Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
13/14.5TTVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA SOARES
Descritores: SUSPENSÃO DO CONTRATO DE TRABALHO
PRÉ-REFORMA
ATUALIZAÇÃO ANUAL
Nº do Documento: RP2016121513/14.5TTVNG.P1
Data do Acordão: 12/15/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 249, FLS.332-338)
Área Temática: .
Sumário: Tendo o trabalhador e a empregadora acordado a suspensão do contrato de trabalho e, em simultâneo, a pré-reforma daquele, regulando o modo de actualização futura das prestações de pré-reforma – actualização anual, simultaneamente com a actualização dos salários dos trabalhadores do activo e com base na aplicação de valor percentual idêntico ao que vier a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial dos mesmos – fica excluída a aplicação do regime supletivo previsto no art.º 359.º, n.º 2 do CT/2003.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº13/14.5TTVNG.P1
Relatora: M. Fernanda Soares – 1398
Adjuntos: Dr. Domingos José de Morais
Dra. Paula Leal de Carvalho
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I
B… instaurou, em 06.01.2014, na Comarca do Porto, Vila Nova de Gaia – Instância Central – 5ª Secção Trabalho – J1, acção com processo declarativo comum, contra C…., pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de €17.711,95, respeitante a diferenças remuneratórias desde Dezembro de 2006 até 31 de Dezembro de 2013, inclusive, resultantes da falta das actualizações decorrentes da celebração do Acordo de Pré-Reforma, acrescida do valor que vier a ser apurado no cálculo a levar a efeito pelo INE de harmonia com a actualização de valores com base no índice de preços ao consumidor (IPC), juros calculados à taxa legal desde a citação e até efectivo e integral pagamento. Pede ainda a condenação da Ré a proceder à actualização da remuneração respeitante aos meses subsequentes e ainda a cumprir o que consta da clª4ª do Acordo enquanto se mantiver em vigor.
Alega o Autor ser trabalhador da Ré com a categoria profissional de Técnico Licenciado, auferindo mensalmente a remuneração base, acrescida de diuturnidades que, para efeitos de pré-reforma, foi fixada em € 4.186,04. No dia 06.10.2005 o Autor e a Ré celebraram ACORDO DE PRÉ-REFORMA ficando a constar da sua clª4ª que «o montante da prestação de pré-reforma será actualizada anualmente, simultaneamente com a actualização dos salários dos trabalhadores do activo e com base na aplicação de valor percentual idêntico ao que vier a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial dos mesmos». Acontece que a Ré, não obstante o clausulado no referido ACORDO, nunca procedeu às actualizações.
A Ré contestou impugnando o valor da causa, arguindo a ininteligibilidade da causa de pedir ou contradição entre causas de pedir. Em sede de impugnação veio defender que o que ficou acordado entre as partes foi que a actualização da prestação de pré-reforma ficou indexado ao valor percentual que fosse fixado para os trabalhadores do activo, a significar que esse aumento é atribuído como se o trabalhador estivesse no activo, sendo que assim a Ré actuou ao ter aumentado a prestação de pré-reforma na data em que o Autor, caso estivesse ao serviço, venceria a sexta diuturnidade, a saber, Fevereiro de 2010. A defender-se a tese do Autor então a Ré estaria a proceder a uma discriminação negativa em relação aos colegas do Autor no activo. Mais refere que não actualizou, nos anos de 2006 a 2013, os salários dos trabalhadores no activo por aplicação dos coeficientes de actualização indicados pelo Autor na petição inicial. E caso se proceda à actualização nos termos indicados pelo Autor, então, o referido montante - €3.503,71 – corresponderia a uma remuneração base de €4.526,76, excedendo em €340,71 mensais o valor da prestação que resultou do Acordo [83,69% da remuneração base em vez de 77,4% acordados]. Conclui pela sua absolvição da instância e pela improcedência dos pedidos.
O Autor veio responder.
Foi proferido despacho saneador, fixado o valor da causa e julgada improcedente a excepção de ininteligibilidade da causa de pedir ou contradição entre causas de pedir.
Procedeu-se a julgamento com gravação da prova pessoal e foi proferida sentença, em 02.06.2016, que julgou a acção improcedente e absolveu a Ré do pedido.
