Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1822/16.6T8AGD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: REJEIÇÃO DE RECURSO
CONCLUSÕES
Nº do Documento: RP201803081822/16.6T8AGD-A.P1
Data do Acordão: 03/08/2018
Votação: MAIORIA COM 2 DEC VOT
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REJEITADA
Indicações Eventuais: 3ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º126, FLS.210-220 VRS.)
Área Temática: .
Sumário: I - A reprodução integral e ipsis verbis do alegado no corpo das alegações, mesmo que seguida da menção de “conclusões” não traduz a formulação de conclusões nos termos exigidos pelo n.º 1 do artigo 637.º do Código de Processo Civil.
II - Havendo esse procedimento de ser equiparado a ausência de conclusões, deverá ser logo rejeitado o recurso, sem lugar a prévio despacho de aperfeiçoamento, nos termos do artigo 641.º, n.º1, al. b) do CPC.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 1822/16.6T8AGD-A.P1
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo de Execução de Águeda

Relatora: Judite Pires
1º Adjunto: Des. Aristides de Almeida
2ª Adjunta: Des. Inês Moura

Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO.
1. B…, por apenso à execução que Banco C…, S.A. instaurou contra D…, E…, reclamou crédito no valor de 80.000,00€, titulado por escritura de constituição de hipoteca constante de fls. 4, v.º e seguintes.
O exequente deduziu impugnação, alegando, em síntese, que a escritura que suporta a reclamação de créditos não comprova o crédito nela titulado de 80.000,00€, não traduzindo uma confissão de dívida, porquanto os reclamados não se reconhecem expressamente como devedores de tal quantia, não sendo, por outro lado, plausível que o reclamante tenha emprestado 80.000,00€ aos executados nos últimos dez anos sem que haja qualquer documento a titular tal importância.
Em sede de resposta à impugnação, o credor reclamante alegou que emprestou várias quantias, durante 10 anos, aos reclamados, dada a relação de confiança e de amizade que os unia.
Acrescentou que quem apontava as quantias era o executado, primeiro em papéis e mais tarde através do aceite de letras que nunca foram endossadas ao Banco, razão pela qual não tem extratos bancários quanto ao levantamento daquelas quantias, até porque recebe valores muito altos em numerário, em resultado do exercício da sua profissão de médico oftalmologista.
Referiu ainda que procederam à celebração da escritura a pedido do executado, que assim pretendia garantir o pagamento da quantia que lhe devia.
Realizada audiência prévia, nela foi identificado o objecto do litígio, foi fixado o tema da prova e designada data para a realização da audiência de julgamento.
Após realização da audiência de julgamento, foi proferida sentença que julgou não reconhecido o crédito reclamado por B….
2. Inconformado com essa decisão, dela interpôs o reclamante recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes “conclusões”:
A) O Tribunal a quo, com o devido respeito, incorreu em erro notório na apreciação das provas produzidas nos autos ao considerar não provado o único ponto (1) constante do tema de prova da douta sentença recorrida que, por via do presente recurso, se impugna, e que contraria a análise que a Meritíssima Juiz fez dos depoimentos prestados em sede de audiência final e referidos na douta fundamentação de facto. Assim,
B) No que diz respeito à impugnação da matéria de facto que, por via deste recurso, se impugna, o apelante entende que não foram analisadas e valoradas corretamente, por parte da Meritíssima Juiz a quo, os documentos juntos aos autos pelas partes, designadamente, a escritura pública e elementos documentais dos autos, bem como a prova testemunhal, designadamente, os depoimentos das testemunhas F… e G…, e a prova por confissão, produzida pelo depoimento de parte prestado pelo executado/ reclamado marido D… – todos estes depoimentos prestados na audiência de julgamento do dia 4 de Outubro de 2017 e gravados na aplicação informática em uso no Tribunal, e cuja transcrição se junta, como documento n.º 1, e se dá aqui por integralmente reproduzida para todos os devidos e legais efeitos.
C) Com efeito, foi indicado pela Meritíssima Juiz a quo o singular tema de prova: “Da entrega do valor total de 80.000,00€ pelo credor reclamante aos executados”, aquando da Audiência Prévia, ocorrida em 8 de Junho de 2017.
D) A Meritíssima Juiz a quo, deu como provados, à sua douta sentença, os seguintes pontos que se transcrevem:
a. Em 22 de setembro de 2014, o credor reclamante [ora apelante] e os reclamados celebraram uma escritura denominada de constituição de hipoteca;
b. Na referida escritura, o credor reclamante e os reclamados declararam o seguinte na cláusula primeira:
“O Primeiro Outorgante (o credor reclamante), durante os últimos dez anos, por inúmeras vezes emprestou aos Segundos (os reclamados) quantias, que nesta data se elevam ao montante total de 80.000,00, que estes receberam e se obrigam a pagar no prazo máximo de quinze anos a partir desta data.”
c. E na segunda cláusula “O capital referido no número anterior foi entregue aos segundos outorgantes por várias vezes e em numerário.”
d. E as partes acordaram o seguinte na cláusula terceira: “Durante os próximos dois primeiros anos de reembolso da quantia mutuada, o primeiro outorgante não reclama dos segundos qualquer quantia a título de capital ou taxa de juros, desde de que, sobre os imóveis abaixo identificados dados como garantia não incidam, para além dos que hoje possam eventualmente existir, quaisquer ónus ou encargos futuros.
e. Na cláusula quarta ficou acordado que: “os segundos outorgantes obrigam-se a pagar o montante de capital e juros, a partir do terceiro ano, a contar da presente data (fim do período de carência), da seguinte forma:
i) A partir do terceiro ano do reembolso do empréstimo, incidirá a taxa de juro anual de 1,5 % sobre montante que na data do pagamento dos juros estiver em dívida para com o Primeiro Outorgante;
ii) A partir do décimo quinto ano de reembolso e até que se verifique integralmente o pagamento da totalidade do capital e juros acima descritos, incidirá a taxa de juro anual indexada à vigor, acrescida da taxa de juro anual de 5% sobre o montante que na data do pagamento dos juros estiver em dívida para com o Primeiro Outorgante.”
