Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2564/18.3T8AVR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MIGUEL BALDAIA DE MORAIS
Descritores: CAUSA DE PEDIR
PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
POSSE
Nº do Documento: RP202101252564/18.3T8AVR-A.P1
Data do Acordão: 01/25/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - As condições da ação- como o próprio nome indica - são os requisitos indispensáveis para ser julgada procedente a ação; para ser, portanto, concedida a providência judiciária solicitada pelo autor.
II - A primeira de todas estas condições é que o demandante tenha razão segundo o direito material, devendo, para tanto, a situação de facto por ele deduzida em juízo (espécie ou factualidade real) ter certa relação (de não coincidência ou coincidência, consoante se esteja ou não em presença de ação de simples apreciação negativa) com a hipótese de uma norma desse direito (espécie legal).
III - Nos prazos (especiais) de prescrição fixados nos artigos 482º e 498º do Código Civil, o respectivo dies a quo ocorre quando o lesado tenha obtido o conhecimento dos factos constitutivos do direito, isto é, dos factos cuja alegação e prova lhe incumbe fazer, nos termos do art. 342º, n.º 1 do Cód. Civil, para que, em abstrato, possa obter o vencimento da causa.
IV - Para que o autor possa beneficiar do efeito interruptivo da prescrição, previsto no n.º 2 do artigo 323.º do Código Civil, é necessário que (i) o prazo de prescrição ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da ação, (ii) a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias e (iii) o retardamento na efetivação desse ato não seja imputável ao autor.
V - A expressão «causa não imputável ao requerente», usada no artigo 323º nº 2 do Código Civil, deve ser interpretada em termos de causalidade objetiva, só excluindo a interrupção da prescrição quando o requerente tenha infringido objetivamente a lei em qualquer termo processual até à verificação da citação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 2564/18.3T8AVR.P1
Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, Aveiro, Juízo Central Cível - Juiz 1
Relator: Miguel Baldaia Morais
1º Adjunto Des. Jorge Miguel Seabra
2º Adjunto Des. Pedro Damião e Cunha
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Sumário
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

1. RELATÓRIO

B…, Ldª intentou a presente ação declarativa com processo comum contra C… e D.., na qual conclui pedindo a condenação destes no pagamento da quantia de €75.000,00, acrescida de juros moratórios, à taxa legal, desde a citação e até efectivo pagamento.
Para substanciar tal pretensão alega ter celebrado com os réus, em 27 de outubro de 1998, contrato de compra e venda que teve por objecto mediato o prédio rústico descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o nº 2099 e inscrito na respectiva matriz sob o artigo 3347, tendo, nessa ocasião, procedido ao pagamento da quantia de 15.000.000$00, correspondente à totalidade do preço acordado.
Acrescenta que posteriormente veio a ser confrontada com uma ação de reivindicação contra si proposta por E…, na qual esta alegava que parte do referido prédio rústico lhe pertencia, ação essa que foi julgada procedente.
Refere que os réus violaram o dever de boa-fé, omitindo as informações necessárias para que a autora pudesse saber a extensão e os limites do terreno que lhe venderam, sendo que, seja por aplicação do instituto da responsabilidade pré-contratual, seja por aplicação das regras do enriquecimento sem causa, estão aqueles constituídos no dever de lhe pagar a aludida importância a título de indemnização pelos danos que esse comportamento lhes ocasionou.
Citados os réus apresentaram contestação na qual, desde logo, se defendem por exceção dilatória, invocando a ineptidão da petição inicial. Sustentam igualmente que se regista falta de condições da ação, porquanto a causa de pedir aduzida pela autora não é suficiente para que o pedido por si deduzido prossiga.
Argumentam ainda que o direito que a autora pretende fazer valer na presente demanda se mostra prescrito, seja pelo decurso do prazo da prescrição ordinária estabelecido no art. 309º do Código Civil, seja pelo decurso do prazo de três anos fixado no n.º 2 do art. 227.º do Cód. Civil ou no art. 482.º do Cód. Civil.
Por último, advogam que o direito que a autora pretende fazer valer nesta ação se mostra extinto em virtude de não ter exercido a posse sobre o imóvel que adquiriu aos réus.
Respondeu a autora pronunciando-se pela improcedência das suscitadas exceções.
Realizou audiência prévia vindo aí a ser proferida a seguinte decisão: «Os Réus (RR.) na douta contestação que apresentaram, excecionam a nulidade de todo o processo, por ineptidão da petição inicial.
O n.º 1 do art. 186.º do C. de Processo Civil (CPC) sanciona com a nulidade de todo o processo a ineptidão da petição inicial. As alíneas do n.º 2 do mesmo art. 186.º estabelecem os casos em que a petição inicial é inepta.
Alegam os RR.: “a causa de pedir aduzida pela Autora (A.) não suporta o pedido por si deduzido” – artigo 1.º. Logo acrescentam, no artigo seguinte, o fundamento deste seu entendimento: “a Autora estriba a relação material controvertida numa ação que, pelos vistos, segundo refere, lhe tirou parte da área que alega lhe ter sido vendida pelos RR. e pede a restituição de uma verba próxima do preço que, à data, diz ter pago”.