O Autor, inconformado, veio recorrer da sentença pedindo a sua revogação e substituição por acórdão que julgue a acção procedente, concluindo do seguinte modo:
1. À data da celebração do acordo de pré-reforma – 06.10.2005 – estava em vigor o CT/2003, dispondo o nº2 do seu artigo 359º que “salvo estipulação em contrário constante do acordo de pré-reforma, a prestação referida no número anterior é actualizada anualmente em percentagem igual à do aumento de retribuição de que o trabalhador beneficiaria se estivesse no pleno exercício de funções ou, não havendo tal aumento, à taxa de inflação”.
2. Com o CT/2009, a disposição equivalente – nº2 do artigo 320º - apenas introduziu ligeiríssimas alterações de pormenor.
3. A Ré, responsável pela redacção do acordo, não se limitou a transcrever a disposição legal do CT, o que lhe teria sido bem mais fácil se essa fosse a sua intenção e eliminaria em definitivo quaisquer dúvidas de interpretação.
4. Nos citados CT o legislador pessoalizou a situação de pré-reforma ao especificar que a actualização da prestação é fixada em percentagem igual à do aumento de retribuição de que aquele trabalhador em concreto beneficiaria se estivesse em pleno exercício das suas funções.
5. Ou seja, se aquele trabalhador em concreto, com aquela categoria específica e com aquele nível salarial estivesse ao serviço e não beneficiasse de aumento de retribuição, também não beneficiaria de aumento na sua prestação de pré-reforma.
6. Foi a Ré quem redigiu o acordo e, nomeadamente, a sua clª4ª que refere: «O montante da prestação de pré-reforma será actualizado anualmente, simultaneamente com a actualização dos salários dos trabalhadores do activo e com base na aplicação de valor percentual idêntico ao que vier a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial dos mesmos».
7. Foi a Ré quem remeteu o aumento anual da prestação de pré-reforma para um valor percentual calculado em termos médios com referência à tabela salarial de TODOS os trabalhadores.
8. A vingar a tese da Ré – sufragada na sentença recorrida – não faria sentido falar-se em «termos médios», nem tão pouco em «percentagem».
9. No acordo de pré-reforma fixou-se uma forma de actualização, ou seja, uma estipulação em contrário do critério legal utilizado no nº2 do artigo 359º do CT/2003.
10. Um critério de actualização que foi livremente fixado pelas partes e que foi determinantes na formação de vontade do Autor de aderir ao que lhe era proposto.
11. Esta é a ÚNICA interpretação possível da clª4ª do acordo de pré-reforma, a ÚNICA que tem correspondência verbal no seu texto.
12. Esta foi a prática seguida pela Ré, sendo certo que só a partir de 2006 passou a alterar a redacção desta clª que previa a actualização da prestação de pré-reforma, passando, só desde então, a dar-lhe redacção semelhante à do CT.
13. A sentença viola o disposto no nº2 do artigo 320º do CT na medida em que no Acordo de Pré-Reforma as partes fixaram uma «estipulação em contrário» ao critério utilizado pelo legislador, bem como o disposto nos artigos 236º e 239º do CC.
A Ré veio contra alegar e ampliar o objecto do recurso pedindo a confirmação da decisão recorrida, concluindo do seguinte modo:
1. Deverá subsidiariamente ser ampliado o objecto do recurso de modo a considerar que jamais poderá ser reconhecida ao Autor o direito a auferir uma prestação de pré-reforma no valor de €3.503,71, pela razão de que 77,4% desse montante corresponderia a uma remuneração base de €4.526,76.
2. Ora, a Ré obrigou-se a pagar ao Autor uma prestação de pré-reforma correspondente a 77,4% da sua remuneração – facto 6 – isto é a €4.186,04 – facto 2.
3. Por sua vez, o Autor aceitou que a sua prestação de pré-reforma correspondesse a 77,4% da sua remuneração.
4. Remuneração que se manteria inalterada até Junho de 2013, já que desde 2006 até essa data, a Ré não actualizou a remuneração de nenhum seu trabalhador no activo que auferisse um montante igual ou superior a € 4,186,04, logo não actualizaria a remuneração do Autor – factos 12 e 13.
5. Donde também por esta razão não poderá proceder a pretensão do Autor, dado estar vedado ao Tribunal sobrepor-se à vontade das partes, expressamente exarada no Acordo de Pré-Reforma e de cujo conteúdo e efeitos o Autor ficou bem ciente.