f. “O pagamento do capital e juros é feito em duodécimos, nos dias 15 de cada mês, com início no dia 1 de outubro de 2016, diretamente ao Primeiro Outorgante contra a entrega de recibo.” – Cláusula 5ª da escritura.
g. A cláusula nona da referida escritura indica os imóveis sobre os quais foi constituída hipoteca para garantia do pagamento do valor de 80.000,00€, a saber:
1.º- fração autónoma designada pela letra N, Bloco …, sita em Águeda, …, inscrita na matriz predial sob o artigo 3431 e descrita na Conservatória do Registo Predial de Águeda sob o nº 379;
2.º- fração autónoma designada pela letra B, garagem na cave;
3.º- fração autónoma designada pela letra J, garagem na cave;
4.º- fração autónoma designada pela letra L, garagem na cave;
5.º- fração autónoma designada pela letra Q, garagem na cave, todas do prédio sito na Rua …, em Águeda, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3794 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Águeda sob o nº 382.
h. Os imóveis referidos em G) foram penhorados à ordem dos autos de execução a que estes autos correm por apenso em 06.12.2016.
i. Para garantia do pagamento do crédito exequendo, titulado pela livrança, cujo 
original se encontra junto a fls. 7 dos autos principais.
j. Livrança essa com o Porto, como local de emissão, a data de emissão de 
13.06.2016, o valor de 52.381,10€, data de vencimento de 20.06.2016, figurando como subscritora da mesma a sociedade H…, Lda.
k. No verso da livrança e a seguir às expressões “Bom para aval”, encontram-se apostas as assinaturas dos executados/reclamados.
E) Tendo sido, singularmente, dado como não provado o facto: “o credor reclamante entregou aos reclamados, nos dez anos anteriores à celebração da escritura referida em A) o valor de 80.000€”.
F) Da análise do tema de prova e seguindo-o conforme descrito, não se poderia sem mais dar como não provado o facto vertido na douta sentença proferida pelo Tribunal a quo, senão vejamos,
G) Quanto aos factos dados como provados, considerou a Meritíssima Juiz a quo, terem os mesmos ficado demonstrados pelos documentos autênticos juntos aos autos, nomeadamente, a escritura pública de mútuo e hipoteca, bem como a forma de 
pagamento por parte dos devedores da quantia que lhes havia sido emprestada, celebrada entre os executados/ reclamados e o reclamante/ apelante, bem como ao auto de penhora, e livrança que serve de título de execução aos autos principais de execução, onde os presentes correm por apenso.
H) Relativamente ao único ponto dado como não provado, doutamente considerou a Meritíssima Juiz a quo, não ter sido encontrada prova que demonstrasse a entrega de tal valor pelo reclamante/apelante aos reclamados/ executados.
I) Ora o apelante e os executados/ reclamados celebraram uma escritura de hipoteca, em 22-09-2014, por onde, publicamente, estes confessaram que aquele, durante os últimos dez anos, por inúmeras vezes emprestou a estes quantias, que naquela data se elevavam ao montante global de €80.000,00 (oitenta mil euros), que estes receberam e se obrigaram a pagar àquele, no prazo máximo de quinze anos a partir da data em que foi outorgada tal escritura, segundo as condições nela previstas e que estão a respeitar.
J) Ficou acordado entre as partes um período de carência de capital e juros de 2 anos, na condição de não incidirem sobre os bens imóveis objeto da hipoteca referida quaisquer outros ónus ou encargos para além do que foi constituído por essa escritura ou outros que já estivessem, nessa data, registados.
K) Tendo os reclamados/ executados se obrigado a reembolsar o capital em dívida e juros à taxa contratualizada a partir do terceiro ano, ou seja, a partir do dia 22 de Setembro de 2017, nos termos e condições previstas nas cláusulas 4ª, 5ª, 6ª e 7ª da escritura a fls. Ora
L) Aquando da apresentação da reclamação pelo apelante aos presentes autos, os reclamados/ executados não haviam procedido ao pagamento do valor objeto da escritura de hipoteca, ainda que estivessem no período de carência acordada, contudo, e uma vez que sobre os imóveis objecto da hipoteca incidiam penhoras objecto dos presentes autos, haviam, assim, os reclamados/ executados incumprido com o disposto na parte final da cláusula terceira da escritura a fls.
M) Assim, atendendo ao facto de o apelante/ reclamante, ser credor dos reclamados/ executados, e por gozar de garantia real sobre os imóveis penhorados à ordem dos autos de execução e supra identificados, e ainda,
N) Por ter sido o apelante/ reclamante devidamente citado pela Ex.ma Sra. Agente de Execução, nos termos dos artigos 786º n.º 1 alínea b) e 788º, ambos, do Código de Processo Civil, para reclamar o pagamento do crédito com garantia real sobre os imóveis penhorados e supra identificados,
O) Pretendeu o apelante que fosse o seu crédito reconhecido e devidamente graduado com os demais credores daqueles executados/ reclamados.
P) Vê-se, portanto, que o apelante veio corretamente caraterizar o seu crédito, demonstrando, devidamente, o seu valor, a sua exigibilidade, liquidez e certeza jurídica, porquanto resulta de um documento notarial autêntico, que é também exequível, cfr. artigo 788.º, n.º 2 do C.P.C.,
Q) Donde foi tal requerimento de reclamação de créditos aceite e doutamente apreciado.
