Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1082/15.6PHMTS-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DOLORES DA SILVA E SOUSA
Descritores: PEDIDO CIVIL
PAGAMENTO DA TAXA DE JUSTIÇA
ACTO DA SECRETARIA
CUSTAS DE PARTE
NOTA JUSTIFICATIVA
Nº do Documento: RP201809121082/15.6PHMTS-A.P1
Data do Acordão: 09/12/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIMENTO PARCIAL
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º770, FLS.80-85)
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo a secretaria, no acto de notificação da decisão final omitido a notificação para pagamento da taxa de justiça, nos termos do artº 15º2 RCP e sendo notificado posteriormente para o efeito, é devido esse pagamento, não sendo a parte prejudicada em face do artº 157º 6 CPC.
II - Nessas circunstâncias, a parte, deve ser admitida a apresentar a nota justificativa das custas de parte, onde reclame o pagamento de tal despesa, nos 5 dias posteriores ao seu pagamento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec. Penal n.º 1082/15.6PHMTS-A.P1
Comarca do Porto
Instância Local.

Acordam, em Conferência, na 2ª secção criminal do Tribunal da Relação do Porto.
I - Relatório.
No Processo Comum Singular n.º 1082/15.6PHMTS do Juízo Local Criminal de Matosinhos, Juiz 1, por sentença de 14 de Julho de 2017, transitada em julgado, além do mais, foi julgado parcialmente procedente o pedido cível deduzido pela Demandada B… contra o arguido C… (por factos ocorridos a partir de “meados” de Outubro de 2015), tendo sido as custas fixadas por demandante e demandado na proporção do respectivo decaimento.
Por ofício de 31.10.2017, a demandante foi notificada, através do seu mandatário, para "... nos termos do disposto no art.15, nº2, do Regulamento das Custas Processuais, …, no prazo de 10 DIAS, proceder à autoliquidação da taxa de justiça devida pelo pedido de indemnização formulado nos presentes autos...", contra o que reclamou a demandante, pedindo que aquela notificação fosse dada sem efeito, por nula, nos termos do artigo 15º, n.º2 do RCP e 195º, n.º1 do CPC, após o que foi, em 17.01.2018, proferido o seguinte despacho:
«Fls. 335:
Neste processo, B… deduziu pedido de indemnização civil (cfr. fls. 190 e 191).
Não autoliquidou a taxa de justiça, nos termos do disposto no art° 15°, n° 1, al. d), do RCP.
Nos termos do artº 15°, n° 2, do RCP, deverá a taxa de justiça ser autoliquidada com a notificação para o efeito, notificação esta a ser efetuada com a notificação da decisão final (ainda que suscetível de recurso).
A sentença foi notificada em 14/07/2017, com a leitura.
Mas o art. 15°, n° 2, do RCP só foi cumprido com a notificação que ocorreu em 25/10/2017-cfr. fls. 328.
A demandante veio por em causa este ato, a fls. 335.
A demandante não discorda de que o pagamento, à partida, é devido.
Mas entende que se fizer o pagamento agora, já não o pode agora refletir sobre o demandado na conta de custas de parte, a que alude o art. 25° do RCP.
E é por isso que entende que agora não deverá ser notificada para proceder ao pagamento e que o ato praticado pela secretaria, quando deu cumprimento à notificação a que alude o art. 15º, n° 2, do RCP, não nos 10 dias subsequentes à notificação da sentença, mas em momento posterior, é um ato viciado por uma nulidade.
Apreciando e decidindo.
A demandante não tem razão nenhuma.
O ato da secretaria, ainda que tardio, tem previsão legal e deve ser cumprido. Não foi praticado qualquer ato indevido.
Por conseguinte, não se vislumbra qualquer nulidade.
Questão diferente são os efeitos sobre a nota justificativa das custas de parte.
Quer dizer, por força do cumprimento tardio do art. 15°, n° 2, do RCP, a demandante vê-se impedida de, ela própria, dar cumprimento atempado ao prazo que é fixado pelo artº 25°, n° 1, do RCP.
Nenhum problema.
A demandante, ao apresentar a nota justificativa a que alude o art. 25°, n° 1, do RCP, deverá explicar o sucedido e justificar a sua apresentação tardia e fora do prazo invocando o justo impedimento (cfr. Art.107°, n°s 2 e 3, do CPP).
Face ao exposto, e com estes fundamentos, o Tribunal indefere o requerimento para considerar sem efeito a notificação que ocorreu em 25/10/2017 - cfr. fls. 328 - e através da qual foi dado cumprimento ao disposto no art015°, n° 2, do RCP.»