Os RR. não dizem qual das alíneas do n.º 2 do art. 186.º do CPC dá suporte à ineptidão e também se não se vê qual seja.
Vendo bem os fundamentos de onde os RR. arrancam a ineptidão, o que estes fazem é impugnar de direito os fundamentos da ação. Como se sabe, nos termos da primeira parte do n.º 2 do art. 571.º do CPC, a impugnação pode ser de facto ou de direito. É impugnação de facto “quando contradiz os factos articulados na petição”; é impugnação de direito “quando afirma que esses factos não podem produzir o efeito pretendido pelo autor”.
Sendo a impugnação de direito (como é), a conclusão a tirar pelos RR. deveria ter sido a improcedência da ação. Nunca, a ineptidão da petição inicial. Ou seja, os RR. tiram dos factos que alegam uma conclusão que, ressalvado o devido respeito, nada tem a ver com o que alegam: se “a causa de pedir aduzida, pela A., não suporta o pedido por si deduzido”, os RR. deveria terminar por pedir a improcedência da ação (decisão de mérito), por inconcludência. Não pela ineptidão da petição determinante da absolvição da instância – art.s 576.º, n.º 2, e 577.º, alínea b), (ambos) do CPC.
Julgo, em consequência do exposto, improcedente esta exceção e, em resultado disso, que não existem nulidade que afetem o processo, total ou parcialmente (…).
Os RR. invocam as exceções seguintes: 1 – a falta de condição da ação; 2 – a prescrição ordinária de 20 anos de “eventual direito de que a A. fosse titular sobre os RR.”; 3– a prescrição de três anos seja do direito de indemnização – n.º 2 do art. 227.º do C. Civil –seja da restituição do preço por enriquecimento sem causa – art. 482.º do C. Civil; 4 - a posse.
Cumpre conhecer destas “exceções” (entre aspas porque algumas são verdadeiras exceções, mas outras nem tanto).
1. – Na “falta de condições da ação”, repetem os RR., expressamente (“pelo mesmo raciocínio exposto” – artigo 4.º da contestação), o que antes disseram para a ineptidão. E concluem, igualmente, que jamais a causa de pedir poderia levar ao pedido.
Sendo deste jeito, pelas razões já aduzidas, julgo improcedente esta pretensa exceção. “Pretensa” porque não cabe no rol que conhecemos das exceções materiais ou perentórias.
Cumpre acrescentar apenas o seguinte: as exceções materiais, em sentido próprio (onde não entram as objeções), são sempre contradireitos. A sua invocação pressupõe, obviamente, a existência de um direito, a que o contradireito é oposto, na titularidade da parte contrária. Se, no dizer dos RR., a A. não tem o direito, como lhes podem eles opor o contradireito?!
2. – A prescrição ordinária de 20 anos.
Esta prescrição, repetimos, é, no dizer dos RR., “de eventual direito de que a A. Fosse titular”.
A prescrição pode definir-se “como a extinção de direitos por efeito do seu não exercício dentro do prazo fixado na lei, sem prejuízo de se manter devido o seu cumprimento como dever de justiça”.
Nos termos do n.º 1 do art. 298.º do C. Civil, “estão sujeitos a prescrição, pelo seu não exercício durante o lapso de tempo estabelecido na lei, os direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos de prescrição”, como é o caso dos previstos no seu (do art.298.º) n.º 3.
A prescrição (digamos) extintiva não extingue os direitos ipso jure. Dá, sim, àquele a quem aproveita o direito de a invocar judicial ou extrajudicialmente – art. 303.º do C. Civil. Por isso é que, completado o prazo prescricional, o seu beneficiário tem “a faculdade de recusar a prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito” – n.º1 do art. 304.º do C. Civil
No entanto, se a prestação prescrita for realizada espontaneamente, o cumprimento foi validamente realizado, não permitindo a lei a sua invalidação – “não pode, contudo, ser repetida a prestação realizada espontaneamente em cumprimento de uma obrigação prescrita”– n.º 2 do art. 304.º do C. Civil. “Espontaneamente” significa livremente, sem qualquer coação.
Temos, assim, que “a prescrição não constitui uma causa de extinção do direito de crédito ou de indemnização. O que se dá é uma transformação da obrigação civil prescrita em obrigação natural” – artigo 402.º do C. Civil.
O direito que os RR. pretendem ver prescrito é o direito de indemnização por responsabilidade pré-contratual.
O prazo de prescrição ordinária de 20 anos do art. 309.º do C. Civil nunca poderia ter ocorrido. Com efeito, nos termos do n.º 1 do art. 306.º do C. Civil, o prazo só começa a correr quando o direito puder ser exercido. O que postula, naturalmente, que o direito exista realmente, ou por ser aceite pela parte contrária nos termos em que é reclamado ou por decisão judicial.
No caso presente, o prazo de caducidade do direito nunca poderia ser contado da datada escritura. Apenas poderia começar a correr da data em que ficou certo que o terreno comprado pela A. aos RR. não tinha a área que delimitaram com a cerca de arame e que era a que pensava ter comprado, o que só ficou acertado com o trânsito em julgado do douto Acórdão da Relação do Porto de 08/07/2015 (de fls. 37/58), que confirmou a sentença de fls.23/35. Se a presente ação foi proposta a 13/07/2018 e o douto Acórdão transitou em julgado a28/09/2015, nunca poderia, pois, à data da propositura desta ação, estar exaurido o prazo de prescrição ordinária.
