma no controlo informático das entradas de pessoas e mercadorias naquelas instalações permitindo à distância aos responsáveis da “E…” poderem aferir em tempo real, quem se encontrava no interior das suas utilizações.
Para tanto, era utilizado não só o equipamento informático trazido pelo “D…”, como também um programa informático desenvolvido propositadamente para esse efeito, tendo a co-ré “D…” dado formação aos seus trabalhadores para poderem efetuar esse serviço.”.
E, como decorre das considerações jurídicas já tecidas, os conceitos de unidade económica e de transmissão da mesma não se reconduzem apenas ao exercício da actividade, nem à continuação dessa actividade, no mesmo local e para o mesmo cliente/adjudicante.
Improcedem, assim, as conclusões do recurso.
***
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso confirmando-se a sentença recorrida.

Custas pela Recorrente.

Porto, 22.03.2021
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas
______________
(1) Incluindo esta Relação do Porto, designadamente nos Acórdãos de: 27.09.2010, Proc. 481/08.4TTMTS.P1 e de 11.09.2017, Proc. 6427/16.9T8PRT.P1, relatados pela ora relatora, ambos in www.dgsi.pt, nos quais estavam em causa a prestação de serviços de limpeza, as cujas considerações são transponíveis para o caso em apreço; de 21.10.2020, Proc. 4094/19.7T8PRT.P1, in www.dgsi.pt, no âmbito da prestação de serviços de vigilância e segurança, relator Nelson Fernandes.
(2) Citados na nota de rodapé 1.
(3) In http://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:62009CJ0463&from=PT
(4) http://curia.europa.eu/juris/showPdf.jsf;jsessionid=9ea7d0f130d540952e2e449d4faba9f4961ec727f80e.e34KaxiLc3eQc40LaxqMbN4OcheSe0?text=&docid=43769&pageIndex=0&doclang=PT&mode=lst&dir=&occ=first&part=1&cid=181087