R) Tendo sido claramente demonstrado que a referida escritura pública, ao fazer prova plena da declaração confessória dos reclamados/ executados, nos termos do disposto no artigo 358.º, nº 2, do Código Civil, deveria ter-se reconhecido, sem mais, tal crédito do apelante.
S) Sucede que, e não obstante ter sido provada a constituição e exequibilidade do crédito sub iudice do apelante,
T) Mesmo não tendo o exequente Banco vindo impugnar o crédito do apelante com base na genuinidade ou vício da vontade dos outorgantes de tal escritura pública, que pudesse colocar em crise a perfeição da declaração confessória dos reclamados/ executados ali constante, e
U) Mais tendo as testemunhas e o reclamado/ executado marido dito que o apelante havia emprestado as quantias em questão, nos moldes exatos que constam da escritura, entendeu o Tribunal a quo, todavia, não reconhecer tal crédito.
V) Ora, o apelante demonstrou, com a prova apresentada – testemunhal e por confissão – que é médico oftalmologista, já com 35 anos de carreira e que foi diretor do serviço de Oftalmologia do Hospital I… e que tem consultórios em …, …, …. e …, que conhece e é um grande amigo do executado/ reclamado, há mais de 21 anos,

W) Atendendo a tal relação de confiança, e porque o apelante sabia o grande património que o executado/ reclamado possuía, emprestava-lhe o dinheiro para este fazer face à sua vida comercial, pois era sócio, primeiro em duas e depois em 3 sociedades, nomeadamente na H…, Lda., J…, Lda., ambas com sede em …, Águeda, e H1…, Lda., com sede em …, Coimbra – tudo tendo sido demonstrado pela mesma prova testemunhal e por confissão.
X) Ficou também demonstrada (com a prova testemunhal e por confissão) a dificuldade económica das referidas empresas, que levariam à sua liquidação e encerramento, bem como, das reuniões que os sócios das mesmas tiveram com os bancos, e a aflição diária em que o executado/ reclamado marido estava ao ponto de recorrer ao apelante, quase numa base mensal, para que lhe pudesse emprestar quantias variáveis.
Y) Foi demonstrado ainda que o executado/ reclamado não tinha outros rendimentos, nem linhas de crédito, que lhe permitissem avançar com dinheiro, seu ou dos bancos, para fazer face às dificuldades financeiras das empresas,
Z) Ademais, não só a confissão do executado/ reclamado, mas também a testemunha G…, demonstraram claramente as dificuldades financeiras das empresas, e a única salvação que encontraram com recurso à disposição do apelante em emprestar quantias de dinheiro que iam sendo pedidas pelo executado/ reclamado,
AA) Disse também a testemunha F… que: “Porque várias vezes ele, portanto eu estou semanalmente, duas ou três vezes com ele [apelante], o D…, e ele... pronto, muitas vezes, é pá estou aflito, tenho que arranjar x, dois mil euros para pagar o IVA, para pagar o material, quer dizer ...e falava nisso”.
BB) Foi também demonstrado que, apesar de o executado/ reclamado não ter outros rendimentos, conseguia apresentar dinheiro às sociedades que, por norma, era integrado a título de suprimentos ou utilizado para pagar diretamente a fornecedores que haviam cortado o crédito – dinheiro este que não podia vir de outra fonte senão da mão do apelante.
CC) Foi ainda demonstrado, à saciedade, com a prova testemunhal e por confissão, que o apelante tinha, e felizmente tem, capacidade financeira e disponibilidade económica para efetuar tal empréstimo aos executados/ reclamados,
DD) Mais tendo sido exposto que os valores que iam sendo mutuados eram entregues ao executado/ reclamado em numerário – tal justificando-se com o facto de o apelante, enquanto médico de clínica, felizmente, ter muitos pacientes nas consultas que presta nos seus consultórios e, normalmente, estas e os exames que são necessários fazer, são pagos em numerário, raramente em cheque e poucas vezes por transferência bancária.
EE) Todos estes referidos factos ficaram demonstrados e não foram contraditados, refutados ou impugnados.
FF) O apelante alegou ainda e demonstrou, pela prova produzida, que o executado chegou a outorgar letras de câmbio, entre outros documentos, que haviam de ser destruídos logo que a escritura fosse celebrada, conforme foi em 2014.
GG) O apelante alegou e demonstrou ainda, cabalmente, pela prova produzida, que não recebeu qualquer valor daquele que mutuou aos executados/ reclamados.
HH) Por outro lado, e provando-se abertamente em que termos foi efetuado o empréstimo, por parte do apelante ao executado/ reclamado marido – com base na antiga relação de confiança entre ambos existente, e entre as próprias famílias de um e outro – tais entregas de numerário não haveriam de ser efetuadas constantemente junto de outras pessoas.
II) Conforme se infere da relação social, da máxima confiança que as partes sempre depositaram mutuamente, das sérias dificuldades financeiras dos executados/ reclamados e das suas empresas e, bem assim, da própria capacidade económica que o apelante tinha para poder fazer tais empréstimos recorrentes ao executado/ reclamado marido,
JJ) E se não foram tais factos contraditados, refutados ou impugnados,
KK) Necessário se torna dá-los como provados, porquanto se tornam essenciais para a descoberta da relação subjacente “que está por trás” da escritura celebrada, a fls, e
LL) Bem assim, porquanto permitem atestar da intenção e legitimidade do apelante em ver reconhecido o seu crédito sub iudice.
MM) Veja-se que, inclusivamente, nenhuma prova foi apresentada, nem contradição foi descoberta, que permitissem refutar os factos ora referidos.
NN) Disseram ainda as testemunhas F… e G… que assistiram diretamente, à frente do apelante e do executado/ reclamado marido, enquanto o apelante entregava a este executado/ reclamado marido muitas quantias em numerário.
