Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5361/18.2T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PAULA LEAL DE CARVALHO
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO IN ITINERE
Nº do Documento: RP202005185361/18.2T8VNG.P1
Data do Acordão: 05/18/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE, CONFIRMADA A SENTENÇA
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: Face ao art. 9º, nº 2, al. b), da actual LAT/2009 (tanto mais em confronto com a LAT/97), consubstancia acidente de trabalho in itinere o ocorrido nas seguintes circunstâncias (em síntese): quando a A., com o intuito de se dirigir a empresa onde iria prestar a sua actividade profissional, após sair da parte habitacional da sua residência e ao descer as escadas (no último degrau) que dão directamente acesso à garagem onde se encontrava o seu veículo automóvel, deu uma queda.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 5361/18.2T8VNG.P1
Relator: Paula Leal de Carvalho (Reg. nº 1165)
Adjuntos: Des. Rui Penha
Des. Jerónimo Freitas

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório

Na presente acção declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, em que figura como Autora/sinistrada B… e como Ré C…, S.A, apresentada, aos 21.06.2018, participação de acidente de trabalho e frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória do processo, apresentou aquela petição inicial, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de € 5507,45 a título de indemnização por danos patrimoniais, acrescidos de juros de mora desde a citação até integral pagamento bem como honorários devidos a advogado, intervenção de peritos nomeados pelo tribunal, taxa de justiça e demais encargos; a fixação da incapacidade em valor superior a 5% com o consequente pagamento da pensão anual e vitalícia devida desde 29.11.2017.
Como fundamento da sua pretensão alegou, em síntese, que é uma trabalhadora independente tendo celebrado com a Ré um contrato de seguro de acidente de trabalho para trabalhadores independentes a tempo inteiro e que foi vítima de um sinistro quando se encontrava a sair da sua residência (um dos seus locais de trabalho) para uma reunião numa empresa que contratou os seus serviços, o que lhe causou lesões com um período de ITA e ITP bem como uma IPP e danos patrimoniais que determinam a responsabilidade da Ré no pagamento da respectiva indemnização, em virtude da transferência de responsabilidade por força do contrato de seguro celebrado.

A Ré seguradora contestou alegando que, embora aceite a transferência da responsabilidade, o acidente em causa não ocorreu nem no tempo nem no local de trabalho, sendo certo que a cobertura de protecção jurídica não se aplica às despesas com a presente acção.

Foi proferido despacho saneador, seleccionados os factos assentes, elaborada a base instrutória e determinada a abertura de apenso para fixação da incapacidade.

Realizada a audiência de julgamento, com gravação da prova pessoal nela prestada, e decidida a matéria de facto, foi, aos 02.09.2019, proferida sentença que julgou a acção procedente, declarando que “a A. B… foi vítima de um acidente de trabalho no dia 29.11.2017 e, em consequência tem direito a receber da R a quantia de € 3331,46 a título de indemnização por IT; a quantia de € 989,23 a título de despesas medicamentosas e em consultas e tratamentos de fisioterapia; e o capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 313,6 com início de vencimento em 01.05.2018, acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde a data do vencimento até integral pagamento da dívida, absolvendo aquelas no mais peticionado.”. Mais fixou à acção o valor de €7,988,73.

A A., aos 18.09.2019, requereu a rectificação da sentença.

A Ré, aos 02.10.2019 veio recorrer da sentença, pretendendo que seja declarado que a A. não sofreu qualquer acidente de trabalho e tendo formulado as seguintes conclusões:
……………………………
……………………………
……………………………

Aos 07.10.2019 [de referir que, no dia 08.10.2019, foi pela Ré apresentada resposta ao pedido de rectificação formulado pela A.] foi proferido despacho de rectificação parcial de erro de cálculo da sentença e do valor da acção, despacho esse notificado aos ilustres mandatários das partes, via citius, com data de elaboração de 08.10.2019, e dele constando o seguinte:
“Vem a sinistrada requerer a retificação dos cálculos efetuados a título de IT e do valor da ação, invocando um erro de cálculo dos mesmos.
Analisado novamente os cálculos aritméticos efetuados cremos que só assiste parcialmente razão à A. no que respeita à atribuição do valor da acção.
Na verdade, o capital de remição, considerando a pensão atribuída, a idade da A e a Portaria 11/2000, é de € 4343,67.
Não há qualquer erro no cálculo da indemnização pelas IT’s de 152 dias de ITA e 31 dias de ITP de 10%.
Apresentamos os cálculos para que a sinistrada perceba os valores alcançados:
ITA: (11.2200€x 70%:365) x 152 dias=€ 3264,88
ITP de 10%: (11.2200€x 70%:365) x 31x10%= € 66,59, o que totaliza € 3331,46.
Porém, somando este valor ao capital de remição e ao valor das despesas de € 989,23, alcançamos um valor total de € 8664,37 e não de € 7988,73.
Pelo exposto, julgo parcialmente procedente a reclamação, determinando a retificação do valor da ação para € 8664,37.”.