Julgo, pois, improcedente esta exceção.
Pelas mesmas razões, não estão exauridos os prazos de 3 anos dos arts. 498.º e 482.ºdo C. Civil.
Pelo que igualmente improcede esta exceção.
3. Invocam os RR. a posse como exceção material perentória, exceção que desenvolvem nos artigos 21.º a 23.º da contestação, exceção que, desde já, avançamos, não conseguimos (a culpa é nossa de certeza) compreender.
Lidos e relidos estes artigos 21.º a 23.º da contestação, parece que os RR. vêm invocara usucapião, a favor da A., do terreno que esta lhes comprou com a área constante da matriz.
É uma tese deveras estranha, não se compreendendo como é que uma parte pode invocar a usucapião a favor da outra parte se esta a não invoca nem a faz valer.
A usucapião é uma faculdade concedida ao possuidor. Posse boa para a usucapião é aposse pública e pacífica.
A exceção invocada é uma exceção material; em termos processuais, é uma exceção perentória – primeira parte do n.º 1 com os efeitos do n.º 3 (ambos) do art. 576.º do CPC. “A exceção perentória pode definir-se, muito simplesmente, como um meio ou instrumento de defesa que origina uma questão suscetível de conduzir à improcedência total ou parcial do pedido”.
Não se entende é como os RR. podem converter uma faculdade da A. (a de invocar a usucapião) não exercida por esta em exceção perentória contra ela.
A invocação desta exceção é, face ao exposto e ressalvado o muito respeito, um clarononsense, pelo que a julgamos improcedente».
Inconformados com tal ato decisório, vieram os réus interpor o presente recurso, o qual foi admitido como apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.
Com o requerimento de interposição do recurso apresentaram alegações, formulando, a final, as seguintes
CONCLUSÕES:
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Não foram apresentadas contra-alegações.
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2. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO

O objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso – cfr. arts. 635º, nº 4, 637º, nº 2, 1ª parte e 639º, nºs 1 e 2, todos do Cód. Processo Civil.
Porque assim, atendendo às conclusões das alegações apresentadas pelos apelantes, são as seguintes as questões solvendas:
. da falta de condições da ação;
. da prescrição do direito da autora;
. da extinção do direito da autora por não ter exercido a posse sobre o imóvel que adquiriu aos réus.
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3. FUNDAMENTOS DE FACTO

A materialidade a atender para a decisão das questões colocadas no presente recurso é a que dimana do antecedente relatório, havendo ainda a considerar (por se mostrarem assentes por concordância das partes) os seguintes factos:
A) Por escritura de 27/10/1998, F… na qualidade de procuradora dos ora RR. C… e mulher D…, declarou vender à sociedade “B…, L.da”, que declarou comprar, por 15.000.000$00, já recebidos, o seguinte prédio: Terreno a eucaliptal, sito na L…, freguesia … – Aveiro, a confrontar, do norte, com G…, do sul, com herdeiros de H…, do nascente, com caminho e, do poente, com vala, inscrito na matriz sob o artigo n.º 3347 e, antes, sob o artigo n.º 6162, e descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o n.º 2099 e aí registado a favor de C… pela Inscrição G -1 – fls. 19/22.
B) Pela Escritura de doação e partilha de 02/09/1988, constante de fls. 86/101, I…, viúva de J…, falecido a 24/09/1987, no estado de casado com ela, em primeiras núpcias de ambos e segundo o regime de comunhão geral de bens, fez doação a C… e K…, filhos do casal, da meação e quinhão da herança por morte do marido.
A doação foi aceite pelos donatários, os quais, estando de acordo sobre o valor dos bens, os adjudicaram pela forma constante de fls. 89/90.
C) Entre os bens adjudicados ao ora R. C…, consta a Verba Número Doze (12) do seguinte teor:
Prédio rústico composto de terreno a eucaliptal, com a área de dois mil metros quadrados, sito na L…, a confinar, do norte, com C…, do sul, com herdeiros de H…, do nascente, com caminho e, do poente, com vala, inscrito na matriz sob o artigo n.º 6162.
D) Na matriz predial rústica da freguesia … – Aveiro, está inscrito sob o n.º3347, antes inscrito sob o artigo n.º 6162, sito na L…, o seguinte prédio que foi inscrito na matriz em 1960:
Eucaliptal, com a área de 2.000 m2, que confronta: do norte, com C…, do sul, com herdeiros de H…, do nascente, com caminho, e, do poente, com vala – fls. 176 v. e 183.
E) Sob o n.º 02099/160189, está descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro, o seguinte prédio:
Terreno a eucaliptal, com a área de 2.000 m2, sito na L… da freguesia de … – Aveiro, que confronta: do norte, com C…, do sul, com herdeiros de H…, do nascente, com caminho e, do poente, com vala; esteve inscrito na matriz sob o artigo n.º 6162 e, a partir de 15/12/1998, passou a estar inscrito sob o n.º 3347 – fls. 179.