6. Impõe-se, em suma, com os fundamentos aduzidos na decisão recorrida ou os resultantes da ampliação do objecto do recurso, que se mantenha a decisão e se julgue a acção improcedente.
A Exma. Procuradora Geral Adjunta junto desta Relação, citando o acórdão do TRC de 24.9.2015, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
Admitido o recurso cumpre decidir.
* * *
II
Matéria de facto dada como provada e a ter em conta na decisão do recurso.
1. O Autor é trabalhador da Ré, com o nº…….., desempenhando as funções inerentes à categoria de Técnico Licenciado.
2. Auferia mensalmente uma remuneração base, acrescida de diuturnidades que, para efeitos de situação de pré-reforma, foi fixada em €4.186,04, conforme documento junto a folhas 7.
3. No ano de 2005 a Ré promoveu um movimento de saídas antecipadas dos seus trabalhadores ou suspensão dos respectivos contratos, usando para o efeito a divulgação de brochuras internas e emails na internet, conforme se infere do documento junto a folhas 8 e 9.
4. Para além disso, aos trabalhadores que reuniam as condições necessárias à integração daquele movimento, remeteu cartas pessoais divulgando e convidando à respectiva adesão.
5. No seguimento de tais contactos, o Autor acordou com a Ré, em 06.10.2005, outorgar o Acordo de Pré-Reforma junto a folhas 10 e 11.
6. Assim, o Autor ficou suspenso da prestação de trabalho e durante o período de suspensão a Ré comprometeu-se a pagar-lhe uma prestação mensal de pré-reforma de €3.240,00, correspondente a 77,4% da média das retribuições mensais ilíquidas (retribuição base e diuturnidades) auferidas nos últimos 36 meses.
7. Na clª4ª do Acordo, Autor e Ré convencionaram que “1. O montante da prestação de pré-reforma será actualizado anualmente, simultaneamente com a actualização dos salários dos trabalhadores no activo e com base na aplicação de valor percentual idêntico ao que vier a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial dos mesmos”.
8. Por seu turno, na clª12ª ficou convencionado que “qualquer alteração a este Acordo só produzirá efeitos caso revista forma escrita e seja subscrito por ambas as partes”.
9. A Ré apenas actualizou a prestação de pré-reforma referida em 6 nos seguintes anos e para os seguintes montantes: em 2006 para o valor de €3.250,00; em 2007 para €3.251,00; em 2008 para €3.252,82; em 2010 e até Junho deste ano, para €3.274,83; de Julho de 2010 a Junho de 2013 para €3.276,07 e de Julho de 2013 em diante para €3.277,81.
10. Tais actualizações derivaram das actualizações dos valores das diuturnidades naqueles anos/períodos e a última (de Julho de 2013 em diante) derivou de uma actualização de 1.1% que a Ré aplicou à generalidade das remunerações e prestações de pré-reforma.
11. De 2006 em diante e até Junho de 2013, as actualizações aplicadas pela Ré aos salários dos trabalhadores no activo foram as convencionadas em sede de contratação colectiva, conforme texto do Acordo de Empresa e cópia do BTE juntos a folhas 12 a 19.
12. Desde Janeiro de 2006 deixaram assim de haver aumentos salariais generalizados e passou a haver aumentos salariais apenas até certos valores de vencimento (em 2006 apenas aos vencimentos até €2.873,00, em 2007 aos vencimentos até €2.887,30, em 2008 aos vencimentos até €2.887,30 e em 2010 aos vencimentos até €2.930,71). E os aumentos que houve deixaram de ser numa mesma percentagem e passaram a ser diferenciados em função de certos escalões de vencimento (com percentagens progressivamente menores quanto mais elevados os vencimentos).
13. Nos anos de 2009, 2011 e 2012 não houve actualização de remunerações para nenhum trabalhador da Ré.
14. Voltando a haver actualização generalizada das remunerações em 01.07.2013, na percentagem indicada em 10 (1,1%).
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III
Objecto do recurso.
Da interpretação da clª4ª do Acordo de Pré-Reforma celebrado entre as partes.
