Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
60/11.9TBAMT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI MOREIRA
Descritores: SOCIEDADE COMERCIAL
RESPONSABILIDADE DOS ADMINISTRADORES DA SOCIEDADE
ILEGITIMIDADE PASSIVA
Nº do Documento: RP2015060960/11.9TBAMT.P1
Data do Acordão: 06/09/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – A responsabilização pessoal dos administradores de uma sociedade perante os credores desta, nos termos do art. 78º, nº 1 do CSC, exige a alegação e prova de actos ou omissões que constituam infracção a normas legais ou contratuais destinadas à protecção destes.
II - Tais actos e normas não podem deixar de ser concretamente especificados, para se apurar da respectiva realidade e subsumibilidade às normas invocadas.
III – Essas normas legais e contratuais serão todas aquelas cuja inobservância (culposa) determine a insuficiência (prejudicando a conservação ou inibindo o aumento) do património social (que não apenas o capital social), para a satisfação dos respectivos créditos.
IV - Para a responsabilização dos administradores nestes termos, é essencial a possibilidade de formulação de um juízo de culpa sobre a sua actuação, concomitante com a respectiva ilicitude perante as normas em referência. O conceito de culpa a utilizar é o geral, segundo o qual actua culposamente o gerente ou administrador que, nas circunstâncias do caso e segundo as suas capacidades e possibilidades, podia e devia ter actuado de forma diferente daquela que adoptou para a sociedade sob sua administração e que redundou na produção do resultado danoso.
V - Por fim, e nos termos gerais da responsabilidade aquiliana, o resultado danoso sofrido pelo credor há-de ser consequência adequada da infracção cometida.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: PROC. Nº 60/11.9TBAMT.P1
Comarca do Porto Este – Tribunal de Penafiel
Inst. Central - Secção Cível - J1

REL. N.º 243
Relator: Rui Moreira
Adjuntos: Henrique Araújo
Fernando Samões
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ACORDAM NO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

1 - RELATÓRIO

B… e mulher C…, residentes na Rua …, nº …, em Amarante, intentaram acção em processo comum, sob a forma ordinária contra a sociedade D…, SA, com sede em …, freguesia …, Marco de Canavezes e contra os seus administradores E… casado, residente no …, freguesia …, F…, casado, residente na Rua …, nº ., …, e G…, casada, residente na Rua …, nº ., …, todos em Amarante, pretendendo a condenação de todos:
a) a entregarem-lhe a quantia de 186.512,66 euros, acrescida de juros de mora até integral pagamento, sendo os vencidos nos últimos cinco anos no valor de 37.343,07 euros;
b) a executarem os trabalhos de conclusão de construção de uma vivenda que comprou à sociedade ré, e de reparação dos defeitos da obra já construída, descritos na petição, ou outros que a perícia a realizar, venha a ter como necessários à conclusão da obra;
c) a verem fixado o prazo de três meses, após o trânsito em julgado da sentença, para a realização desses trabalhos, sob penas de aplicação de sanção pecuniária compulsória de 2 UCs por cada dia de atraso.
d) Em alternativa à alíneas b), serem os réus condenados a pagar-lhe a quantia de 15.000,00 acrescida de IVA, ou outra que se venha a apurar como sendo a necessária para a execução e rectificação de todos os trabalhos em falta ou a rectificar.
Justificando a sua pretensão, alegaram terem feito um negócio com a ré sociedade, sempre representada por todos os réus pessoas singulares que, familiares entre si, a constituíam, negócio esse que consistiu num contrato-promessa de compra e venda de 4 vivendas, que a ré construiu. Duas foram por si adquiridas à ré: uma era destinada à própria habitação dos autores; outra foi por eles vendida a terceiros; quanto às duas outras, acabaram por ceder a respectiva posição contratual de promitentes compradores, tendo-as estes adquirido da ré, que recebeu delas o preço completo. Em qualquer caso, por via das quantias entregues à ré ao longo do período de construção das vivendas, a que acresceram os montantes que esta recebeu daqueles terceiros e que aos autores eram devidas, afirmam que a ré ficou com 186.512,66€ que lhes pertencem, valor esse que recebeu além do preço convencionado com os AA. para as 4 moradias, que era de 110 mil contos (548.677,68€). Aquela quantia que lhes é devida começou por ser retida pela ré a pretexto de um futuro acerto de contas, por trabalhos a mais realizados na moradia dos autores. Mas jamais lhes foi entregue, pelo que o deve ser agora, acrescida de juros.