F) Este prédio foi inscrito, pela Ap. 11/160189, a favor de C… e D…, por sucessão por morte de J1… e doação do cônjuge supérstite I1… – fls. 179 v..G) E, pela Ap. 14/151298, foi inscrito a favor de “B…, L.da”, por compra – fls. 179 v..
H) E… requereu contra a sociedade “B…, L.da”, providência cautelar de restituição provisória da posse da área de 4.437 m2, ou seja, metade do prédio da Requerente com a área de 9.200 m2, inscrito na matriz rústica sob o artigo n.º 6163 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Aveiro sob o n.º 487/291185, a qual (área) vedou com uma cerca de arame – fls. 159/170.
I) Na audiência de 13/11/2007, Requerente e Requerida fizeram a transação constante de fls. 171/173, na qual, ao que agora interessa, acordaram em manter os prédios sob litígio no estado em que se encontram, designadamente, com a vedação e árvores, até decisão na ação principal, comprometendo-se a Requerida a entregar à Requerente uma chave do portão implantado na vedação.
J) No seguimento desta providência, E… propôs contra a ora A. “B…, L.da”, a ação que correu termos sob o n.º 4897/07.0TBAVR, cujos articulados constam de fls. 112/142.
K) Esta ação terminou por sentença de 13/11/2014, que, reconhecendo “o direito de propriedade da ali A. E… sobre o imóvel supra descrito em 1, 5, 6, 7, 8, 9 e 19 a 21, condenou a (ali) Ré a restituir-lhe a área de 4.437 m2, incluindo as árvores ali existentes, por si abusivamente ocupada e delimitada com cerca de arame no sentido longitudinal, de nascente para poente, ao longo de toda a extensão da parte sul do prédio da A., procedendo à retirada, a expensas suas, das vigas de cimento e cercas de arame, abstendo-se de colocar entraves ao pleno gozo e fruição do imóvel pela A.” – fls. 35.
L) A mesma sentença julgou procedente o pedido reconvencional, mas apenas quanto à propriedade dos prédios comprados pela escritura de 27/10/1998.
M) O Tribunal da Relação do Porto, pelo Acórdão de fls. 37/58 (que transitou em julgado em 28.09.2015), confirmou a decisão da 1ª Instância antes transcrita em K).
N) A presente ação foi proposta em 13 de julho de 2018, tendo os réus sido citados em 20 de dezembro desse mesmo ano.
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4. FUNDAMENTOS DE DIREITO
4.1. Da falta de condições da ação

Sustentam os apelantes que, ao invés do que se decidiu no despacho recorrido, “a causa de pedir deduzida pela autora não é suficiente para que o pedido por si deduzido prossiga e, por isso, falecem à instância condições da ação”.
As condições da ação – como o próprio nome indica – são os requisitos indispensáveis para ser julgada procedente a ação; para ser concedida, portanto, a providência judiciária solicitada pelo demandante[1].
Como refere MANUEL DE ANDRADE[2] a primeira de todas estas condições «é que o demandante tenha razão segundo o direito material. Para tanto deve a situação de facto por ele deduzida em juízo (espécie ou factualidade real) ter certa relação (de não coincidência ou coincidência, consoante se esteja ou não em presença de ação de simples apreciação negativa) com a hipótese de uma norma desse direito (espécie legal)».
Em suma, a ação tem condições quando revela viabilidade à luz do direito substantivo, isto é, quando contém os requisitos necessários à sua procedência, à obtenção de uma decisão favorável ao autor, sendo que a probabilidade de obtenção desse resultado tem de resultar logo de início da petição inicial, sob pena de indeferimento por ser evidente que essa pretensão não pode proceder.
Isto posto, procedendo à exegese da petição inicial verifica-se que a demandante faz ancorar o pedido indemnizatório que aí aduz no facto de os réus, aquando da negociação e outorga do contrato de compra e venda que realizaram em 27 de outubro de 1998, terem violado deveres informacionais e de boa-fé (“mentindo” quanto às condições e características do prédio rústico objecto mediato desse negócio, “indicando erradamente a sua localização e as suas estremas, o que se veio a apurar não corresponder à verdade”), procurando arrimo jurídico para essa pretensão no instituto da responsabilidade pré-contratual, entre nós regulado no art. 227º do Cód. Civil.
Portanto, as circunstâncias de facto e de direito invocadas na referida peça processual legitimam[3] o estabelecimento da correspondência entre a materialidade aí articulada e a estatuição abstracta da norma de direito substantivo invocada em suporte do pedido formulado, sendo certo que, conforme se vem entendendo[4], a responsabilidade in contrahendo é igualmente aplicável às situações em que esteja em causa um contrato válido e eficaz com violação de deveres de conduta decorrentes da boa-fé.
Não se vislumbra, assim, que ocorra a invocada “falta de condições da ação”, improcedendo, pois, as conclusões A) e B).