A Recorrida contra-alegou concluindo no sentido do não provimento do recurso.

Proferido, pela 1ª instância, despacho de admissão do recurso e subidos os autos a esta Relação, o Exmº Sr. Procurador Geral Adjunto emitiu douto parecer no sentido da rejeição da impugnação da decisão da matéria de facto por inobservância do art. 640º, nº 1, do CPC/2013 e/ou da improcedência do recurso, parecer que, notificado às partes, não foi objecto de resposta.

Colheram-se os vistos legais.
***
II. Matéria de Facto dada como provada pela 1ª instância:
É a seguinte a decisão da matéria de facto dada como provada pela 1ª instância:
“1. A sinistrada nasceu no dia 21 de novembro de 1968 [alínea A) da matéria assente].
2. A sinistrada, enquanto trabalhadora independente a tempo inteiro, transferiu para a Ré Seguradora a responsabilidade emergente de acidente de trabalho através da apólice ........... pelo salário anual de € 11.200.00, conforme teor de fls. 100 v e ss. que se dá por integralmente reproduzido [alínea B) da matéria assente]. 3. A Autora, engenheira mecânica e consultora/auditora no domínio da qualidade, desloca- se a várias empresas que desejam certificação no âmbito da qualidade ou que são obrigadas a tal certificação (artigo 1º da base instrutória).
4. A função da Autora é colher os elementos que entende de interesse para o efeito, elaborando o respectivo relatório e pareceres (artigo 2º da base instrutória).
5. E nesse sentido tem de deslocar-se habitualmente às empresas que contratam os seus serviços, com cuja gerência discute e esclarece o teor dos relatórios elaborados (artigo 3º da base instrutória).
6. Para além do seu local de trabalho ser em várias empresas, também o é igualmente na habitação própria, na morada acima indicada, onde desenvolve os elementos colhidos nas várias empresas, faz as pesquisas necessárias e elabora os referidos relatórios, que posteriormente são entregues em mão, nas empresas que a contratam (artigo 4º da base instrutória).
7. Um dos trabalhos da Autora consiste em deambular por armazéns de várias empresas durante quase todo o dia, tendo de subir e descer muitas vezes escadas e tendo frequentemente de se baixar e levantar para analisar máquinas e o seu funcionamento para posteriormente elaborar relatórios (artigo 8º da base instrutória).
8. No dia 29 de Novembro de 2017, pelas 08 horas, a Autora saía da sua habitação (um local de trabalho) e dirigia-se para o seu veículo automóvel para uma deslocação à firma “D…” (outro local de trabalho) situada em Braga, na qual prestava serviços e onde tinha uma reunião marcada entre as 09 horas e 09 horas e 30 minutos para entregar o relatório por esta solicitado (artigo 5º da base instrutória). [adiante eliminadas as expressões sublinhadas]
9. Após sair de casa e ao descer as escadas que dão directamente para a garagem onde se encontrava o seu veículo automóvel, no último degrau, o pé esquerdo sofreu um entorse e a perna direita torceu para a direita provocando uma luxação da rótula e rompimento dos músculos da coxa direita (artigo 6º da base instrutória).
10. No dia 29 de novembro, deslocou-se ao E… situado na Avenida …, onde foi observada pelo Dr. F…, médico fisiatra que a mandou imobilizar a perna [alínea C) da matéria assente].
11. Com o passar do tempo como não obtinha melhoras e as dores eram lancinantes, contactou novamente o Dr. F… que a aconselhou a consultar um ortopedista e a fazer exames, tendo o mesmo encaminhado a Autora para o ortopedista, Dr. G… [alínea D) da matéria assente].
12. No dia 13 de Dezembro de 2017, deslocou-se então ao Hospital H… no Porto, tendo-lhe sido passada uma declaração pelo Dr. G…, ortopedista, a declarar que a Autora necessitava de tratamento cirúrgico que consistia na sutura do tendão quadricipital direito [alínea E) da matéria assente].
13. Sendo informada, todavia que deveria dirigir-se posteriormente à I… [alínea F) da matéria assente].
14. No dia 15 de Dezembro de 2017, pelas 09 horas e 51 minutos, dirigiu-se à I…, e aí sim já consultada por um médico da aqui Ré, o Dr. J…, atribuiu-lhe uma incapacidade temporária absoluta [alínea G) da matéria assente].