Mais alegaram que a sua moradia apresenta diversos trabalhos por concluir, bem como defeitos diversos, que a ré deve ser condenada a executar e reparar ou, se o não fizer, ser isso substituído pela sua condenação no pagamento de 15.000€, a acrescer com o que acima disso se vier a apurar, em sede de perícia.
Justificando a demanda dos RR. E…, F… e G…, alegaram que a sociedade em questão é de natureza familiar, apesar de ser constituída sob a forma de sociedade anónima, que todos os negócios foram desenvolvidos com estes RR, que havia uma total confusão entre os interesses patrimoniais de cada um dos RR e os da sociedade, que a actuação através da sociedade se destinava apenas a afastar os riscos da sua responsabilização perante as pessoas com quem contratavam, que todos os bens da sociedade estão onerados com hipotecas à banca ou à Câmara Municipal para garantia de obrigações decorrentes de licenciamento e que tudo isso fundamenta o receio de a ré não poder vir a satisfazer os direitos exercidos nesta acção. Daí, pois, a pretensão da respectiva condenação a par da ré sociedade.
Contestando, os RR E…, F… e G…, no que aqui releva, arguiram a sua ilegitimidade, alegando que apenas outorgaram os contratos na qualidade de representantes da pessoa colectiva “D…”. Por conseguinte, caso tenha ocorrido qualquer incumprimento contratual, só essa sociedade pode ser responsabilizada, carecendo eles de legitimidade passiva para a causa. Para além disso, arguiram a caducidade do direito invocado pelos AA. e impugnaram os respectivos fundamentos.
Em réplica, os AA. pronunciaram-se sobre a arguida excepção de ilegitimidade passiva. Alegaram que todos os RR. sabiam que a moradia que lhe venderam não se encontrava concluída, a 24/6/2004, quando celebraram a última das escrituras. Mesmo assim, não hesitaram em receber, para a sociedade, as quantias relativas às vendas das duas moradias cedidas a terceiros, recusando sempre acertar contas com os AA. Ora enquanto administradores, os RR. pessoas singulares estavam obrigados a actuar no interesse da sociedade, mas sem lesar os interesses do autor. Acresce que esses RR. sempre desincentivaram os AA. de recorrerem a tribunal e, quando a acção foi intentada, em Janeiro de 2011, não actuaram de forma a facultar a citação da sociedade ou a sua própria, verificando-se mesmo que a sociedade não estava instalada onde se dizia ser a sua sede, o que traduz uma actuação que não pode ter-se por prudente, cuidadosa e de acordo com a defesa dos interesses sociais e de terceiros. Ao que acresce que a sociedade ficou desprovida de órgãos de fiscalização, apenas prestou as contas de 2009 já em 2011 e foi declarada insolvente em 12/7/2011, sem que disso tivesse sido dada notícia atempada aos tribunais onde pendiam acções contra a ré. Concluíram, assim, que os AA. se dedicaram a “utilizar a personalidade jurídica da sociedade para, a seu coberto, desrespeitar continuadamente os interesses das pessoas que com elas contratam.”, bem como que a factualidade alegada consubstancia uma alteração da causa de pedir, que pretenderam ver considerada.
Ulteriormente, veio a ser proferido despacho saneador, no qual se concluiu pela ilegitimidade passiva dos RR. E…, F… e G…, que assim foram absolvidos da instância.
Decidiu o tribunal nos termos que se passam a transcrever: “Efectivamente, analisado o teor de tais contratos verifica-se que os réus os outorgaram sempre na veste de administradores e jamais em nome próprio. Assim accioná-los equivale a equiparar uma sociedade anónima a uma sociedade em nome colectivo – cfr. art. 175 do CSC – pois só aí existe responsabilidade individual dos sócios.
Salvo o devido respeito a demanda dos réus pessoas singulares não tem o menor fundamento, sendo as mesmas partes ilegítimas pois não estão em juízo pessoas que nos termos da petição respondam pelo cumprimento de tal contrato. Na verdade, e aqui não há outro modo mais edulcorado de o dizer, os autores pulverizaram por completo o instituto da personalidade colectiva, tomando a nuvem por Juno.
Em síntese, por manifesta ilegitimidade passiva absolvo os réus E…, F… e G… da instância.
Custas pelos autores. (…)”. Com tal decisão, o tribunal julgou prejudicado o pedido de ampliação da causa de pedir.
Foi esta decisão que os autores vieram impugnar de imediato, por recurso de apelação, a subir em separado. Formularam, então, as seguintes conclusões, em que condensaram as razões da sua discordância:
1-Proposta acção contra a ré sociedade e contra os seus administradores, com fundamento, no que a estes diz respeito, de actuação prolongada no tempo, que conduziu à violação de direitos dos credores, a responsabilidade que se configura quanto a tais réus é a responsabilidade extracontratual.
2-Os autores alegaram nos nºs 90 a 103 da petição factualidade susceptível de fundamentar a legitimidade processual e material dos 2°, 3° e 4° réus;
3- Tendo o réu E… contestado essa legitimidade bem entendeu em que se fundava a mesma.
4- Em sede de réplica os autores invocaram novos factos nos nºs 17, 18, 19, 25 a 28, 32 a 36, 39 a 47, 49 e 50 desse articulado, entretanto chegados ao seu conhecimento, com interesse para a questão da legitimidade passiva, requerendo a ampliação da causa de pedir quanto a esta questão.
5- Tendo em conta os fundamentos invocados na petição e na réplica e a posição do réu E… na contestação, não devia o despacho saneador conhecer de imediato da excepção invocada por este, julgando os 2°, 3° e 4° réus parte ilegítima.
6- Tanto mais que os Autores deixaram bem claro nos seus articulados que os réus não eram demandados pela sua intervenção no contrato e respectivos aditamentos.
7-Atendendo ao disposto no nº 2 do artigo 26 do C. P. C. que define o interesse em contradizer pelo prejuízo que da procedência do pedido advenha para a parte; e ainda ao disposto no nº 3 do mesmo artigo que os titulares do interesse relevante para efeito de legitimidade são os titulares da relação material controvertida tal como é configurada pelo autor,
8-lmpunha-se, pelo menos, que o despacho saneador deixasse para a decisão final a questão da legitimidade, dependente da prova que viesse a ser produzida sobre a invocada violação de deveres legais de diligência, zelo e prudência na administração com prejuízo para os credores sociais.
9-Uma vez que o conhecimento desta legitimidade, nos termos em que é invocada, configura uma questão de mérito e não mera questão processual.
10-lmpondo-se que o Tribunal levasse aos Factos Assentes e à Base Instrutória a matéria de facto pertinente, nomeadamente a da requerida ampliação da causa de pedir, para poder proferir decisão.
11-Ao decidir nos termos constantes do saneador a Sr.ª Juiz a quo fez errada aplicação das normas dos artigos 26 e do art. 288, nº 1 al. d) do C. P. C.
Nos termos expostos,
Devem ser julgadas procedentes as conclusões que antecedem e revogado o despacho saneador na medida em que julgou procedente a excepção de ilegitimidade dos 2°, 3° e 4° réus, prosseguindo os autos com o aditamento à matéria assente e à base instrutória da matéria alegada para fundamento da legitimidade passiva destes réus.”
Admitido o recurso como de apelação e com subida em separado, veio a ser proferida decisão, neste Tribunal da Relação do Porto, nos termos da qual o mesmo recurso apenas seria admissível a final.
Prosseguiu o processo para julgamento, sendo que nesta fase, em atenção à declaração de insolvência da 1ª ré e ao reconhecimento do crédito aqui invocado no respectivo processo, a instância foi declarada extinta, por inutilidade da lide, por decisão que transitou em julgado.
Foi, então, recuperado o recurso anteriormente interposto sobre a decisão de ilegitimidade dos restantes RR., cujos termos tinham sido salvaguardados para se aproveitarem nesta fase, em despacho que não mereceu qualquer impugnação. Foi determinada a notificação destes para termos do recurso, ao que não sobreveio qualquer resposta.
O recurso foi então remetido para esta Relação, considerando-se o mesmo devidamente admitido, no efeito legalmente previsto, isto é, como recurso de apelação, com subida nos próprios autos e com efeito devolutivo.
Cumpre decidir.

2- FUNDAMENTAÇÃO

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso (cfr. art. 639º e nº 4 do art. 635º, ambos do CPC).
No caso, em função das conclusões formuladas, cumpre decidir se, em função da factualidade alegada na petição, ou, sendo admissível, aditada em sede de réplica, se pode concluir pela legitimidade passiva dos RR. E…, F… e G….
Como se vê da decisão recorrida, o tribunal a quo considerou ser impossível a responsabilização destes RR., já que apenas a sociedade de que seriam administradores outorgou o contrato invocado pelos AA., o que inviabiliza que aqueles possam responder pelas pretensões deduzidas na causa.
Ao fazê-lo, porém, parece não ter atentado noutra ordem de fundamentos apontados pelos autores para empreenderem a responsabilização pessoal daqueles RR, pelos prejuízos que lhes advieram do negócio em questão, em termos que não se traduziriam no mero cumprimento do contrato, já que nada referiu a esse propósito. Com efeito, na petição, sob os arts. 90 a 103, logo os AA. enunciaram argumentos tendentes a sustentar essa responsabilização pessoal, embora não a tenham justificado minimamente, no tocante ao respectivo enquadramento legal. E ampliaram-nos na réplica, em resposta à excepção de ilegitimidade arguida na contestação.
Assim, descortinando-se esse enquadramento legal, cumprirá verificar se os AA. chegaram a alegar, na petição e na réplica factos que à luz de um tal regime justifiquem a legitimidade passiva dos 2º, 3º e 4º RR.
O fundamento jurídico da pretensão deduzida contra estes RR. consta do art. 78º do CSC, nos seguintes termos[1]: “1-Os gerentes ou administradores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos.”
Diz-nos ainda o art. 73º, nº 1, aplicável por remissão do nº 6 do art. 78º, que tal responsabilidade é solidária.
A ausência de qualquer relação contratual entre o credor (in casu, os autores) e os administradores (os 2º, 3º e 4º RR, relativamente à 1ª ré) leva à classificação da responsabilidade prevista no citado art. 78º como aquiliana. Assim, e tal como lapidarmente refere o Prof. Menezes Cordeiro, (Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais, Lex, 1996, pg. 494): “a lei exige, para este tipo de responsabilidade, a violação de normas de protecção aos credores, protecção essa que seja causa da insuficiência patrimonial. Além disso, haverá que verificar os demais requisitos da imputação aquiliana, com relevo para a ilicitude, a culpa e o nexo causal: Nenhum desses factores se presume: haverá – por parte dos interessados – que deduzir, com êxito, a competente prova.”
A interpretação do preceito legal em questão é problemática quanto à identificação do que sejam as disposições legais ou contratuais destinadas à protecção dos credores que, sendo infringidas culposamente, sejam motivo de que o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos. Acresce que é em função desta parte da norma que se define a ilicitude da conduta dos gerentes ou administradores, ilicitude essa que é um dos pressupostos da sua responsabilização pessoal.
Tal questão tem vindo a ser tratada na doutrina e na jurisprudência em termos que se mostram claramente ilustrados pelo Conselheiro Álvaro Rodrigues no Ac. do STJ, de 12-1-2012, de que foi relator, (proc. nº 916/03.2TBCSC.L1.S1, em dgsi.pt), do qual fazemos nossa, com a devida vénia, a respectiva conclusão: “De todas estas posições em pauta, retiramos um denominador comum que consiste em a insuficiência do património da sociedade gerar danos indirectos ou mediatos para aqueles credores, decorrentes de o acervo patrimonial ser insuficiente para a satisfação dos créditos dos mesmos.
É importante ter presente que o estatuto económico da sociedade comercial é factor decisório do crédito que lhe é concedido, não se limitando apenas ao capital social, mas também tendo em consideração o estofo patrimonial da empresa (sociedade) que possa «tranquilizar» os seus credores.
Aliás, há que ter em atenção que, como ensina o Prof. Pereira de Almeida (Sociedades Comerciais, 3ª edição, 2003, pg. 174/5), costuma-se dizer que o capital social é a garantia comum dos credores, carecendo tal afirmação de ser explicada.
Na verdade, diz o citado o Professor que «o capital social figura no balanço como «rubrica do passivo» e a garantia dos credores é certamente constituída pelo activo», acrescentando, mais adiante, que «o capital social distingue-se do património, o qual constitui efectivamente a garantia geral dos credores (artº 601º do C. Civil)».
Logo, as normas que tutelam a conservação ou promovam o aumento desse património têm também em vista a sua protecção, na expressão de Ilídio Rodrigues, supra citada.
Só assim se entende que o legislador tenha estabelecido o enlace normativo entre a inobservância culposa das disposições legais destinadas à protecção dos credores sociais e a insuficiência do património social para a satisfação dos respectivos créditos, na previsão do nº 1 do artº 78º do CSC.
Em conclusão, a diminuição do património social produzida pela inobservância de normas legais do direito societário, constitui um dano directo da sociedade, desde que se verifique o necessário nexo de causalidade, e um dano indirecto dos credores sociais, desde que essa diminuição se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos.
Consequentemente, as normas legais inobservadas, na medida em que da sua violação resultam danos (ainda que indirectos) para os credores da sociedade, visam igualmente evitar tais danos, logo, proteger também os referidos credores, e não apenas lhes aproveitam.
Esse é o critério teleológico que, em nossa convicção, se mostra mais ajustado, não só no plano jurídico-societário, como no aspecto da realidade sócio-económica e empresarial.”
Nestes termos, podemos afirmar que as normas legais e contratuais cuja infracção pelos administradores de uma sociedade consubstancia a ilicitude apta a fundar a sua responsabilização pessoal perante os credores serão todas aquelas cuja inobservância (culposa) determine a insuficiência (prejudicando a conservação ou inibindo o aumento) do património social (que não apenas o capital social), para a satisfação dos respectivos créditos.
Por outro lado, para além da verificação de uma tal actuação ilícita, o deferimento da pretensão dos apelantes exigirá, ainda, a possibilidade de formulação de um juízo de culpa sobre os RR, concomitante com essa ilicitude. O conceito de culpa a utilizar é o geral, segundo o qual actua culposamente o gerente ou administrador que, nas circunstâncias do caso e segundo as suas capacidades e possibilidades, devesse ter actuado de forma diferente daquela que adoptou para a sociedade sob sua administração e que redundou na produção do resultado danoso.
Por fim, e nos termos gerais da responsabilidade aquiliana, o resultado danoso sofrido pelo credor há-de ser consequência adequada da infracção cometida.
Tendo isto presente, vejamos agora se os AA. alegaram factos aptos a fazer actuar um tal regime, sustentando, assim, a legitimidade passiva dos 2º a 4º RR. No caso de se identificar a alegação de tais factos, a sua ulterior demonstração será já condição de procedência do pedido, questão esta que se coloca a jusante da da legitimidade, que agora nos ocupa.
Encetando esta tarefa, temos de excluir todo e qualquer acto referente à própria celebração dos contratos, promessa e de compra e venda, concluídos entre a 1ª ré e os autores. É que não encontra alegado que qualquer dos 2º a 4º RR., ao celebrar tais contratos, tenha pretendido e operado a apropriação pessoal dos capitais a esse título entregues pelos autores à 1ª ré, integrando-os nos respectivos patrimónios pessoais. Para esse efeito, é insuficiente a alegação constante dos arts. 94 e 95 da p.i., segundo a qual a emissão de cheques entregues pelo autor haviam sido emitidos à ordem do réu E..., evidenciando isso uma confusão entre os interesses patrimoniais da sociedade e os próprios dos administradores. Nos próprios termos desta alegação, um mero procedimento operacional de pagamento, tal como se encontra alegado, não comporta, mesmo tacitamente, a afirmação de que essa actuação tendia ao esvaziamento dos capitais da 1ª ré, de forma a prejudicar em momento ulterior a satisfação dos interesses dos credores.
Sucessivamente, as alegações constantes dos arts. 97 a 99 (a actividade sob a forma de uma sociedade anónima visava apenas afastar a responsabilização dos RR.) são exclusivamente conclusivas, sendo imprestáveis para o apuramento de qualquer factualidade relevante.
Por fim, sob os arts. 100 a 103 da p.i., o facto de o prédio onde foram feitas as construções ser pertença do E… e mulher e o facto de os bens da sociedade ré se mostrarem hipotecados para efeitos de financiamento da sua própria actividade não traduzem, de per si uma qualquer actividade ilícita, em termos subsumíveis ao regime legal citado.
Temos, em suma, que a factualidade alegada pelos AA. na sua p.i. não é de ordem a facultar o preenchimento da previsão da norma constante do art. 78º do CSC: não se apontam condutas consubstanciadoras de inobservância das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção dos credores, disposições essas que os AA. nem especificam; nem se alegam factos que possam sustentar um juízo de culpa dos RR. relativamente a uma tal conduta ilícita, por referência ao conceito de culpa que antes se enunciou; nem é apontada qualquer factualidade que permita estabelecer um nexo de causalidade entre quaisquer desses actos ilícitos, esquecidos na alegação, e os prejuízos que alegam, traduzidos no crédito insatisfeito pela 1ª ré, nos trabalhos por completar na sua vivenda e nos defeitos que essa vivenda apresenta e na impossibilidade de isso ser ressarcido através do património social.
Por conseguinte, não obstante a configuração dos termos da responsabilização dos 2º a 4º RR. para consigo, os AA., na p.i., não alegaram factos em que se possa fundar essa responsabilização.
Porém, dispondo de uma segunda oportunidade, vieram os AA. apresentar uma nova argumentação tendente a esse resultado, através do expediente de ampliação da causa de pedir, na réplica.
Ao tempo da apresentação da réplica, encontrava-se em vigor o CPC na sua versão anterior à da Lei nº 41/2013. Nessa versão do CPC, o art. 273º facultava aos AA. a ampliação da causa de pedir nos termos – formais e cronológicos - em que declararam fazê-lo.
No caso concreto, já consideramos que os AA., na p.i., não alegaram factos consubstanciadores de uma causa de pedir apta a sustentar a demanda dos 2º a 4º RR. Seria, pois, discutível se o que operaram na réplica foi uma verdadeira ampliação da causa de pedir, por não poder ampliar-se aquilo que não existe. Porém, por facilidade, não se irá considerar tal obstáculo. E isso porquanto, mesmo prescindindo dessa discussão, nem assim a réplica fornece indícios de um substrato fáctico apto a justificar a demanda desses RR., à luz do regime legal que facultaria a sua responsabilização.
Para esse efeito, no presente recurso, os apelantes invocam os factos descritos nos arts. 17, 18, 19, 25 a 28, 32 a 36, 39 a 47, 49 e 50 da réplica. Analisemos a argumentação desenvolvida nessas normas.
Sob os pontos 17 a 19, os AA. alegam que os RR. os desmotivaram quanto à hipótese de uma acção judicial tendente à satisfação do seu crédito. Não se verifica aqui a violação de qualquer norma societária, legal ou contratual, que os RR. tenham infringido, que fosse destinada à protecção dos credores e de onde tenha resultado a perda do património social com prejuízo para a satisfação do direito dos AA.
Sob os pontos 25 a 28, os AA. aludem a dificuldades de citação pessoal das RR. e à dificuldade de citação da própria ré D…, S.A., em 2011, bem como à informação de que esta já estaria insolvente. Da mesma ordem são os factos descritos sob os pontos 32 a 36 e 39 a 47, 49 e 50, sempre referentes a uma actuação dos RR. que, mudando a sede da sociedade, deixando de ter fiscal e permitindo a existência de dois processos de insolvência da sociedade ré, um no tribunal de Baião e outro no do Marco de Canavezes, sempre teriam tratado de eximir a sua responsabilidade perante as pessoas com quem, a coberto da personalidade jurídica da sociedade, teriam contratado.
Também quanto à factualidade considerada nestes pontos, falha a indicação das regras societárias violadas e que teriam em vista a protecção de credores; falha a alegação complementar de factos de onde pudesse inferir-se a culpa dos própria dos 2ª a 4º RR.; e falha a alegação de um nexo de causalidade entre os factos apontados e uma eventual impossibilidade de os AA. verem satisfeitos os seus créditos por via da responsabilização da própria ré D…, S.A., que estando em estado de insolvência ao tempo da própria réplica, como alegam os AA, nem por isso motivou a alegação da respectiva incapacidade para a satisfação desses créditos.
Ou seja, mesmo em sede da réplica, tudo se reconduz à afirmação conclusiva e, por isso, inaproveitável constante do art. 54º, de que os RR. teriam tido uma conduta desconforme com deveres de cuidado, zelo e prudência, assim incorrendo num acto ilícito. Por especificar ficaram esses deveres, a forma como as mencionadas acções e omissões os frustraram, a alegação da culpa dos 2º a 4º RR. em relação a tais acções e omissões e a alegação de factualidade apta ao estabelecimento de um nexo causal entre tais acções e omissões e o prejuízo que eventualmente advenha da impossibilidade de satisfação dos direitos alegados por via da responsabilização da 1ª ré, no caso, através do seu correspondente exercício no processo da respectiva insolvência.
Por tudo isto, em termos paralelos aos já referidos quanto à p.i., somos a entender que também por via da ampliação da causa de pedir operada na réplica, não ficaram os autos dotados de um mínimo de factualidade habilitante à demanda dos RR, não em razão de uma responsabilidade contratual que lhes adviesse do contrato celebrado entre os AA. e a Ré de quem eram administradores, mas em razão de uma responsabilidade extracontratual inerente aos termos da sua administração dessa sociedade.
Por conseguinte, a única factualidade apta a constituir o objecto da acção reconduziu-se aos termos dos contratos celebrados com a ré D…, S.A., relativamente ao que os 2º a 4º RR. só podem ser considerados parte ilegítima. E, nessa medida, não deixou de ser acertada a decisão do tribunal a quo.
Acresce que, a considerar-se a perspectiva dos AA., segundo a qual diferentemente estava configurada a causa de pedir quanto aos 2º, 3º e 4º RR, então sempre esta estaria desprovida de conteúdo, o que conduziria necessariamente à mesma solução: a absolvição desses RR. da instância, motivada por falta de causa de pedir.
Por todo o exposto, embora à luz de um fundamento algo diverso, entendemos ser de manter a decisão recorrida que, concluindo pela ilegitimidade passiva dos réus E…, F… e G…, decretou a sua absolvição da instância. Restará, assim, declarar a improcedência deste recurso, com a inerente confirmação do decidido em 1ª instância.
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Resumindo (art. 663º, nº 7 do CPC):
1 – A responsabilização pessoal dos administradores de uma sociedade perante os credores desta, nos termos do art. 78º, nº 1 do CSC, exige a alegação e prova de actos ou omissões que constituam infracção a normas legais ou contratuais destinadas à protecção destes.
2 - Tais actos e normas não podem deixar de ser concretamente especificados, para se apurar da respectiva realidade e subsumibilidade às normas invocadas.
3 – Essas normas legais e contratuais serão todas aquelas cuja inobservância (culposa) determine a insuficiência (prejudicando a conservação ou inibindo o aumento) do património social (que não apenas o capital social), para a satisfação dos respectivos créditos.
4 - Para a responsabilização dos administradores nestes termos, é essencial a possibilidade de formulação de um juízo de culpa sobre a sua actuação, concomitante com a respectiva ilicitude perante as normas em referência. O conceito de culpa a utilizar é o geral, segundo o qual actua culposamente o gerente ou administrador que, nas circunstâncias do caso e segundo as suas capacidades e possibilidades, podia e devia ter actuado de forma diferente daquela que adoptou para a sociedade sob sua administração e que redundou na produção do resultado danoso.
5 - Por fim, e nos termos gerais da responsabilidade aquiliana, o resultado danoso sofrido pelo credor há-de ser consequência adequada da infracção cometida.

3 - DECISÃO

Pelo exposto, acordam os juízes que constituem este Tribunal em julgar improcedente a presente apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pelos apelantes.
Registe e notifique.

Porto, 9/6/2015
Rui Moreira
Henrique Araújo
Fernando Samões
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[1] Seguiremos de perto o que referimos, a propósito desta questão, no Ac. proferido neste TRP, em 1/7/2014, no proc. nº 8324/12.8TBMTS.P1, disponível em www.dgsi.pt