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4.2. Da prescrição do direito da autora

Ainda no sentido de neutralizar o pedido indemnizatório que a autora contra eles direcciona (que, a título principal, filiou juridicamente no instituto da responsabilidade pré-contratual e, subsidiariamente, nas regras do enriquecimento sem causa), os réus defenderam-se invocando a prescrição desse direito, porquanto na data em que foram citados para os termos da presente ação já havia decorrido integralmente o prazo de prescrição ordinária estabelecido no art. 309º do Cód. Civil, e bem assim os prazos (especiais) fixados no nº 1 do art. 498º (ex vi do nº 2 do art. 227º) e no art. 482º do mesmo Corpo de Leis.
Na decisão recorrida julgou-se improcedente essa exceção perentória, por se ter considerado que na data em que os réus foram citados ainda não se tinha exaurido qualquer um desses prazos.
Os apelantes insurgem-se contra esse segmento decisório, sustentando que estando provado que o ajuizado contrato de compra e venda foi celebrado em 7 de outubro de 1998 e tendo os réus sido citados apenas em 20 de dezembro de 2018, nessa data já tinham transcorrido integralmente os referidos prazos prescricionais.
Que dizer?
Como é consabido, a prescrição assenta no reconhecimento da repercussão do tempo nas situações jurídicas, visando, no essencial, tutelar o interesse do devedor.
É um ponto discutido, mas segundo a doutrina dominante[5] o fundamento específico da prescrição reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo tido como razoável pelo legislador e durante o qual seria legítimo esperar o seu exercício, se nisso estivesse interessado[6]. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos o torna (o titular) indigno de protecção jurídica.
De acordo com o disposto no nº 1 do art. 298º do Cód. Civil estão sujeitos à prescrição “todos e quaisquer direitos que não sejam indisponíveis ou que a lei não declare isentos dela”, sendo que, uma vez completado o prazo prescricional, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer forma, ao exercício do direito prescrito (art. 304º, n.º 1, do Cód. Civil), desse modo, bloqueando e paralisando a pretensão do credor, na configuração de exceção perentória (art. 576º, n.º 3, do Cód. Proc. Civil).
Focando-nos, agora, no crédito indemnizatório reclamado na presente ação, a sua eventual prescrição está dependente da determinação do início da contagem dos referidos prazo prescricionais, no fundo, a verdadeira divergência que os apelantes manifestam em relação à decisão recorrida e cuja dilucidação constitui o nó górdio do recurso.
Como, a este respeito, sublinha MENEZES CORDEIRO[7], o início do prazo é inquestionavelmente «factor estruturante do próprio instituto da prescrição, dele dependendo, depois, todo o desenvolvimento subsequente, existindo, a tal propósito, no Direito comparado dois grandes sistemas: o objectivo e o subjectivo».
O primeiro «é tradicional, dá primazia à segurança e o prazo começa a correr assim que o direito possa ser exercido e independentemente do conhecimento que disso tenha ou possa ter o respectivo credor, sendo compatível com prazos longos». O segundo privilegia, porém, a justiça, iniciando-se o prazo apenas «quando o credor tiver conhecimento dos elementos essenciais relativos ao seu direito e joga com prazos curtos».
Entre nós o sistema objectivo foi adotado, como critério geral, no nº 1 do art. 306º do Cód. Civil[8], valendo, assim, para a prescrição ordinária contemplada no art. 309º.
A lei consagra, no entanto, critérios distintos para o início dos prazos prescricionais em determinadas situações, como ocorre, no que ao caso releva, nas hipóteses previstas nos arts. 482º e 498º, sendo que no nº 1 deste último normativo se estabelece(em termos, aliás, coincidentes com a redacção do primeiro) que “[o] direito prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete, embora com desconhecimento da pessoa do responsável e da extensão integral dos danos, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respectivo prazo a contar do facto danoso”.
Decorre do transcrito inciso que o direito indemnizatório fica sujeito a dois prazos, que correm autónoma e paralelamente: o prazo ordinário, de vinte anos (cfr. art. 309º), que se conta a partir do facto danoso; e um prazo de curta duração, que se conta a partir do conhecimento do direito pelo lesado.
Sobre o significado da expressão «conhecimento do direito» têm sido apresentadas na doutrina pátria essencialmente duas conceções.
De acordo com uma conceção, que poderemos designar normativista, a referida expressão compreende o conhecimento do direito enquanto direito, ou seja, o conhecimento por parte do lesado de que se encontra juridicamente habilitado a exigir de terceiro o ressarcimento dos danos causados. Tal conceção corresponde ao pensamento originário de VAZ SERRA[9], que defende que “quem não tem esse conhecimento – entenda-se, de que o direito à indemnização é juridicamente fundado – não sabe se pode exigir a indemnização, não se achando, portanto, nas condições que constituem a razão de ser da prescrição de curto prazo”.
Em sentido diverso, depõe o entendimento, que poderemos designar realista, segundo o qual conhecimento do direito significa o conhecimento dos pressupostos que condicionam a responsabilidade civil, ou seja, por outras palavras, o conhecimento dos factos constitutivos do direito indemnizatório, independentemente da consciência da valoração jurídica que sobre eles impende[10].
Em causa encontra-se, pois, a questão de saber contra ou a favor de quem deve correr a ignorância ou a incerteza do lesado quanto à fundamentação jurídica do seu direito, questão essa que tem sido predominantemente respondida na jurisprudência[11] em conformidade com a posição sustentada pela conceção realista, ou seja, no sentido de que a expressão conhecimento do direito significa o conhecimento dos elementos de facto relevantes para a atribuição de responsabilidade a um terceiro.