Na sentença recorrida concluiu-se pela improcedência da pretensão do Autor quanto à actualização da prestação de pré-reforma em função dos índices de preços ao consumidor ou de inflação, com o fundamento de que tal não foi convencionado e o mesmo não resultar do DL nº261/91 de 25.07 [diploma que estabeleceu o regime jurídico da pré-reforma].E passando à análise da clª4ª do referido Acordo, no sentido de interpretação da mesma quanto à estipulação de actualização, afirma-se na sentença recorrida o seguinte: (…) “não se tendo apurado – face à prova produzida – que a vontade real das partes fosse outra, o sentido a atribuir à dita cláusula terá de ser o sentido com que «um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário», lhe atribua – artigo 236º do CC. E a nosso ver o que um declaratário normal infere da cláusula em questão é que a prestação de pré-reforma então acordada seria actualizada em condições análogas à que fossem actualizados os salários dos trabalhadores no activo, ou seja, seria actualizada se o beneficiário (A), caso estivesse no activo e com aquele montante de salário, visse também actualizado este e em igual percentagem. É certo que a referência ao «valor percentual idêntico ao que vier a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial» dos trabalhadores no activo deixa a dúvida sobre se a actualização da prestação de pré-reforma seria em percentagem igual à da actualização do correspondente salário ou se seria numa percentagem achada entre as diversas actualizações dos diversos salários em vigor na empresa. Mas, seja como for, a verdade é que nada legitima a interpretação de que o Autor iria beneficiar de uma actualização superior à que teria se estivesse a trabalhar ou, enfim, que o Autor iria beneficiar de actualizações mesmo que, caso estivesse a trabalhar com aquele vencimento, nenhuma actualização deste tivesse” (…) “Acresce nada revela que tenha sido intenção expressa das partes estabelecer um critério de actualização substancialmente diverso do que, supletivamente, se encontra estabelecido no artigo 6º, nº2 do citado DL nº261/91 de 25.05, e que é o de que a prestação de pré-reforma «é actualizada anualmente em percentagem igual à do aumento de remuneração que o trabalhador beneficiaria se estivesse em serviço». Compreendemos que, no caso, o Autor tenha ficado surpreendido com a inexistência de aumentos salariais, a partir do ano seguinte à subscrição do acordo, para os salários da ordem da sua prestação de pré-reforma, já que nos anos anteriores – em que o Autor trabalhava – era prática da empresa aumentar a generalidade dos vencimentos e em percentagem idêntica para todos eles, Mas a verdade é que a Ré não estava nem está obrigada a proceder a aumentos salariais, nem muito menos em igual percentagem para todos. A alteração da política remuneratória, a partir de 2006, certamente ligada a mudanças do contexto económico-financeiro, era e é algo que, se o Autor quisesse efectivamente acautelar ou evitar, teria de ter ficado expresso no texto do acordo através de uma actualização com base em critério diverso das actualizações dos salários dos trabalhadores no activo. Não tendo exigido ou negociado um critério diverso – como poderia ser o da actualização em função dos índices de inflação – o Autor, não pode agora e salvo o devido respeito pretender que a Ré está vinculada a actualizar-se a prestação de pré-reforma mesmo que, caso estivesse no activo, não actualizasse o salário a ela correspondente” (…).
O apelante discorda argumentando do seguinte modo: A vingar a tese da Ré – sufragada na sentença recorrida – não faria sentido falar-se em «termos médios», nem tão pouco em «percentagem». No acordo de pré-reforma fixou-se uma forma de actualização, ou seja, uma estipulação em contrário do critério legal utilizado no nº2 do artigo 359º do CT/2003. Um critério de actualização que foi livremente fixado pelas partes e que foi determinante na formação de vontade do Autor de aderir ao que lhe era proposto. Esta é a ÚNICA interpretação possível da clª4ª do acordo de pré-reforma, a ÚNICA que tem correspondência verbal no seu texto. Esta foi a prática seguida pela Ré, sendo certo que só a partir de 2006 passou a alterar a redacção desta clª que previa a actualização da prestação de pré-reforma, passando, só desde então, a dar-lhe redacção semelhante à do CT. A sentença viola o disposto no nº2 do artigo 320º do CT na medida em que no Acordo de Pré-Reforma as partes fixaram uma «estipulação em contrário» ao critério utilizado pelo legislador, bem como o disposto nos artigos 236º e 239º do CC. Que dizer?