15. Após a realização de uma Ressonância magnética ao joelho, verificou-se uma rutura completa do tendão quadricipital e que necessitava de cirurgia [alínea H) da matéria assente].
16. Nesse mesmo dia pelas 13 horas e 48 minutos e na I… foi novamente observada, mas agora pelo Dr. K…, médico que posteriormente a iria operar, que a mandou comparecer naquele estabelecimento hospitalar no dia 19 de Dezembro de 2017 para ser submetida a uma cirurgia [alínea I) da matéria assente].
17. Quando no dia 19 de Dezembro de 2017, pelas 11 horas e 46 minutos, se encontrava a caminho da I… para ser operada, a Autora recebeu uma chamada do número 211520301, identificando-se como interlocutora uma funcionária da Companhia de Seguros, aqui Ré, que ao saber que a Autora ia ser operada, lhe confirmou que a I… era o hospital da Companhia de Seguros e lhe desejou que tudo corresse bem [alínea J) da matéria assente].
18. A 26 de Dezembro de 2017 pelas 15 horas e 20 minutos, na I…, teve nova consulta com o Dr. K…, ainda com a incapacidade temporária absoluta, declarada desde o dia 15 de Dezembro de 2017 e com a marcação de uma nova consulta para o dia 02 de Janeiro de 2018 [alínea L) da matéria assente].
19. A 29 de Dezembro de 2017 recebeu uma carta da Companhia de Seguros, aqui Ré, datada do dia 27 de Dezembro de 2017, na qual a Ré declinava qualquer responsabilidade no acidente sofrido pela Autora, afirmando que o acidente em apreço não se enquadrava no conceito de trajeto constante na alínea a) n.º 1 e no n.º 2 do artigo 9.º da Lei 98/09 de 4 de Setembro, pelo que não havia direito a reparação do mesmo, e que em momento oportuno solicitariam o reembolso das despesas efectuadas [alínea M) da matéria assente].
20. Entre o dia 28 e 29 de Dezembro de 2017, a Autora recebeu uma comunicação por telefone sendo informada que todas as marcações já feitas estavam canceladas por não se tratar de um acidente de trabalho [alínea N) da matéria assente].
21. Na altura, a A. encontrava-se com pontos na perna [alínea O) da matéria assente].
22. No dia 02 de Janeiro de 2018, compareceu à hora marcada para a consulta na I… na expectativa de ser atendida [alínea P) da matéria assente].
23. No entanto, foi informada que não seria atendida, ao abrigo das instruções recebidas pela Seguradora, aqui Ré [alínea Q) da matéria assente].
24. Na tentativa de conciliação ocorrida nos serviços do MP em 27 de novembro de 2018, a mesma frustrou-se porquanto a seguradora não aceitou o acidente como de trabalho por não se enquadrar no artigo 8º e 9º da Lei 98/09, de 04.09, nem o nexo de causalidade entre as lesões e o alegado acidente, aceitando, porém, a transferência de responsabilidade pelo salário anual de € 11.200,00 [alínea R) da matéria assente].
25. Em consequência do acidente, a A. teve as seguintes despesas:
a) em duas consultas, cuja factura foi emitida em 04.12.2017, a quantia de € 110;
b) Consulta Hospital H… dia 13/12/2017 - € 67,86;
c) Consumíveis Hospital H… dia 13/12/2017 - € 68,62;
d) Exames Hospital H… dia 13/12/2017 – € 98,00;
e) Consulta Hospital H… dia 3/1/2018 – € 55,00;
f) Consulta sem presença Centro de Saúde dia 23/01/2018 – € 2,50; g) em consultas e tratamentos de fisioterapia, cuja factura foi emitida em 02.02.2018, a quantia de € 102,50;
h) Consulta Hospital H… dia 21/2/2018 – € 55,00;
i) Consulta Centro de Saúde dia 28/2/2018 – € 4,50;
j) Consulta Hospital L… dia 5/3/2018 – € 7,00;
k) Consulta sem presença Centro de saúde dia 21/03/2018 – € 2,50;
l) Consulta Hospital H… dia 21/03/2018 – € 55,00;
m) em consultas e tratamentos de fisioterapia, cuja factura foi emitida em 06.03.2018, a quantia de € 99,25;
n) em consultas e tratamentos de fisioterapia, cuja factura foi emitida em 02.04.2018, a quantia de € 94,75;
o) em consultas e tratamentos de fisioterapia, cuja factura foi emitida em 26.04.2018, a quantia de € 99,25;
p) Consulta sem presença Centro de saúde dia 12/04/2018 - € 2,50;
x) Collant elástico de compressão - ORTOLOP 15/3/2018 – € 65,00 (artigo 7º da base instrutória).
***
III. Fundamentação