*
Inconformada, veio a demandante civil recorrer do despacho transcrito, rematando a sua motivação com as seguintes conclusões:
«(…)
Nos termos do art. 15° n° 2 do RCP, "As partes dispensadas do pagamento prévio de taxa dc justiça, independentemente de condenação a final, devem ser notificadas, com a decisão que decida a causa principal, ainda que suscetível dc recurso, para efetuar o seu pagamento, no prazo de 10 dias.
Na verdade, e dos fatos, a Recorrente apenas vem a ser notificada para o efeito cm 25/10/2017, já após o trânsito cm julgado da referida sentença.
E de acordo com a previsão legal, a Recorrente só poderá vir a exigir da parte vencida o reembolso do valor pago a título de taxa dc justiça, caso o fizesse até 5 dias após trânsito cm julgado da sentença, nos termos e para os eleitos do art. 25º do RCP. Porém,
Tal prazo encontra-se, desde há muito, ultrapassado. Ou seja, a admitir-se a notificação para pagamento da taxa de justiça efetuada nestes moldes, ficaria a Recorrente, parte vencedora, irremediavelmente onerada com o pagamento de uma taxa pela qual não é, de todo em todo, a final, responsável.
Nos termos do art. 157, nº 6 do CPC "Os erros c omissões praticados pela secretaria judicial não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes”.
Pelo que, a notificação para pagamento da taxa dc justiça carece dc fundamento legal porque viola diretamente o disposto no art.15, n°2 do RCP, e, consequentemente, impede, devido a erro da secretaria judicial, e por decurso do prazo para o solicitar à parle vencida, que a Recorrente venha a obter o reembolso da taxa de justiça.
Neste sentido decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão datado dc 16/10/2013, Processo n.º 0975/13 in www.dgsi.pt:"I - Nos termos do n° 2 do art° 15º do RCP, a notificação para autoliquidação da laxa dc justiça, relativamente às partes dispensadas do seu pagamento prévio, deve ser feita em simultâneo com a notificação da decisão da causa principal. II- Se a dita notificação para autoliquidação da taxa dc justiça, ocorreu posteriormente tal não pode ser irrelevado pois, no caso concreto, acarretaria, como consequência, a impossibilidade da Fazenda Pública exigir custas de parte, enquanto parte vencedora, pois que há muito se linha verificado o trânsito cm julgado da decisão que decidiu a causa. Consequentemente, deve declarar-se ilegal a notificação para autoliquidação da taxa de justiça cm causa."
No mesmo sentido decidiu o Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão datado dc 24/02/2016, Processo n° 0931/15 in wwv.dgsi.pt.
Encontram-se assim violados no douto despacho impugnado proferido pelo Tribunal "a quo" os seguintes preceitos legais: artigos 6º nº l, 8º, nº l, 14º, n.º1, 15° nº2, 29º e 30.º, todos do Regulamento das Custas Processuais.
Ainda que assim não se entenda, como parece fazer crer o tribunal a quo que decide que não há nenhuma ilegalidade no ato tardio da secretaria, por ter previsão legal e deve ser cumprido, sempre estaríamos confrontado num ato inconstitucional por manifesta violação dos direitos constitucionalmente consagrados.
Ao legislador são cometidos limites que deverão ser observados, ao mesmo tempo que outros limites decorrem da própria Constituição e do Direito em geral. Por conseguinte, o poder discricionário nunca poderá ser entendido como uma carta em branco, mas como uma ordem para a realização da justiça na situação concreta.
A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos. (art. 18º, 2 CRP. A primeira das "entidades públicas" subordinadas aos direitos liberdades e garantias é o Estado (em sentido estrito), quer enquanto legislador, quer enquanto administração, quer enquanto juiz. O primeiro não pode emitir normas incompatíveis com os direitos fundamentais, sob pena dc inconstitucionalidade... O terceiro está obrigado a decidir o direito para o caso em conformidade com as normas garantidoras de direitos, liberdades e garantias e a contribuir para o desenvolvimento judicial do direito privado através da aplicação directa dessas mesmas normas."(- Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, pag. 383) de acordo com o art. 13º da CRP, que estatui o princípio da igualdade, "1.Todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei. 2. Ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão de ascendência, sexo, raça, língua, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, instrução, situação económica ou condição social."
O tribunal a quo ao ordenar que a lei, in casu o estatuído no art. 15º n.º2 do RCP, possa ser cumprida fora de prazo, está a ultrapassar os limites legais cometendo uma ilegalidade, e bem assim põe em causa o principio da igualdades das partes, acaso fosse praticado um ato pela assistente fora de prazo (e não tardio como alega o tribunal a quo), o ato não seria desentranhado? ou a assistente ter que pagar a multa de ato? (no caso dc ser praticado fora de prazo e praticado nos três dias posteriores?
É manifestamente um erro dc secretaria que não pode, obviamente ser agora escamoteado e relevado pelo tribunal, pois se assim fosse o tribunal haveria sempre que ler igual dever de encontrar solução idêntica para quem desrespeita prazos, o que como sabemos não faz, alem do mais, não pode agora vir o tribunal impor que a assistente venha agora apresentar nota discriminativa quando o prazo da mesma já se encontra largamente ultrapassado, ainda com justo impedimento, que como sabemos deve ser requerido dentro do prazo à qual se pede o dito justo impedimento, ou seja sempre teria a aqui recorrente que tê-lo feito no prazo previsto no 25º n.º1 do RCP.
Termina pedindo o provimento do recurso, e em consequência, revogado o douto despacho recorrido e ordenado que o pagamento da autoliquidação de taxa de justiça devida pela dedução do pedido de indemnização civil, seja dada sem efeito, requerendo a sua anulação, com todas as legais consequências.»
*
O recurso foi liminarmente admitido por despacho constante a fls. 31 destes autos.
O Ministério Público junto do Tribunal da 1ª instância veio oferecer a sua resposta constante dos autos a fls. 34 a 39, na qual concluiu:
«Nos presentes autos não ocorreu qualquer violação de norma do Regulamento das Custas Processuais ou outra, revelando-se o despacho em crise devidamente fundamentado e conforme a lei, impondo-se a manutenção do decidido.
Termina pedindo o não provimento integral dos termos recursivos, mantendo-se o despacho em causa, na íntegra.»
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Nesta Relação, o Exmo. PGA emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o artigo 417º, n.º2, do CPP.
Colhidos os vistos, realizada a conferência cumpre apreciar e decidir.
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II- Fundamentação.
Como é jurisprudência assente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – vícios decisórios e nulidades referidas no artigo 410.º, n.º s 2 e 3, do Código de Processo Penal – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação apresentada, em que sintetiza as razões do pedido (artigo 412.º, n.º 1, do CPP), que se delimita o objecto do recurso e os poderes de cognição do Tribunal Superior.
1.- Questões a decidir
Face às conclusões extraídas pelos recorrentes da motivação apresentada, pela ordem em que são enunciadas, são as seguintes as questões a apreciar e decidir
- Saber se a recorrente está obrigada a proceder ao pagamento da taxa de justiça, para que foi notificada nos termos do art. 15º, nº 2, do RCP.
- Inconstitucionalidade do despacho em recurso por violação do princípio da igualdade.
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2. Factualidade relevante.
- Em processo criminal, a aqui recorrente deduziu PIC contra o arguido, pedindo a condenação do mesmo a pagar-lhe a quantia de 5.000,00€;
- Por sentença de 14.07.2017, a acusação foi julgada procedente, o arguido condenado pelo crime de injúria de que tinha sido acusado e o PIC julgado parcialmente procedente, nele tendo sido condenado o arguido, demandado;
- Em relação a custas concernentes ao pedido civil, o tribunal fixou “Custas por demandante e demandado na proporção do respectivo decaimento”.
- A sentença transitou em julgado em 29.09.2017.
- Por ofício de 31.10.2017, a demandante foi notificada, através do seu mandatário, para "... nos termos do disposto no art.15, nº2, do Regulamento das Custas Processuais, …, no prazo de 10 DIAS, proceder à autoliquidação da taxa de justiça devida pelo pedido de indemnização formulado nos presentes autos...".
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3. Apreciação.
3.1. - Saber se a recorrente está obrigada a proceder ao pagamento da taxa de justiça, para que foi notificada.
A recorrente não questiona o facto de não estar obrigada ao pagamento prévio de taxa de justiça pela dedução do pedido de indemnização civil em processo penal.
O RCP, na versão introduzida pela Lei n.º7/2012, de 13.02, com entrada em vigor em 29.03.2012, só prevê tal autoliquidação nas situações de constituição de assistente e de abertura da instrução, sendo a taxa de justiça paga a final nos demais casos – cfr. o disposto nos nºs 1 e 2 do seu art.8º.
A dispensa do pagamento prévio da taxa de justiça não desobriga a parte da obrigação de a vir liquidar, como contrapartida pela utilização dos serviços de justiça, correspondendo apenas a um adiamento do seu pagamento. Com efeito, escreve Salvador da Costa, in Regulamento das Custas Processuais Anotado, 2015, 5ª Edição, pág. 273, em anotação ao art. 15.º que: “…deste artigo apenas resulta o adiamento da oportunidade de pagamento da taxa de justiça, que deverá ser paga, na sequência da prolação da decisão final, por quem operou o impulso processual.
Tal é o que resulta expressamente do nº 2, do art.15, do RCP: "2 – As partes dispensadas do pagamento prévio de taxa de justiça, independentemente de condenação a final, devem ser notificadas, com a decisão que decida a causa principal, ainda que suscetível de recurso, para efetuar o seu pagamento no prazo de 10 dias".
No Ac. do TRL de 26.05.2015, relatado por Vieira Lamim, citando o Parecer nº40/2011, da Procuradoria Geral da República (Diário da República, 2.ª série — N.º 113 — 12 de Junho de 2012), sobre as razões que determinaram a introdução do nº2, do citado art.15º, pela Lei nº7/2012, de 13Fev, escreve-se: «… nos termos do n.º 2 do artigo 15.º do RCP, a parte dispensada do seu prévio pagamento, ainda que obtenha ganho de causa, passa a ter de liquidar a taxa de justiça que, nos termos legais, corresponda à ação, procedimento ou incidente, assim se manifestando, em toda a sua plenitude, a regra, já enunciada, da não gratuitidade da atividade judiciária, segundo a qual, «as custas correspondem às despesas ou encargos judiciais causados com a obtenção em juízo, seja qual for o processo, da declaração de um direito ou da verificação de determinada situação fáctica».
Ora, tendo a recorrente beneficiado da prestação efetiva de um serviço público, não tem razão para se eximir ao pagamento da prestação pecuniária exigida pelo Estado aos utentes do serviço judiciário, da qual apenas beneficiou de adiamento do seu pagamento.
A taxa de justiça corresponde ao montante devido pelo impulso processual do interessado, como prevê art. 6º nº1 do RCP, pago no momento em que é desencadeado o impulso processual, ou no momento previsto no art.15, nº2, do RCP, nos casos de dispensa do prévio pagamento, em que há um diferimento desse pagamento.
No caso, a recorrente obteve parcial vencimento na lide e foi condenada nas custas, na proporção do respectivo decaimento.
Pode acontecer que a parte vencida não pague as custas da sua responsabilidade e não seja viável a sua execução, o que determinará prejuízo para quem obteve vencimento na lide, mas tendo presente a regra da não gratuitidade da atividade judiciária, é mais justo que o custo do processo seja suportado por quem dele beneficiou do que pela comunidade - Vide o Ac. do TRL de 26.05.2015, Relatado por Vieira Lamim, que vimos seguindo de perto.
Alega a recorrente que já não está em prazo de apresentar a nota justificativa das custas de parte a que se refere o art.25º, do CCJ, por já ter decorrido o prazo de cinco dias após o trânsito em julgado da sentença.
Todavia, essa nota justificativa, nunca pode ser apresentada antes do pagamento das quantias exigidas, razão por que em caso de pagamento posterior ao trânsito em julgado da sentença, a sua apresentação deve ser admitida nos cinco dias posteriores a esse pagamento, neste particular dissentimos da posição da primeira instância.
Com efeito, ocorrendo o pagamento da taxa de justiça em momento posterior ao trânsito em julgado da sentença, por causa não imputável à parte, deve ser admitida a apresentação da nota justificativa das custas de parte, que reclame o pagamento de tal despesa, nos cinco dias posteriores ao seu pagamento – vide o Ac. deste TRP de 01.10.2015, Proc. n.º 225/04.0TBARC.P2, acedido em www.dgsi.pt.
Enfatiza a recorrente o facto do nº 2, do art.15, do RCP, prever a notificação das partes para o pagamento das quantias em causa "... com a decisão que decida a causa principal...".
Contudo, o erro da secretaria consistente na omissão de tal notificação em simultâneo com a "...a decisão que decida a causa principal...", não extingue a obrigação imposta por esse preceito legal, sendo certo que também não pode prejudicar a parte (nº6, do art.157, do CPC), o que no caso será conseguido com a permissão de apresentação da nota justificativa das custas de parte após o pagamento da quantia exigida.
Assim, não é de aceitar a jurisprudência do Ac. do Supremo Tribunal Administrativo, de 16.10.2013, citado pela recorrente (acessível em www.dgsi.pt.) quando conclui que a notificação para os efeitos do nº2, do citado art.15º, posterior ao trânsito em julgado, por erro da secretaria, torna inexigível essa obrigação.
Com efeito, uma tal jurisprudência atribui ao erro da secretaria a virtualidade de extinguir uma obrigação pecuniária – em oposição ao espírito do art. 162º do CPC - que recai sobre quem recorre aos tribunais quando é certo que o art. 157º, nº 6, do CPC, expressamente salvaguarda os interesse atingidos por esses erros, prevendo que não podem, em qualquer caso, prejudicar as partes, o que, no caso em apreço se alcança com a possibilidade de a parte apresentar a nota justificativa das custas de parte após o pagamento da taxa de justiça exigida, mesmo que já tenha transitado a decisão que conheceu do mérito da lide, daí não advindo qualquer prejuízo para o andamento do processo, já que só posteriormente será elaborada a conta- vide novamente o citado Acórdão do TRL.
Concluímos, portanto, que a recorrente está obrigada a proceder ao pagamento da taxa de justiça, para que foi notificada, nos termos do art.15º nº 2, do RCP. Podendo sempre apresentar a nota justificativa das custas de parte a que se refere o art.25º, do CCJ, nos cinco dias posteriores ao seu pagamento, nesta parte e com este entendimento difere-se do entendimento vertido no despacho recorrido pelo tribunal a quo.
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3.2. - Inconstitucionalidade do despacho em recurso por violação do princípio da igualdade.
Sustenta a recorrente que o tribunal a quo ao ordenar que a lei, in casu o estatuído no art. 15º n.º2 do RCP, possa ser cumprida fora de prazo, está a ultrapassar os limites legais cometendo uma ilegalidade, e bem assim põe em causa o principio da igualdades das partes. E pergunta-se se acaso fosse praticado um ato pela assistente fora de prazo (e não tardio como alega o tribunal a quo), o ato não seria desentranhado? ou a assistente ter que pagar a multa de ato? (no caso de ser praticado fora de prazo e praticado nos três dias posteriores?
É manifestamente um erro de secretaria que não pode, obviamente ser agora escamoteado e relevado pelo tribunal, pois se assim fosse o tribunal haveria sempre que ler igual dever de encontrar solução idêntica para quem desrespeita prazos, o que como sabemos não faz.

Vejamos.
Como vimos a omissão pela secretaria da notificação para pagamento da taxa de justiça, com a decisão proferida e nos exactos termos previstos no art. 15.º n.º 2 do RCJ, não pode impedir a parte de reclamar mais tarde, o pagamento da quantia que liquidou a título de taxa de justiça, podendo apresentar a nota justificativa das custas de parte com a inclusão de tal despesa, após o seu efectivo pagamento.
As sanções para os erros de secretaria, além do previsto no n.º 6 do art. 157º do CPC, são as previstas no artigo 162º. A secretaria não é equiparada a parte.
Em comentário ao artigo 13º da CRP, Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “Constituição da República Portuguesa Anotada – Volume I” – 4ª edição revista – 2007, pág. 338, escrevem: «O princípio da igualdade tem a ver fundamentalmente com igual posição em matéria de direitos e deveres (daí a sua colocação sistemática nesta sede de princípios gerais dos direitos e deveres fundamentais). Essencialmente, ele consiste em duas coisas: proibição de privilégios ou benefícios no gozo de qualquer direito ou na isenção de qualquer dever; proibição de prejuízo ou detrimento na privação de qualquer direito ou na imposição de qualquer dever (n°2). No fundo, o princípio da igualdade traduz-se na regra da generalidade na atribuição de direitos e na imposição de deveres. Em princípio, os direitos e vantagens devem beneficiar a todos; e os deveres e encargos devem impender sobre todos
E continuam os mesmos autores, na mesma obra a págs. 345 e 346. «Todas as funções estaduais estão vinculadas ao princípio da igualdade. Isto significa que o princípio material da igualdade constitui sempre uma determinante heterónoma da legislação, da administração e da jurisdição. (….)
A vinculação da jurisdição pelo princípio da igualdade comporta três dimensões fundamentais: a) igualdade de acesso dos cidadãos à jurisdição (art. 20º-1); b) igualdade dos cidadãos perante os tribunais; c) igualdade de aplicação do direito aos cidadãos através dos tribunais.
No primeiro sentido, o princípio da igualdade significa, sobretudo, a igualdade de oportunidades de recurso aos tribunais, não podendo a proteção ser denegada por insuficiência de recursos económicos (…). Relativamente à segunda dimensão – igualdade dos cidadãos perante os tribunais – as mais importantes consequências práticas são a «igualdade de armas» no processo (o que implica, por exemplo, o direito de assistência de defensor em todos os atos do processo criminal: cfr. art. 32º-3) e a igualdade na posição de sujeito processual, o que implica a proibição de descriminação das partes no processo. Finalmente, a igualdade de aplicação do direito relaciona-se estreitamente com a vinculação jurídico-material do juiz ao princípio da igualdade. As manifestações mais relevantes são a aplicação de igual direito a casos idênticos e a utilização de um critério de igualdade na utilização pelo juiz dos seus «poderes discricionários» (fixação de penas, montantes de indemnização, etc.). O que não existe, porém, é um direito à unidade da jurisprudência ou à não mudança da jurisprudência, embora o direito à igualdade possa ainda aqui influenciar soluções legislativas tendentes à uniformização jurisprudencial e fundamentar um princípio de autovinculação dos tribunais às suas próprias decisões, sempre que não haja razões materiais para, em casos análogos, decidir de forma diversa ou até contraditória (cfr. AcTC, n.º 574/98, DR, II, de 13.05.1999)».
Como é entendimento pacífico da jurisprudência, as anteriores decisões não têm o valor de precedente. Mesmo os Acórdãos de fixação de jurisprudência têm eficácia restrita “no processo em que o recurso foi interposto e nos processos cuja tramitação tiver sido suspensa” art. 445º, n.º1, do Código de Processo Penal. Não se pode, no entanto, concluir que as anteriores decisões são despidas de relevo. Não, a certeza e a segurança jurídicas impõem que se mantenha uma determinada orientação jurisprudencial, quando se conclua que ela se ajusta aos princípios jurídicos e normas sobre que versa (Pedro Caeiro, RPCC, 3º, 1993, p. 560).
E, como vimos, também, na exposição feita sobre a posição dos insignes constitucionalistas, verificamos que não existe «um direito à unidade da jurisprudência ou à não mudança da jurisprudência».
As anteriores decisões podem, todavia, ser tidas em conta, mas mediante uma análise crítica, em ordem a verificar se a questão de facto decidida nos acórdãos convocados e a questão a decidir no presente é a mesma; se o quadro normativo é o mesmo; se as anteriores decisões são fundadas, constituindo a melhor solução jurídica para o caso concreto.
Ora, percorrendo, as motivações de recurso dos recorrentes e sobremaneira as suas conclusões, verificamos, que sobre tal questão o Recorrente é omisso, não fazendo nesta sede qualquer análise de decisões anteriores, na sua convergência com o caso dos autos, nos termos que deixamos expostos.
Não há qualquer alegação “em concreto” de casos análogos decididos de forma diversa ou até contraditória.
Também na comparação entre as partes neste processo, com a solução agora alcançada, não sofre a recorrente qualquer prejuízo. A solução contrária, pelo contrário, geraria um privilégio que se repercutiria num prejuízo para a comunidade.
Por outro lado, como dissemos a secretaria não é uma parte do processo, pelo que em nome do princípio da igualdade situações desiguais não podem merecer tratamento igual.
Assim, temos por certo que alcançando-se, como se alcançou, um modo de não prejudicar a parte, não obstante o erro da secretaria, harmonizando o dever da parte de pagar a taxa de justiça, com o seu direito de apresentar nota justificativa das suas custas de parte com a inclusão de tal despesa, na medida a que a tal tenha direito, temos por não violado o princípio da igualdade em qualquer das suas dimensões, mormente na dimensão de aplicação do direito.
Não há qualquer violação do princípio da igualdade ou da equidade, ou mesmo do processo justo e equitativo ou da igualdade de tratamento de partes, ou de acesso ao direito.
Em conformidade, improcede esta questão na sua totalidade.
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III Decisão.
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso, mantendo a decisão recorrida, com excepção do entendimento sobre a apresentação da nota justificativa das custas de parte a que se refere o art.25º, do CCJ, que pode ter lugar nos cinco dias posteriores ao pagamento da taxa de justiça devida.
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Sem custas, nesta instância.
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Notifique.
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[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º n.º 2, do CPP]
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Porto, 12 de Setembro de 2018
Maria Dolores da Silva e Sousa
Manuel Soares