OO) Mais disseram, ambas as testemunhas, que tais entregas se realizaram por diversas vezes, que nem conseguiram precisar, em ambiente muito reservado, retratando o executado/ reclamado marido sempre com muito reconhecimento pela postura que o apelante demonstrava para com este.
PP) Ambas as testemunhas depuseram ainda a sua certeza quanto ao destino de tais quantias, e o seu conhecimento integral e direto quanto à necessidade que o executado/ reclamado marido tinha de fazer tais pedidos de ajuda ao apelante para que o pudesse “desenrascar” – tal como ambas as testemunhas afirmaram ao douto Tribunal a quo.
QQ)Ambas as testemunhas disseram ainda ter tido conhecimento direto de que os valores em numerário foram entregues em mão ao executado/ reclamado marido, utilizando habitualmente a ocasião de almoços em conjunto para que se realizassem tais transações – pelo que, estando todos presentes, acabariam as testemunhas por ter conhecimento de todos os factos demonstrados.
RR) Disseram ainda as testemunhas F… e D… que o apelante fazia entregas ao executado/ reclamado marido, por norma, entre “dois mil a dez mil euros de cada vez”,
SS) Tendo ainda a testemunha F… dito claramente que assistiu presencialmente à entrega, pelo apelante, de dez mil euros diretamente ao executado/ reclamado marido.
TT) Referiram ainda, claramente, as testemunhas (e o próprio executado/ reclamado marido) que nunca foram feitos pagamentos ou retribuições ao apelante, por conta do mútuo que fez aos executados/ reclamados.
UU) Tudo quanto vem de ser referido, e que se encontra gravado, não foi tido em consideração pela Meritíssima Juiz a quo, e tanto se defendendo porquanto, o depoimento das testemunhas tem de ser visto e analisado pelo julgador como um todo, tendo este a seu cargo a tarefa de escrutinar o que é dito, a forma como são prestadas as declarações e a credibilidade que lhe merecem as mesmas, até pela forma e a postura das próprias testemunhas, não obstante o dever de verdade a que estão adstritas.
VV) Ora, salvo melhor entender, não existiu nenhuma contradição de depoimentos e as testemunhas prestaram declarações de forma isenta e credível, demonstrando o conhecimento direto e preciso do que disseram, tudo confirmado pela celebração de uma escritura pública outorgada em 2014, donde,
WW) Não obstante a livre apreciação da prova permitida ao julgador, segundo a sua prudente convicção, e – reafirme-se – salvo melhor e douta opinião, não podia a Meritíssima Juiz a quo doutamente considerar que as testemunhas não demonstraram ter conhecimento direto e concreto quanto ao facto dado como não provado, porquanto,
XX) Para além da sua livre convicção, e dos poderes abstratos de cognição da prova, o julgador deverá, todavia, ter presente a correta valoração, apreciação e interpretação dos meios de prova, deles retirando de facto uma conclusão lógica, e concordante com as regras da “experiência comum”.
YY) Ora, de acordo com a “experiência comum”, as pessoas esquecem-se dos acontecimentos, sejam eles de maior ou menor importância, retendo deles, no entanto, os pontos mais importantes – aqueles que deixam vincos na memória,
ZZ) Sendo sobejamente conhecidas da jurisprudência as passagens de censura efetuadas a depoimentos de testemunhas com memórias prodigiosas que conseguem trazer para o presente um acontecimento (que dizem ter) vivido há 20 ou mais anos atrás, com uma clareza perturbadora.
AAA) Dito isto, o julgador terá somente de lançar mão de um juízo de racionalidade, de lógica e de experiência que permita corretamente avaliar o material probatório constante dos autos e dos factos apresentados.
BBB) Deste modo, quanto à matéria de facto considerada como não provada, sob o ponto 1, da douta sentença do Tribunal a quo, o apelante entende que a mesma se encontra provada pelos depoimentos de parte e das testemunhas arroladas, bem como pelo documento notarial junto, cuja autenticidade e exigibilidade não foram colocadas em crise.
CCC) Os depoimentos em referência foram efetuados de forma séria, rigorosa, imparcial, deles não se podendo retirar contradições ou momentos de “inesperada coincidência”, que pudessem obviar à sua credibilidade ou, sequer, verosimilhança, dado que, os depoimentos gravados refletem exatamente os acontecimentos vividos, em primeira pessoa, pelas testemunhas. Isto é,
DDD) E sabe-se da experiência comum, as pessoas ajudam os seus amigos quando estes se encontram a viver dificuldades, aliás,
EEE) Mesmo os perfeitos desconhecidos ajudam outras pessoas que necessitem de ajuda, sempre que tenham para isso oportunidade ou capacidade – como ainda aconteceu logo após a tragédia que assolou o concelho de Pedrógão Grande no passado dia 17 de Junho.
FFF) Ora, é também do conhecimento geral que os amigos – por serem confidentes e se reunirem em privado – tratem também de ser reservados quando discutem determinados assuntos, sendo o dinheiro e os empréstimos um dos mais paradigmáticos.
GGG) Aliás, do depoimento do próprio executado/ reclamado, à pergunta: “O Sr. também provavelmente não andava a transmitir a toda a gente que devia dinheiro?”, este responde: “Logicamente, nem eu nem da parte do Dr. B…. A esposa dele é muito minha amiga, e os filhos deles são muito meus amigos, mas isso são coisas que nunca ficaram, nunca foi falado em família, vá lá.”
HHH) Tal depoimento espontâneo foi ainda confirmado pela testemunha F…, que conhecia o executado/ reclamado como pessoa “que se fecha um bocado” e que “não falaria disso a outras pessoas”.
III) Veja-se ainda que o facto de tal escritura ter sido outorgada deveu-se, inclusivamente, ao pedido do próprio executado/ reclamado marido que, ao ver-se devedor de uma importante soma a um amigo seu, decidiu não o defraudar, até porque, como o mesmo referiu: “há sempre viveres e morreres e havia sempre uma garantia da minha parte que eu...”
JJJ) Verifica-se, portanto, que as testemunhas vieram, em consciência e em consonância com o seu dever de verdade, dizer ao Tribunal a quo, que sabiam perfeitamente: i) a situação em que o executado/ reclamado marido se encontrava, ii) as dificuldades financeiras das suas empresas, iii) o seu amigo de longa data por quem nutria (e nutre) uma profunda amizade, iv) a forma abnegada e a capacidade económica do apelante para ajudar um amigo em necessidade, v) o facto de tal empréstimo nunca ter sido retribuído, vi) sabiam ainda a consciência de vontade dos próprios executados/ reclamados aquando da outorga da escritura pública de reconhecimento da dívida, vii) sabiam também o valor do mútuo outorgado, e viii) sabiam, logicamente, que o apelante fazia recorrentes entregas em numerário ao executado/ reclamado marido, por via de toda a sua situação económica – tendo, tudo isto, as testemunhas tido conhecimento direto por terem visto tais factos.
KKK) Ora, sendo certo que o mútuo é demonstrável com base em entradas e saídas de valores em extractos de contas bancárias (quando efetuado entre particulares ou empresas e instituições bancárias), por certo, é perfeitamente inverosímil que tal exista quando tais empréstimos se realizam entre amigos,
LLL) Primeiro porque os empréstimos em questão foram feitos ao longo de vários anos , não sabendo o executado/ reclamado marido nem o apelante quando começaram, nem se terminariam nesse momento, ou se aquele necessitaria de mais ajuda da parte do apelante, e
MMM) Em segundo, porque o próprio apelante tinha muita capacidade económica e bastante disponibilidade de fundos em numerário que podia facilmente emprestar ao seu amigo em momentos de aperto.
NNN) Do que se vem referindo, e escusando de se cair em repetição, denota-se claramente que a decisão da Meritíssima Juiz a quo só se explica pelo manifesto e extenso error in iudicando em que incorreu, por equívoco na valoração das provas.
OOO) Erro esse que acabaria por determinar que fosse efetuada uma análise atomística dos depoimentos das testemunhas e do executado/ reclamado, impedindo o exame da relação existente, cotejada com os princípios da relação humana e da socialização geral e habitual, como é aquela que existe entre a confidência de amigos e da partilha das suas preocupações de vida – raramente partilhadas com mais pessoas, mesmo que familiares.
PPP) Ora com a correção de tal erro de valoração da prova que, reafirme-se, tem de se perscrutar à luz das regras da experiência e de critérios sociais, deverá ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que julgue procedente o pedido formulado pelo apelante, com base na diferente qualificação e análise dos factos carreados – que
QQQ) Permitem aferir claramente da entrega dos valores mutuados e que foram confessados em documento autêntico, a fls., que não foi colocado em crise –,
RRR) Porquanto o Tribunal a quo ao decidir como decidiu, demonstra-se violado o disposto dos artigos 342.º, 358.º, n.º 2, 371.º, 458.º, e 1142.º e ss. do Código Civil.
TERMOS EM QUE
Deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, consequentemente, ser revogada a douta sentença recorrida e substituída por outra que julgue procedente o pedido formulado pelo Apelante, tudo com os demais termos até final.
O apelado apresentou contra-alegações pugnando pelo não provimento do recurso.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
II. OBJECTO DO RECURSO.
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pelo recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pelo recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar:
- se a matéria de facto foi incorrectamente apreciada.
III - FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
1. Em primeira instância foram considerados provados os seguintes factos:
A. Em 22 de setembro de 2014, o credor reclamante B… e os reclamados celebraram uma escritura denominada de constituição de hipoteca;
B. Na referida escritura, o credor reclamante e os reclamados declararam o seguinte na cláusula primeira:
“O Primeiro Outorgante (o credor reclamante), durante os últimos dez anos, por inúmeras vezes emprestou aos Segundos (os reclamados) quantias, que nesta data se elevam ao montante total de 80.000,00, que estes receberam e se obrigam a pagar no prazo máximo de quinze anos a partir desta data.”
C. E na segunda cláusula “O capital referido no número anterior foi entregue aos segundos outorgantes por várias vezes e em numerário.”
D. E as partes acordaram o seguinte na cláusula terceira: “Durante os próximos dois primeiros anos de reembolso da quantia mutuada, o primeiro outorgante não reclama dos segundos qualquer quantia a título de capital ou taxa de juros, desde de que, sobre os imóveis abaixo identificados dados como garantia não incidam, para além dos que hoje possam eventualmente existir, quaisquer ónus ou encargos futuros.
E. Na cláusula quarta ficou acordado que: “os segundos outorgantes obrigam-se a pagar o montante de capital e juros, a partir do terceiro ano, a contar da presente data (fim do período de carência), da seguinte forma:
a) A partir do terceiro ano do reembolso do empréstimo, incidirá a taxa de juro anual de 1,5 % sobre montante que na data do pagamento dos juros estiver em dívida para com o Primeiro Outorgante;
b) A partir do décimo quinto ano de reembolso e até que se verifique integralmente o pagamento da totalidade do capital e juros acima descritos, incidirá a taxa de juro anual indexada à vigor, acrescida da taxa de juro anual de 5% sobre o montante que na data do pagamento dos juros estiver em dívida para com o Primeiro Outorgante.”
F. “O pagamento do capital e juros é feito em duodécimos, nos dias 15 de cada mês, com início no dia 1 de outubro de 2016, diretamente ao Primeiro Outorgante contra a entrega de recibo.” – Cláusula 5ª da escritura.
G. A cláusula nona da referida escritura indica os imóveis sobre os quais foi constituída hipoteca para garantia do pagamento do valor de 80.000,00€, a saber:
1.º- fração autónoma designada pela letra N, Bloco Dois, sita em Águeda, …, inscrita na matriz predial sob o artigo 3431 e descrita na Conservatória do Registo Predial de Águeda sob o n.º 379;
2.º- fração autónoma designada pela letra B, garagem na cave;
3.º- fração autónoma designada pela letra J, garagem na cave;
4.º- fração autónoma designada pela letra L, garagem na cave;
5.º- fração autónoma designada pela letra Q, garagem na cave, todas do prédio sito na Rua …, em Águeda, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo 3794 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Águeda sob o nº 382.
H. Os imóveis referidos em G) foram penhorados à ordem dos autos de execução a 
que estes autos correm por apenso em 06.12.2016.
I. Para garantia do pagamento do crédito exequendo, titulado pela livrança, cujo 
original se encontra junto a fls. 7 dos autos principais.
J. Livrança essa com o Porto, como local de emissão, a data de emissão de 
13.06.2016, o valor de 52.381,10€, data de vencimento de 20.06.2016, figurando como subscritora da mesma a sociedade H…, Lda.
K. No verso da livrança e a seguir às expressões “Bom para aval”, encontram-se apostas as assinaturas dos executados/reclamados.
2. A mesma instância deu como não provado o seguinte facto:
1) O credor reclamante entregou aos reclamados, nos dez anos anteriores à celebração da escritura referida em A) o valor de 80.000,00€.
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
1. Questão prévia: admissibilidade do recurso.
1.1. Dispõe o n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil: “o recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.
De acordo com o preceito citado, as alegações de recurso distinguem-se em corpo das alegações e conclusões.
No primeiro, o recorrente expõe os fundamentos ou argumentos através dos quais procura convencer o tribunal de recurso da sua razão; nas segundas, sintetiza as concretas questões que pretende que o tribunal de recurso aprecie e o sentido com que as deverá decidir.
Impõe a lei que o recorrente finde as alegações de recurso com as respectivas conclusões, onde, de forma sintética, identifique as questões que devam ser apreciadas pela instância de recurso e que sirvam de fundamento ao pedido de alteração ou de anulação da decisão.
Como explica o acórdão da Relação de Guimarães de 29.06.2017[1], “Concluir significa, ao cabo de um percurso analítico-argumentativo criteriosamente orientado e validado por um raciocínio lógico, extrair deste, em proposições sintéticas e resumidas, a essência dos fundamentos de uma tese.
A tese de um recorrente que se não conforma com certa decisão judicial há-de ser a da anulação, modificação ou revogação.
Os fundamentos hão-de assentar nas razões, factualmente sustentadas e juridicamente consequentes, substanciadoras da sua invalidade ou erro.
Para discorrer sobre estas, servem as alegações. Para expor aquelas, as conclusões”.
As conclusões destinam-se a sintetizar os argumentos do recurso, a identificar as questões a apreciar e as razões que servem de suporte à decisão pretendida. Delimitando as conclusões o objecto do recurso, é através delas que a parte contrária é alertada para as questões suscitadas pelo recorrente – assegurando-lhe, desta forma, a possibilidade de um efectivo exercício do contraditório – e o tribunal de recurso fica plenamente elucidado quanto às mesmas questões e os argumentos utilizados para fundamentar a decisão recursivamente reclamada, procurando-se assim evitar que alguns escapem na exposição das alegações, necessariamente mais extensa, mais pormenorizada, mais dialéctica, mais rica em aspectos instrumentais, secundários, puramente acessórios ou complementares.
Como destaca o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 09.07.2015[2], “A lei exige que o recorrente condense em conclusões os fundamentos da revogação, modificação ou anulação da decisão.
Rigorosamente, as conclusões devem corresponder aos fundamentos que justificam a alteração ou a anulação da decisão recorrida, traduzidos na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto), sem que jamais se possam confundir com os argumentos de ordem jurisprudencial ou doutrinário apresentados no sector da motivação. As conclusões exercem a importante função de delimitação do objecto do recurso, como clara e inequivocamente resulta do art. 635º, nº 3, devendo corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do Tribunal Superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo. Incluindo, na parte final, aquilo que o recorrente efectivamente pretende obter (revogação, anulação ou modificação da decisão recorrida), as conclusões das alegações devem respeitar na sua essência cada uma das als. do nº 2, integrando-se as respostas a tais premissas essenciais no encadeamento lógico da decisão pretendida”.
O papel relevante das conclusões foi indiscutivelmente reconhecido pelo legislador que no artigo 637.º, n.º 2 do Código de Processo Civil determina que o “requerimento do recurso contém obrigatoriamente a alegação do recorrente, em cujas conclusões deve ser indicado o fundamento específico da recorribilidade [...]”, equiparando, em termos de efeitos jurídicos, a falta de alegação do recorrente e a ausência de conclusões nessa alegação, sancionando com o indeferimento do recurso qualquer uma dessas situações – artigo 641.º, n.º 2, b) do referido diploma legal. E ainda que as conclusões se mostrem formuladas, quando estas se revelem deficientes, obscuras ou complexas, ou não contenham as especificações exigidas pelo n.º 2 do artigo 639.º, impõe o n.º 3 deste último normativo a adopção de alguma das soluções paliativas aí contempladas, mediante convite do relator ao recorrente para que supra as patologias que afectam as conclusões, no prazo de cinco dias, sob pena de não conhecer do recurso na parte afectada.
Com a reforma introduzida em 2007 ao Código de Processo Civil, findou a possibilidade da falta de conclusões poder ser suprida mediante convite dirigido ao recorrente para proceder à sua formulação. O convite ao aperfeiçoamento só é consentido para as hipóteses hoje expressamente previstas no artigo 639.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, exigindo-se que, pelo menos, exista arremedo de conclusões, por muito incipiente que haja sido a sua formulação.
Em situação em que era aplicável a pretérita lei processual civil, mas cujos fundamentos não se mostram invalidados pela entrada em vigo da lei actual, defendia o Supremo Tribunal de Justiça, no seu acórdão de 21-01-2014[3]: “..., no regime processual aplicável, são passíveis de aperfeiçoamento as conclusões deficientes, obscuras, complexas ou incompletas; mas não é suprível a sua omissão pura e simples (cfr. art. 685.º-A, n.º 3, CPC)”.
As alegações apresentadas pelo recorrente findam com proposições que, sob a designação de “conclusões”, se apresentam enumeradas de A) a RRR).
Contudo, elas não são mais do que a reprodução, fiel e praticamente[4] integral, do texto que constitui o corpo das alegações.
Não se desconhece a orientação jurisprudencial dominante do Supremo Tribunal de Justiça que, condescendente com esta violação das regras processuais, vem permitindo que prática processual como a adoptada pelo aqui recorrente se haja tornado frequente e comum (a ponto do cumprimento do estatuído pelo n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil se revelar cada vez mais invulgar...).
Pese embora esse entendimento dominante, preconizando a lei expressamente como solução para a não formulação de conclusões a rejeição do recurso, sem possibilidade de medidas paliativas, a violação deliberada de regras processuais que se traduzem na mera repetição do exposto no corpo das alegações, ainda que o recorrente pretenda conferir-lhes aparente roupagem de conclusões, através da numeração das proposições anteriormente enunciadas, não deve ser tratada com maior benevolência do que a falta tout court de conclusões, sob pena de violação dos princípios constitucionais da igualdade e da proporcionalidade ao recusar a falhas desculpáveis a mesma solução permissiva que se aceita afinal para falhas deliberadas e conscientes.
Do acórdão da Relação de Coimbra de 14.03.2017[5], pode, com efeito, retirar-se: “a apresentação de “conclusões”, mediante a reprodução, pura e simples, do que é exposto na motivação – ainda que, em termos práticos o resultado seja o mesmo, por em ambos os casos faltar a tal síntese exigida por lei –, afigura-se uma atitude ainda mais censurável do que a apresentação de alegações de recurso, em que a parte, por esquecimento ou ignorância da lei, as omite. Neste caso haveria maior justificação para um convite ao aperfeiçoamento […] – convite que, de qualquer modo, a lei rejeita – do que aqueles casos em que a parte, conhecendo o ónus que sobre si impende, numa atitude deliberada e consciente, negligentemente e em desrespeito de norma expressa, se abstém de efetuar a resenha dos fundamentos do seu recurso, limitando-se a reproduzir o teor do corpo das suas alegações sob o título de “conclusões” (confiando em que a parte contrária e o tribunal de recurso não se apercebam de que se trata de uma pura repetição do anteriormente alegado), entendendo-se que, em tal caso, não se justifica uma atitude complacente do tribunal no sentido de lhe dar uma oportunidade de apresentar verdadeiras conclusões”.
Como dá conta o citado acórdão do STJ de 21.01.2014, “...é evidente que os [...] princípios da cooperação e do acesso ao Direito não podem ser invocados para - sem mais - neutralizar normas processuais de natureza especial e imperativa, nem outros princípios também estruturantes do (sub)sistema jurídico-processual, nomeadamente, os princípios da preclusão e da autorresponsabilidade das partes.
Como (no tocante ao primeiro deste princípios e ainda ao da boa fé processual) já decidiu este Supremo Tribunal, “[o]s princípios da cooperação e da boa fé processual não se podem sobrepor […] ao princípio da auto responsabilização das partes, o qual impõe que os interessados conduzam o processo assumindo eles próprios os riscos daí advenientes, devendo deduzir os competentes meios para fazer valer os seus direitos na altura própria, sob pena de serem eles a sofrer as consequências da sua inactividade, e ao princípio da preclusão, do qual resulta que os actos a praticar pelas partes o tenham de ser na altura própria, isto é nas fases processuais legalmente definidas”.
Com efeito:
Todo o direito consubstancia um sistema de normas de conduta suscetíveis de serem feitas respeitar. Consistindo o processo jurisdicional num conjunto não arbitrário de atos jurídicos que é ordenado em função de determinados fins, inere ao direito processual a definição das consequências resultantes da prática de atos não admitidos pela lei, ou da omissão de atos e formalidades que a lei prescreva, numa lógica precisamente assente, em larga medida, na autorresponsabilidade das partes e, conexamente, num sistema de ónus, cominações e preclusões.
O acesso ao direito e à tutela judicial efetiva processa-se num quadro de regras processuais, regras sem as quais, aliás, não seria possível corresponder aos imperativos de celeridade, igualdade das partes e equidade que – entre outros valores - enformam a disciplina jus-constitucional desta matéria (art. 20.º, CRP)”.
Retornando à situação concreta que se vem analisando, ter-se-á de concluir que o recorrente, limitando-se a repetir, praticamente de forma integral, o texto do corpo das alegações, depois de lhe introduzir uma numeração diferente, e aditando a expressão “conclusões”, na verdade não formulou conclusões, pelo menos do ponto de vista substancial.
Secundando o que se deixou escrito no acórdão da Relação de Guimarães de 29.06.2017[6], “não pode ficcionar-se que o copy past do corpo das alegações para um capítulo sugestivamente intitulado conclusões representa uma tentativa frustrada de cumprir o ónus de síntese, merecedora de convite a correcção e aperfeiçoamento, mediante um exercício de aparente interpretação generosa da lei preconizado como hábil e tolerante, inspirado em razões de oportunidade não contempladas na respectiva letra e contrárias ao pensamento legislativo, com apelo a um poder de criar normas que, por princípio, não cabe aos tribunais (cfr. ponto IV do sumário do Ac. STJ, de 13-11-2014, processo 415/12.1TBVV-A.E1.S1).
Tal método conduz ao nada. E o nada não é perfeito nem imperfeito. É nada. Por isso, não corrigível.
Contornar esta evidência, é atentar contra o claro desígnio do legislador, normativamente plasmado no regime de recursos e, entre outros, nos artigos 637º a 639º e 641º, do CPC, de regular, com disciplina e rigor, o exercício do inerente direito, impondo consequências preclusivas fatais compreensivelmente justificadas pelo acesso ao tribunal superior e com patrocínio obrigatório presumivelmente apto e responsável pelo seu cumprimento”.
Também o já mencionado acórdão da Relação de Coimbra de 14.03.2017 sufraga o incontornável entendimento de que “a repetição, nas conclusões, do que é dito na motivação, traduz-se em falta de conclusões, pois é igual a nada, repetir o que se disse antes na motivação.
E, em nosso entender, não cabe ao tribunal dar a mão a quem, sabendo da obrigação legal de apresentar conclusões, não se deu, sequer, ao trabalho de tentar sintetizar os fundamentos do seu recurso, optando pelo tal “copy/paste”: o convite ao aperfeiçoamento existe atualmente, tão só, e só aí encontra a sua razão de ser, naquelas situações em que parte, de facto, tentou efetuar uma síntese do que por si foi dito na motivação, mas em que a falta de clareza ou de outro vício que afete a sua compreensibilidade, justifica o tal convite à sua correção, num ponto ou noutro, ou até na sua totalidade. Se não há lugar a qualquer operação de síntese, ainda que mínima ou com deficiências, não será o facto de o apelante a apelidar de “conclusões” que atribui tal natureza à reprodução do por si alegado na motivação.
A ausência de conclusões – enquanto indicação sintética das questões colocadas pelo recorrente – leva a que o recurso não possa ser conhecido por falta de objeto, de um circunstancialismo prejudicial a qualquer julgamento de mérito[...]”[7].
Considerando, no caso aqui em debate, que as alegações apresentadas pelo recorrente B… não contêm conclusões, na concepção exigida pelo n.º 1 do artigo 639.º do Código de Processo Civil, tal constitui fundamento para a rejeição do recurso por si interposto, ao abrigo do disposto no artigo 641.º, n.º 2, b) do mesmo diploma legal.
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Síntese conclusiva:
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Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em rejeitar o recurso interposto pelo recorrente B….
Custas: pelo recorrente.

Porto, 8 de Março de 2018
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida (1. com a declaração de voto que se segue.)
Inês Moura (2. com a declaração de voto que se segue.)
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[1] Processo n.º 413/15.3T8VRL.G1, www.dgsi.pt.
[2] Processo 818/07.3TBAMD.L1.S1, www.dgsi.pt.
[3] Processo 689/08.2TTFAR.E1.S1, www.dgsi.pt.
[4] Apenas não reproduzem os artigos 1.º, 2.º e 4.º das alegações – que apenas identificam, de forma genérica, o objecto da dissidência do recorrente - ; no ponto U) são condensados os artigos 24) e 25); no ponto UU) são aglutinados os artigos 51.º e 52.º, e em que apenas a expressão “tanto se defendendo” não corresponde à redacção integral destes; no ponto CCC), que agrupa os artigos 60) e 61), a expressão “portanto” é substituída pela expressão “dado que”.
[5] Processo n.º 6322/11.8TBLRA-A.C2, www.dgsi.pt.
[6] Processo n.º 413/15.3T8VRL.G1, www.dgsi.pt.
[7] No mesmo sentido, cfr. ainda acórdãos da mesma Relação de 10.11.2015, processo n.º 158/11.3TBSJP.C1, da Relação de Lisboa de 15.02.2013, processo n.º 827/09.3PDAMD.L1-5, de 21.02.2013 (ambas decisões singulares), 07.12.2016, processo n.º 141/14.7T8SXL.L1-2, todos em www.dgsi.pt.
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Declarações de voto:
1. Com a declaração de que pese embora até ao momento tenha acatado a posição do Supremo Tribunal de Justiça sobre a consequência de as conclusões das alegações serem uma mera repetição integral do corpo das alegações, nas minhas decisões tenho deixado sublinhada a possibilidade de passar a decidir conforme aqui se decide pelas razões expendidas pela Colega Relatora, razão pela qual não posso deixar de acompanhar o decidido.

Aristides Rodrigues de Almeida
2. Voto de vencido:
Voto contra decisão de rejeitar o recurso por falta de apresentação de conclusões, não obstante as
mesmas, no caso, apenas formalmente o sejam, não representando mais do que uma réplica da
motivação apresentada.
Faço-o por coerência com a posição contrária que tenho vindo a seguir nos processos em que sou relatora, no seguimento também de entendimento defendido por parte da jurisprudência, do que apenas é exemplo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/09/2015 proferido no proc. 818/07.3TBAMD.L1.S1 in. www.dgsi.pt
Considero que, pelo menos em termos formais, o Recorrente apresentou conclusões, não obstante as mesmas não observem os requisitos previstos no art.º 639.º n.º 1 e n.º 2 do C.P.C. entendendo ser excessiva a rejeição do recurso sem que, pelo menos, se convide o Recorrente a proceder ao seu aperfeiçoamento, designadamente a sintetizá-las, em concordância como o disposto no n.º 3 do mesmo artigo.
Não obstante a divergência que se conhece da jurisprudência sobre esta questão, esta é a posição com a qual nos identificamos e consideramos também mais em consonância quer com o princípio da cooperação expresso no art.º 7.º n.º 1 do C.P.C., quer com a justa composição do litígio que se pretende alcançar com prevalência do mérito e da substância em detrimento da mera formalidade processual.

Inês Moura