1. Salvas as matérias de conhecimento oficioso, o objecto do recurso é delimitado pelas conclusões formuladas pelo recorrente, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas (arts. 635, nº 4, e 639º, nº 1, do CPC aprovado pela Lei 41/2013, de 26.06, aplicável ex vi do art. 1º, nº 2, al. a), do CPT aprovado pelo DL 295/2009, de 13.10, alterado, designadamente, pela Lei 107/2019).
Assim, são as seguintes as questões em apreço:
- Impugnação da decisão da matéria de facto;
- Se o acidente em causa nos autos (não) consubstancia um acidente de trabalho.

2. Da impugnação da decisão da matéria de facto

Pretende a Recorrente que os nºs 8 e 9 dos factos dados como provados sejam alterados por forma a ser dado como assente que a A. não chegou a sair de casa, passando a terem a seguinte redacção:
««8- No dia 29 de Novembro de 2017, pelas 8h00, a Autora ia a dirigir-se para o seu veículo automóvel para uma deslocação à firma “D…” (…)”.
9. Ainda dentro de sua casa, e ao descer as escadas que dão directamente para a garagem onde se encontrava o seu veículo automóvel, no último degrau, o pé esquerdo sofreu uma entorse e a perna direita torceu para a direita (…)”.»».

É a seguinte a matéria de facto dada como provada nos mencionados pontos:
“8. No dia 29 de Novembro de 2017, pelas 08 horas, a Autora saía da sua habitação (um local de trabalho) e dirigia-se para o seu veículo automóvel para uma deslocação à firma “D…” (outro local de trabalho) situada em Braga, na qual prestava serviços e onde tinha uma reunião marcada entre as 09 horas e 09 horas e 30 minutos para entregar o relatório por esta solicitado (artigo 5º da base instrutória).
9. Após sair de casa e ao descer as escadas que dão directamente para a garagem onde se encontrava o seu veículo automóvel, no último degrau, o pé esquerdo sofreu um entorse e a perna direita torceu para a direita provocando uma luxação da rótula e rompimento dos músculos da coxa direita (artigo 6º da base instrutória).”

2.2. Pretendendo-se a reapreciação da decisão da matéria de facto, tem o Recorrente que dar cumprimento aos requisitos exigidos pelo art. 640º do CPC/2013, em cujos nºs 1 e 2 se dispõe que:
“1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recruso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;”
Sendo o objecto do recurso, como é, delimitado pela conclusões, a parte que pretenda impugnar a decisão da matéria de facto deverá indicar quais os concretos pontos da decisão da matéria de facto de que discorda. E tal indicação deve ter lugar nas conclusões do recurso, por estas consubstanciarem a delimitação do objeto do recurso no que tange à matéria de facto; ou seja, delimitando as conclusões o que se pretende com o recurso, deverá o Recorrente nelas indicar o ou os concretos factos de cuja decisão discorda. Diga-se que tal indicação deve ser feita por referência aos concretos factos que constam da decisão da matéria de facto e não já por referência a meros “temas” das questões de facto sobre as quais o Recorrente discorde.
E, nos termos do citado art. 640º, nº 1, al. c), o Recorrente deverá também indicar o sentido das respostas que pretende.
[Cfr. Acórdão do STJ de 07.07.2016, Processo 220/13.8TTBCL.G1.S1, in www.dgsi.pt, nos termos de cujo sumário consta que “I - Para que a Relação conheça da impugnação da matéria de facto é imperioso que o recorrente, nas conclusões da sua alegação, indique os concretos pontos de facto incorrectamente julgados, bem como a decisão a proferir sobre aqueles concretos pontos de facto, conforme impõe o artigo 640º, nº 1, alíneas a) e c) do CPC.”.].
Por outro lado, na indicação dos meios probatórios [sejam eles documentais ou pessoais] que sustentariam diferente decisão [art. 640º, nº 1, al. b)], deverão eles ser identificados e indicados por referência aos concretos pontos da factualidade impugnada de modo a que se entenda a que concretos pontos dessa factualidade se reportam os meios probatórios com base nos quais a impugnação é sustentada, mormente nos casos em que se pretende a alteração de diversa matéria de facto. Só assim será possível ao tribunal ad quem perceber e saber quais são os concretos meios de prova que, segundo o Recorrente, levariam a que determinado facto devesse ter resposta diferente da que foi dada.
[Cfr. Acórdão do STJ de 20.12.2017, Proc. 299/13.2TTVRL.G1.S2, e de 19.12.2018, Proc. 271/14.5TTMTS.P1.S1, ambos in www.dgsi.pt, constando do sumário deste último o seguinte: “I - A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos. II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, agrega a matéria de facto impugnada em blocos ou temas e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.]
Quanto à fundamentação dessa impugnação, mormente quanto aos meios probatórios em que assenta a impugnação, entendemos que poderá ela ter lugar em sede de alegações.
[Cfr. Acórdão do STJ de 20.12.2017, Proc. 2994/13.2TTVRL.G1.S2, in www.dgsi.pt, em cujo sumário se refere o seguinte: “I - A alínea b), do nº 1, do art. 640º do CPC, ao exigir que o recorrente especifique “[o]s concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida”, impõe que esta concretização seja feita relativamente a cada um daqueles factos e com indicação dos respetivos meios de prova, documental e/ou testemunhal e das passagens de cada um dos depoimentos. II - Não cumpre aquele ónus o apelante que, nas alegações e nas conclusões, divide a matéria de facto impugnada em três “blocos distintos de factos” e indica os meios de prova relativamente a cada um desses blocos, mas omitindo-os relativamente a cada um dos concretos factos cuja decisão impugna.”]
E se impugnada a factualidade com base em depoimentos gravados deverá também o Recorrente “indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes”, sendo que, podendo embora proceder à transcrição dos depoimentos ou de excertos dos mesmos, tal não o dispensa contudo daquela indicação como expressamente decorre da letra da norma.
Por fim, o citado art. 640º é claro e expresso na consequência da omissão do cumprimento dos requisitos nele previstos, qual seja a imediata rejeição da impugnação.
Como referiu António Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, páginas 126/127/129, – em comentário ao artigo 640º do CPC/2013, com o que se concorda: “(…). a) …, o recorrente deve indicar sempre os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, com enunciação na motivação do recurso e síntese nas conclusões; b) Quando a impugnação se fundar em meios de prova constantes do processo ou que nele tenham sido registados, o recorrente deve especificar aqueles que, em seu entender, determinam uma decisão diversa quanto a cada um dos factos; c) Relativamente a pontos da decisão da matéria de facto cuja impugnação se funde, no todo ou em parte, em provas gravadas, para além da especificação obrigatória dos meios de prova em que o recorrente se baseia, cumpre ao recorrente indicar com exactidão as passagens da gravação relevantes e proceder, se assim o entender, à transcrição dos excertos que considere oportunos; d) O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência que vem na linha do reforço do ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto; (…)” e acrescentando ainda que “(…) as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo (…)”.

2.3. No caso, a Recorrente deu cumprimento ao disposto no art. 640º, nº 1, als. a) e c), do CPC/2013.
Todavia, não deu cumprimento à al. b) do nº 1 do citado preceito, seja nas conclusões, seja no corpo das alegações.
Com efeito, a fundamentar as alterações pretendidas a Recorrente tece diversas considerações, designadamente quanto ao edificado e localização da garagem, mas não indica qualquer concreto meio de prova a suportar o que alega.
Ora, assim sendo, rejeita-se a impugnação aduzida.
No entanto, e sem prejuízo do referido, salienta-se ainda que a Ré, na contestação, apenas alegou que o acidente ocorreu pelas 8h00, quando a A. se deslocava “dentro da sua propriedade e iniciava a descida de um lanço de escadas, a fim de se dirigir à garagem da sua propriedade”, nada tendo alegado no que toca às características do edificado (moradia/casa/habitação/garagem) que vem invocar em sede de recurso.

2.4. Não obstante, os segmentos constantes do nº 8 dos factos provados onde se refere “(um local de trabalho)” e “(outro local de trabalho)” têm natureza conclusiva, pelo que, nos termos do disposto no art. 607º, nº 4, do CPC/2013 deverão ser oficiosamente eliminados.
Assim sendo, o nº 8 dos factos provados, passará a ter a seguinte redacção:
8. No dia 29 de Novembro de 2017, pelas 08 horas, a Autora saía da sua habitação e dirigia-se para o seu veículo automóvel para uma deslocação à firma “D…” situada em Braga, na qual prestava serviços e onde tinha uma reunião marcada entre as 09 horas e 09 horas e 30 minutos para entregar o relatório por esta solicitado (artigo 5º da base instrutória).

3. Se o acidente em causa nos autos (não) consubstancia um acidente de trabalho

Na sentença recorrida considerou-se que, tendo em conta o local onde ocorreu o acidente, o mesmo ainda se integra na previsão dos arts. 8º, nºs e 2, a. a) e 9º, nºs 1, al. a), e 2, al. b), da Lei 98/2009, de 04.09.
Por sua vez, a Recorrente entende que a extensão do conceito de local de trabalho operada pelo art. 9º, nºs 1 e 2, al. b), do citado diploma não abrange a situação dos autos, alegando, em síntese, que: i) o que a A. fez, no dia do acidente antes de se dirigir para o local de trabalho, fê-lo enquanto utilizadora da sua residência e não enquanto utilizadora do seu local de trabalho; ii) o sinistro deve ser considerado como tendo ocorrido em local situado ainda dentro da residência da A., sendo que esta habita numa moradia e não numa habitação constituída em regime de propriedade horizontal, não tendo, pois, partes comuns; iii) o acidente ocorreu “nas escadas de acesso da parte habitacional à garagem (e não nas escadas de acesso da casa à garagem)”, ou seja, “dentro da habitação da demandante, mais concretamente nas escadas que ligam a parte habitacional à garagem, tudo DENTRO DA MESMA CASA”, “TUDO DENTRO DO MESMO EDÍFICIO”; iv) mesmo que se entendesse que havia separação física entre a parte habitacional e a garagem, ambas ficam dentro da propriedade da A., de seu uso exclusivo, não tendo ocorrido em qualquer parte comum, pelo que o sinistro só poderia ser considerado como consubstanciando acidente de trabalho se tivesse ocorrido fora da propriedade.

3.1. No recurso está apenas em causa saber se, tendo em conta o local onde ocorreu o acidente, deverá este ser, ou não, enquadrado no disposto no art. 8º, nºs 1 e 2, al. a), conjugado com o art. 9º, nºs 1, al. a), e 2, al. b), da Lei 98/2009, de 04.09 [esta a aplicável ao caso dada a data do acidente em causa], preceito este que procede à extensão do conceito de acidente de trabalho e do qual resulta que, como tal, ainda se considera aquele que ocorra “nos trajectos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador” “entre a sua residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho”. Ou seja, consiste a questão objecto do recurso unicamente em saber se poderá o acidente em causa nos autos ser considerado como consubstanciando o designado acidente in itinere.

3.2. Na sentença recorrida referiu-se, para além do mais, o seguinte:
««(…)
Coloca-se então, a questão de saber se, ainda, se pode considerar como acidente “in itinere” o ocorrido nas áreas comuns de um edifício ou residência do trabalhador, transposta que seja a porta para a via pública, e, coloca-se, também, a questão de saber se esse conceito de acidente “in itinere” abrange as situações em que a porta de acesso da habitação ou do local da refeição dá para uma área exterior, própria ou particular, antes de atingir a via pública a caminho do local de trabalho, ocorrendo o acidente nessa mesma área exterior.
(…)
De acordo com o disposto no artigo 9º, n.º 3, da LAT, estão excluídos do âmbito do acidente “in itinere” os verificados dentro da própria residência do trabalhador.
Porém, conforme salienta o acórdão do STJ de 25.03.2010, proferido no Processo n.º 43/09.9T2AND.C1.S1 – 1ª Secção – www.dgsi.pt, “(…) Há no entanto lacuna legal relativamente às situações em que a porta de acesso da habitação dá para uma área exterior, própria ou particular, antes de atingir a via pública a caminho do local de trabalho, (…)
A definição atual do conceito de acidente “in itinere” [artigos.8º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), e 9ª, n.ºs 1, alínea a) e 2, alíneas b) e e), da Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro], como sendo aquele que ocorre entre a residência habitual ou ocasional do trabalhador e as instalações que constituem o seu local de trabalho e entre estas e o local da sua refeição, apesar de não conter o segmento ”desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública” da norma revogada, é mais ampla, mais abrangente e mais aberta do que a definição constante da lei revogada [artigos 6º, n.ºs 1 e 2º, alínea a) da Lei n.º 100/97, e 6º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e c), do Decreto-lei n.º 143/99].
Com efeito, comparando-se a redação de todos normativos sobreditos e relativos ao conceito de acidente “in itinere”, constata-se que atualmente o acidente, para ser qualificado como de trabalho “in itinere”, não tem de ocorrer na via pública, bastando que ocorra em qualquer ponto do trajeto que liga a habitação do sinistrado e as instalações do local de trabalho, seja a via pública, sejam as partes comuns do edifico se o sinistrado habitar numa das suas frações, seja no logradouro se a habitação for numa moradia, desde que ocorram nos ”trajetos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador”.
“Atentas as referidas alterações deve interpretar-se os atuais normativos como integrando no seu âmbito de aplicação o acidente ocorrido nos espaços exteriores à habitação do sinistrado, ainda antes de se entrar na via pública, independentemente de se tratar de espaço próprio deste ou de espaço comum a outros condóminos ou comproprietários, bastando que para tal já tenha sido transposta a porta de saída da residência, desde que a vítima se desloque para o local de trabalho, segundo o trajeto normalmente utilizado e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador” – nesse sentido Ac. de 16.02.2016, proferido no Processo n-º 375/12.9TTLRA.C1.S1, in www.dgsi.pt.
Face à factualidade dada como provada, aquando o acidente a A. já tinha saído da sua residência e ainda não tinha atingido a via pública, encontrando-se nas escadas que dão para a garagem. Porém, não merece qualquer dúvida que a A. se encaminhava para o seu automóvel para se dirigir a um outro local de trabalho, sito em Braga, para uma reunião agendada entre as 09h e as 09.30h. Considerando o tempo normal do trajeto, a hora do acidente e a intenção da A., cremos ser possível estabelecer um elo de ligação entre o momento da ocorrência do acidente e a atividade desenvolvida pela sinistrada, caraterizando-se aquele como de trabalho porque ocorrido no trajeto da sua residência habitual (…) para o local onde iria prestado o serviço, segundo o trajeto normalmente utilizado e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador.”

3.3. Tendo em conta a alteração introduzida no art. 9º, nº 2, al. a) da actual Lei 98/2009 em confronto com os anteriores art. 6º, nº 2, al. a) da Lei 100/97, de 13.09, conjugado com o art. 6º, nº 2, al. a), do DL 143/99, de 30.04 [dos quais resultava que se considerava como acidente de trabalho os que se verifiquem “no trajecto normalmente utilizado e durante o período de tempo ininterrupto habitualmente gasto pelo trabalhador: a) Entre a sua residência habitual ou ocasional, desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública, até às instalações que constituem o seu loca de trabalho]”, já esta Relação, no seu Acórdão de 22.04.2013 [Proc. 253/11.0TTVNG.P1, in www.dgsi.pt][1], se pronunciou no sentido, conforme consta do respectivo sumário, de que:
“(…)
III – Com a Lei n.º 98/2009, de 4 de setembro [LAT/2009], o conceito de acidente de trabalho in itinere passou a incluir também o acidente de trajeto ocorrido no logradouro das habitações unifamiliares.
IV - Comparada a redação das disposições da LAT/97 e da LAT/2009, constatamos que atualmente o acidente, para ser qualificado como de trabalho in itinere, não tem de ocorrer na via pública, bastando que ocorra em qualquer ponto do trajeto que liga a habitação do sinistrado e as instalações do local de trabalho, seja a via pública, sejam as partes comuns do edifico se o sinistrado habitar numa das suas frações, seja no logradouro se a habitação for numa moradia, desde que se verifiquem os seguintes requisitos: “trajetos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador”.”.
E, no mesmo sentido, pronunciou-se também esta Relação nos Acórdãos de 27.06.2019 [Proc. 2311/17.7T8PNF.P1, in www.dgsi.pt] e, mais recentemente, no Acórdão de 27.04.2020 [Proc. n.º 79/17.6T8VFR.P1[2]], a este se reportando o excerto que se passa a transcrever, com o qual estamos de acordo e não se vendo razão para alterar o entendimento sufragado em tais arestos:
««3.3. – A questão objecto do recurso já foi apreciada por este Tribunal da Relação do Porto, em vários dos seus arestos, o último dos quais datado de 27.06.2019, in www.dgsi.pt, cujo entendimento se pode resumir no seguinte:
“Como deixámos assinalado, através dos sublinhados que efectuámos, importa deixar, desde já, consignado que se concorda com a decisão proferida pelo Tribunal “a quo”, que se mostra bem e suficientemente fundamentada a nível doutrinal e jurisprudencial.
Pois, pese embora, não deixe de ser verdade, o nela referido que, “a jurisprudência dos nossos tribunais superiores não tem dado uma resposta uniforme a esta questão”, como o demonstram, desde logo, desta Relação, os doutos Acórdãos de 22.04.2013 e de 19.10.2015, ambos disponíveis in www.dgsi.pt, (sítio da internet onde poderá aceder-se a todos os acórdãos a seguir referidos, sem outra indicação), também é verdade que, nela se seguiu a linha de entendimento que consideramos acertada e, sem dúvida, maioritária, quer nas Relações, quer a nível da jurisprudência do STJ que, nos recentes acórdãos em que foi chamado a pronunciar-se, sobre questões similares à que está em apreciação nestes autos, de 18.02.2016, 13.07.2017 e 05.12.2018, proferido no processo nº 460/14.2TTVCT.G1.S1, no qual foi chamado a pronunciar-se, a título de revista excepcional, tendo por fundamento, precisamente um dos acórdãos, de 07.10.2015 do TRL, em que a recorrente alicerça, agora, a sua defesa, concluiu-se, naquele, pela confirmação do acórdão recorrido, do TRG, proferido em 21.09.2017, no processo nº 460/14.2TTVCT.G1, (que a decisão recorrida seguiu de perto) na linha do entendimento já acolhido naqueles outros, de 18.02.2016 e de 13.07.2017 e na decisão recorrida.
Em suma, todos em concordância e aderindo ao defendido naquele Acórdão do STJ de 18.02.2016, proferido no processo nº 375/12.9T1LRA.C1.S1, em cujo sumário se lê o seguinte:
«I – Nos termos conjugados do artigo 6.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e do artigo 6.º, n.º 2, a), do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, era considerado como acidente in itinere o ocorrido entre a residência habitual ou ocasional do sinistrado, desde a porta de acesso para as áreas comuns do edifício ou para a via pública, até às instalações que constituem o seu local de trabalho.
II – No entanto, a Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, actualmente em vigor, veio alargar o conceito de acidente de trabalho, ao estipular nos termos dos arts. 8º e 9.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea b), que se considera acidente de trabalho o ocorrido entre a residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o local de trabalho do sinistrado.
III – Atentas as referidas alterações deve interpretar-se os actuais normativos como integrando no seu âmbito de aplicação o acidente ocorrido nos espaços exteriores à habitação do sinistrado, ainda antes de se entrar na via pública, independentemente de se tratar de espaço próprio deste ou de espaço comum a outros condóminos ou comproprietários, bastando que para tal já tenha sido transposta a porta de saída da residência, desde que a vítima se desloque para o local de trabalho, segundo o trajecto normalmente utilizado e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador.».
Entendimento que, pese embora, não unanimemente, é seguido nesta Relação, basta atentar no Acórdão de 22.04.2013, relatado pelo saudoso, Desembargador Ferreira da Costa de cuja fundamentação consta, precisamente, o entendimento jurisprudencial que tem sido ultimamente seguido pelo STJ, concluindo que, “o critério que conduz à caracterização de um acidente como ocorrido in itinere, nos termos previstos nos arts. 8º e 9.º, n.sº 1, al. a) e 2, alíneas b) e e), da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro, basta-se com a saída/transposição da porta da residência por parte do trabalhador/sinistrado, para um espaço exterior à sua habitação, quer esta se situe num edifício com espaços comuns a outros condóminos ou comproprietários, quer numa moradia unifamiliar, podendo o acidente in itinere ocorrer antes de se entrar na via pública, para se dirigir ao seu local de trabalho, através do respetivo trajeto que utiliza nessa ida” (Ac. do STJ de 05.12.2018, já referido).”.
Concordando nós com este entendimento e considerando o acórdão do STJ de 05.12.2018, proferido nos termos do artigo 672.º, n.º 1, alínea c), do CPC, bem como o disposto no artigo 8.º, nº 3, do C. Civil – “Nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito” – concluímos que a queda sofrida pelo autor/sinistrado no logradouro da sua habitação, no regresso do trabalho - entre o portão para a via pública e as escadas de acesso ao primeiro andar sua habitação – constitui acidente de trabalho, nos termos dos artigos 8º e 9.º, n.º 1, alínea a) e n.º 2, alínea b).»» [fim de transcrição].

3.4. Revertendo ao caso em apreço, é-lhe também aplicável o entendimento sufragado nos arestos acima citados.
É certo que, no caso e pese embora a residência da A. constituísse, simultaneamente, a sua habitação e o seu local de trabalho, não decorre contudo da factualidade provada que o sinistro se haja verificado aquando do efectivo exercício, nessa habitação, da actividade profissional da A. por forma a se poder dizer que, nesse momento, estava a habitação a ser utilizada como ou na função de local de trabalho [caso em que se estaria perante um acidente ocorrido no local de trabalho e não propriamente perante um acidente in itinere].
No entanto, decorre da matéria de facto provada (nº 8) que, aquando do acidente, a A. saía da sua habitação e dirigia-se para o seu veículo automóvel para uma deslocação à firma “D…”, situada em Braga, na qual prestava serviços e onde tinha uma reunião marcada entre as 09 horas e 09 horas e 30 minutos para entregar o relatório por esta solicitado e, daí, que caiba apreciar se poderá o acidente enquadrar-se no art. 9º, nº 2, al. b), da Lei 98/2009 e, daí, ser considerado como acidente in itinere.
Ora, tendo em conta o entendimento perfilhado nos arestos acima citados (no ponto III.3.3.) entendemos que, também no caso em apreço, estamos perante um acidente ocorrido já em espaço exterior, isto é, para lá dos limites da habitação/parte habitacional da A., pois que, conforme referido no nº 9 dos factos provados, o sinistro ocorreu após a A. sair da parte habitacional e ao descer as escadas (no último degrau) que dão directamente para a garagem onde se encontrava o seu veículo automóvel.
E, ainda que tal não decorra, pelo menos necessariamente, da matéria de facto provada, sempre se dirá que, ao contrário do que parece ser entendimento da Recorrente, seria irrelevante que a garagem se situasse em espaço contíguo à da habitação, num mesmo edificado e/ou em que as escadas onde ocorreu liguem a garagem à parte habitacional. Mesmo em tal caso, já as escadas estão fora da habitação propriamente dita, esta entendida como o local onde a A. habita, designadamente, onde dorme, faz as suas refeições e demais actividades do dia a dia da sua vida privada, sendo que a garagem é o espaço onde o carro ficava e estava guardado/estacionado.
E, assim e tendo em conta o entendimento dos referidos arestos, não poderiam tais escadas deixar de ser consideradas ou equiparadas às escadas exteriores de acesso do logradouro à porta de acesso [entrada/saída] da habitação. Não haveria razão alguma para que estas fossem já consideradas como início do itinerário e, consequentemente, como local de trabalho na extensão operada pelo art. 9º, nº 2, al. b) [de acordo com o entendimento da jurisprudência citada, o sinistro ocorrido em tais escadas quando o trabalhador as descesse para se deslocar para a garagem onde está o carro estacionado e que iria utilizar para se dirigir para o trabalho ou, vice-versa, quando as subisse regressado do trabalho, antes da porta de acesso à casa, seria considerado acidente de trabalho in itinere], mas não o fossem apenas porque a garagem é contígua à habitação, a esta estando ligada por tais escadas.
Por fim, pergunta e responde a Recorrente, na conclusão 18ª, “E se o sinistro tivesse ocorrido na garagem? Não se consideraria que a garagem faz parte da habitação? Como é evidente, faz, assim como as respectivas escadas de acesso.”. Acontece que, no nosso entendimento e face à jurisprudência acima mencionada, não se considera que a garagem faça parte da habitação, pelo que se o acidente tivesse ocorrido na garagem seria também considerado já como acidente de trabalho in itinere. E, assim, o mesmo se diga quanto às escadas de acesso dessa garagem à porta de entrada/saída na habitação/parte habitacional.
Ora, assim sendo, entende-se que o acidente em causa consubstancia um acidente de trabalho in itinere, sendo que, para além do referido, o mesmo ocorreu quando a A. se preparava para ir exercer a sua actividade profissional, o que aliás não é posto em causa no recurso.

Assim sendo, improcedem as conclusões do recurso.
***
IV. Decisão

Em face do exposto, acorda-se em negar provimento ao recurso, confirmando-se a sentença recorrida.

Porto, 18.05.2020
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
Jerónimo Freitas
______________
[1] Em que a ora relatora interveio como 1ª Adjunta.
[2] Em que intervieram como 1º e 2º Adjuntos, respectivamente, a ora relatora e o 1º Adjunto.