O Acordo de Pré-Reforma foi celebrado em 06.10.2005, pelo que é aplicável, ao caso, as disposições relativas à pré-reforma constantes dos artigos 356º a 362º do CT/2003 e não o DL nº261/91 de 25.07 – lei da pré-reforma – o qual foi revogado pela al. o) do nº1 do artigo 21º da Lei nº99/2003 de 27.08 [o DL nº87/2004 de 17.04 repristinou os artigos 8º «direitos em matéria de segurança social», 9º «regime contributivo», 12º «situações especiais de pré-reforma antecipada» e 15º «regiões autónomas» do DL nº261/91 os quais não interessam para aqui].
Nos termos do artigo 359º do CT/2003 “1 – A prestação de pré-reforma inicialmente fixada não pode ser inferior a 25% da última retribuição auferida pelo trabalhador, nem superior ao montante desta retribuição. 2 – Salvo estipulação em contrário constante do acordo de pré-reforma, a prestação referida no número anterior é actualizada anualmente em percentagem igual à do aumento de retribuição de que o trabalhador beneficiaria se estivesse no pleno exercício das suas funções ou, não havendo tal aumento, à taxa de inflação. 3 – A prestação de pré-reforma goza de todas as garantias e privilégios reconhecidos à retribuição”.
Do teor da referida norma legal decorre que a actualização da prestação da pré-reforma faz-se, por regra, por referência ao aumento da retribuição que o trabalhador teria se estivesse a trabalhar.
A clª4ª do Acordo de Pré-Reforma, celebrado entre as partes, tem a seguinte redacção: “O montante da prestação de pré-reforma será actualizado anualmente, simultaneamente com a actualização dos salários dos trabalhadores do activo e com base na aplicação de valor percentual idêntico ao que vier a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial dos mesmos”.
Segundo o disposto no artigo 236º do C. Civil “1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele. 2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida”. E nos termos do artigo 238º do mesmo Código “1. Nos negócios formais não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.2.Esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade”.
É a teoria da impressão do destinatário acolhida no C. Civil mas com a limitação indicada no artigo 238º no que respeita aos negócios formais, como é o caso dos autos.
Passemos então à análise da referida cláusula, a 4ª.
Se compararmos o teor dessa cláusula com o que determina o nº2 do artigo 359º do CT/2003 – vigente na data do Acordo de Pré-Reforma – verificamos que não há coincidência entre o estipulado na clª4ª e o determinado no CT.
Na verdade, o nº2 do artigo 359º do CT/2003 determina que a actualização da prestação de pré-reforma deve ser feita conforme a actualização que ocorreria se o trabalhador, agora em situação de pré-reforma, estivesse a trabalhar, ou seja, no activo. Se não ocorrer essa actualização então o aumento será em função da taxa de inflação.
Já o teor da clª4ª permite-nos concluir que o critério de actualização da prestação de pré-reforma não teve em conta o circunstancialismo previsto no artigo 359º, nº2 do CT/2003 mas outro, a saber: aplicação de valor percentual idêntico ao que vier a ser fixado, em termos médios, para a tabela salarial dos trabalhadores do activo, ou seja, de todos os trabalhadores da empresa.
Com efeito, não se alcança a utilidade da expressão em termos médios, empregue na referida cláusula se apenas se tivesse em conta, para efeitos de actualização, os aumentos do trabalhador, aqui Autor, como se estivesse no activo.
E este diferente critério é perfeitamente admissível tendo em conta a primeira parte do nº2 do artigo 359º do CT/2003, concretamente, quando aí se diz “Salvo estipulação em contrário constante do acordo de pré-reforma”, já que não se está perante norma de carácter imperativo.