Na esteira desse entendimento considera-se, pois, que nos prazos (especiais) de prescrição fixados nos arts. 482º e 498º o respectivo dies a quo ocorre quando o lesado tenha obtido o conhecimento dos factos constitutivos do direito, isto é, dos factos cuja alegação e prova lhe incumbe fazer, nos termos do art. 342º, n.º 1 do Cód. Civil, para que, em abstrato, possa obter o vencimento da causa.
Assim, a prescrição inicia-se quando o lesado tenha obtido um conhecimento completo sobre os pressupostos da responsabilidade civil, revelando-se o conhecimento parcial insuficiente para que o prazo de prescrição se inicie. Se o conhecimento do direito sobrevier segmentado em distintos momentos temporais, apenas o momento em que o mesmo se encontre completo pode determinar o início da prescrição.
Transpondo tais considerações para o caso sub judicio, temos que enquanto o dies a quo do prazo de prescrição ordinária se verificou com a celebração do ajuizado contrato de compra e venda, já em relação aos demais prazos especiais o seu início ocorreu com o trânsito em julgado (rectius, no dia seguinte a esse trânsito - arts. 296º e 279º, b), do Cód. Civil -, ou seja em 29.09.2015) da sentença proferida no processo que, sob o nº 4877/07.0TBAVR, correu seus termos pelo Juízo Central Cível de Aveiro, que reconheceu que uma área de 4.437 m2 não fazia parte do prédio rústico que constituiu objecto mediato do contrato de compra e venda firmado entre as partes. Portanto, somente a partir desse momento estaria a autora em condições de accionar judicialmente os vendedores por violação de deveres informacionais, posto que apenas nessa data ficou definitivamente adquirido que o imóvel não tinha a área que, afinal, os vendedores haviam declarado que o mesmo possuía.
Significa isto que, in casu, sendo o prazo prescricional (trienal) a convocar o que se mostra estabelecido no nº 1 do art. 498º (ex vi do nº 2 do art. 227º, ambos do Cód. Civil) e no art. 482º, o respectivo dies ad quem ocorreria no dia 30 de setembro de 2018.
Defendem os apelantes que, tendo apenas sido citados para os termos da presente ação em 12 de dezembro de 2018, o aludido prazo trienal já se havia exaurido sendo que, contrariamente do que se sustentou na decisão recorrida – que considerou que a prescrição se interrompeu no cinco dia subsequente à datada propositura da presente acção (12 de julho de 2018) -, não pode, no caso, ser aplicada a ficção vertida no nº 2 do art. 323º do Cód. Civil, porquanto a citação somente não se realizou porque a autora indicou incorrectamente que os réus teriam a sua residência na Rua …, .., no …, …, Aveiro, quando não podiam desconhecer que os mesmos tinham antes o seu domicílio nos Estados Unidos da América, como constava da escritura pública que titulou o contrato de compra e venda celebrado entre as partes.
Vejamos.
De acordo com o regime previsto nos arts. 323º, nº 1 e 326º, nº 1, do Cód. Civil, a prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer ato que exprima, direta ou indiretamente, a intenção de exercer o direito, inutilizando-se todo o prazo decorrido anteriormente e começando a correr novo prazo a partir do ato interruptivo.
Acrescenta o nº 2 do primeiro normativo citado que “[s]e a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias”.
Desta norma decorre que o efeito interruptivo da prescrição pressupõe a verificação de três requisitos: i) que o prazo de prescrição ainda esteja a decorrer e assim se mantenha nos cinco dias posteriores à propositura da ação; ii) que a citação não tenha sido realizada nesse prazo de cinco dias; iii) que o retardamento na efetivação desse ato não seja imputável ao autor.
Importa notar que o nº 2 do artigo 323º, não prorroga o prazo prescricional por um período de cinco dias; consagra sim um regime especial de interrupção da prescrição sempre que a mesma deva ocorrer através da citação.
Assim é que nele se estabelece um prazo - de cinco dias desde a propositura da acção -que se ficciona legalmente como necessário para a realização da citação ou notificação. Mas, para poder beneficiar desse prazo, o autor, para além de evitar que o retardamento da citação lhe possa ser imputável, tem que requerer a citação (seja prévia ou não) antes de cinco dias do termo do prazo de prescricional.
Deste modo, como bem sublinham PIRES DE LIMA/ANTUNES VARELA[12], «se a citação ou notificação é feita dentro dos cinco dias seguintes ao requerimento, não há retroactividade quanto à interrupção da prescrição. Atende-se, neste caso, ao momento da citação ou notificação. Se é feita posteriormente, por causa não imputável ao requerente, considera-se interrompida passados cinco dias (…). Se a culpa da demora é do requerente, atende-se ao momento da citação ou notificação».
