Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1231/16.7GAMAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MOREIRA RAMOS
Descritores: PERDA DO DIREITO À VIDA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
MORTE
Nº do Documento: RP201911061231/16.7GAMAI.P1
Data do Acordão: 11/06/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – É ajustada a fixação em cem mil euros da indemnização pela perda do direito à vida de um homem de vinte e seis anos, saudável, trabalhador e comprometido com a família.
II – É ajustada a fixação em trinta mil euros da indemnização dos danos não patrimoniais decorrentes dessa morte para cada um dos progenitores da vítima.
III – É ajustada a fixação em trinta mil euros da indemnização dos danos não patrimoniais sofridos pela vítima entre o momento do embate e a sua morte.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 1231/16.7 GAMAI.P1

Tribunal da Relação do Porto
(2ª Secção Criminal – 4ª Secção Judicial)

Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO:

No processo supra identificado, por sentença datada de 03/04/2019, depositada na mesma data, e no que ora importa salientar, decidiu-se condenar a ré “B…, SA” a pagar:

– aos demandantes C… e D…, a quantia de cem mil euros, como compensação pelo dano da morte de E…, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a presente data e até efetivo e integral pagamento;

– aos demandantes C… e D…, a quantia de trinta mil euros, como compensação pelos danos não patrimoniais sofridos por E… após o embate e antes da sua morte, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a presente data e até efetivo e integral pagamento;

– ao demandante C…, a quantia de quarenta mil euros, como compensação pelo danos não patrimoniais por ele sofridos com a morte de seu filho E…, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a presente data e até efetivo e integral pagamento;

– à demandante D…, a quantia de quarenta mil euros, como compensação pelo danos não patrimoniais por ela sofridos com a morte de seu filho E…, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a presente data e até efetivo e integral pagamento;

– aos demandantes C… e D…, a quantia de mil cento e quarenta e cinco euros e trinta e quatro cêntimos, sendo quatrocentos e sessenta e cinco euros e trinta e quatro cêntimos, relativos aos custos que tiveram com o funeral de E… e seiscentos e oitenta euros relativos aos danos do filho no capacete e blusão motard, acrescida de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação e até efetivo e integral pagamento;

– absolver a ré do mais peticionado.

Inconformada com a sobredita decisão, a demandada “Companhia de Seguros – B…, S.A.” dela veio interpor recurso nos termos que constam de fls. 663 a 668, aqui tidos como renovados, tendo formulado, a final, as seguintes conclusões (transcrição):

1. São exageradas as indemnizações arbitradas para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos.

2. Nomeadamente, no que concerne à perda do direito à vida é muito elevada a indemnização de 100.000,00 €, que foi fixada em primeira instância, devendo em sua substituição ser arbitrado um montante que não exceda 70.000,00 €, por se afigurar mais justo e equilibrado.

3. É igualmente exagerada a indemnização de 40.000,00 euros atribuída a cada progenitor como compensação moral pelo desgosto face à perda do filho, entendendo-se que seria mais justa uma indemnização não superior a 20.000,00 euros a tal título;

4. Tendo em conta a factualidade relevante e, mormente, o curto período de sobrevida, será de considerar excessivo o valor de 30.000,00 arbitrado para compensar o dano inerente ao sofrimento da própria vítima, afigurando-se que seria justo e equitativo fixar, a tal título, uma indemnização que não excedesse 7.500,00 €.

5. A douta sentença recorrida violou, além do mais, por errada interpretação e aplicação, o disposto no art. 496.°, 562.° e 566.° do Código Civil;

6. O Tribunal a quo interpretou e aplicou tais normas no sentido exposto na douta sentença, condenando a recorrente numa indemnização manifestamente excessiva;
7. A interpretação correta de tais preceitos era a que resultaria na atribuição de montantes de indemnização que não se afastassem dos agora preconizados.

O recurso foi regularmente admitido (cfr. fls. 669).

O assistente e demandante C… e a demandante D… vieram responder, conjuntamente, nos termos vertidos a fls. 675 a 683, aqui tidos como especificados, através do qual sustentaram a confirmação da sentença recorrida.

Já neste tribunal, e com vista nos autos, o Ex.mo PGA apôs um visto, anotando que se tratava de questão meramente civil (cfr, fls. 699).

No cumprimento oficioso do artigo 417º, nº 2, do Código de Processo Penal, nada mais foi aduzido.

Após exame preliminar, colhidos os vistos e realizada a conferência, cumpre decidir, nada obstando a tal.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO:
a) a decisão recorrida:

No que ora importa destacar, a sentença recorrida é do teor seguinte (transcrição):

Com relevância para a decisão da causa, da audiência de julgamento resultaram provados os seguintes factos:

Da acusação pública:

a) No dia 05 de novembro de 2016, cerca das 20:55 horas, a uma velocidade não concretamente apurada, a arguida F… seguia na condução do veículo automóvel, ligeiro de passageiros, marca Renault, modelo …, de matrícula ..-..-UT e cor cinza, na …, na freguesia …, concelho da Maia, na via de trânsito mais à direita, junto ao n.º …, no sentido de marcha … – …, em aproximação ao entroncamento entre aquela via e a Rua …, naquela freguesia e concelho, que se lhe apresentava à direita.

b) No mencionado veículo automóvel seguiam, ainda, no banco de passageiros, lateral ao do condutor, G…; no banco de passageiros atrás do condutor, H…; e, no banco de passageiros lateral ao desta última, I….

c) O local referido em a) é uma estrada municipal, de asfalto betuminoso, com uma largura total de 13,50 (treze vírgula cinquenta metros), com duas hemifaixas de rodagem, uma em cada sentido de marcha (… – …/ … – …), separadas por uma dupla linha longitudinal contínua, sem berma e com passeios sobrelevados à via.

d) Cada uma das hemifaixas da referida estrada municipal é constituída por duas vias de trânsito de sentido único, estas separadas por uma linha longitudinal descontínua.

e) A referida estrada municipal, junto ao número …, no sentido de marcha … – …, desenvolve-se com uma reta de boa visibilidade e entronca à direita com a Rua ….

f) No referido local, o limite de velocidade geral é de 40 Km/hora, existindo sinalização vertical respeitante à proibição de exceder esta velocidade máxima.

g) O entroncamento entre a … e a Rua … é precedido em ambas por sinalização vertical luminosa (semáforos) de regulação de trânsito e naquela via ainda por uma passagem para peões.

h) Naquele entroncamento as duas hemifaixas de rodagem que constituem a … são separadas por uma linha longitudinal descontínua.

i) No referido dia 05 de novembro de 2016, pelas 20:55 horas, o tempo estava bom, o piso estava seco, limpo e em bom estado de conservação, não havia formação de nevoeiro, névoa ou neblina e inexistiam quaisquer obstáculos na via, a qual possuía iluminação artificial, com boa visibilidade e o trânsito era fluído.

j) Sucede que, ao aproximar-se do citado entroncamento entre a … e a Rua .., a arguida F… decidiu inverter o seu sentido de marcha, por forma a circular na hemifaixa no sentido … – ….

k) Para o efeito, a arguida F…, com total desconsideração pelos demais utilizadores e condutores que circulavam naquela …, onde também circulava, em face da sinalização vertical luminosa (semáforo), que se lhe apresentava de cor verde, avançou com o seu veículo automóvel e no referido entroncamento, desviou aquele veículo para a direita, entrando na Rua …, no sentido de …, por onde circulou alguns metros na via da direita atento o seu sentido de marcha.

l) Após o que, sem efetuar qualquer sinalização da aludida manobra e sem parar, virou à sua esquerda, atravessando para a outra via da referida Rua … nela circulando agora no sentido …-… onde sabia que a poucos metros atrás de si existiam semáforos que apresentavam cor vermelha e que proibiam a circulação naquela via da direita no sentido … - …, tanto mais que por tais motivos e imediatamente atrás de tais semáforos se encontravam parados veículos automóveis, entre os quais o conduzido por J….

m) Ato contínuo, mais uma vez e sem parar e sem ceder passagem, a arguida seguiu em frente, no sentido … -…, voltando a entrar na …, atravessou a via da direita da hemifaixa de rodagem, no sentido de marcha … – …, em toda a sua largura, e entrou na via da esquerda de tal hemifaixa de rodagem, por onde circulou.

n) Sucede que, nesse momento, no sentido de marcha … – …, na via de trânsito mais à esquerda da respetiva hemi-faixa de rodagem, a uma velocidade não concretamente apurada, E… seguia na condução do motociclo, marca Yamaha, modelo …, de matrícula ..-QC-.. e cor violeta, encontrando-se a sinalização vertical luminosa (semáforo) de cor verde para essa via.

o) Ao verificar que a arguida F… tinha invadido de modo súbito a hemifaixa de rodagem e a via por onde circulava (via da esquerda da hemifaixa da direita atento o sentido de marcha de E…), E… ainda tentou imobilizar o motociclo que conduzia por forma a evitar o embate, travando pelo menos durante 6,50 (seis vírgula cinquenta) metros, o que não logrou concretizar, acabando por embater com o mesmo na parte lateral esquerda, zona central, do veículo automóvel conduzido pela arguida F….

p) Na sequência do embate supra descrito, o veículo automóvel conduzido pela arguida F… derivou para a sua direita, ficando imobilizado na via de trânsito à esquerda, atento o sentido de marcha … – ….

q) Por seu turno, o motociclo conduzido por E… foi projetado, tendo caído sobre a linha divisória das duas vias de trânsito, atento o sentido de marcha … – …, sendo que o corpo daquele ficou imobilizado na via de trânsito mais à esquerda atento aquele sentido de marcha.

r) Na sequência do embate supra descrito, E… foi transportado para o Hospital …, no Porto, onde deu entrada pelas 21:41 horas, apresentando “paragem cardiorrespiratória, traumatismo crânio-encefálico grave, traumatismo facial, traumatismo torácico com enfisema subcutâneo bilateral, esquerdo, traumatismo dos membros e coagulopatia evidente com hemorragias incontroláveis em vários locais do corpo”, vindo a falecer pelas 21:42 horas.

s) Como consequência direta e necessária do embate acima descrito, E… sofreu, além do mais, as seguintes lesões, melhor descritas e examinadas, no relatório de autópsia médico-legal constante de fls. 273 a 276, cujo teor aqui se dá por reproduzido na íntegra: - Ao nível do hábito externo: A) – Cabeça: (…) Várias escoriações de fundo avermelhado, do tipo abrasivo, localizadas na região peri-oral e mentoniana, ocupando uma área total de 4,5 cm por 3,5 cm de maiores dimensões. Solução de continuidade de bordos irregulares, infiltrados de sangue, com 3,5 cm de comprimento, ligeiramente arciforme de concavidade anterior, localizada na região submentoniana, rodeada por halo equimótico. Escoriação milimétrica de fundo avermelhado localizada no couro cabeludo na região parieto-occipital, na linha média. B) Pescoço: Presença de várias escoriações milimétricas de fundo avermelhado localizadas na face ântero-lateral direita do pescoço, até à região retroauricular, ocupando uma área total de 13,5 cm por 3,5 cm de maiores dimensões. Presença de várias escoriações milimétricas de fundo avermelhado localizadas na face ântero-lateral esquerda do pescoço, ocupando uma área total de 7,5 cm por 2 cm de maiores dimensões. (…)”. - Ao nível do hábito interno: A) – Cabeça: “Ossos da Cabeça – Base: Fratura linear da metade direita da apófise orbitária do osso frontal e da metade direita da lâmina crivosa do osso etmoide, com infiltração sanguínea dos bordos associada. Fratura linear horizontal da porção da sela turca posterior ao seu dorso e processos clinóides posteriores, com infiltração sanguínea dos bordos associada. Fratura linear ao longo da porção petrosa do osso temporal bilateralmente, nomeadamente da sua metade que constitui o andar médio da base craniana, com infiltração sanguínea dos bordos associada. Meninges: Dura-máter lisa e brilhante. Vestígios de hemorragia subdural na região occipital bilateral, mais acentuados à esquerda. Vestígios de hemorragia subaracnoideia na região occipital bilateral, mais extensos à esquerda. Hemorragia subaracnoideia ao nível do cerebelo. Restante área das leptomeninges com aspeto gelatinoso, embora brilhantes e transparentes. Encéfalo: (…) Área de amolecimento no tecido do terço inferior da ponte do tronco cerebral. Nas diferentes secções de corte do tecido encefálico observados focos de contusão no córtex do lobo frontal direito (…) Presença de sangue nos ventrículos laterais. Ossos da face: Moilidade anormal da pirâmide nasal, embora sem crepitação óssea, compatível com fratura dos ossos próprios do nariz. (…)”. B) – Tórax: “Paredes: Infiltração sanguínea dos tecidos moles e musculatura adjacente aos locais de fratura a seguir descritos. (…) Pericárdio e cavidade pericárdica: Laceração vertical da face lateral esquerda do saco pericárdico, na sua região de inserção (…)”. C) – Abdómen: “Fígado: Presença de lacerações na face ântero-superior do lobo hepático direito, nomeadamente na sua porção mais lateral e do lobo hepático esquerdo, nomeadamente na sua porção mais inferior. Laceração na face posterior do lobo hepático esquerdo e outra na face posterior do lobo hepático direito. Nas diferentes secções de corte, observada área de infiltração sanguínea subcapsular na face posterior do lobo hepático direito e outra área semelhante, embora de menores dimensões, de localização intraparenquimatosa no lobo hepático esquerdo. (…) Estômago: Vazio. Laceração da sua parede anterior (…). Bacia: Fratura do ramo íleo-isquiático, com infiltração sanguínea dos topos ósseos associada”. D) – Membros: “Membro superior esquerdo: deformidade, mobilidade anormal e crepitação ao nível do terço inferior do braço, compatível com fratura óssea a este nível. Membro inferior direito: Mobilidade anormal ao nível do joelho, compatível com lesão desta articulação. Deformidade acentuada, mobilidade anormal e crepitação ao nível do terço inferior da perna, compatível com fratura óssea a este nível. Membro inferior esquerdo: Deformidade, mobilidade anormal e crepitação ao nível do terço inferior da coxa e do joelho, compatível com fratura óssea/luxação a este nível”.

t) A morte de E… ficou, assim, a dever-se: “1.ª – (…) às lesões traumáticas crânio-meningo-encefálicas, associadas a perda hemorrágica importante resultante das lesões traumáticas faciais, torácicas, abdominais e dos membros. 2.ª As lesões traumáticas descritas resultaram de traumatismo de natureza contundente, ou como tal atuando, tal como aquele que pode ter sido devido a acidente de viação – colisão entre o veículo de duas rodas motorizado em que seguia a vítima e um veículo ligeiro de passageiros, conforme consta da informação circunstancial disponibilizada. 3.ª Esta é uma morte violenta, sendo que nada obsta a uma etiologia médico-legal acidental para a mesma, de acordo com a informação circunstancial disponibilizada”.

u) O embate acima descrito, como supra se referiu, ocorreu no entroncamento entre a … e a Rua …, na via de trânsito à esquerda, na hemifaixa de rodagem no sentido de marcha … – …, isto é, na via de trânsito em que E… circulava, atenta a sinalização luminosa de cor verde que lhe autorizava naquele entroncamento a respetiva passagem.

v) Tal embate ficou a dever-se à ligeireza, desatenção e imprudência postas pela arguida F… no ato de conduzir, ao desprezar os mais elementares deveres de precaução e respeito pelas normas da segurança estradal.

w) Com efeito, a arguida F… ao decidir inverter, como inverteu, o seu sentido de marcha naquele entroncamento nos termos acima descritos, desconsiderou, em absoluto, a fluência de trânsito que se fazia sentir naquele dia e hora, a sinalização vertical luminosa (semáforos) de cor verde que autorizava a circulação nas vias de trânsito no sentido de marcha … – …, nas quais atravessou o seu veículo automóvel, e bem assim a sinalização vertical luminosa de cor vermelha que proibia a circulação na Rua … no sentido …-…, de onde provinha, sem atentar aos veículos que ali circulavam, entre os quais o conduzido por E….

x) A arguida F… sabia que a manobra de inversão do sentido de marcha no entroncamento ora em causa era ainda proibida, porquanto a circulação no mesmo era regulado por sinalização vertical luminosa (semáforos), sabendo ainda a arguida que se na … aquela sinalização se encontrava verde, na Rua …, sentido …-…, que entronca com aquela via, a sinalização encontrava-se vermelha, proibindo a passagem.

y) Mais sabia a arguida que as prescrições resultantes dos sinais luminosos prevalecem sobre as regras de trânsito.

z) Assim, a arguida F… sabia que, ao invadir, como invadiu, em toda a sua largura e de modo transversal nos termos expostos, as vias da hemifaixa da direita da …, no sentido … – …, quando a sinalização vertical luminosa (semáforos) se encontrava verde para os que circulavam em tal via, poderia embater ou ser embatida, como ocorreu, naqueles ou por aqueles que aí circulavam, pelo que sabia que não deveria realizar aquela manobra de inversão de marcha, o que não respeitou pelos motivos expostos.

aa) A arguida F… assumiu, desta forma, um comportamento particularmente censurável, grosseiro, postergador de cuidados básicos e revelador de um elevado grau de irreflexão e insensatez, gerador do referido embate.

ab) Agiu a arguida F… com manifesta, grave e grosseira falta de cuidado, prudência e consideração pelas normas legais relativas à circulação automóvel e que no momento se lhe impunham, conduzindo de forma desatenta e descuidada face às regras de segurança rodoviária, designadamente, as referentes à realização da manobra de inversão do sentido de marcha, à obrigação de paragem, demonstrando inconsideração para com os condutores e demais utentes que circulavam na aludida via, vindo a produzir o referido embate e morte de E… que podia e devia prever e evitar.

ac) Assim, a arguida F… não agiu com a diligência e cautela que lhe eram exigíveis e que estavam ao seu alcance, omitindo o cuidado normal de prever as consequências da sua conduta.

ad) Sabia a arguida F… que a sua conduta era proibida e punida por lei.

Do pedido cível deduzido nos autos:

ae) No momento referido em a) o ofendido E…, que era solteiro, não deixou testamento ou disposição de última vontade.

af) Sendo os seus pais, os aqui demandantes, C… e D….

ag) À data referida em a) a responsabilidade civil emergente de acidente de viação pelos danos ocasionados pelo veículo ligeiro de passageiros da marca Renault, modelo …, com a matrícula ..-..-UT conduzido pela arguida, encontrava-se transferida para a demandada, B…, SA através do contrato de seguro titulado pela apólice nº………..

ah) O ofendido E… ao aperceber-se do obstáculo que se lhe deparou, viu a morte à sua frente, sofreu muito e intensamente com a inevitabilidade do acidente, em que veio a embater com o seu corpo na viatura conduzida pela arguida, o que lhe causou fortíssimo abalo emocional.

ai) O embate ocorreu às 20h55, sendo que E… deu entrada no Hospital …, no Porto às 21h41, e faleceu no minuto seguinte.

aj) Entre o acidente e a morte decorreram 47 minutos de sofrimento.

ak) Desde ficar prostrado no chão da rua e ser transportado para o Hospital, até às dores que as lesões decorrentes do embate lhe provocaram no corpo, incluindo o sofrimento provocado pela assistência que lhe foi prestada, E… teve dores incomensuráveis e grande mal-estar.

al) Na altura do acidente a vítima tinha 26 anos e vivia em comunhão de mesa e habitação com os seus pais e com o seu irmão mais novo.

am) E… era muito amigo dos pais e do irmão, para quem era um exemplo.

an) Era trabalhador, disciplinado, sério, bem-educado e amigo de ajudar o próximo.

ao) E por isso mesmo era bombeiro de profissão.

ap) No momento do acidente deslocava-se para o quartel dos Bombeiros Voluntários K…, onde era funcionário.

aq) Tinha sido chamado para o serviço de piquete noturno, como voluntário.

ar) Os aqui demandantes tinham uma excelente relação com o filho.

as) O qual contribuía para as despesas inerentes ao dia a dia, entregando uma verba à mãe, de montante não concretamente apurado, por forma a que a mesma fizesse a economia doméstica.

at) Tinha uma relação de intimidade com a mãe.

au) Os pais quando tomaram conhecimento da notícia da morte do filho, não queriam acreditar.

av) Sofreram muito ao ver o seu filho querido, morto, estendido num caixão.

aw) O verem o quarto vazio do filho, verem a sua roupa, os bens pessoais, causou-lhes um enorme desgosto.

ax) Sofreram psiquicamente, tendo inclusivamente ficado doentes.

ay) E não obstante o tempo passado, a dor continua a mesma.

az) Continuam a chorar pelo filho, deslocando-se amiúde ao cemitério.

ba) Ambos tiveram acompanhamento psiquiátrico.

bb) Sendo que o pai esteve 4 meses de baixa médica, após o falecimento do filho.

bc) E teve de tratar de todos os assuntos inerentes à morte de seu filho, medidas que a mãe não se encontrava em situação física ou psíquica de tomar.

bd) Tiveram ainda que lidar com a dor do seu outro filho, em choque com o que aconteceu ao irmão mais velho.

be) E… viu-se privado do bem mais precioso que é a vida.

bf) Tinha uma vida plena de atividade e interesses vários, encontrava-se no início da vida com objetivos, projetos e ambições.

bg) Fazia parte do quadro de pessoal efetivo do quartel de Bombeiros K….
Iniciou a sua carreira como voluntário e posteriormente foi convidado a ficar e auferir uma retribuição.

bh) O seu rendimento mensal médio de trabalho era de €800,00, fazendo várias horas suplementares.

bi) Conclui o 9º ano de escolaridade e tinha ambição de conseguir terminar os estudos que lhe dessem a equivalência ao 12º ano.

bj) Pretendia fazê-lo com formação ligada à carreira que escolheu para si na área da enfermagem/proteção civil.

bk) Frequentou várias formações profissionais facultadas pela sai entidade patronal, que lhe atribuíram formação técnica por forma a executar as suas tarefas, dando-lhe enriquecimento profissional e pessoal.

bl) Era responsável e motorista da ambulância do INEM, que estava à guarda do quartel onde trabalhava, sendo este seu cargo demonstrativo da confiança que o quartel tinha nele.

bm) Bem da expectativa de evolução profissional.

bn) E… tinha um excelente estado de saúde, era uma pessoa ativa, com boa forma física, vivendo o seu dia a dia com situações com alto grau de adrenalina – era socorrista e motorista da ambulância do INEM.

bo) Transportava diariamente doentes oncológicos de toda a zona norte do país para as consultas no L….

bp) Era muito empenhado na sua profissão: tinha adquirido as técnicas de desencarceramento em formação obtida no quartel dos Bombeiros, por elementos exteriores.

bq) E no seu decesso era já formador de desencarceramento, atividade que lhe dava algum rendimento extraordinário à sua retribuição.

br) Estava sempre disponível para o trabalho e fazia muitas horas extra, bem como serviço de voluntariado.

bs) Praticava desporto, futebol com grupos de amigos e era amante e praticante de airsoft, modalidade da qual tinha credenciação obtida através da PSP.

bt) Os demandantes despenderam €1.723,00 com o funeral do filho.

bu) Com o sinistro o capacete que tinha custado €400,00 ficou deteriorado, bem como o blusão de motard que tinha custado €280,00.

bv) Com o arranjo da campa e pedra de cobertura despenderam €500,00.

bw) O assistente é fiel de armazém e tem um vencimento mensal bruto de €735,30.

Da contestação da arguida:

bx) Na noite do acidente, no momento referido em a) a arguida dirigia-se, em conjunto com as suas colegas, para um jantar.

by) A arguida desconhecia a localização do restaurante para onde se dirigia.

bz) E foi confiando nas direções que lhe iam sendo dadas pelas colegas que seguiam consigo no carro, as quais também não sabiam o caminho para o mesmo.

ca) Sendo que depois de entrar na … e percorrer alguns metros, se aperceberam que estariam a seguir no sentido errado e que seria necessário fazer inversão de marcha.

cb) Foi por isso que decidiu virar à direita, na rua …, para fazer inversão de marcha.

cc) No momento em que fez a inversão de marcha a arguida sentia-se nervosa, perdida e confusa com as indicações que lhe estavam a ser dadas.

cd) A arguida tem perfeita noção das graves consequências decorrentes do acidente causado pela sua condução, não só pela morte ocorrida mas também pelo imensurável desgosto, dor e sofrimento que deixou nos familiares e amigos da vítima.

ce) Sentimentos que conhece bem, pois que também perdeu uma filha num acidente de viação provocado por terceiros.

cf) A arguida reputada por quem a conhece como pessoa responsável, trabalhadora, amiga do seu amigo e solidária com quem precisa.

cg) É também reputada, pelas suas amigas, como boa condutora, previdente, cautelosa, respeitadora e confiável.

ch) Após o acidente não voltou a conduzir por não se sentir psicologicamente capaz.

Mais se provou que:

ci) A arguida beneficia de acompanhamento psicológico, através do Serviço Nacional de Saúde, no Centro Hospitalar …, desde março de 2017.

cj) Os demandantes, enquanto herdeiros legais de E…, receberam da M…, referente à apólice ..-…….. do contrato de seguro de acidentes pessoais bombeiros-Grupo efetuado pela Câmara Municipal …, uma indemnização pela morte daquele seu filho, no valor de €132.500,00.

ck) O demandante recebeu do Instituto da Segurança Social como prestação por morte o valor de €1.257,66 a título de despesas de funeral que teve como o seu filho E….

cl) Não se conhecem antecedentes criminais à arguida.

cm) A arguida é divorciada, concluiu o 4º ano de escolaridade, e trabalha como empregada doméstica (4 manhãs) auferindo €400,00 por mês. Tem dois filhos de 25 e 14 anos, que vivem consigo, sendo que o mais velho está desempregado, sem auferir qualquer rendimento ou subsídio, e o mais novo estuda numa escola pública. Vivem em casa arrendada pela qual paga €265,00 por mês. O filho mais novo recebe €150,00 mensais de prestação alimentar. Tem carro próprio, um Renault …, de 2003, que se encontra pago.

FACTOS NÃO PROVADOS

Não resultou provado que:

Do pedido cível

O ofendido frequentou o 10º ano de escolaridade.

Os pais do ofendido, os aqui demandantes, tinham parcos rendimentos, vivendo praticamente do salário do demandante.

As despesas como luz, água, alimentação, renda da casa, telecomunicações, saúde, seguros, gasóleo, educação do seu irmão mais novo eram saciadas a contar com os rendimentos da vítima.

Sendo o rendimento auferido pela vítima em grande parte utilizado para satisfação das necessidades da família, gastando consigo próprio apenas 25%.

Da contestação da arguida

A arguida não se apercebeu que existia um semáforo na Rua … e que o mesmo estaria no vermelho.

A arguida tinha a sua visibilidade limitada por uma viatura de mercadorias que circulava na ….
(…)

Do pedido de Indemnização civil

Nos termos do disposto no art. 129º do Código Penal “a indemnização de perdas e danos emergentes de crime é regulada pela lei civil”.
Nos termos do disposto no artigo 71º do CPP, o pedido de indemnização civil fundado na prática de um crime é deduzido no processo penal respetivo, podendo sê-lo em separado nas situações previstas no artigo 72º do mesmo código. Esta indemnização permitirá ao lesado ver-se ressarcido dos danos patrimoniais e não patrimoniais a que a infração tenha dado causa. Este artigo consagra o Princípio da Adesão da ação cível à ação penal permitindo, num mesmo processo, conhecer de ambas as responsabilidades geradas pela prática do crime, ou seja a criminal e a civil.
Com base nos factos que consubstanciam o crime de homicídio negligente pelo qual a arguida vem acusada, os pais do ofendido, C… e D… deduziram pedido de indemnização civil contra B…, SA pedindo que esta seja condenada a pagar-lhes a quantia de €643.223,00 como indemnização pelos danos patrimoniais e não patrimoniais causados pela morte de seu de filho, sendo €100.000 a título de dano morte (ou pela perda da vida), €30.000,00 a título de danos sofridos pelo ofendido antes de falecer, €30.000,00 para cada um dos pais pelo sofrimento que tiveram com a perda do seu filho, e ainda danos patrimoniais emergentes no valor de €2.903,00, sendo €1.723,00 referentes às despesas do funeral, €400,00 pela perda do capacete e €280,00 pela perda do blusão de motard que ficaram deteriorados e €500,00 com o arranjo da campa e ainda danos decorrentes de lucros cessantes no valor de €450.320,00, quantias essas acrescidas de juros legais contabilizados desde a sua citação até efetivo e integral pagamento.
O princípio geral da responsabilidade civil extracontratual por factos ilícitos, enunciado no artigo 483º, nº1 do CC, estabelece que aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação, sendo elementos constitutivos da responsabilidade civil: o facto, a ilicitude, a imputação do facto ao lesante, o dano e o nexo de causalidade entre o facto e o dano.
São, assim, pressupostos da responsabilidade do lesante a existência de um facto ilícito, voluntário e imputável ao arguido que seja consequência direta e adequada da produção dos danos no lesado.
Revertendo ao caso dos autos, à luz de quanto fica dito, concluiu-se pelo preenchimento dos pressupostos acima enumerados, atentos os factos que supra resultaram provados.
Com efeito, não suscita dúvida o caráter voluntário do facto da condução da arguida, nas circunstâncias de tempo e lugar dadas como provadas. E o mesmo se diga quanto à verificação da culpa, uma vez que não atentou devidamente às condições de segurança e regras estradais como supra já se referiu como podia e devia ter feito, não atentando no ofendido que quando este circulava no seu motociclo numa via onde se encontrava o sinal verde, que o permitia passar, quando ela ao invés, provinha de uma rua que também era regulada com sinalização vertical luminosa e estava com o sinal vermelho a proibir a circulação dos automóveis, o que bem sabia, vindo dessa forma a embater-lhe e provocar a sua queda e morte.
Assim, de igual modo, não reveste dificuldade, atentas as comprovadas consequências do evento para o ofendido afirmar que o mesmo é ilícito, por violação de regras estradais e do direito absoluto à integridade física e vida.
Os danos ocasionados pela prática do crime são passíveis de ser compensados, já que do facto ilícito típico praticado, ou da concreta violação do direito de outrem, provêm resultados desvaliosos cujo ressarcimento é tutelado pelo direito.

Da responsabilidade da demandada:

Quanto à imputação do facto ao lesante demandada), não se levantam dúvidas nestes autos, já que a responsabilidade pelo acidente de viação que impendia sobre o veículo conduzido pela arguida foi transferida para demandada B…, SA, sendo esta responsável pelos danos decorrentes do acidente e nos limites impostos pelo legislador.

Dos Danos:

No que concerne aos danos, cumpre ter presente que a ressarcibilidade dos mesmos encontra-se condicionada pelos ditames jurídicos, derivados, antes de mais dos factos assentes nestes autos, e, depois pelos critérios conferidos pelo legislador para a sua reparação.
É facto assente que, em consequência do acidente, o E… sofreu lesões que determinaram a respetiva morte.
Além da compensação pelo dano morte, os demandantes pretendem uma compensação pelo sentimento de terror e pânico alegadamente sofrido pelo lesado quando tomou consciência que ia morrer e o sofrimento que teve antes da morte, e pelo sentimento de perda sentido por eles próprios. Pretendem ainda ser indemnizados pela perda dos alimentos que lhes eram proporcionados pelo E… e pelas despesas que a tiveram de suportar com o funeral e demais homenagens fúnebres, bem como pedem a perda do capacete e do blusão de motard.
É comum a distinção entre danos patrimoniais e danos não patrimoniais. Os primeiros são “os prejuízos que, sendo suscetíveis de avaliação pecuniária, podem ser reparados ou indemnizados, senão diretamente (mediante restauração natural ou reconstituição específica da situação anterior à lesão), pelo menos indiretamente (por meio de equivalente ou indemnização pecuniária)”, e os segundos são aqueles prejuízos que, “sendo insuscetíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens (...) que não integram o património do lesado, apenas podem ser compensados com a obrigação pecuniária imposta ao agente, sendo esta mais uma satisfação (...) do que uma indemnização” (Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, I, 9.ª ed., Coimbra: Almedina, 1996, ps. 622 – 623). Por outras palavras, a reparação do dano não patrimonial visa, em primeira linha, proporcionar, na medida do humanamente possível uma compensação pelo sofrimento que foi causado.
No que aos danos não patrimoniais concerne, o critério para a sua determinação não é idêntico ao empregue para o cálculo dos danos patrimoniais. Nesta sede, o Tribunal tem, diferentemente da avaliação dos danos patrimoniais, não que verificar "quanto as coisas valem", mas antes encontrar "o quantum necessário para obter aquelas satisfações que constituem a reparação indireta" possível (Galvão Telles, Direito das Obrigações, 6ª edição, Coimbra Editora, 1989, pág. 377): o prejuízo, na sua materialidade, não desaparece, mas é economicamente compensado ou, pelo menos, contrabalançado: o dinheiro não tem a virtualidade de apagar o dano, mas pode este ser contrabalançado, mediante uma soma capaz de proporcionar uma satisfação à vítima, que de algum modo atenue ou, em todo o caso, compense esse dano cfr. acórdão do STJ 16/04/1991, in BMJ 406-618. Tal é conseguido através dos juízos de equidade referidos no art. 496, nº 3, CC.
De salientar que só existe obrigação de indemnizar se os danos forem graves, já que o Código é claro em admitir o ressarcimento dos danos não patrimoniais embora circunscrevendo-os aos que pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito.
Assim sendo, importa “apenas” aferir se os bens ofendidos têm um caráter imaterial, merecedor da tutela do direito. E o Código Civil confere um auxílio neste particular, nos arts. 70º e seguintes. O nº 1 deste normativo preceitua a regra geral, relativamente à proteção dos direitos de personalidade, ao estatuir que a lei protege os indivíduos contra qualquer ofensa ilícita ou ameaça de ofensa à sua personalidade física ou moral.
Em anotação a esse normativo, escrevem Pires de Lima e Antunes Varela que “à responsabilidade por ofensas à personalidade física ou moral são aplicáveis, em termos gerais, os arts. 483º e seguintes” in Código Civil Anotado, comentário ao art. 70º. Também Antunes Varela, em anotação publicada na RLJ, ano 116, págs. 142 e ss., escreve que “neste art. 70º cabe o direito à vida, à integridade física ou corpórea, à saúde e à liberdade, honra, bom nome e reputação”. Inúmeros acórdãos são passíveis de ser encontrados neste sentido. A título de exemplo veja-se o do STJ 13/3/86, in BMJ 355, 356, onde se refere que “o direito à vida, à integridade física, à honra, à saúde, ao bom nome, à intimidade, à inviolabilidade de domicílio e de correspondência, e ao repouso essencial à existência, são exemplos de direitos de personalidade reconhecidos pela nossa lei, constituindo a sua violação facto ilícito gerador da obrigação de indemnizar o lesado”.
O direito à vida, como já se referiu, consiste num dos mais importantes bens jurídicos, senão mesmo o mais importante. A perda da vida é, por força do art. 496º indemnizável. A questão que se tem colocado na doutrina, e quanto à interpretação deste preceito, reside em saber se tal direito de indemnização transmite-se por via sucessória, ou, aos familiares constantes do nº 2 deste preceito, e nos termos nele previstos. É esta última posição que tem merecido a adesão da doutrina e jurisprudência e a que encontra maior correspondência com o espírito e letra do legislador (assim se encarando este preceito como uma norma especial face à regra resultante do art. 2024º e 2133º CC).
Pondo de lado os que propugnam a impossibilidade de se atribuir qualquer valor pela vida e pelo desgosto dos que sofrem com a perda da mesma, por os mesmos não serem passíveis de reparação, não é tarefa fácil atribuir um valor pela perda da vida.
Apenas mais uma nota para se referir que o Prof. Leite de Campos, BMJ 365, 15, perfilha o entendimento de que a indemnização deve ser a mesma para todos os homens, por ser o mais valioso dos bens. Muitos critérios foram estabelecidos (Relação de Lisboa de 20/2/90, in CJ I, 188) para a atribuição desta indemnização em função da vida que se perde, atendendo à função normal que desempenha na família e na sociedade; ou à função excecional que desempenha na sociedade (sábio, cientista); e da vida que se perde, sem função específica na sociedade (criança, doente, inválido). Por fim (e muitos mais se poderiam elencar), encontra-se ainda quem (STJ 28/10/92, CJ IV, 29) entenda que o valor da perda da vida humana nunca deve ser inferior ao custo de um veículo automóvel médio no nosso mercado, tendo-se entendido nessa data ser de Esc. 4.000.000$00).
Como se referiu inexistem critérios seguros, e sobretudo legais, para a determinação desta reparação/compensação, referindo o legislador que o único critério para auxiliar o juiz nesta árdua tarefa é a equidade (art. 496º nº 3 CC). E assim não se pode deixar de considerar que a vida humana em si mesma é um bem sem valor passível de ser atribuído.
Qualquer valor que se atribua pela mesma não pode senão ser tido como “redutor” do real valor que à mesma se deve atribuir. Estas considerações, conduziriam a que se atribuísse pelo dano morte valores que se tornassem impossíveis de quantificar. Mas a realidade jurídica impõe que, dentro do que acabou de se referir, e sem perder nunca estas considerações, haja alguma uniformidade nos valores que os Tribunais atribuam em situações análogas a este bem jurídico tão precioso.
No caso em que a lesão causou a morte da vítima, pode dar origem aos seguintes danos não patrimoniais: a) a perda da vida da própria vítima; b) danos não patrimoniais sofridos pelos familiares da vítima em consequência da sua morte; c) no caso de a morte não ser instantânea, danos não patrimoniais sofridos pela vítima e pelos seus familiares até à ocorrência da morte.
Os demandantes reclamam a título de indemnização por danos não patrimoniais, a quantia global de €190.000,00, assim discriminada: - €30.000,00 sofrimento do demandante pai; - €30.000,00 sofrimento da demandante mãe; - €30.000,00 sofrimento do falecido; - €100.000,00 perda da vida.
Para além do dano da morte, ficou provado que os demandantes sentiram um profundo desgosto, eles mesmos, com a morte de E… seu filho querido, que com eles vivia.
Quanto aos danos não patrimoniais sofridos pelo próprio lesado, embora não se consiga percecionar por terceiros ou quantificar que este sentiu dores físicas no período de tempo que decorreu entre o evento e a morte, resultando apenas uma formulação genérica que o ofendido se debateu com o horror da morte que lhe pareceu inevitável e que sofreu dores como consequência do embate no seu corpo e ao ser transportado e assistido, não pode negar-se o dever de indemnizar os danos não patrimoniais sofridos pela vítima nesse período temporal.
Como se escreve no Ac. da RP de 22.05.2012 (processo n.º 24/09.2TBCHV), há que ponderar que “a morte raramente é um acontecimento instantâneo, havendo sempre momentos que a antecedem, por mais fugazes que sejam, e designadamente em eventos de cariz traumático (...), em que a vítima sofre angústia pelo irremediável e inelutável fim que consegue antever, sofrendo também, ainda que por nano segundos, dores físicas.” No mesmo sentido, vide o Ac. do STJ de 8.09.2011 (processo n.º 2336/04.2TVLSB).
Estamos, indiscutivelmente, perante danos não patrimoniais que merecem a tutela do direito.
Importa, portanto, fixar o quantum indemnizatório a atribuir como forma de compensar cada um dos referidos danos não patrimoniais. Há que atentar no critério do art. 496/3, 1.ª parte: “o montante da indemnização será fixado equitativamente pelo tribunal, tendo em atenção, em qualquer caso, as circunstâncias referidas no art. 494.º
A decisão tem de se estribar na particular situação do caso concreto e na gravidade do dano a reparar, tomando-se em conta todas as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida, sendo este um dos domínios onde mais necessário se tornam o bom senso, o equilíbrio e a noção das proporções com que o julgador deve decidir.
O ponto de referência – a unidade de medida ou unidade de conversão do valor imaterial lesado a dinheiro – para encontrar a justa medida do montante compensatório do dano de ser buscado nos padrões jurisprudenciais, entendidos enquanto valorizações da consciência axiológica jurídica geral da comunidade.
O Ac. do STJ de 5.07.2007 (processo n.º 07A1818) realçou a importância do recurso a estes padrões jurisprudenciais, mencionando não ser conveniente alterar de forma brusca os critérios de valoração dos prejuízos e não deve perder-se de vista a realidade económica e social do país, sendo vantajoso que o trajeto no sentido duma progressiva atualização das indemnizações se faça de forma gradual, sem ruturas e sem desconsiderar (muito pelo contrário) as decisões precedentes acerca de casos semelhantes. Isto porque, como afirmou num outro aresto (ac. de 2.03.2011, processo n.º 1639/03.8 TBBNV), os tribunais não podem nem devem contribuir para alimentar a noção de que neste domínio as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. A justiça tem ínsita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade; é tudo isto que no seu conjunto origina o sentimento de segurança, componente essencial duma sociedade assente em bases sólidas (uma das quais é justamente a do primado do direito).
Quanto aos danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes há que ponderar que os mesmos compunham, com o E… uma família ligada por um forte laço de união. Viram-se privados do amor e do afeto que este lhes proporcionava. Os demandantes ficaram sem aquele que foi o seu filho mais velho, um jovem de 26 anos, um filho trabalhador, disciplinado, sério, bem-educado, dedicado, seu amigo e amigo de ajudar o próximo, com viviam e tinham uma excelente relação, de grande proximidade, principalmente a mãe com quem tinha grande intimidade, que em princípio, sendo saudável, como era, prosseguiria no caminho até à velhice destes pais, um companheiro e exemplo para o irmão mais novo.
Na realidade o cálculo do sofrimento e angústias vividas pelos pais com a perda de um filho, independentemente da idade, é sempre tarefa difícil. Estes pais quando tomaram conhecimento da notícia da morte do filho, nem queriam acreditar que fosse verdade, sofreram muito ao ver o seu filho querido, morto, estendido num caixão, depois o verem sempre o seu quarto vazio, roupa, ou bens pessoais, causou-lhes um enorme desgosto, sofreram tanto que ficaram doentes e necessitaram tratamento psiquiátrico, sendo que o pai esteve pelo menos 4 meses de baixa médica, após o falecimento do filho, e a mãe adoeceu e foi hospitalizada no próprio dia da sua morte, e não obstante o tempo passado, a dor continua a mesma, continuam a chorar pelo filho, deslocando-se amiúde ao cemitério.
Ponderando isto, considero equitativo fixar a compensação devida a cada um dos pais em €40.000,00. Importa no entanto realçar que o facto do montante fixado como compensação aos demandantes exceder o que a este título foi peticionado não significa que se esteja a julgar ultra petita: pois como se verá o montante global a fixar vai ficar aquém do montante global peticionado. O artigo 609º, nº1 do Código de Processo Civil, ao estabelecer que a sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir, consagra a velha máxima ne eat judex ultra vel extra petita partium. Este limite afirma-se quanto ao valor global e não quanto ao parcial, correspondente a cada uma das várias parcelas em que o quantum pedido se possa decompor.
Quanto ao dano da morte da vítima a jurisprudência tem um leque variado de soluções no seu cálculo, como por exemplo: Ac. de 13/05/04, Revista n.º 1845/03 – 2.ª - € 55 000,00; Ac. de 18.10.07, Revista n.º 3084/07 – 6.ª: € 55 000,00; Ac. de 03.04.08, Revista n.º 262/08 – 2.ª: € 60 000,00; Ac. de 10.07.08, Revista n.º 1840/08 – 6.ª: € 60 000,00; Ac. de 16.10.08, Revista n.º 2697/08 – 7.ª: € 60 000,00; Ac. de 16.10.08, Revista n.º 2477/08 – 2.ª: € 70 000,00; Ac. de 30.10.08, Revista n.º 2989/08 – 2.ª: € 60 000; Ac. de 18.11.08, Revista n.º 3422/08 – 2.ª: € 60 000; Ac. de 27.11.08, Processo n.º 1413/08 – 5.ª: € 60000,00; Ac. de 12.0309, Processo n.º 611/09 – 3.ª: € 55 000,00, sendo que ao nível da Relação do Porto se encontram os seguintes valores: Ac. de 06.10.2004, Proc. n.º 0346332 : € 50 000,00; Ac. de 06.12.2006, Proc. n.º 0416668: € 60 000,00; Ac. de 08.10.2008, Proc. n.º 0843999: € 55 000,00; Ac. de 13.05.2009, Proc. n.º 0848033: € 75 000,00; Ac. De 16.12.2009, Proc. n.º 517/06.3GTAVR.P1: € 60 000,00, sendo que em alguns dos mais recentes arestos se chega a €100.000,00 e €120.000,00 especialmente quanto a vítima se trata de pessoa jovem e saudável, como é o caso dos autos.
Assim e à falta de outro critério legal, na determinação do concernente quantum compensatório importa ter em linha de conta, por um lado, a própria vida em si, como bem supremo e base de todos os demais, e, por outro, conforme os casos, a vontade e a alegria de viver da vítima, a sua idade, a saúde, o estado civil, os projetos de vida e as concretizações do preenchimento da existência no dia a dia, designadamente a sua situação profissional e socioeconómica (cf. Ac. do STJ de 27.09.2007, processo n.º 07B2737). Há que ter também em conta que, como se pondera no Ac. da RP de 22.05.2012 (processo n.º 24/09.2TBCHV), o valor geralmente atribuído pela jurisprudência para indemnizar este dano é fortemente influenciado pelo facto de não se destinar a compensar o lesado, ele próprio, pelo dano sofrido – tal compensação ou reparação é recebida por terceiros (as pessoas mencionadas no art. 496/2). Como se escreveu no aresto acabado de citar, “se fosse ônticamente possível ao próprio lesado receber a compensação por um tal dano (ou seja, se a indemnização pelo dano morte pudesse alcançar, em toda a sua plenitude e esplendor, a sua função, qual seja a de o próprio lesado – a pessoa que é atingida no seu direito absoluto – ver esse mal contrabalançado com outros benefícios que, ele próprio, fosse gozar), certamente que o montante para o indemnizar seria bem mais elevado que aquele que vem hoje sendo comummente atribuído pela jurisprudência, pois que se atenderia, sem constrangimentos, à gravidade do dano.”
Neste âmbito, porque a vítima era ainda um homem muito jovem de 26 anos de idade, era enérgico, saudável e trabalhador, era uma pessoa comprometida com a família, acudindo a todos, pais, irmão e amigos sem exceção e bem ainda com o seu trabalho quer como assalariado, no transporte de doentes, quer como bombeiro voluntário, e promovia o convívio e alegria familiar estando de bem com a vida, pelo que considero adequado o peticionado montante de €100.000,00 para compensar a perda do direito à vida de E….
Finalmente, quanto ao sofrimento sentido pelo E… entre o momento do embate e o da sua morte, chama-se à colação o acórdão do STJ de 8.09.2011 (processo n.º 2336/04.2TVLSB), em que entendeu como adequado o montante de € 25000,00 para compensar um tal dano relativamente a menor de 14 anos que, colhida por autocarro, caiu ao chão, vindo o rodado do veículo a passar-lhe por cima, tendo ela sentido medo nessa ocasião.
Ponderando a gravidade do dano a compensar, as especificidades do caso concreto em que o lesado é inclusivamente bombeiro como formação em socorrismo e desencarceramento, sendo-lhe em que lhe é mais percetível no momento do embate a antevisão das lesões e da própria morte, e os critérios jurisprudenciais de valorização de tal concreto dano, entende-se como adequada, justa e equitativa a peticionada quantia de €30.000,00.
*
b) apreciação do mérito:

Começaremos por recordar que, conforme jurisprudência pacífica[1], de resto, na melhor interpretação do artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, o objeto do recurso deve ater-se às conclusões apresentadas pelo recorrente, sem prejuízo, obviamente, e apenas relativamente às sentenças/acórdãos, da eventual necessidade de conhecer oficiosamente da ocorrência de qualquer dos vícios a que alude o artigo 410º, do Código de Processo Penal[2], devendo sublinhar-se que importa apreciar apenas as questões concretas que resultem das conclusões trazidas à discussão, o que não significa que cada destacada conclusão encerre uma individualizada questão a tratar.
*
Neste contexto, e em face daquilo que se apreende das efetivas conclusões trazidas à discussão pela recorrente, importa saber apenas se são exageradas as indemnizações arbitradas para ressarcimento dos danos não patrimoniais sofridos.

Vejamos, pois.

Estribada em diversa jurisprudência e adentro de um correto enquadramento legal e interpretativo, a recorrente, alega, em suma, que a jurisprudência tem acentuado reiteradamente que não deve confundir-se equidade com arbitrariedade, de modo que, no cálculo do montante indemnizatório, é mister confrontar as decisões tomadas pelos nossos mais altos tribunais em situações idênticas, por forma, a atingir, na medida do possível, as soluções igualitárias, constitucionalmente consagradas, contexto em que entendia que, no caso concreto, tratando-se de um indivíduo com 28 anos, solteiro, socialmente integrado e com ocupação profissional efetiva, e considerando o acervo factual apurado, seria equitativa justa e adequada a compensação de setenta mil euros para a perda do direito à vida.
Mais alegou que, aceitando que a morte da vítima não foi um acontecimento anódino e sem significado para os requerentes, seus pais, atento o afeto que reciprocamente nutriam, ainda assim reputava de excessivo o montante de quarenta mil euros atribuído a cada progenitor para compensar a dor e o desgosto inerentes à perda do filho, pelo que, e fazendo, novamente, apelo às mais recentes decisões dos nossos tribunais superiores, quando chamados a dirimir casos idênticos, se lhe afigurava que seria mais ajustada uma indemnização de vinte mil euros para compensar o dano em apreço.
Finalmente, alegou que, se é certo que a vítima permaneceu viva durante cerca de quarenta minutos, evidenciando grande sofrimento próprio das graves lesões que haviam de lhe causar a morte, entendia que o montante fixado a este propósito dava nota de um patente excesso e que tinha como adequada e justa a indemnização de sete mil e quinhentos euros para ressarcir o dano em apreço.

Respondendo, o assistente e demandante C… e a demandante D…, vieram alegar, em síntese, que, atendendo à juventude do falecido, ao seu excelente estado de saúde, à sua atividade intensa, à utilidade da sua vida, quer familiar, quer profissional, quer no âmbito do apoio social desinteressado a terceiros, à esperança de vida e à culpa gravíssima e exclusiva da sinistrante, era equilibrado, por defeito, o valor de cem mil euros para indemnizar a perda do direito à vida, sublinhando depois que, atento o ingente desgosto dos pais pela perda abrupta, sem justificação do querido filho e atenta a sua idade, já que o sofrimento perdurará enquanto forem vivos, o montante de quarenta mil euros para compensar cada um é muito equilibrado e equitativo, e que o sofrimento da vítima, com a perceção de que ia morrer sem poder fazer nada, mais esclarecida ainda pelos seus conhecimentos na área do socorrismo e desencarceramento que praticava como bombeiro, são fundamentadores do valor fixado em trinta mil euros, sendo o mesmo de perfeita adequação.

Apreciando.

Embora nos parece existir total sintonia nos autos nesta matéria, impõe-se relembrar, ainda que sumariamente, que o autor do ilícito está obrigado a indemnizar pelos prejuízos causados, conforme decorre, linearmente, dos artigos 483º, nº 1, 496º, 562º a 564º e 566º, todos do Código Civil, aplicáveis “ex vi” artigo 129º, este do Código Penal.
Por outro lado, e tal como resulta do estipulado no artigo 494º, aqui aplicável por força da remissão contida no artigo 496º, nº 3, ambos do Código Civil, o “quantum” a fixar em sede de danos não patrimoniais há de ser fixado equitativamente, tendo em conta o grau de culpabilidade do agente, a sua situação económica e as demais circunstâncias do caso. Ou seja, o ilícito em causa, associado aos específicos contornos do sucedido, há de ser alvo de uma específica ponderação também em sede cível, pelo que, na avaliação dos danos, não pode ser indiferente a maior ou menor gravidade do ocorrido.
Disto cientes, já antes vimos que a argumentação da recorrente centra-se apenas na discussão dos montantes fixados em matéria de danos de ordem patrimonial, pois que entende excessivos os montantes fixados para ressarcir o dano da morte (perdas do direito à vida), os danos da própria vítima, atenta a perceção da sua morte, e os danos dos ascendentes, pais da vítima mortal aqui em causa.
Já vimos a tese adversa destes últimos.
Ora, não estando aqui propriamente em causa aquilo que foi avaliado, mas apenas os montantes fixados para ressarcir os supra referidos danos, salientaremos apenas que, nesta matéria convém recordar que “Como tem vindo a ser afirmado, pela doutrina e pela jurisprudência, a indemnização prevista no artigo 496.º, n.º 1, é, mais propriamente, uma verdadeira compensação. A finalidade que lhe preside é a de atenuar, minorar e de algum modo compensar os desgostos e sofrimentos suportados e a suportar pelo lesado através de uma quantia em dinheiro que, permitindo o acesso a bens, vantagens e utilidades, seja capaz de permitir ao lesado a satisfação das mais variadas necessidades e de, assim, lhe proporcionar um acréscimo de bem estar que contrabalance os males sofridos, as dores e angústias suportadas e a suportar.
Sendo um lenitivo, o objetivo que visa alcançar não é o de recolocar “matematicamente” o lesado na situação em que estaria se o facto danoso não tivesse ocorrido; “a reparação dos prejuízos, precisamente porque são de natureza moral (e, nessa exata medida, insuscetíveis de indemnização) é uma reparação indireta, comandada por um juízo equitativo que deve atender às circunstâncias referidas no artigo 494.º”
Por ser assim, todas as circunstâncias do caso devem ser valoradas, sem esquecer que “o montante da indemnização deve ser proporcionado à gravidade do dano, devendo ter-se em conta na sua fixação todas as regras de boa prudência, do bom senso prático, da criteriosa ponderação das realidades da vida”[3].
Ora, remetendo-se, no mais, para a correspondente fundamentação jurídica e interpretativa inserta na sentença recorrida, a que nos permitimos aderir e que, de resto, nesse particular não sofre contestação alguma, parece linear que a fixação deste tipo de indemnização não obedece a quaisquer cânones objetivos que delimitem os contornos dos montantes a encontrar em cada situação.
Assim sendo, cremos que hoje é pacífico o entendimento de que “… importa ter presente que “[n]as decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito” (artigo 8º, nº 3, do CC), sempre num juízo que equilibre a equidade(…) do caso concreto e a uniformidade decisória (…), que não podem ser contraditórias[4].
No mesmo sentido, é sustentado em acórdão do STJ datado de 21/03/2019[5], “Quanto aos montantes base fixados pela sentença, importa analisar, à luz das exigências do princípio da igualdade, se se encontram em linha com os parâmetros da jurisprudência mais recente deste Supremo Tribunal”.
Por outro lado, e conforme nos relembra o acórdão do STJ, relatado pelo Ex.mo Conselheiro Oliveira Mendes, datado de 11/10/2017, citando um acórdão daquele mesmo tribunal datado de 19/04/2012 (este também aduzido pela recorrente), não poderá esquecer-se a nossa “…inserção no espaço político, jurídico, social e económico mais alargado correspondente à União Europeia e o maior relevo que vem sendo dado aos direitos de natureza pessoal, tais como o direito à integridade física e à qualidade de vida, e, bem assim, que a jurisprudência deste mesmo Supremo Tribunal tem evoluído no sentido de considerar que a indemnização em causa deve constituir um lenitivo para os danos suportados e não ser orientada por critérios hoje considerados miserabilistas, por forma a, respondendo actualizadamente ao comando do artigo 496°, traduzir uma efetiva possibilidade compensatória para os danos suportados e a suportar”, e bem assim, agora com citação do acórdão do STJ datado de 31/05/2012, que «os tribunais não podem nem devem contribuir de nenhuma forma para alimentar a ideia de que neste campo as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. Se a justiça, como cremos, tem implícita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade, é no âmbito do direito privado e, mais precisamente, na área da responsabilidade civil que a afirmação desses vetores se torna mais premente e necessária, já que eles conduzem em linha reta à efetiva concretização do princípio da igualdade consagrado no artº 13º da Constituição»[6].
Tudo isto sem esquecer o que foi sustentado no acórdão do STJ datado de 05/07/2007, citado na sentença recorrida, aqui parafraseada, que, realçando a importância do recurso aos padrões jurisprudenciais, dava nota de que não seria conveniente alterar de forma brusca os critérios de valoração dos prejuízos e de que não deveria perder-se de vista a realidade económica e social do país, sendo vantajoso que o trajeto no sentido duma progressiva atualização das indemnizações fosse feito de forma gradual, sem ruturas e sem desconsiderar as decisões precedentes acerca de casos semelhantes, ao que acresce, conforme foi sustentado noutro acórdão do STJ, este datado de 02/03/2011, igualmente citado na sentença recorrida, aqui de novo seguida, “…os tribunais não podem nem devem contribuir para alimentar a noção de que neste domínio as coisas são mais ou menos aleatórias, vogando ao sabor do acaso ou do arbítrio judicial. A justiça tem ínsita a ideia de proporção, de medida, de adequação, de relativa previsibilidade; é tudo isto que no seu conjunto origina o sentimento de segurança, componente essencial duma sociedade assente em bases sólidas (uma das quais é justamente a do primado do direito”.
Evidenciado e clarificado que fica o enquadramento legal e interpretativo daquilo que foi trazido à presente discussão, e conhecidas que são as oscilações que existem no tocante aos montantes a fixar quanto aos diversificados danos de ordem não patrimonial aqui em disputa, do que, de resto, nos dá conta a sentença recorrida e a recorrente, importa revisitar cada um dos aspetos do decidido.
Ora, mantendo-se a ordem de apreciação que consta da sentença recorrida, começaremos pelos danos não patrimoniais sofridos pelos demandantes.
O tribunal salientou neste particular que os mesmos compunham, com o falecido filho, uma família ligada por um forte laço de união, viram-se privados dele e do amor e do afeto que o mesmo lhes proporcionava, sendo ele o filho mais velho e um jovem de 26 anos, trabalhador, disciplinado, sério, bem-educado, dedicado, amigo daqueles e amigo de ajudar o próximo, com quem viviam e com quem tinham uma excelente relação, de grande proximidade, principalmente a mãe, com quem tinha grande intimidade, que em princípio, sendo saudável, como era, prosseguiria no caminho até à velhice destes pais, um companheiro e exemplo para o irmão mais novo, sublinhando depois que o cálculo do sofrimento e angústias vividas pelos pais com a perda de um filho, independentemente da idade, é sempre tarefa difícil e que estes pais, quando tomaram conhecimento da notícia da morte do filho, nem queriam acreditar que fosse verdade, sofreram muito ao ver o seu filho querido, morto, estendido num caixão, depois o verem sempre o seu quarto vazio, roupa, ou bens pessoais, causou-lhes um enorme desgosto, sofreram tanto que ficaram doentes e necessitaram tratamento psiquiátrico, sendo que o pai esteve pelo menos 4 meses de baixa médica, após o falecimento do filho, e a mãe adoeceu e foi hospitalizada no próprio dia da sua morte, e não obstante o tempo passado, a dor continua a mesma, continuam a chorar pelo filho, deslocando-se amiúde ao cemitério.
Foi, pois, neste contexto que se fixou a compensação devida a cada um dos demandantes/pais no montante de quarenta mil euros, quando os mesmos haviam peticionado apenas trinta mil euros para cada um.
A recorrente, aceitando que a morte da vítima não foi um acontecimento anódino e sem significado para os requerentes, seus pais, atento o afeto que reciprocamente nutriam, alega apenas que reputava excessivo aquele montante atribuído a cada progenitor para compensar a dor e o desgosto inerentes à perda do filho e, fazendo apelo às mais recentes decisões dos nossos tribunais superiores, quando chamados a dirimir casos idênticos, afigurava-se-lhe que seria mais ajustada uma indemnização de vinte mil euros para compensar o dano em apreço, tese que, como se viu, não foi aceite pelos demandantes.
Cremos que alguma razão assistirá à recorrente, embora por outra razão.
Na verdade, é conhecida a grande oscilação no cômputo deste tipo de danos, embora exista bastante jurisprudência que, em situações similares, com maior ou menor gravidade, mas sempre relativamente a familiares próximos, v.g, pais, cônjuges e filhos, oscila entre os vinte e cinco mil e os trinta mil euros[7].
Assim sendo, considerando a margem de subjetividade que, no seio da própria equidade, aqui necessariamente impera, o intervalo de valores que dimanam da sobredita oscilação jurisprudencial, e que os próprios demandantes peticionaram apenas trinta mil euros, para cada, um para serem ressarcidos de tais danos próprios, e pese embora os danos efetivamente sofridos pelos mesmos, não se justificava que o tribunal recorrido os elevasse para os fixados quarenta mil euros, já que a situação não é de molde a superar de forma anormal as usualmente existentes neste tipo de casos e que têm vindo a ditar o montante máximo de trinta mil euros.
Passando ao dano da morte ou dedicado à perda do direito à vida, o tribunal recorrido, adentro de adequado enquadramento, e dando nota da concreta oscilação da indicada jurisprudência no tocante aos montantes que têm sido fixados a este propósito, situando-os entre os cinquenta mil e os cento e vinte mil euros, este em caso similares ao que ora nos ocupa, destacou depois que a vítima era ainda um homem muito jovem (26 anos de idade), enérgico, saudável e trabalhador, era uma pessoa comprometida com a família, acudindo a todos, pais, irmão e amigos sem exceção, e bem ainda com o seu trabalho, quer como assalariado, no transporte de doentes, quer como bombeiro voluntário, e promovia o convívio e alegria familiar estando de bem com a vida, considerava adequado o peticionado montante de cem mil euros para compensar a perda do direito à vida de E….
Neste particular a recorrente limitou-se a discordar, abstratamente, preconizando a redução de tal montante para setenta mil euros, que os recorridos contrariaram.
Ora, não se vislumbra que a presente decisão destoe do manancial de decisões, mormente do STJ, que apontam para a supra indicada variação ao nível da quantificação deste tipo de dano, pelo que, e considerando a muito pouca idade da vítima, no seu cotejo com os demais considerandos antes transcritos relativamente ao que era a sua vida (que, abruptamente, lhe foi, sem mais, retirada) e a sua salutar vivência e convivência e associadas expectativas duradouras, cremos de manter a fixada quantia, pois que perfeitamente enquadrada naquela variação jurisprudencial e, simultaneamente, adaptada à realidade atual.
Flui naturalmente do que vai dito que não nos revemos na jurisprudência que entende que «No cômputo indemnizatório do dano morte, e considerando o valor absoluto da vida, que é sempre ficcionado para aqueles efeitos, não há que atender à idade, estado de saúde ou situação sócio-cultural das vítimas mas, e apenas, às demais circunstancias do artigo 494º, aplicável “ex vi” do artigo 496º do Código Civil»[8], mas antes naquela que entende que “Em abstrato todos somos iguais perante o direito, mas este princípio terá de ser equacionado em concreto com outros fatores como a idade; a saúde e a função social.
Como bem refere Pedro Ferreira Dias no plano individual compreende-se perfeitamente que o bem da vida possa ser valorado em abstrato, através de uma compensação uniforme. Mas, do ponto de vista social, as coisas já não serão assim. A vida tem, sobretudo, um valor social porque o homem é, antes de tudo, um ser em situação. E terá de ser atendendo a este valor, em temos relativos e numa perspetiva essencialmente de qualidade humana, em que o poder monetário não terá qualquer peso, que os tribunais têm de apreciar, em concreto, o montante da indemnização pela lesão do direito à vida. Tais fatores são evidenciados por Dario Almeida (…) quando aponta três vertentes sob que deve ser analisada a lesão deste direito, ou seja:
a)- Enquanto vida que se perde, na função normal que desempenha na família e na sociedade em geral;
b)-Enquanto vida que se perde, no papel excecional que desempenha na sociedade (um cientista, um escritor, um artista); e
c) Enquanto vida que se perde, sem qualquer função específica na sociedade (uma criança, um inválido, mas assinalada por um valor de afeição mais ou menos forte”[9].
Finalmente, temos a questão do montante fixado em trinta mil euros para compensar os danos próprios da vítima, ou seja, o sofrimento sentido pelo mesmo entre o momento do embate e o da sua morte.
Chamando à colação o acórdão do STJ datado de 08/09/2011, em que se entendeu como adequado o montante de vinte e cinco mil euros para compensar um tal dano relativamente a menor de 14 anos que, colhida por autocarro, caiu ao chão, vindo o rodado do veículo a passar-lhe por cima, tendo ela sentido medo nessa ocasião, e ponderando a gravidade do dano a compensar, as especificidades do caso concreto em que o lesado é inclusivamente bombeiro com formação em socorrismo e desencarceramento, pelo que lhe seria mais percetível, no momento do embate, a antevisão das lesões e da própria morte, e os critérios jurisprudenciais de valorização de tal concreto dano, o tribunal recorrido entendeu como adequada, justa e equitativa a peticionada quantia de trinta mil euros.
Anotando que no cálculo da indemnização devida haverá que ter em conta fatores de diversa ordem, como sejam, além do mais, o tempo decorrido entre o acidente e a morte, se a vítima se manteve consciente ou inconsciente, se teve ou não dores, qual a intensidade das mesmas, a existirem, se teve consciência de que ia morrer, a recorrente sublinhou depois que, no caso vertente, se é certo que a vítima permaneceu viva durante cerca de quarenta minutos, evidenciando grande sofrimento próprio das graves lesões que haviam de lhe causar a morte, tinha aquele montante fixado como exagerado, propondo que o mesmo fosse reduzido para apenas sete mil e quinhentos euros, tese que mereceu a contestação dos demandantes/recorridos.
Ora bem.
O paralelismo que a sentença recorrida encontrou permite reter que este montante fixado, comparativamente, não é nada exagerado, mas antes justo e equitativo, além de que não afronta a jurisprudência existente que, neste particular, e consoante as diversificadas situações, oscila, em termos médios, e situando-nos apenas na época do euro, entre os sete mil e quinhentos euros e os trinta e cinco mil euros.[10]
Assim sendo, também aqui não nos merece reparo algum o decidido, devendo relembrar-se que nesta matéria, e isto é naturalmente extensível a todos os danos e montantes acima enunciados, há que não esquecer, por um lado, que “Há muito que este Tribunal considera a necessidade de aumentar consideravelmente os montantes indemnizatórios em sede de responsabilidade extracontratual. Tem vindo a ser decidido que a compensação por danos não patrimoniais deve ter um alcance significativo e não meramente simbólico, sendo mais que tempo de se acabar com miserabilismos indemnizatórios”[11] e, por outro lado, se é certo que a tarefa de avaliar/quantificar este tipo de danos é difícil e complexa, não poderá esquecer-se, conforme ensinam Antunes Varela e Henrique Mesquita[12], que os tribunais de recurso devem “…limitar a sua intervenção às hipóteses em que o tribunal recorrido afronte, manifestamente, as regras da boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas e de criteriosa ponderação das realidades da vida”, o que, e com exceção do sobredito pormenor atinente ao acréscimo, acima do peticionado, do montante para ressarcir os danos próprios sofridos pelos progenitores da vítima, no mais, estará vedada a este tribunal uma intervenção corretora, mormente, como pretendia a recorrente, pois nenhuma afronta, muito menos manifesta e/ou intolerável, se descortina, pelo que nada a justificaria, nem legitimaria.
Procede, pois, apenas em parte, o recurso da demandante.
Atento o decaimento parcial da recorrente e dos recorridos, os mesmos deverão suportar as inerentes custas, tendo-se como adequado, atento o labor processual e associada complexidade, fixar em cinco UC a taxa de justiça pelos mesmos devida, devendo anotar-se que a oposição conjunta dos recorridos implica o pagamento de uma única taxa de justiça (cfr. artigos 515º, nº 1, al. b), quanto assistente, e 523º e 524º, quanto à demandante e demandada, todos do Código de Processo Penal e 8º, nº 9 e tabela III, do Regulamento das Custas Processuais), sem prejuízo do que se mostra documentado em sede de apoio judiciário.
*
III – DISPOSITIVO:
Nos termos e pelos fundamentos expostos, os juízes desta Relação acordam em conceder provimento parcial ao recurso interposto pela demandada “B…, SA, em consequência do que decidem baixar para trinta mil euros o montante a atribuir a cada um dos demandantes como compensação pelos danos não patrimoniais por eles sofridos com a morte do filho de ambos, confirmando-se, no mais, e na parte aqui questionada, a sentença recorrida.

Custas pela recorrente e pelos recorridos, fixando-se em cinco UC a respetiva taxa de justiça, sem prejuízo do que se mostra documentado em sede de apoio judiciário.

Notifique.
*
Porto, 06/11/2019/[13].
Moreira Ramos
Maria Deolinda Dionísio
__________________
[1] Vide, entre outros no mesmo e pacífico sentido, o Ac. do STJ, datado de 15/04/2010, in http://www.dgsi.pt, no qual se sustenta que “Como decorre do art. 412.º do CPP, é pelas conclusões extraídas pelo recorrente na motivação apresentada, em que resume as razões do pedido que se define o âmbito do recurso. É à luz das conclusões da motivação do recurso que este terá de apreciar-se, donde resulta que o essencial e o limite de todas as questões a apreciar e a decidir no recurso, estão contidos nas conclusões, excetuadas as questões de conhecimento oficioso”.
[2] Conhecimento oficioso que resulta da jurisprudência fixada no Acórdão nº 7/95, do STJ, in DR, I série-A, de 28/12/95.
[3] Citações do Acórdão do STJ, datado de 21/04/2010, relatado pela EX.ma Conselheira Dra. Isabel Pais Martins, que pode ser consultado in http://www.dgsi.pt, aqui trazido pelo exaustivo tratamento que ali mereceu o assunto aqui em análise, com esclarecedoras citações e anotações.
[4] Citação do acórdão deste TRP datado de 29/06/2015, relatado por José Eusébio Almeida, a consultar in http://www.dgsi.pt, no qual, além doutras variadas citações, se anota, neste lugar e em nota de rodapé, que «Novamente citamos o mesmo acórdão do STJ, proferido a 20.02.2013: “O recurso à equidade, exigido pela necessidade de adequação da indemnização às circunstâncias do caso, não dispensa a necessidade de observância das exigências do princípio da igualdade, o que implica a procura de uniformização de critérios e a necessidade de atender, por razões de justiça relativa e para evitar soluções demasiadamente marcadas por subjetivismo, aos padrões geralmente adotados na jurisprudência, importando ter sempre em atenção as circunstâncias de cada caso, bem como as datas em que as decisões foram proferidas e o consequente decurso do tempo relativamente à decisão confrontada”».
[5] Aresto relatado pela Ex.ma Conselheira Maria da Graça Trigo, a consultar in http://www.dgsi.pt.
[6] Todos os referidos arestos a consultar in http://www.dgsi.pt.
[7] Veja-se, o acórdão referido na antecedente nota 4 e o supra referenciado acórdão do STJ datado de 11/10/2017, relatado pelo Ex.mo Conselheiro Oliveira Mendes.
[8] Conforme é sustentado no acórdão deste TRP datado de 18/06/2013, relatado pela Ex.ma Desembargadora Márcia Portela, secundando o acórdão do STJ datado de 20/06/2006, relatado pelo Ex.mo Conselheiro Sebastião Póvoas, ambos a consultar in www.dgsi.pt.
[9] Citação extraída do acórdão do STJ supra referido, datado de 11/10/2017, relatado pelo Ex.mo Conselheiro Oliveira Mendes, a consultar in www.dgsi.pt.
[10] Cuja resenha jurisprudencial extensa efetuada em aresto do Ex.mo Conselheiro Raúl Borges e citada no acórdão já antes referido, datado de 29/06/2015, relatado pelo Ex.mo Desembargador José Eusébio Almeida (vide nota 4).
[11] Citações do Acórdão do STJ, datado de 21/04/2010, relatado pela Ex.ma Conselheira Dra. Isabel Pais Martins, supra citado (vide nota 3).
[12] In Código Civil Anotado, 1º vol., anotação ao artigo 494º.
[13] Texto escrito conforme o acordo ortográfico, convertido pelo Lince, e composto e revisto pelo relator (artigo 94º, nº2, do Código de Processo Penal).