Neste sentido se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 24.09.2015, publicado em www.dgsi.pt e que passamos a transcrever na parte que aqui releva: (…) “Do espírito da estipulação contratual, tendo em conta o surgimento da cláusula que afasta a norma legal subsidiária, afigura-se-nos que, no âmbito da conjugação dos interesses que subjazem a qualquer acordo, se visou assegurar que a prestação de pré-reforma do A. seria sempre actualizável na mesma percentagem e no mesmo momento dos aumentos de retribuição da generalidade dos trabalhadores da R./recorrente. Caso contrário, não haveria necessidade de estipular sobre a actualização da prestação de pré-reforma do A., pois funcionaria a norma legal subsidiária e a aludida prestação seria actualizada em percentagem igual à do aumento de retribuição de que o trabalhador beneficiaria se estivesse no pleno exercício das suas funções (ou, não havendo tal aumento, à taxa de inflação), pelo que o A. apenas beneficiaria da actualização realizada pela empresa ao universo dos trabalhadores em situação comparável à sua, isto é, ao (sub-) universo de trabalhadores em que o mesmo se integraria, caso permanecesse no activo. Por todo o exposto, é nosso entendimento que qualquer declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, intuía que na cláusula 3ª/3 do “Acordo de Pré-Reforma e de Reforma”, a R. se comprometeu a actualizar a prestação de pré-reforma do A., ora recorrido, na mesma percentagem e no mesmo momento em que procedesse ao aumento das retribuições para a generalidade dos seus trabalhadores” (…). Em sentido idêntico é o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 15.06.2016 e cujo sumário é o seguinte: “Tendo os trabalhadores e a empregadora acordado a suspensão do contrato de trabalho e, em simultâneo, a pré-reforma daqueles, regulando o modo de actualização futura das prestações de pré-reforma (que seria em função da percentagem do aumento da retribuição dos trabalhadores no activo), fica excluída a aplicação do regime supletivo previsto no art.º 359.º, n.º 2 do CT/2003 (segundo o qual a actualização é feita com base na percentagem igual à do aumento de retribuição de que o trabalhador beneficiaria se estivesse no pleno exercício das suas funções ou, não havendo tal aumento, à taxa de inflação)”.
Deste modo, não pode a sentença manter-se.
Da ampliação do objecto do recurso.
A Ré veio, em sede de ampliação do objecto do recurso, alegar que outro fundamento existe que conduz à improcedência da acção e que alegou na sua contestação, a saber: caso proceda a pretensão do Autor – actualização da prestação de pré-reforma para o valor de €3.503,71 – este montante corresponderia a uma remuneração base de €4.526,76, o que excederia em €340,71 mensais o valor da prestou que resultou do Acordo de Pré-Reforma e corresponderia, não a 77,4%, mas antes a 83,69% da remuneração base do Autor, sendo que a Ré não se vinculou a tal. Vejamos então.
Determina o artigo 636º, nº1 do CPC que “ No caso de pluralidade de fundamentos da acção ou da defesa, o tribunal de recurso conhecerá do fundamento em que a parte vencedora decaiu, desde que esta o requeira, mesmo a título subsidiário, na respectiva alegação, prevenindo a necessidade da sua apreciação”.
Salvo o devido respeito, ao caso não é aplicável o citado artigo, na medida em que o Tribunal a quo nem sequer se pronunciou sobre a questão ora colocada pela Ré. Ao caso será aplicável o determinado no artigo 665º, nº2 do CPC [«Se o Tribunal recorrido tiver deixado de conhecer certas questões, designadamente por as considerar prejudicadas pela solução dada ao litígio, a Relação, se entender que a apelação procede e nada obsta à apreciação daquelas, delas conhece no mesmo acórdão em que revogar a decisão recorrida, sempre que disponha dos elementos necessários»].
Por despacho da relatora, datado de 31.10.2016, ordenou-se a notificação do Autor para os termos do nº3 do artigo 665º do CPC nada tendo alegado. Cumpre então apreciar.
Refere a apelada o seguinte: jamais poderá ser reconhecida ao Autor o direito a auferir uma prestação de pré-reforma no valor de €3.503,71, pela razão de que 77,4% desse montante corresponderia a uma remuneração base de €4.526,76. Ora, a Ré obrigou-se a pagar ao Autor uma prestação de pré-reforma correspondente a 77,4% da sua remuneração – facto 6 – isto é a €4.186,04 – facto 2. Por sua vez, o Autor aceitou que a sua prestação de pré-reforma correspondesse a 77,4% da sua remuneração. Remuneração que se manteria inalterada até Junho de 2013, já que desde 2006 até essa data, a Ré não actualizou a remuneração de nenhum seu trabalhador no activo que auferisse um montante igual ou superior a €4,186,04, logo não actualizaria a remuneração do Autor – factos 12 e 13. Donde também por esta razão não poderá proceder a pretensão do Autor, dado estar vedado ao Tribunal sobrepor-se à vontade das partes, expressamente exarada no Acordo de Pré-Reforma e de cujo conteúdo e efeitos o Autor ficou bem ciente.