Quanto a esta imputabilidade é entendimento pacífico na jurisprudência do STJ[13] que a conduta do requerente só não exclui a interrupção da prescrição quando tenha infringido objectivamente a lei em qualquer termo processual até à verificação da citação, sendo que a expressão causa não imputável ao requerente, usada no art. 323º, nº 2 do Cód.Civil, deve ser interpretada em termos de causalidade objectiva, só excluindo a interrupção da prescrição quando tenha infringido objectivamente a lei em qualquer termo processual até à verificação da citação.
De igual modo, como se escreve no citado acórdão do STJ de 29.11.2016 «deve, por outro lado, afastar-se o entendimento de que, em razão de o autor não se ter socorrido de actos ou diligências aceleratórias que, porventura, a terem sido adoptadas, poderiam permitir um curso mais célere do processo na sua fase liminar, não poder beneficiar do dito regime (consagrado no nº 2 do art. 323º), já que essas diligências constituem uma faculdade e não um dever ou ónus do autor. Neste sentido referiu-se no acórdão do STJ de 20-06-2012 que “… a resposta à questão colocada é negativa: não se perscrutando nos autos a imputação objectiva à conduta das autoras de violação de preceito processual, a simples omissão de um acto facultativo que tanto pode justificar como não a recusa do acto de citação, não pode ter o efeito obstativo da interrupção da prescrição, conforme pretende a ré e decidiu o acórdão recorrido. Não é essa a linha de interpretação do disposto no art. 323.º, n.º 2, do CC».
Isto posto, descendo ao caso dos autos, temos que a autora intentou a presente ação cerca de dois meses e meio antes do termo do referido prazo de prescrição, tendo fornecido como morada dos réus, precisamente, o endereço que estes indicaram na escritura pública que ficou a documentar o negócio entre eles aí formalizado.
Não se vê, pois, que no caso em apreço a falta de citação no tempo devido possa ser imputada à autora, sendo de ressaltar, de qualquer modo, ser incumbência da secretaria promover oficiosamente, sem necessidade de despacho prévio, as diligências que se mostrem adequadas à efetivação da regular citação pessoal do réu e à rápida remoção das dificuldades que obstem à realização do ato (cfr. art. 226º, nº 1 do Cód. Processo Civil). Ou seja, estabelece este dispositivo a oficiosidade da citação, segundo a qual a secretaria deve promover, por iniciativa própria, todas as diligências e atos necessários à realização da citação pessoal do réu.
Nesta conformidade beneficia a autora da interrupção da prescrição a que alude o nº 2 do dito artigo 323º, improcedendo, por isso, as conclusões C) a L).
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4.3. Da falta de exercício da posse como facto extintivo do direito a que a autora se arroga nestes autos

Nos artigos 21º a 23º da contestação que apresentaram no presente processo os réus alegaram:
. “A compra e venda [celebrada entre as partes] foi outorgada por escritura pública em 27.10.1998, sendo, por isso, desde então, a posse da autora titulada, pelo que” (art. 21º);
. “a aquisição originária do seu direito por usucapião se deu volvidos 15 anos, ou seja, em 27.10.2013 e, até esse momento, nunca a autora instou os réus ao que quer que fosse e, se não possuiu como devia o que adquiriu, só dos seus atos (omissivos) se pode queixar, que não de qualquer atitude ou postura dos vendedores ora réus, isto é” (art. 22º);
. “se deixou, como pelos vistos parece ser o caso, que outrem possuísse a parcela que diz ter comprado aos réus, nenhuma responsabilidade nisso eles têm, porquanto, desde que foi outorgada a escritura que a posse da autora passou a ser titulada e, por isso, volvidos 15 anos, terminou, se por outra razão não fosse, a responsabilidade dos réus, pelo que, igualmente, por esta razão, se mostra extinto pelo decurso do tempo eventual direito de que a autora pudesse ser titular, o que se invoca” (art. 23º).
Nesse articulado de defesa os réus qualificam a factualidade transcrita como exceção peremptória que, na sua perspectiva, conduzirá à “extinção pelo decurso do tempo do eventual direito” que a autora pretende fazer valer na presente demanda.
No despacho recorrido o juiz a quo julgou improcedente tal exceção por considerar que os réus “não podem converter uma faculdade da autora (a de invocar a usucapião) não exercida por esta em exceção peremptória contra ela”.
Os apelantes rebelam-se contra esse sentido decisório com o argumento de que “se o possuidor pode invocar em seu favor o decurso do tempo conducente à sua aquisição originária, aquele que deixa de ser possuidor (no caso os réus) pode, igualmente, invocar o decurso desse mesmo prazo em desfavor do possuidor (…) se não possuiu como devia o que adquiriu”.
Como deflui dos arts. 571º, nº 2 in fine e 576º, nº 3, a defesa por exceção peremptória consiste na alegação de factos impeditivos, modificativos ou extintivos do efeito jurídico visado pelo autor, e tem como consequência a absolvição, total ou parcial, do pedido.
Neste tipo de defesa, a atitude do réu não se traduz em refutar os factos articulados pelo autor. O que sucede é que o réu traz ao processo factos novos que se revelam impeditivos da válida e eficaz constituição do direito invocado pelo autor, ou que, admitindo tal constituição, implicam a alteração desse direito, continuando o mesmo a existir (mas com outros contornos) ou, finalmente, factos que provocam a extinção do direito, o que significa que o autor não pode tirar proveito dele.
Em qualquer dos casos, o que acontece é a alegação de uma circunstância fáctica nova que, no contexto da ação, terá de ter a virtualidade de neutralizar, em maior ou menor grau, o pedido formulado pelo autor.
Assim sendo, resulta claro que a descrita materialidade não pode ser catalogada como exceção (material) peremptória, não se vislumbrando em que medida esse substrato fáctico possa constituir, à luz do direito substantivo, facto modificativo, impeditivo ou extintivo do direito da autora; nem os apelantes o concretizam, limitando-se a alegar, genericamente, que “podem invocar o decurso do tempo conducente à aquisição originária em desfavor do possuidor”, o que, salvo o devido respeito, não representa argumentação com real consistência jurídica, sendo certo que o não uso do direito de propriedade pelo seu titular não constitui um modo de extinção do mesmo, como resulta evidenciado pelo regime vertido, entre outros, nos arts. 298º e 1313º do Cód. Civil.
Improcede, por conseguinte, a conclusão M).
***
5. DECISÃO

Pelos fundamentos acima expostos, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação em julgar a apelação improcedente, confirmando a decisão recorrida.
Custas a cargo dos apelantes.

Porto, 25.1.2021
Miguel Baldaia Morais
Jorge Seabra
Pedro Damião e Cunha
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[1] Relativamente a esta matéria é comum estabelecer-se um distinguo entre pressupostos processuais e condições da ação. Assim, enquanto os pressupostos processuais constituem os requisitos essenciais para que o juiz se possa pronunciar sobre o mérito da causa, condenando ou absolvendo o réu do pedido, já as condições da ação são os requisitos indispensáveis à procedência da ação. Dito de outro modo, as condições da ação são os requisitos necessários, para a procedência da ação, para uma sentença favorável, enquanto que os pressupostos o são tanto da sentença favorável, como desfavorável.
[2] in Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 74; em idêntico sentido se pronunciam, entre outros, ANTUNES VARELA etalii, in Manual de Processo Civil, 2ª edição, Coimbra Editora, págs. 105 e 134 e ANSELMO DE CASTRO, in Direito Processual Civil Declaratório, vol. II, 1982, Almedina, págs. 7 e seguintes.
[3] Afirmação que não é posta em crise pelo facto de, no ínterim, o juiz a quo ter dirigido à autora convite para aperfeiçoamento no sentido de melhor densificar faticamente a materialidade atinente aos concretos danos de que pretende ser ressarcida através da propositura da presente demanda.
[4] Cfr. sobre a questão, entre outros, FERREIRA DE ALMEIDA, in Contratos – Conceito, fontes e formação, vol. I, 4ª edição, Almedina, págs. 207 e seguintes, MENEZES CORDEIRO, in Tratado de Direito Civil Português – Parte Geral, Tomo I, 3ª edição, Almedina, págs. 510 e seguintese MOURA VICENTE, Culpa na formação dos contratos, in Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da Reforma de 1977, vol. III, 2007, Coimbra Editora, págs. 266 e seguintes.
[5] Cfr., por todos, MENEZES CORDEIRO, in Tratado de Direito Civil, vol. V, 2ª edição revista e actualizada, Almedina, págs. 154/155, PEDRO PAIS DE VASCONCELOS, in Teoria Geral do Direito Civil, 6ª edição, Almedina, pág. 380 e seguintes, ALMEIDA COSTA, in Direito das Obrigações, 12ª edição, Almedina, pág. 1123.
[6] Na doutrina vem sendo ainda alinhadas outras razões para justificação do instituto prescricional, assim sintetizadas: i) a certeza ou segurança jurídica, a exigir que as situações de facto que se constituíram e prolongaram por muito tempo, sobre a base delas se criando a expectativa e organizando planos de vida, se mantenham, não podendo ser atacadas por antijurídicas; ii) a protecção dos obrigados, especialmente os devedores, contra as dificuldades de prova, a que estariam expostos no caso do credor vir exigir o que já haja, porventura, recebido; iii) a pressão ou estímulo educativo sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício ou efectivação, quando não queiram abdicar deles.
[7] Ob. citada, pág. 202.
[8] Onde se preceitua que “[a] prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido”.
[9] In Prescrição do direito de indemnização, BMJ, n.º 87, págs. 43 e seguintes.
[10] Neste sentido, entre outros, ANTUNES VARELA, in Das Obrigações em Geral, vol. I, 9ª edição, Almedina, págs. 625 e seguinte e ALMEIDA E COSTA, in Direito das Obrigações,12ª edição, Almedina, pág. 515.
[11] Cfr., inter alia, acórdãos do STJ de 18.04.2002 (processo nº 02B950) e de 22.09.2009 (processo nº 180/2002), acessíveis em www.dgsi.pt.
[12] In Código Civil Anotado, vol. I, 4ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, págs. 290 e seguinte.
[13] Cfr., por todos, acórdãos de 29.11.2016 (processo nº 448/11.5TBSSB-A.E1.S1), de 3.02.2011 (processo nº 1228/07.8TBAGH.L1S1) e de 14.05.2002 (processo nº 02A1159), acessíveis em www.dgsi.pt.