Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
33/14.0TELSB.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FRANCISCO MOTA RIBEIRO
Descritores: INSTRUÇÃO
DEBATE INSTRUTÓRIO
NOTIFICAÇÃO DO ARGUIDO
NÃO REQUERENTE
NULIDADE
Nº do Documento: RP2018022133/14.0TELSB.P1
Data do Acordão: 02/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º751, FLS.117-121)
Área Temática: .
Sumário: I - Constitui nulidade insanável (artºs 119º, al. c) e 122º1 CPP) a falta de notificação de arguido para o debate instrutório, nos termos do artº 297º3 CPP ainda que não tenha requerido instrução.
II – A falta de notificação do arguido dos actos e diligencias a realizar na instrução, para que possa comparecer, querendo, nos termos do artº 289º 2 CPP, constitui irregularidade processual a qual se tempestivamente arguida determina a invalidade do acto praticado (artºs 118º2 e 123º1 CPP).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 33/14.0TELSB.P1 – 4.ª Secção
Relator: Francisco Mota Ribeiro
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Acordam, em conferência, no Tribunal da Relação do Porto
1. RELATÓRIO
1.1 Na sequência de requerimentos apresentados pelos arguidos B…, C… e D… foi declarada aberta a instrução, que culminou com a realização do debate instrutório, ocorrido a 21/09/2017. Por considerarem que, apesar de não terem requerido a abertura da instrução, deveriam ter sido notificados para estarem presentes, quer em diligências instrutórias realizadas, quer no referido debate, vieram as arguidas E… e Farmácia F… de E…, Unipessoal, Lda., arguir a nulidade daquelas diligências, assim como do debate instrutório realizado.
Por despacho de 03/10/2017, que constitui fls. 3065 a 3073, a Mma. Juíza, entendendo que as requerentes em nada foram afetadas pelo procedimento utilizado, considerou que não se verificava nos autos o vício invocado.
1.2. Não se conformando com tal decisão, vieram as arguidas E… e Farmácia F… de E…, Unipessoal, Lda., dela interpôr recurso, apresentando motivação que termina com as seguintes conclusões:
“A. Não se conformam as recorrentes/arguidas com o douto despacho de fls. 3065 porquanto as arguidas/recorrentes e o seu mandatário não foram notificados dos atos instrutórios nem tão pouco para estarem presentes no debate instrutório, sendo que o mandatário das arguidas apenas teve conhecimento por informação verbal de um Colega que havia sido realizado o debate Instrutório, tendo sido posteriormente informado que havia sido nomeado em sua substituição um defensor oficioso para representar as arguidas suas constituintes.
6. Não procede a argumentação de que foi proferido despacho transitado em julgado decretando que apenas seriam notificados dos atos Instrutórios e debate os arguidos requerentes da instrução, já que há uma ordem posterior que derroga o despacho anterior, no sentido de proceder à notificação de todos os arguidos dos atos e diligências levadas a cabo na instrução e debate instrutório.
C. No entanto, a secção continuou a não notificar as recorrentes, nem o seu mandatário para estarem presentes no debate Instrutório.
D. Nem se diga que as arguidas/recorrentes, porque não requereram a abertura de instrução, não têm interesse nos atos realizados na instrução requerida por outros arguida, pois pode o despacho de pronúncia ou não pronúncia das arguidas requerentes da Instrução afectar a posição processual das recorrentes.
E. Podem até, os atos instrutórios realizados, imputar novos factos às arguidas/recorrentes ou de certa forma as incriminar, podendo estas exercer o seu direito de defesa e requerer diligências complementares de prova, e, se da análise dos atos instrutórios resultar algo favorável aos arguidos não requerentes como comparticipantes, deve estender-se os efeitos da Instrução aos comparticipantes.
F. A Instrução requerida por coarguidos afeta diretamente os arguidos não requerentes.
G. A Instrução é de manifesta e absoluta relevância para arguidos requerentes e não requerentes, devendo estes ser notificados de todos os atos realizados para, querendo estarem presentes ou se fazerem representar
H. É curioso que o despacho considere que não existe nulidade por falta de notificação das recorrentes e do seu mandatário dos atos instrutórios e realização de debate Instrutório, quando o mandatário signatário foi notificado da diligência de inquirição de testemunhas efetuada nos aulos de carta precatória n° 355/17.8T8MTS, do Juízo de Instrução Criminal de Matosinhos Juiz 2, ato em que efetivamente esteve presente, no dia 09/03/2017.
I. Não se compreende que se considere que as recorrentes não devem ser notificadas dos atos instrutórios, nem do debate instrutório, quando consignou em ata a falta do mandatário das arguidas no debate instrutório.
J. Mais grave é que, perante a ausência do mandatário das arguidas no debate instrutório designado - porque não havia sido notificado para estar presente - além de falta é nomeado um defensor oficioso para assegurar os direitos de defesa das arguidas.
K. Há uma contradição patente entre o entendimento vertido no douto despacho recorrido e os atos praticados no processo e na diligência de debate instrutório.
L. A nomeação de um defensor oficioso (de escala) só vem comprovar que as recorrentes de facto, enquanto arguidas, têm o direito de ser notificados de todos os atos instrutórios realizados, designadamente, para o debate instrutório.
M. As diligências realizadas na Instrução, embora requeridas por coarguidas, dizem respeito diretamente às recorrentes, porque os factos estão interligados e influem diretamente com a defesa das arguidas/recorrentes.
N. A falta de notificação das arguidas para os atos instrutórios que direta ou Indiretamente lhes digam respeito constitui nulidade insanável nos termos do art.º 119º, al. c) do CPP,
O. A marcação de falta a um mandatário que não foi notificado para o ato, tendo sido chamado o defensor oficioso de escala em sua substituição, constitui uma nulidade, o que expressa e tempestivamente foi invocado.
P. O arguido tem direito a estar presente em todos os atos que direta ou Indiretamente lhe digam respeito. (art.º 61° do CPP)
Q. O arguido tem direito a escolher defensor ou solicitar ao Tribunal que lhe seja nomeado um advogado; tem direito a que o defensor esteja presente nos atos processuais e a conferenciar com o defensor em particular (art.º 61º, n°1, al.s d) e e) e n° 2 do CPP e art.º 35° do Decreto-Lei n° 265/79, de 1 de Agosto e art.º 32° da CRP).
R. A falta de notificação das arguidas de todos os atos Instrutórios e do mandatário das arguidas para estar presente no debate instrutório, afetaram diretamente as posição das arguidas no processo, limitando o seu direito de defesa, constituindo, por isso, uma nulidade insanável nos termos do art.º 119° do CPP por violação dos art.ºs 61°, n°. 1, e art.º 32, n°. 1 e 3 da CRP.)
S. É jurisprudencialmente assente que o arguido tem direito a assistir a todos os atos e diligências que direta ou indiretamente lhe digam respeito ao longo do inquérito, Instrução e fase de julgamento.
T. Deveriam as arguidas e o seu mandatário ter sido notificadas de todos os atos instrutórios realizados, podendo neles participar e apresentar a sua defesa, bem como terem sido notificados da data designada para debate instrutório, podendo dele participar, o que não sucedeu.
U. A decisão recorrida deve ser revogada e anular-se todos os atos instrutórios em que as arguida/recorrentes não tiveram participação, bem como a decisão instrutória, realizando-se novo debate instrutório, devendo as arguidas/recorrentes e o seu mandatário serem notificados para o efeito.”
1.3. O recurso foi admitido pelo despacho de 20/11/2017, de fls. 3096.
1.4. O Ministério Público respondeu ao recurso de fls. 3105 a 3110, terminando com as seguintes conclusões:
“1 - Por decisão de 03 de Outubro de 2017 e que compõe fls. 3065 a 3073 dos autos supra referenciados foi decidido julgar por não verificada a nulidade insanável invocada pelos aludidos arguidos E… e Farmácia F… de E…, Unipessoal, Lda que compõe fls. 3058 e 3059 por não terem estado presentes, por não terem sido notificados nos termos previstos no artigo 287.º, n.º5 do Código de Processo Penal da data designada para o debate instrutório.
2 - Inconformado com aquela decisão vieram recorrer alegando em síntese que muito embora não tenha requerido a abertura de instrução “era obrigatório nos termos e para os efeitos do supra identificado artigo 297.º do CPP, a notificação de todos os arguidos, mesmos daqueles que não são requerentes (…) do douto despacho que designou data para a realização do debate instrutório” vendo-se o ora recorrente “impossibilitado de participar no debate instrutório” pois que sempre poderia “intervir na instrução requerida por outro coarguido, oferecendo provas e requerendo diligências”.
3 - Por isso considera que a sua falta e/ou respetivo defensor no debate instrutório por não terem sido notificados da mesma integra a nulidade insanável prevista no artigo 119.º alínea c) do Código de Processo Penal.
4 - Esgrimindo os ora recorrentes, em sede de motivação de recurso aquilo que constituíra já a fundamentação explanada no requerimento onde invocaram a nulidade que agora nesta sede, esquecem os recorrentes que lhe fenece interesse de agir naquilo que invoca naquele requerimento e agora em sede de motivação.
5 - Com efeito, não basta afirmar-se portador de direitos ou de faculdades, importando que os invoque e exercite no momento processual adequado.
6 – Tratando-se de uma fase processual facultativa e caso o ora recorrente pretendesse “intervir e exercer os seus direitos, requerendo a prática de atos de instrução cujo interesse para a descoberta da verdade se tivesse entretanto revelado ou a produção de provas indiciárias suplementares que era intenção propor-se a apresentar durante o debate instrutório, sobre questões controversas”, impunha-se na lealdade processual que o levasse aos autos ou então que se insurgisse/reagisse/manifestasse discordância ao teor do despacho que declarou aberta a instrução que lhe foi oportunamente notificada e onde de forma expressa foi decidido “(…)Cumpra o disposto no art.º 287.º/5, do CPP, devendo ser notificado/a/s para o Debate Instrutório e demais diligências instrutórias apenas o/s assistente/s (caso esteja constituído) o/a/s arguido/a/s requerente/s, sendo notificados os demais arguidos apenas nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 307.º, 4, do CPP (não sendo abrangidos pela decisão de pronúncia/não pronúncia que vier a ser proferida)” – cfr. fls. 2534.
7 – Exibindo-se completamente silentes (arguidos e ilustre defensor) a despeito de terem sido notificados desse despacho - cfr. fls. 2567, 2574 e 2577 –, fenece interesse em agir no invocar de uma qualquer nulidade / irregularidade decorrente da falta de notificação para o debate instrutório;
8 – Mais a mais quando as posteriores decisões e comunicações ocorreram precisamente na sequência do estrito âmbito fixado naquele despacho de abertura de instrução, despacho que em momento algum surge referido pelos recorrentes e onde nenhuma argumentação é aduzida no sentido de desmontar aquilo que expressamente surge referido no despacho colocado em crise que se pronunciou sobre a invocada nulidade.
9 - Na consideração que não assiste razão aos recorrentes na invocada nulidade, deverá a mesma ser julgada improcedente.
10 – Aquela decisão não violou qualquer preceito legal nem a sua interpretação incorreu em qualquer inconstitucionalidade e nele se decidiu conforme a lei e o direito.
Deve, assim, o recurso interposto ser julgado improcedente e, desta forma, mantido o douto despacho recorrido nos seus precisos termos.”
1.5. O Sr. Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal teve vista dos autos, emitindo parecer, no qual concluiu nos seguintes termos:
“2.2 - No caso em apreço, está em causa (i) a falta de notificação das arguidas/recorrentes E… e Farmácia F… de E…, Unipessoal, Lda, do despacho de 2 de maio de 2017 (cfr. fis. 2974), que designou data para a inquirição das testemunhas G… e H…, (ii) e do despacho de 5 de junho de 2017 (cfr. fis. 3005), que designou dia para a realização do debate instrutório.
Como acima referimos, no nosso entendimento, podem assistir a diligências de instrução e ao debate instrutório (e, portanto, para eles devem ser notificados), para além dos requerentes da instrução, os arguidos que não tenham requerido a instrução e os seus defensores, em caso de conexão de processos nos lermos das alíneas a), d) e e) do n° 1 do artigo 24°.
Ora, analisado o teor da acusação pública, constante de lis. 2029/2090, verifica-se que é precisamente essa a situação em apreço.
Basta ter em atenção, designadamente, a factualidade descrita no ponto 131 da acusação: “Os arguidos I…, J…, K…, L…, D… e C… [assinalam-se a negrito os arguidos que requerem a instrução], ao aceitarem e colaborarem com as arguidas E… [ora recorrente] e M…, da forma descrita, em conjugação de esforços, e recebendo contrapartidas patrimoniais e não patrimoniais…”.
E no ponto 135, onde se diz. “Todos os arguidos singulares agiram sempre e em todas as suas condutas, de forma livre, voluntária e conscientemente, de forma reiterada pelo período temporal supra descrito, em comunhão de esforços…”
Não obsta a este entendimento a circunstância de, na parte final da acusação, quando se indicam as disposições legais aplicáveis (aliás, como vimos, em desarmonia com o respetivo texto), parecer afastar-se a comparticipação. Decidir, só por isso, não aplicar, in casu, a norma do artigo 297º, nº 3, no segmento que agora interessa, seria seguramente sobrevalorizar aspetos de índole formal em detrimento do substancial, o que nos parece injustificável.
Dúvidas não haverá, portanto, que se configura, em concreto, um caso de conexão enquadrável na previsão das alíneas c) e cl) do n° 1 do artigo 24° do C. P. Penal.
Deveriam, pois, os arguidos não requerentes da instrução ter sido notificados do despacho que designou dia para a inquirição das testemunhas G… e H…, proferido no dia 2 de maio de 2017 (cfr. fls. 2974), bem como do despacho de 5 de junho de 2017 (cfr. fis. 3005), que designou o dia 21 de setembro de 2018 para o debate judicial.
Assim, à luz do que acima ficou dito, consideramos que, no caso presente, a instrução está ferida de irregularidade (artigo 123°, n° 1), por falta de notificação das arguidas/recorrentes (não requerentes da instrução), do despacho que designou o dia 5 de junho de 2017 para a inquirição das testemunhas G… e H…, e de nulidade insanável, por falta de notificação dessas mesmas arguidas da data designada para o debate judicial (artigo 119°, al. c)).
As arguidas/recorrentes invocaram atempadamente as referidas anomalias processuais, sendo que as nulidades insanáveis podem ser declaradas a todo o tempo.
23 - Conclui-se, emitindo parecer no sentido de que, na procedência do recurso, será de declarar inválida a diligência de inquirição das testemunhas G…. e H…, realizada no dia 5 de junho de 2017 (cfr. fls. 3003 a 3005), bem como o debate instrutório, realizado no dia 21 de setembro de 2017 (cfr. fis. 3055 a 3057), determinando-se a renovação desses atos com a realização das diligências cuja omissão determinou a respetiva invalidade.”
1.7. Tendo em conta os fundamentos do recurso interposto pelas arguidas e os poderes de cognição deste Tribunal, importa apreciar e decidir se a falta de notificação daquelas para as diligências instrutórias realizadas no âmbito da instrução requerida por outros arguidos constitui ou não irregularidade que invalide os atos nelas praticados, assim como se a omissão da sua notificação tendo em vista a realização do debate instrutório integra ou não uma nulidade insanável com a consequente nulidade do ato.
2. Fundamentos fáctico-conclusivos e jurídicos
Por força do princípio da legalidade das nulidades processuais consagrado no art.º 118º, nºs 1 e 2, do CPP, “a violação ou inobservância das disposições da lei do processo penal só determina a nulidade do ato quando esta for expressamente cominada” e “nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o ato é irregular.”
Entre as violações ou inobservâncias das disposições legais que determinam a nulidade dos atos está precisamente a prevista no art.º 119º, al. c), do CPP, isto é, a ausência do arguido ou do seu defensor, nos casos em que a lei exigir a respetiva comparência. Nulidade essa que, como resulta do corpo do art.º 119º, além de insanável, deve ser oficiosamente declarada em qualquer fase do procedimento.
Ora, no caso dos autos o debate instrutório foi realizado na ausência das arguidas recorrentes e do respetivo defensor por elas constituído, e sem que para a realização do referido debate tivessem sido notificados.
É certo que as recorrentes não requereram a abertura da instrução. Porém, como bem refere o Sr. Procurador-Geral-Adjunto no douto parecer junto aos autos, que integralmente subscrevemos, a factualidade imputada na acusação às recorrentes está em conexão material com a que vem imputada aos demais arguidos, nomeadamente nas passagens ali citadas, por referência ao ponto 131. da acusação: “Os arguidos I…, J…, K…, L…, D… e C…, ao aceitarem e colaborarem com as arguidas E… (ora recorrente) e M…, da forma descrita, em conjugação de esforços, e recebendo contrapartidas patrimoniais e não patrimoniais…” E, no ponto 135.: “Todos os arguidos singulares agiram sempre e em todas as suas condutas, de forma livre, voluntária e conscientemente, de forma reiterada pelo período temporal supra descrito, em comunhão de esforços…” O que traduz fundamento legal para a conexão de processos, nos termos do art.º 24º, nº 1, al. c) [O mesmo crime tiver sido cometido por vários agentes em comparticipação] e d) [Vários agentes tiverem cometido diversos crimes em comparticipação, na mesma ocasião ou lugar, sendo uns causa ou efeito dos outros, ou destinando-se uns a continuar ou a ocultar os outros], do CPP.
E traduzindo fundamento legal para a conexão, então também deveriam os arguidos, ainda que não tivessem requerido a abertura de instrução, ter sido notificados da designação da data para o debate instrutório, por imposição normativa do art.º 297º, nº 3, do CPP, ao dizer que “A designação de data para o debate instrutório é notificada ao Ministério Público, ao arguido e ao assistente pelo menos cinco dias antes de aquele ter lugar” e que “em caso de conexão de processos nos termos das alíneas c), d) e e) do n.º 1 do artigo 24.º, a designação da data para o debate instrutório é notificada aos arguidos que não tenham requerido a instrução”).
Não tendo ocorrido tal notificação, verificada está assim a nulidade insanável invocada pelos recorrentes, a qual, aliás, é oficiosamente cognoscível.
Tal nulidade, por força do disposto no art.º 122º, nº 1, do CPP, torna inválido o ato praticado, bem como os que dele dependerem e aqueles que puderem afetar.
Por outro lado, resulta dos autos a realização de diligências instrutórias para as quais também não foram notificadas as arguidas recorrentes.
Ora, ressalta do art.º 289º, nº 2, do CPP que “O Ministério Público, o arguido, o defensor, o assistente e o seu advogado podem assistir aos atos de instrução por qualquer deles requeridos e suscitar pedidos de esclarecimento ou requerer que sejam formuladas as perguntas que entenderem relevantes para a descoberta da verdade.” Ou seja, assistir aos atos e diligências probatórias que de algum modo os possam afetar, como sucede no caso de o objeto da instrução respeitar a factos que, em relação aos arguidos, como acontece no caso dos autos, constituam fundamento para a conexão de processos.
E os arguidos só poderão gozar de uma tal possibilidade se tiverem sido previamente notificados da data e do local em que os atos de instrução hajam de ter lugar.
Sendo assim, e resultando dos autos que as arguidas recorrentes não foram notificadas, nem o seu defensor, da data da realização das diligências probatórias ocorridas nos autos, nomeadamente as inquirições de testemunhas de fls. 2873, 3003 e 3004 dos autos, foi cometida omissão que traduz uma irregularidade processual, tempestivamente arguida pelas recorrentes, a qual, de harmonia com as disposições conjugadas dos art.ºs 118º, nº 2, e 123º, nº 1, do CPP, determina a invalidade dos atos praticados.
E como bem se refere no douto parecer do Sr. Procurador-Geral-Adjunto, não é a circunstância de ter sido proferido um “despacho antecipatório” nos autos, a fls. 2534, no qual se determinou que apenas seriam notificados para o debate instrutório e demais diligências instrutórias os arguidos requerentes da abertura da instrução, que poderia obstar ou derrogar mesmo, em termos abstratos, a possibilidade de aplicação futura da própria lei, e desse modo se fazer precludir um direito que não tinha ainda qualquer existência no processo, assim como o fundamento que concretamente justificasse o seu exercício. Um tal entendimento, de possível viabilização legal de um tal despacho, e em contrário do que o Tribunal a quo pretende sustentar, traria também necessariamente implicações ao nível da possibilidade da sua impugnação através do recurso, pois seria evidente a falta de interesse em recorrer, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 401º, nº 2, do CPP.
Razão por que deve ser concedido total provimento ao recurso.
Uma vez que as recorrentes obtiveram vencimento no recurso, não há lugar a tributação em custas – art.º 513º, nº 1, a contrario sensu, do CPP.
3. DISPOSITIVO
Face ao exposto, acordam os juízes da 2.ª Secção Criminal deste Tribunal da Relação do Porto em conceder total provimento ao recurso interposto pelas arguidas E… e Farmácia F… de E…, Unipessoal, Lda., e, consequentemente, declarar-se verificada a invalidade do debate instrutório realizado nos autos, assim como das diligências instrutórias efetuadas à revelia das arguidas, devendo tais atos ser renovados, nos termos legais.
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Sem custas
Porto, 21 de fevereiro de 2018
Francisco Mota Ribeiro
Elsa Paixão
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[1] Neste sentido, juiz Conselheiro Eduardo Maia Costa, Código de Processo Penal Comentado, Reimpressão da edição de fevereiro de 2014, Almedina, Coimbra, 2014, p. 1013.