O facto de a prestação de pré-reforma ultrapassar 77,4% da remuneração base do Autor tal não significa o desrespeito pelo contratualizado entre as partes. Na verdade, o limite imposto pelo nº1 do artigo 359º do CT/2003 [«a pensão de pré-reforma inicialmente fixada não pode ser inferior a 25% da última retribuição auferida pelo trabalhador, nem superior ao montante desta última»] apenas se reporta à fixação inicial da pensão, e não às posteriores actualizações. Acresce dizer que as partes acordaram, quanto à actualização da pré-reforma, um critério diverso do estabelecido no artigo 359º, nº2 do CT/2003 – nos termos que se deixaram indicados – e que é perfeitamente permitido em face da primeira parte do citado artigo [«salvo estipulação em contrário constante de acordo de pré-reforma»…].
Por isso, não procede o fundamento referido pela apelada.
* * *
IV
Dos créditos do Autor.
Tendo em conta os índices médios de actualização indicados na petição inicial, as actualizações efectuadas pela Ré – facto 9 – e os anos em que não ocorreu qualquer actualização – facto 13 – cumpre proceder ao apuramento dos créditos do Autor: 2006 - €3.240,00 x 1,0186 = €3.300,26 - €3.250,00 = €50,26 x 14 meses (clª3ª do acordo de pré-reforma) = €703,64; 2007 - €3.300,26 x 1,0159 = €3.352,73 - €3.251,00 = €101,73 x 14 meses = €1.424,22; 2008 - €3.352,73 x 1,0169 = €3.409,39 - €3.252,82 = €156,57 x 11 meses = €1.722,27; 2008 - €3.409,39 x 1,0020 = €3.416,21 - €3.252,82 = €163,39 x 3 meses = €490,17; 2009 – neste ano não houve actualização mas como a Ré pagou ao Autor €3.252,82 e tendo este direito a €3.416,21 tem ainda a receber €2.287,46 [3.416,21 – 3.252,82 = 163,39 x 14 meses]; 2010 – neste ano o Autor não formula qualquer pedido de actualização no que se reporta aos anos de Janeiro a Junho (artigo 19 da petição), mas como a Ré lhe pagou €3.274,83 e tendo o mesmo direito a €3.416,21 tem ainda direito a receber €848,28 [3.416,21 – 3.274,83 = 141,38 x 6 meses]; 2010 Julho a Dezembro - €3.416,21 x 1,0092835 = €3.447,92 - € 3.276,07 = €171,85 x 8 meses = €1.374,80; 2011 e 2012 – nestes anos não ocorreram actualizações mas como a Ré pagou ao Autor €3.276,07 em cada um dos anos e tendo direito a receber €3.447,92 tem ainda a receber no ano de 2011 €2.405,90 e igual montante no ano de 2012 [3.447,92 – 3.276,07 = 171,85 x 28 meses]; 2013 Janeiro a Junho – neste ano o Autor não formula qualquer pedido de actualização (artigo 23 da petição), mas como a Ré lhe pagou €3.276,07 e tendo o mesmo direito a €3.447,92 tem ainda direito a receber €1.031,10 [3.447,92 – 3.276,07 = 171,85 x 6 meses]; 2013 Julho a Dezembro - €3.447,92 x 1,0105 = €3.484,12 - €3.277,81 = €206,31 x 8 meses = €1.650,48.
TOTAL: €16.344,22.
Improcede, no entanto, o pedido do Autor no que respeita à actualização da pensão de harmonia com a actualização de valores com base no índice de preços ao consumidor (IPC), na medida em que nos termos da última parte do artigo 359º, nº2 do CT/2003 – aplicável ao acordo de pré-reforma – a actualização em função das taxas de inflação apenas são aplicáveis se a pensão não sofrer actualização anual nos termos da primeira parte do referido artigo ou nos termos constantes do acordo de pré-reforma.
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Termos em que se julga a apelação procedente, se revoga a decisão recorrida, se substitui pelo presente acórdão e se condena a Ré a pagar ao Autor a quantia de €16.344,22, acrescida dos juros de mora, à taxa de 4% ao ano, contados desde a data da citação da Ré – 06.02.2014 – e até efectivo e integral pagamento, bem como as actualizações das prestações de pré-reforma respeitantes aos meses subsequentes, e a cumprir o constante da clª4ª do acordo enquanto este se mantiver em vigor.
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Custas da acção e da apelação a cargo do Autor e da Ré na proporção de 1/6 e 5/6 respectivamente.
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Porto, 15.12.2016
Fernanda Soares
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho