Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2055/16.7T8MTS-C.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MADEIRA PINTO
Descritores: REGULAÇÃO DAS RESPONSABILIDADES PARENTAIS
SUPERIOR INTERESSE DO MENOR
DECISÃO PROVISÓRIA
Nº do Documento: RP201701262055/16.7T8MTS-C.P1
Data do Acordão: 01/26/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS N.º82, FLS.206-222)
Área Temática: .
Sumário: I - Como é entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artº 615º do NCPC. A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
II - O despacho recorrido foi proferido nos termos processuais previstos no artº 38º do RGPTC, que dispõe: “se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos…”.
Trata-se de norma especial do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais e resolução de questões conexas, com uma redacção diferente da regra geral sobre decisões provisórias e cautelares prevista no artº 28º, nº 1, RGPTC que prescreve “Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final…”.
O legislador pretende impor naqueles processos, como é o presente, um dever do juiz em fixar uma decisão provisória e não um poder discricionário.
III - O Direito não existe para tutelar situações de facto consumado de mudança drástica da residência habitual e rotinas de vida de duas crianças de tenra idade, nascidas e integradas numa família conjugal que entrou em ruptura, em virtude da unilateral vontade da progenitora das menores, à revelia das condutas exigíveis pela boa fé e confiança entre os progenitores, ainda jovens. Ambos os progenitores têm a obrigação de separar e não misturar a resolução da eventual ruptura da sua situação conjugal e questões conexas, nomeadamente relações patrimoniais entre ambos ou entre ambos e terceiros, com a regulação do regime das responsabilidades parentais das suas filhas, salvaguardando essencialmente o melhor interesse destas, na tradução feliz da versão brasileira da Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova York, em 26.01.1990, aprovada e ratificada em Portugal e a vigorar no direito interno, desde 26.11.1990, por força do disposto no artº 8º, nº 2, da CRP de 1976 e artº 4º, alínea a) da Lei de protecção de crianças e jovens em perigo, aprovada pela Lei nº 147/99, de 1 de Setembro e alterada pela Lei nº 31/2003, de 22.08 e pela Lei nº 142/2015, de 8 de Setembro, que procedeu à sua republicação, por força do artº 4º, nº 1, do RGPTC.
IV - Tal “superior interesse do menor” é um conceito vago e indeterminado, uma orientação para o julgador perante o caso concreto, no sentido de que a primazia deve ser dada à figura da criança como sujeito de direitos, nomeadamente ao direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores, obrigando estes a respeitar e fazerem respeitar esse interesse do menor. O fim do casamento ou outra relação afectiva não significa o fim dos laços da filiação e ambos os progenitores devem aceitar esta realidade e cooperar para a melhor regulação do exercício das responsabilidades parentais possível, como obrigação essencial da sua parentalidade.
V - A conduta da ora apelante, mãe das menores, de “retirada” destas da casa morada de família, em …, para Lisboa, é altamente censurável e não pode, depois, “o facto consumado”, com a subsequente falta de acordo na conferência de pais no respectivo processo de RRP e subsequente decurso temporal deste, devido à necessidade de cumprir os termos processuais e diligências de prova diversas, requeridas ou determinadas oficiosamente, ser tutelado pelo Direito.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Procº nº 2055/16.7T8MTS-C.P1
Relator: Madeira Pinto
Adjuntos: Carlos Portela
Filipe Caroço
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SUMÁRIO:
1-Como é entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artº 615º do NCPC. A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade.
2-O despacho recorrido foi proferido nos termos processuais previstos no artº 38º do RGPTC, que dispõe: “se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos…”.
Trata-se de norma especial do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais e resolução de questões conexas, com uma redacção diferente da regra geral sobre decisões provisórias e cautelares prevista no artº 28º, nº 1, RGPTC que prescreve “Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final…”.
O legislador pretende impor naqueles processos, como é o presente, um dever do juiz em fixar uma decisão provisória e não um poder discricionário.
3-O Direito não existe para tutelar situações de facto consumado de mudança drástica da residência habitual e rotinas de vida de duas crianças de tenra idade, nascidas e integradas numa família conjugal que entrou em ruptura, em virtude da unilateral vontade da progenitora das menores, à revelia das condutas exigíveis pela boa fé e confiança entre os progenitores, ainda jovens. Ambos os progenitores têm a obrigação de separar e não misturar a resolução da eventual ruptura da sua situação conjugal e questões conexas, nomeadamente relações patrimoniais entre ambos ou entre ambos e terceiros, com a regulação do regime das responsabilidades parentais das suas filhas, salvaguardando essencialmente o melhor interesse destas, na tradução feliz da versão brasileira da Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova York, em 26.01.1990, aprovada e ratificada em Portugal e a vigorar no direito interno, desde 26.11.1990, por força do disposto no artº 8º, nº 2, da CRP de 1976 e artº 4º, alínea a) da Lei de protecção de crianças e jovens em perigo, aprovada pela Lei nº 147/99, de 1 de Setembro e alterada pela Lei nº 31/2003, de 22.08 e pela Lei nº 142/2015, de 8 de Setembro, que procedeu à sua republicação, por força do artº 4º, nº 1, do RGPTC.
4-Tal “superior interesse do menor” é um conceito vago e indeterminado, uma orientação para o julgador perante o caso concreto, no sentido de que a primazia deve ser dada à figura da criança como sujeito de direitos, nomeadamente ao direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores, obrigando estes a respeitar e fazerem respeitar esse interesse do menor. O fim do casamento ou outra relação afectiva não significa o fim dos laços da filiação e ambos os progenitores devem aceitar esta realidade e cooperar para a melhor regulação do exercício das responsabilidades parentais possível, como obrigação essencial da sua parentalidade.
5- A conduta da ora apelante, mãe das menores, de “retirada” destas da casa morada de família, em …, para Lisboa, é altamente censurável e não pode, depois, “o facto consumado”, com a subsequente falta de acordo na conferência de pais no respectivo processo de RRP e subsequente decurso temporal deste, devido à necessidade de cumprir os termos processuais e diligências de prova diversas, requeridas ou determinadas oficiosamente, ser tutelado pelo Direito.
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I - RELATÓRIO:
Em 13.04.2016, pelas 00.01.26, B…, residente na Rua …, nº …, …, …, Lisboa, instaurou na Comarca de Lisboa, acção de regulação das responsabilidades parentais das suas filhas menores, C… e D…, nascidas, respectivamente, a 13.10.2010 e 19.02.2013, contra o progenitor das menores, marido da requerente, E…, residente na Rua …, nº …, …, …, alegando, no essencial, que entre o casal não há vida em comum desde Janeiro de 2016 e que não pretende manter o vínculo conjugal e irá propor a respectiva acção de divórcio; com vista a resolverem de comum acordo o divórcio e as responsabilidades parentais e demais questões conexas, requerente e requerido, partilhavam de facto a guarda das menores, alternadamente, em períodos de duas semanas cada um em cada mês, vindo a requerente à casa morada de família, que é a residência supra indicada do requerido, de Lisboa para o efeito e regressando à sua nova morada em Lisboa, com grande sacrifício familiar, profissional e pessoal, mas que essa partilha acabou porque a requerente pegou nas suas duas filhas e levou-as consigo para a sua residência em Lisboa, onde tem a sua família, casa própria e procura emprego na sua área de actuação, indo a menor C… frequentar o 1º ano do ensino básico e a menor D… frequentar o infantário em Setembro de 2016.
Conclui, pedindo que seja provisoriamente determinada a guarda das filhas menores à requerente e que, a final, seja determinada a guarda partilhada das menores em Lisboa, somente com a mudança de residência do requerido para aquela cidade e mediante a comprovada organização da sua vida pessoal e profissional em Lisboa.
Tal processo foi distribuído sob o nº 9537/16.9.T8LSB, na Instância Central, 1ª Secção de Família e Menores de Lisboa.
Em 19.04.2016, pelas 17.53.14, o supra identificado progenitor das menores deu entrada no Tribunal de Família e Menores de Matosinhos, Comarca do Porto, acção de regulação de responsabilidades parentais das referidas menores suas filhas contra a progenitora alegando, em resumo, que descobriu em Dezembro de 2015, que a requerida, com quem contraiu casamento católico em 19.09.2009, lhe é infiel “há bastante tempo”, que viviam na actual residência do requerente com as filhas menores, estando a D… em casa ao cuidado de uma empregada doméstica interna e a C… a frequentar o Colégio F…, no Porto, desde os três anos de idade, encontrando-se as duas menores já inscritas para frequentarem o referido Colégio no ano lectivo 2016/2017; que os progenitores estabeleceram entre si um acordo extrajudicial que vigorava desde 5 de Janeiro de 2016, mediante o qual a mãe ficava com as filhas entre sexta-feira e a sexta-feira seguinte, alternadamente com o pai, na casa que morada de família, em …, suportando a mãe das menores as despesas de alimentação destas nos períodos em que estavam à sua guarda; a requerida, sem que nada o fizesse prever e sem avisar o requerente, no dia 12 de Abril de 2016, na semana em que tinha a guarda das filhas como acordado extrajudicialmente, levou as menores para Lisboa, não mais tendo regressado à casa morada de família, salvo em 14.04.2016 quando, acompanhada pelo irmão, ali compareceu com um viatura e respectivo condutor de uma empresa de transportes e levou dali diversos bens móveis, não tendo entregue as menores ao pai na sexta-feira seguinte, dia 15.04.2016, nem lhe deu qualquer satisfação, não mais tendo o requerente estado com as filhas, ignorando onde e como vivem e apenas tendo contactos esporádicos por telefone, após inúmeras insistências do requerente para a requerida.
Conclui pedindo que seja, a final, regulado o regime de responsabilidades parentais das suas filhas menores pela forma como antes estava acordada entre os progenitores extrajudicialmente; que seja fixado um regime provisório, com carácter urgente, de modo que as menores voltem a residir na casa morada de família, seja fixado um regime de responsabilidades parentais de guarda alternada entre os progenitores na referida residência, um regime de visitas adequado ao pai/mãe na semana em que não tenha a guarda das filhas e que cada progenitor contribua para as despesas das menores na percentagem de 50%.
O requerimento do progenitor das menores foi autuado e distribuído como Procº 2037/16.9TBMTS, da 3ª Secção Família e Menores-J2, Matosinhos, Comarca do Porto e este processo foi apenso à acção de divórcio entre os progenitores das menores pendente na 3ª Secção e mesmo juiz, nº 2055/16.7T8MTS, pelo despacho de 21.04.2016 (fls 72).
Em 12.05.206, em acta de tentativa de conciliação nos autos de divórcio sem consentimento do outro cônjuge (Procº 2055/16.7T8MTS) foi proferido despacho que determinou a apensação a estes autos da acção de regulação de responsabilidades parentais nº 9537/16.9.T8LSB, na Instância Central, 1ª Secção de Família e Menores de Lisboa, mais tendo designado como data para a conferência de pais, a que se refere o artº 35º, nº1 do RGPTC, o dia 23.05.2016, pelas 09h15, ordenando a citação da progenitora através de solicitadora indicada pelo progenitor das menores.
Em 13.05.2016, a requerida mãe das menores, veio juntar aos autos de regulação das responsabilidades parentais Procº 2037/16.9TBMTS, da 3ª Secção Família e Menores-J2, Matosinhos, Comarca do Porto (que já vimos corre por apenso ao processo de divórcio pendente na 3ª Secção e mesmo juiz, nº 2055/16.7T8MTS), o requerimento e documentos com ele juntos de fls 90 a 157.
De fls 162 a167 constam os documentos de citação pessoal da progenitora das menores, através de agente de execução, para a conferência de pais designada nestes autos.
Em 21.05.2016, o progenitor das menores respondeu ao anterior requerimento da progenitora e documentos e juntou outros documentos.
Em 23.05.2016 foi proferido despacho que conheceu da excepção dilatória de litispendência das acções de regulação de responsabilidades parentais acima referidas e absolveu o progenitor das menores da instância no processo em que era requerente a mãe das menores (nº 9537/16.9.T8LSB, na Instância Central, 1ª Secção de Família e Menores de Lisboa).
Tal despacho não foi impugnado em recurso (que se saiba neste translado), pelo que transitou em julgado.
Realizou-se a conferência de pais que havia sido designada no apenso A do referido processo de divórcio dos progenitores das menores e que é o referido Procº 2037/16.9TBMTS, da 3ª Secção Família e Menores-J2, Matosinhos, Comarca do Porto, em 23 de Maio de 2016, pelas 09:15 horas, com a presença de ambos os progenitores das menores e seus ilustres advogados constituídos, ficando a constar da respectiva acta de fls 186 a 189 o seguinte:
“Seguidamente pela progenitora das menores foi dito que entende, neste momento, que a residência das mesmas deve ser fixada exclusivamente junto de si, tendo em conta o facto de, presentemente, o progenitor recusar ter corto uma vez por mês, a fim de estarem com os avós paternos, aceitando ainda que o progenitor e demais família paterna possam estar com as menores em Lisboa sempre que o quiserem desde que avisem com antecedência.
Está de acordo com o regime proposto pelo progenitor no que se refere as épocas festivas e de férias.
Entende, ainda, que as filhas estão perfeitamente adaptadas a vida em Lisboa juntando, para prova de tal afirmação, "parecer psicológico" e ainda declaração e informação do estabelecimento de ensino que as mesmas frequentam, facturas relativas as mensalidades e matrículas em tal estabelecimento, bem como fotografias das mesmas em contexto escolar no dia da família.
Mais requereu a junção de três documentos a comprovar o pedido de alteração da morada do cartão de cidadão quer da declarante quer das filhas.
Mais refere que, previamente à ida para Lisboa, estava já acordado com o progenitor que o projecto de vida das filhas passaria pela residência naquela cidade, manifestando aquele a intenção de também ir residir para a zona de Lisboa juntando, para prova de tal facto, cópia de quatro email relativa a tal assunto.
Requereu ainda a junção de cópias das fotografias colocadas pelo requerente na sua página do Facebook.
Pelo progenitor foi dito que mantem a posição já constante do seu requerimento inicial, nos autos em apenso (A), entendendo que o melhor para as filhas é a residência alternada, na zona do Porto onde sempre residiram.
Mantém a sua oposição à alteração da residência das filhas para Lisboa.
No mais confirma que, actualmente, o diálogo com a aqui requerida é difícil, sendo através de mensagens escritas.
Confirma que efectivamente colocou a hipótese de alterar a sua vida profissional e ir residir para Lisboa, caso as filhas fossem viver com a mãe, por entender, numa primeira fase, que tal seria o melhor para o equilíbrio das menores. Contudo, alterou a sua posição porque, segundo diz, se apercebeu que o projecto da progenitora em ir para Lisboa assentava num conjunto de "falsidades", entendendo que o bem estar das menores não estaria assegurado.
Nesta altura e não sendo possível obter acordo entre as partes, por ambos os progenitores foi manifestada a vontade em serem remetidos para os serviços de mediação familiar.
Seguidamente o Mmo. Juiz proferiu o seguinte:
DESPACHO
Atenta a falta de acordo e a posição manifestada pelos progenitores, e nos termos do disposto no artigo 38º, a) e 24º ambos do RGPTC remeto as partes para os serviços de mediação familiar da Segurança Social, pelo período máximo de três meses.
Findo o período de três meses, apresente-me os autos conclusos.
No mais, e não sendo possível o acordo entre os progenitores importa fixar regime provisório nos termos do artigo 38º do RGPTC, sendo para nós relevante o facto de a residência das menores ter sido fixada, por acordo dos progenitores, em Matosinhos, até à data em que a progenitora decidiu ir para Lisboa juntamente com as filhas, sem o acordo do progenitor, conforme a mesma refere nos artigos 8º e 9º do seu requerimento inicial no âmbito do apenso B).
Conforme já escrevemos no nosso despacho de 12/05/2016 é para nós claro que a residência das menores é, actualmente, em Matosinhos sendo que a sua alteração pressupunha o acordo dos progenitores ou a decisão do tribunal, uma vez que é uma questão de particular importância na vida das menores - artigo 1906º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Em consequência importa que o regime provisório leve em conta esta realidade bem como, necessariamente, o acordo dos progenitores no que se refere a divisão do tempo com as filhas até a sua ida para Lisboa.
Cumpre, ainda, esclarecer que a escolha da escola é também, necessariamente, uma questão de particular importância porque relacionada com o projecto educativo das crianças o que, necessariamente, implica também o acordo dos progenitores ou, mais uma vez, a decisão do tribunal.
Assim, o facto das menores estarem inscritas e a frequentarem a escola em Lisboa não é relevante uma vez que está apenas em causa uma escolha da progenitora.
Por outro lado, o documento junto como parecer psicológico também não releva uma vez que se trata de uma escolha da progenitora, sem que o progenitor tenha sido sequer ouvido pela referida técnica.
Em consequência fixa-se o seguinte regime provisório:
1 - Fixa-se a residência das menores na Rua …, …, …, …, Matosinhos, que corresponde à casa de morada de família.
2 - As menores ali residirão, alternadamente com cada um dos progenitores, nos termos já acordados por ambos até 13/04/2016 ou seja, estarão com cada um dos progenitores em períodos alternados de uma semana de Sexta a Sexta feira, iniciando-se o presente regime na próxima Sexta feira, dia 27 com o progenitor.
3 - No período de férias escolares de Verão as menores passarão com o progenitor as primeiras quinzenas dos meses de Julho e Agosto e com a progenitora as segundas quinzenas de tais meses.
4 - No dia de aniversário dos progenitores, dia da Mãe e do Pai, as menores passarão o dia com o respectivo progenitor.
5 - A título de alimentos, cada um dos progenitores assumirá as despesas relativas ao período em que estiverem com as filhas, repartindo as despesas inerentes à escola que as menores frequentem.
6 - No mais, o progenitor assumirá o pagamento da prestação bancária relativa ao empréstimo para aquisição da casa de morada de família, repartindo entre ambos as despesas relativas ao condomínio, água, electricidade, televisão e internet.
Notifique e comunique ao ISS”.
Deste despacho interpôs a progenitora das menores recurso, apresentando as seguintes conclusões:
a) Vem o presente recurso interposto da decisão recorrida, proferida na Conferência de Pais, realizada no dia 23/05/2016, no âmbito da regulação do exercício das responsabilidades parentais (doravante “RRP”), através da qual veio, o douto Tribunal a quo, decidir fixar a residência das Menores em Matosinhos, passando doravante, e até decisão final, a ser observado, além do mais, o seguinte: “Fixa-se a residência das Menores na Rua …, …, …, …, Matosinhos, que corresponde à casa de morada de família.”, determinando que “As Menores ali residirão, alternadamente com cada um dos progenitores, nos termos já acordados por ambos até 13/04/2016 (…) em períodos alternados de uma semana de Sexta a Sexta feira, iniciando-se o presente regime na próxima Sexta feira, dia 27 com o progenitor.”
b) Salvo o devido respeito, o despacho proferido padece de várias nulidades, que inquinam a sua validade, cuja invocação de tal desvio ao formalismo processual legalmente imposto para a preparação da decisão que determinou se faz mediante o presente recurso, que é o meio próprio para o efeito, com as legais consequências.
c) Ademais, in casu, a fundamentação do despacho recorrido mostra-se contra a Lei e insuficiente, em termos tais que, não permitem à destinatária da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da mesma, pelo que, o despacho recorrido é nulo, por força do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. b) do CPC, que aqui se invoca para todos os efeitos legais.
d) Sem prescindir, sempre se dirá que a decisão proferida pelo Tribunal a quo foi tomada sem razão ou fundamento material e jurídico, contra a qual se insurge a ora Recorrente, entendendo que a mesma é injustificada e atentatória da defesa do superior interesse das Menores, nos termos que doravante se tentarão demonstrar.
I - PRELIMINARMENTE: DA SUBIDA IMEDIATA E DO EFEITO SUSPENSIVO DO RECURSO
e) O despacho proferido fixou provisoriamente, ao abrigo do art.º 28.° e 38.º do RGPTC, em referência às Menores C… e D…, a sua residência alternada com cada um dos progenitores em Matosinhos, local onde apenas reside o Recorrido.
f) Decisão com a qual a Recorrente, residente em Lisboa, com as Menores, na Rua …, n.º …, …, …, Lisboa, não concorda, entendendo que a mesma é injustificada e atentatória da defesa dos interesses das Menores, sancionando-se o seu afastamento da própria Mãe, de forma a que apenas o Recorrido seja beneficiado com esta decisão, nos termos que doravante melhor se demonstrarão.
g) Assim, vem a Recorrente interpor recurso da Decisão sob judice, nos termos dos arts.º 644.º, n.º 2, al. h) e 645.º, n.º 2, do CPC, requerendo que, considerando a utilidade do recurso, seja fixado ao mesmo efeito suspensivo, com subida imediata e em separado, nos termos dos art.ºs 646.º e 647.º do CPC.
h) Nos termos do art.º 32.º, n.º 4 do RGPTC, os recursos interpostos de quaisquer decisões aí previstas, têm efeito meramente devolutivo, sendo que os recursos de agravo interpostos no decorrer do processo sobem com o recurso que se interpuser da decisão final.
i) Sucede que, com as alterações das normas de processo civil sobre os recursos, o recurso de agravo deixou de se encontrar previsto na Lei, havendo sido absorvido pela apelação.
j) Ademais, a estrita aplicação da disposição legal supra referida, no que concerne à fixação da residência das Menores viria a revelar-se totalmente inútil, já que não era possível alterar retroativamente o que fora entretanto praticado com base no regime provisório fixado.
k) Pelo que, se considera que no caso vertente cabe recurso de apelação por estar em causa uma decisão «cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil», prevista na alínea h), do n.º 2 do art.º 644.º do CPC.
l) Por concretização legislativa abriu-se, assim, a possibilidade de interposição de recursos interlocutórios em situações em que o recurso cego à regra geral conduziria à absoluta inutilidade de uma eventual decisão favorável obtida logo por via do recurso, sendo que o novo regime dos recursos, aprovado pelo DL n.º 303/2007, de 24 de Agosto, continua, pois, a admitir o recurso autónomo das decisões interlocutórias, como acontece com o recurso das decisões, cuja impugnação com o recurso da decisão final seria absolutamente inútil (art.º 644.º, n.º 2, alínea h) do CPC), como é o presente caso.
m) O legislador não pretendeu afastar a possibilidade de recurso de decisões interlocutórias, pois se assim fosse bastava a exclusão da alínea h), o que não sucedeu claramente por não ser essa a sua vontade.
n) Pelo que, deve ser admitida a subida imediata do recurso, ao abrigo da alínea h), do n.º 2, do art.º 644.º do CPC, aplicável ao caso, sob pena de errada aplicação e interpretação da Lei, o que se invoca.
o) “A retenção de um recurso torná-lo-á absolutamente inútil quando a eficácia do despacho recorrido produza um resultado irreversivelmente oposto ao efeito buscado pela interposição. " – Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 05/05/81, Col. Jur. T.3, pág. 200 e de 4/12/84, Col. Jur. T. 5, pág. 79.
p) Se o presente recurso permanecer retido, o que não se aceita, atenta a natureza da questão (a fixação da residência alternada das Menores em …), o efeito pretendido não será seguramente alcançado, pois só será passível de apreciação pela instância superior muito mais tarde, depois de efectuado o Julgamento e proferida a Sentença e, assim, já depois de concretizada a fixação da residência das Menores.
q) Este tem vindo a ser o entendimento da doutrina dominante, em especial de Abrantes Geraldes, que defende: “Não bastará então que a transferência da impugnação para um momento posterior comporte o risco de inutilização de uma parte do processado, ainda que nesta se inclua a sentença final. Mais do que isso, é necessário que imediatamente se possa antecipar que o eventual provimento do recurso decretado em momento ulterior não passará de uma “vitória de Pirro”, sem qualquer reflexo no resultado da acção ou na esfera jurídica do interessado.”.
r) Todos os recursos autónomos de decisões interlocutórias têm agora subida imediata, pelo que não deve haver lugar a decisões de retenção desses recursos ordinários; se ocorrer a ilegal retenção de um recurso, a decisão do Juiz deverá ser impugnada por novo recurso (Cardona Ferreira, Guia p. 118).
s) Será esse, em nosso entender, o caso dos presentes autos, pelo que, a não apreciação imediata pelo tribunal superior levará a que o regime provisório fixado e de que a Recorrente discorda no que concerne à residência das Menores - na perspectiva da fixação da residência alternada das Menores, com ambos os progenitores, em …, na casa que aí dispõem - se mantenha até ao recurso da decisão final, decisão essa em que o regime definitivo seria estabelecido.
t) Estaríamos, nesse caso, perante um resultado irreversível, não redutível a uma mera inutilização de actos processuais, apresentando-se como inútil para a aqui Recorrente a interposição de recurso daquela decisão.
u) A Lei permite alguma flexibilidade, admitindo que o tribunal fixe o efeito suspensivo do recurso, segundo o qual, salvo disposição expressa, os recursos terão o efeito que o tribunal fixar, devendo entender-se que a substância prevalece sobre as questões processuais, podendo o interesse das crianças exigir uma solução excepcional, como se verifica no caso concreto.
v) Conforme refere Maria Clara Sottomayor, in Regulação do Exercício do Poder Paternal Nos Casos de Divórcio, 3.ª edição, Revista, Aumentada e Actualizada, Almedina, Julho de 2000, a pág. 26: “Na avaliação do interesse da criança, para a fixação do efeito do recurso, deve ser considerada uma noção ampla de perigo, que abrange o perigo emocional ou psíquico gerado pela separação da criança dos adultos com a sua guarda, de facto ou de direito, e com quem a criança estabeleceu laços afectivos profundos.”
w) Ora, encontrando-se as Menores a residir a tempo inteiro em Lisboa – exercendo a Recorrente a sua guarda de facto, tendo iniciado, inclusivamente, uma actividade profissional remunerada e dispondo de casa própria - aí frequentando, as Menores de 5 e 3 anos, o colégio e actividades extracurriculares, tais como o Ballet, obviamente, que têm laços profundos com a Recorrente, e vendo-se agora separadas da Mãe, duas semanas por mês, por si só causará óbvios danos psicológicos às Menores, pelo que se se protelar a decisão que recairá sobre o presente recurso, mais se agudizará o designado “perigo emocional ou psíquico” da C… e da D…, o que não se admite porque contraria totalmente o superior interesse dos Menores que se pretende ver acautelado precisamente com a interposição do presente recurso e que deve ser a principal e única preocupação do Tribunal.
y) Em face de tudo o supra exposto, considera-se, pois, que o presente recurso deve SUBIR DE IMEDIATO, determinando-se o EFEITO SUSPENSIVO ao mesmo, para ser decidido pelo Tribunal Superior, COM CARÁCTER URGENTE, atento tudo quanto supra se deixou dito, o que permite concluir que a demora da decisão dos presentes autos causará certamente graves prejuízos aos interesses das Menores, atentas as alterações sofridas por estas durante a decorrência do presente processo, o que requer que seja declarado para todos os efeitos legais.
z) A Recorrente dispõe-se a prestar a caução que o tribunal julgue adequada e no prazo que determinar, nos termos da Lei, a fim de ser fixado ao presente recurso efeito suspensivo, como o permite o art.º 32.º, n.º 4 do RGPTC e art.º 647.º, n.º 4 do CPC.
II – Das Nulidades
aa) Salvo o devido respeito, a decisão que determinou o regime provisório da RRP em questão é nulo, pelos motivos que adiante melhor se esclarecerão através do enquadramento jurídico que originou o supradito despacho do dia 23/05/2016.
bb) A Recorrente é Requerente e Autora, respectivamente, no Processo n.º 9537/16.9T8LSB, do Tribunal da Comarca de Lisboa, Instância Central , 1.ª Secção de Família e Menores – J1, referente à Regulação do Exercício das Responsabilidades Parentais das suas filhas Menores e no Processo n.º 10305/16.3T8LSB, do Tribunal da Comarca de Lisboa, Instância Central, 1.ª Secção de Família e Menores – J3, referente ao Divórcio sem consentimento do outro cônjuge.
cc) Tendo requerido no dia 13/04/2016, pelas 00:01h, RRP das suas filhas Menores, nomeando um Agente de Execução para efectuar a citação do Recorrido, ao abrigo do disposto no n.º 8, do art.º 231.º do CPC, esperando que o Agente de Execução designado fosse notificado, electronicamente pelo sistema informático de suporte à actividade dos agentes de execução, por forma a poder efectuar a citação (cfr. n.º 1, do art. 11.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto).
dd) Em 13/04/2016, foi efectuada a respectiva distribuição do requerimento, nos termos estatuídos no art.º 16.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, tendo-lhe sido atribuído o n.º de processo 9537/16.9T8LSB, passando a correr termos no Tribunal da Comarca de Lisboa, Instância Central, 1.ª Secção de Família e Menores – J1. Joaquim Santos Lopes Neto (13-09-2016 09:18:18) Página 239 de 315
ee) E no dia 26/04/2016, foi agendada a Conferência de Pais, por despacho desse Tribunal, a realizar no dia 31/05/2016, pelas 10:30 h, tendo sido ordenada, para tal, a citação do Recorrido e a notificação da Recorrente.
ff) Acontece, porém, que a notificação da data da Conferência de Pais, efectuada no dia 27/04/2016 à Recorrente, fazia referência ao n.º 1, do art.º 151.º, n.º 1 do CPC, advertindo que em caso de impedimento e mediante prévio acordo com os restantes mandatários, a Recorrente poderia, no prazo de 5 (cinco) dias, propor datas alternativas – sendo que, para além do mais, não havia qualquer impedimento por parte da Recorrente, que comunicou via telefónica a tua total disponibilidade ao Tribunal, a citação do Recorrido deveria ter sido efectuada nos termos solicitados no despacho o que nunca chegou a ocorrer por esta via.
gg) Aliás, foi proferido um despacho, no dia 11/05/2016, pelo Tribunal da Comarca de Lisboa, Instância Central, 1.ª Secção de Família e Menores – J1, proc.º n.º 9537/16.9T8LSB, à ordem do Tribunal da Comarca de Matosinhos, Instância Central, 3.ª Secção de Família e Menores – J2, proc.º n.º 2055/16.7T8MTS – A, onde se lê “que o/a Regulação das Responsabilidades Parentais, 9537/16.9T8LSB se encontra a aguardar prazo nos termos do art.º 151 do CPC, prevendo-se que, caso nada seja dito se efectue conferência de pais no dia 31-05-2016, pelas 10:30 horas.”, enviando nesta data a p.i. da RRP da Recorrente, conforme solicitado por este último Tribunal.
hh) Daqui retiramos que, decorridos 19 dias desde o despacho a ordenar a citação do Recorrido, se continuava a aguardar prazo nos termos do art.º 151.º do CPC – prazo esse que é de 5 dias!
ii) Destarte, essa advertência não faz qualquer sentido nesta fase processual, em que nem o Requerido foi citado, nem se sabe se vai constituir advogado, uma vez que a sua constituição não é obrigatória, excepto na fase de recurso, conforme dispõe o n.º 1, do art.º 18.º do RGPTC, sendo que é, somente, pela citação que se dá conhecimento à parte contrária de que foi proposta contra ela determinada acção e se chama ao processo para Joaquim Santos Lopes Neto (13-09-2016 09:18:18) Página 240 de 315 se defender (cfr. n.º 1, do art,º 219.º do CPC), não sendo, assim, possível confirmar qualquer impedimento mediante prévio acordo entre as partes, pelo que esta advertência apenas teria sentido após a efectiva citação do Recorrido.
jj) Apesar do despropósito da aplicação deste normativo legal antes da citação do Recorrido, entende a Recorrente que, a secretaria deveria ter cumprido a decisão constante do despacho proferido no dia 27/04/2016, efectuando a citação do Recorrido sem mais, tal como efectuou a notificação da Recorrente, e em simultâneo, e só aí efectuar a advertência constante do n.º 1, do art.º 151.º do CPC, a ambas as partes.
kk) Outro entendimento significaria a duplicação desse acto por parte da secretaria, senão vejamos: a Recorrente, em caso de justo impedimento, indicaria uma nova data, sem o conhecimento do Recorrido claro está, e o Recorrido, posteriormente, recepcionaria na sua citação idêntica advertência para se pronunciar sobre qualquer impedimento que o impossibilitasse de comparecer nessa diligência – que caso se verificasse, implicaria que o processo continuasse pendente até à marcação de uma nova data acordada entre as partes.
ll) É indiscutível que esta situação é atentatória do princípio da celeridade processual, um dos princípios basilares do direito, principalmente num processo desta natureza, não restando dúvidas de que a eventual prática de actos desnecessários será de censurar, bem assim o excesso de zelo.
mm) Sendo prática corrente em vários Tribunais de Família e Menores (ex: Cascais), que os processos que aí correm termos sejam sigilosos até à realização da Conferência de Pais ou da Tentativa de Conciliação, nas RRP e nas acções de divórcio, respectivamente, por forma a não inviabilizar a possibilidade de um acordo, apenas havendo lugar à citação das partes quanto à data da diligência e já não da petição inicial que deu origem aos autos, o que só ocorrerá - a notificação da acção - após se verificar a impossibilidade total de alcançar um acordo entre as partes.
nn) Tal desiderato procura evitar que a parte que não teve o impulso processual se sinta melindrada ao ponto de inviabilizar qualquer tipo de acordo com a parte contrária – não sendo tão pouco possível consultar tais processos no Citius pela parte que teve a iniciativa processual.
oo) Sendo que, não é obrigatória a constituição de advogado, excepto na fase de recurso, conforme dispõe o n.º 1, do art.º 18.º do RGPTC, é pela citação que se dá conhecimento à outra parte de que foi proposta contra ela determinada acção e se chama ao processo para se defender (cfr. n.º 1, do art.º 219.º do CPC).
pp) Acresce que, o preceito legal constante no n.º 1, do art.º 226.º do CPC, prevê também a regra de oficiosidade das diligências destinadas à citação por parte da secretaria, que deveria ter promovido oficiosamente as diligências adequadas à efectivação dessa citação: o que não fez! Limitando-se a praticar um acto desnecessário e impeditivo da citação do Recorrido, ou melhor, a aguardar o acordo das partes quanto à data agendada para a Conferência de Pais, sendo que uma das partes, no caso o Requerido, nem sequer tinha sido citado.
qq) Não há dúvidas que estamos perante um caso em que o acto de citação foi totalmente omitido (cfr. al. a), do n.º 1, do art.º 188.º do CPC), o que por si só acarretaria a nulidade, nos termos elencados na al. a), do art.º 187.º do CPC.
rr) Não obstante o supra exposto, sobre a falta de citação do Recorrido, não temos dúvidas de que este se considera citado no processo de RRP instaurado pela Recorrente, sanando-se, desta forma, a nulidade de falta de citação, que o mesmo nem sequer arguiu, nos termos constantes no art.º 189.º do CPC, uma vez que o Ilustre Mandatário do Recorrido interveio no proc.º n.º 9537/16.9T8LSB [RRP - Lisboa], aquando da apresentação de um requerimento no dia 02/05/2016 e da junção da Procuração Forense a seu favor, passando a ter, bem como o Recorrido, acesso e conhecimento integral dos autos a partir desse mesmo dia.
ss) O mesmo sucedendo no âmbito do proc.º n.º 10305/16.3T8LSB [Divórcio - Lisboa], aquando da apresentação por parte do Ilustre Mandatário do Recorrido, de um requerimento no dia 11/05/2016, passando o Recorrido a ter, igualmente, acesso e conhecimento integral dos autos a partir desse mesmo dia, admitindo no art.º 1.º do seu requerimento que Tendo consultado os autos que correm termos sob o nº 9537/16.9T8LSB, observou que no dia 10.05.2016, foi elaborada e enviada aos presentes autos a seguinte solicitação: “informe este Juiz 1 se interessa a apensação ao vosso processo nº 10305/16.3T8LSB – Divórcio sem Consentimento do outro Cônjuge, do nosso processo de Regulação das Responsabilidades Parentais acima identificado” – concluindo-se que o Recorrido não só tinha conhecimento dos actos processuais praticados pela Recorrente, como consultava os autos!
tt) Daqui se retira que, as citações do Recorrido, nos processos de RRP e de Divórcio, instaurados pela Recorrente no tribunal territorialmente competente, e que é o Tribunal de Família e Menores da Comarca de Lisboa, ocorreram aquando da apresentação, pelo Recorrido, dos seus requerimentos e da junção da procuração forense a favor do seu Ilustre Advogado, nos dias 2 e 11 de Maio de 2016.
uu) Já a Recorrente, apenas se pode considerar citada no proc.º n.º 2055/16.7T8MTS – A [RRP - Matosinhos], aquando da apresentação do seu requerimento de dia 13/05/2016, passando desde essa data a ter, igualmente, acesso e conhecimento integral dos autos.
vv) Relativamente ao proc.º n.º 2055/16.7T8MTS [Divórcio - Matosinhos], a Recorrente considera-se citada, igualmente, no dia 13/05/2016, aquando da sua primeira intervenção nesses autos, que ocorreu com a apresentação de um requerimento, passando, desde essa data, a poder consultar ambos os processos no Citius.
ww) Sendo que, nem a Recorrente, nem o Recorrido, arguiram, em momento algum, a sua falta de citação em qualquer um dos processos, não havendo, portanto, lugar à nulidade por falta de citação das partes.
xx) A este respeito o Ac. da Relação do Porto, de 25/11/2013 (Apelação n.º 192/12.6TBBAO-B.P1), acessível em www.dgsi.pt: “No tocante à sanação da falta de citação, concorda-se com o ajuizado no despacho recorrido, porquanto também se considera sanada a falta de citação, nos termos do art.º 196º, do CPC, quando o réu/executado intervier no processo sem arguir logo aquela omissão, entendendo-se por intervenção no processo a prática de acto susceptível de pôr termo a revelia do réu, o que se verifica com a constituição de advogado.
A junção da procuração a advogado constitui uma intervenção (acto judicial) relevante que faz pressupor o conhecimento do processo que a mesma permite, de modo a presumir-se que o réu prescindiu conscientemente de arguir a falta de citação.”
yy) E o Ac. do Tribunal da Relação de Guimarães, de 05/04/2011 (Apelação n.º 172/10.6TBC-C.G1): “A este respeito impõe-se, desde logo, esclarecer que, não obstante esta questão não ter sido objecto de apreciação na decisão recorrida, a verdade é que, podendo a nulidade da falta de citação ser conhecida oficiosamente pelo tribunal ( cfr. arts. 202º e 206º do C. P. Civil) nenhum impedimento existe a tal conhecimento por parte deste Tribunal de recurso. Nesta matéria, dispõe o art. 196º do C. P. Civil, que “ Se o réu ou o Ministério Público intervier no processo sem arguir logo a falta da sua citação, considera-se sanada a nulidade”.
E sobre o que se deve entender por “intervenção no processo”, ensina Rodrigues Bastos que a mesma reporta-se à prática de acto susceptível de por termo à revelia do réu, esclarecendo que a intervenção do réu (ou do Ministério Público) preenche as finalidades da citação, desde que ele não se mostre, desde logo, interessado em arguir essa omissão. No mesmo sentido, salienta Lebre de Freitas que ao intervir no processo o réu (ou o Ministério Público) tem, ou pode logo ter, pleno conhecimento do processado, pelo que optando pela não arguição da falta, não pode deixar de se presumir iuris et de jure que dela não quer, porque não precisa, prevalecer-se. E importante, para que essa intervenção no processo possa assumir tal relevo, é, no dizer do Acórdão da Relação do Porto, de 17.12.2008, que a mesma pressuponha “o conhecimento ou a possibilidade de conhecimento da pendência do processo, como decorreria da citação; se, com esse conhecimento, o réu intervém sem arguir a falta de citação é porque não está interessado em prevalecer-se dessa omissão, devendo a mesma considerar-se sanada”. Será, assim, suficiente qualquer intervenção do réu no processo, ainda que não qualificada como defesa ou mesmo formalmente inválida, para por termo à revelia absoluta, bastando, para tanto, a simples junção de procuração a mandatário judicial.”
zz) É indiscutível que o Recorrido se considera citado no âmbito do proc.º n.º 9537/16.9T8LSB [RRP-Lisboa] no dia 02/05/2016 e no proc.º n.º 10305/16.3T8LSB [Divórcio-Lisboa] no dia 11/05/2016, aquando da submissão dos seus requerimentos e da procuração forense via Citius.
aaa) A Recorrente, efectuou, igualmente, requerimentos aos processos com os n.ºs 2055/16.7T8MTS – A [RRP-Matosinhos] e 2055/16.7T8MTS [Divórcio- Matosinhos], no dia 13/05/2016, operando-se a citação da Recorrente de igual modo.
bbb) É, assim, inequívoco que a citação do Recorrido ocorreu primeiro do que a citação da Recorrente, quer no processo de RRP, quer na acção de divórcio, instaurados pela Recorrente, nos dias 02/05/2016 e 11/05/2016, respectivamente, datas em que o Ilustre Mandatário do Recorrido interveio nos processos, praticando actos judiciais.
ccc) Para aferição das acções que devem prevalecer in casu, atenta a existência de acções idênticas propostas por ambas as partes, sempre se alegará que a verificarem-se os requisitos da litispendência, nos termos plasmados no art.º 581.º do CPC, designadamente a identidade de sujeitos, do pedido e da causa de pedir, esta deve ser deduzida na acção proposta em segundo lugar, considerando-se proposta em segundo lugar a acção em que a citação tenha ocorrido posteriormente.
ddd) Não restando dúvidas que a excepção dilatória de litispendência deve ser conhecida pela Recorrente, uma vez que as suas citações ocorreram posteriormente às do Recorrido, tendo o Recorrido sido citado antes de si, pelo que, desde já, a Recorrente deduz, para todos e quaisquer efeitos legais, a excepção de litispendência, sendo que a anterioridade da acção é determinada pelo momento da citação e não pela sua distribuição.
eee) Resultando que, a RRP requerida pela Recorrente deve ser imediatamente remetida, para apensação, ao Processo n.º 10305/16.3T8LSB, que corre termos no Tribunal da Comarca de Lisboa, Instância Central, 1.ª Secção de Família e Menores – J3, referente ao Divórcio sem consentimento do outro cônjuge.
fff) Como tal, é nosso entendimento que mal decidiu o Tribunal a quo ao conhecer oficiosamente e erradamente da excepção de litispendência, no despacho proferido a 27/05/2016, no âmbito do proc.º n.º 2055/16.7T8MTS – B (anterior acção de RRP da Recorrente), o que culminou na prevalência das acções do Recorrido em Matosinhos, invocando o Tribunal a quo que a Recorrente foi citada em primeiro lugar e que o Recorrido não chegou sequer a ser citado.
ggg) Esta decisão assume particular importância, quando determina que a final o tribunal territorialmente competente é o Tribunal de Matosinhos – onde houve citação presencial da Recorrente na Conferência de Pais, no dia 23/05/2016 – e não houve citação alguma do Recorrido nas acções propostas pela Recorrente em Lisboa, ao mesmo tem que o Recorrido que praticava nestes actos judiciais.
hhh) Entendemos que as citações da Recorrente e do Recorrido tiveram lugar aquando da intervenção dos Mandatários nos autos, com a apresentação de requerimentos e junção de procurações forenses a seu favor, sendo que, em ambos os processos, o Recorrido considera-se citado em primeiro lugar.
iii) É importante demonstrar, para a boa decisão da causa, que o Recorrido também não tem razão nos restantes argumentos aduzidos, no sentido de considerar o Tribunal de Matosinhos o competente para conhecer da acção de Divórcio e da RRP das Menores.
jjj) Nos requerimentos apresentados a 02/05/2016 e 09/05/2016, no proc. n.º 9537/16.9T8LSB, que corria termos em Lisboa, que com a sua remessa para o Tribunal a quo, passou a ser o proc.º n.º 2055/16.7T8MTS – B, o Recorrido solicitou que a acção de RRP da Requerente e distribuída no dia 13/04/2016, seja apensa à acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, que corre termos no Tribunal de Família e Menores de Matosinhos, sob o n.º de proc.º 2055/16.7T8MTS, proposta pelo Recorrido, alegando que a sua acção de divórcio foi apresentada em momento anterior à da Recorrente, pelo que é a sua acção que deve prevalecer.
kkk) Este argumento também falece, sem prejuízo de considerarmos que a litispendência acima deduzida determina quais as acções que devem prosseguir termos e quais devem ser extintas, sendo que no caso em apreço consideramos que são as acções da Recorrente devem prevalecer, devendo estas ser remetidas para o tribunal competente e que é o tribunal da residência da Autora/Requerente ora Recorrente, o que, desde já, se requer.
lll) Atenta a natureza da RRP, como incidente do divórcio a tramitar nos próprios autos, aplicam-se as regras da competência territorial da acção principal – a de divórcio, nos termos do art.º 11.º, n.3 do RGPTC e do art.º 72.º do CPC, pelo que, é competente o tribunal do domicílio ou da residência do autor. Não podemos deixar de referir ainda, que da consulta ao Citius resulta que a acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge apresentada pela Recorrente foi apresentada no dia 20/04/2016, pelas 10:45h, passando a correr termos sob o n.º de proc.º 10305/16.3T8LSB, na Instância Central do Tribunal de Família e Menores de Lisboa,1.ª Secção –J3.
mmm) E a acção de divórcio sem consentimento do outro cônjuge proposta pelo Recorrido deu entrada no dia 20/04/2016, pelas 12:45h – caiem, novamente, por terra os argumentos deste último.
nnn) A acção de divórcio, que corre termos na Comarca de Lisboa, Instância Central, 1.ª Secção de Família e Menores – J3, com o n.º de proc.º 10305/16.3T8LSB, instaurada pela Requerente deu, de facto, entrada no dia 20/04/2016, antes das 16:00 horas e não depois, como o Recorrido afirma.
ooo) Apesar de só ter sido distribuída, inexplicavelmente, no dia 21/04/2016, a verdade é que a mesma foi submetida via Citius, às 10:45 horas, do dia 20/04/2016.
ppp) Sendo tal facto, completamente alheio e não imputável à Recorrente uma vez que, a supradita acção só foi distribuída no dia 21/04/2016, quando na realidade deveria ter sido abrangida pela distribuição das 16:00 horas, nos termos do disposto no n.º 2, do art.º 16.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto.
qqq) Assim, sempre se dirá à cautela e por mero dever de patrocínio, que a Recorrente não aceita vir a ser prejudicada por um facto que não praticou, nem dependia de si, pois os lapsos que ocorram na distribuição é totalmente alheio à parte que o pratica.
rrr) Não obstante ser, para o Recorrido, o principal argumento para a remessa dos processos instaurados pela Recorrente para a Comarca de Matosinhos, prejudicando, assim, as Menores e a Recorrente de forma irremediável e grave – quando estas mantinham uma vida estável, sólida, organizada e feliz em Lisboa.
sss) Para as “falhas” na distribuição, está previsto nos termos do n.º 3, do art.º 16.º da Portaria n.º 280/2013, de 26 de Agosto, a possibilidade de efectuar a distribuição manualmente – referindo-se aqui que nada obsta a que a distribuição seja classificada manualmente quando tal classificação não seja efectuada de forma automática.
ttt) O que, in casu, também não sucedeu, pelo que deve ser corrigida a data de distribuição do processo com o n.º 10305/16.3T8LSB, da Recorrente, na Comarca de Lisboa, Instância Central, 1.ª Secção de Família e Menores – J3, passando a constar, o dia da distribuição da mesma, que é o dia 20/04/2016, o que se requer para todos os efeitos legais.
uuu) O Recorrido alega, no requerimento de 09/05/2016, que para aferição da competência territorial do tribunal, é competente o tribunal da residência das Menores, pugnando pela apensação da acção de regulação do exercício das responsabilidades parentais da Recorrente à sua acção de divórcio, que corre termos no Tribunal de Família e Menores de Matosinhos, com base na disposição legal da competência por conexão, prevista no n.º 3, do art.º 11.º do RGPTC.
vvv) Ora, a Recorrente e as suas filhas tinham, até ao passado dia 27 de Maio, a sua vida organizada e solidificada em Lisboa, onde nasceu a Requerente, bem como as suas filhas -, com residência efectiva em casa própria.
www) Relativamente à residência, sita no Porto, importa salientar que, apesar de ter sido uma das residências familiares, mesmo que não tenha sido a única, nem tão pouco tinha sido utilizada de forma permanente, desde o início da relação, a Recorrente e o Recorrido sempre passaram grandes temporadas na casa de Lisboa, onde se encontrava a residir com as filhas até à decisão de que ora se recorre, sobre a errada fixação da residência das Menores em Matosinhos.
xxx) Nesta matéria, determina, ainda, o RGPTC, no seu art.º 9.º, as várias regras a ter em conta no momento da determinação do tribunal territorialmente competente, pelo que consideramos que qualquer uma das hipóteses previstas no art.º 9.º do RGPTC é, indiscutivelmente, favorável à Recorrente:
yyy) O seu n.º 1 determina que o tribunal competente é o da residência da criança no momento em que o processo foi instaurado – as Menores viviam com a Recorrente em Lisboa, onde esta exerce uma actividade profissional, residiam em casa própria e frequentavam ambas diariamente o colégio e ballet – não devendo ser relevado o decurso de tempo desde que tal facto se iniciou, mas sim a qualidade e estabilidade que as Menores e a Recorrente vieram a atingir em Lisboa.
zzz) O seu n.º 3 determina que se os titulares das responsabilidades parentais tiverem residências diferentes, o tribunal competente é o da residência daquele que exerce as responsabilidades parentais – a Recorrente reside em Lisboa e o Recorrido reside em Matosinhos, sendo que quem sempre exerceu as responsabilidades parentais das Menores foi a Recorrente, como sempre foi a sua encarregada de educação, mesmo que esta seja considerada apenas uma guarda de facto, porque não decidida judicialmente.
aaaa) O seu n.º4 estabelece a competência territorial com base, para além do factor da residência das crianças, no tribunal em que a providência tiver sido requerida em primeiro lugar – ora, como por demais já ficou explicado, quer a RRP, quer a Acção de Divórcio, foram propostas antes do que as do Recorrido.
bbbb) A RRP da Recorrente deu entrada no dia 13/04/2016 e a do Recorrido no dia 19/04/2016.
cccc) A Acção de Divórcio da Recorrente deu entrada no dia 20/04/2016, pelas 10:45 h e a do Recorrido, ao contrário do que afirma, deu entrada no dia 20/04/2016, pelas 12:45h.
dddd) Especifica o n.º 4, do art.º 9.º, e certamente não será por acaso, “o tribunal em que a providência tiver sido requerida em primeiro lugar.”
eeee) E “requerida” não significa distribuída – outro dos argumentos do Recorrido - pois a acção da Recorrente apenas foi distribuída no dia 21/04/2016, por motivos que a ultrapassam e que não a podem prejudicar de forma alguma.
ffff) O seu n.º5 reitera que o tribunal competente é aquele em que a providência tiver sido requerida em primeiro lugar.
gggg) Acresce que, a competência por conexão, prevista no n.º 3, do art.º 11.º do RGPTC, determina exactamente, por tudo o que foi exposto, que a RRP deve obrigatoriamente ser apensa à acção de divórcio proposta pela Recorrente sob o proc.º n.º 10305/16.3T8LSB, que corre termos na 1.ª Secção de Família e Menores de Lisboa – J3.
hhhh) Reitera-se aqui que o art.º 72.º do CPC determina que o tribunal competente para o divórcio e separação é o tribunal do domicílio ou da residência do autor – a residência da Recorrente é em Lisboa, onde tem a sua família, a sua actividade profissional, bem assim o seu domicílio fiscal e das Menores.
iiii) As acções da Recorrente não só foram citadas primeiro, através dos actos judiciais praticados nos processos, como foram submetidas via Citius em momento anterior às do Recorrido, como é a Recorrente que exerceu as responsabilidades parentais das Menores, na morada sita em Lisboa até ao pretérito dia 27 de Maio, devendo esta ser considerada a casa de morada de família das Menores e da Recorrente, pelo que o processo de RRP, de que o Tribunal a quo se arroga competente, deverá ser imediatamente remetido para apensação ao processo de divórcio n.º 1035/16.3T8LSB, a correr termos na Comarca de Lisboa.
jjjj) Contudo deveria ter sido ordenada a audição da Recorrente para se pronunciar sobre o pedido de remessa do processo de RRP, a fim de ser apenso ao processo de divórcio do Recorrido e, só após o exercício do contraditório da Recorrente, decidir-se (ou não) pela remessa do processo para apensação, tudo no sentido do superior interesse das Menores – o que não sucedeu, não podendo esta conformar-se com tal omissão que influiu na decisão temporária da causa, tendo a Recorrente sido surpreendida com um facto consumado!
kkkk) Estamos perante a violação do princípio do contraditório, o qual, para que seja respeitado, exige a notificação a ambas as partes, da junção aos autos de qualquer articulado, requerimento ou acto probatório, para que a contraparte possa efectivar o direito de resposta, nos termos previstos no art.º 25.º do RGPTC.
llll) Assim, para que tal seja possível têm as partes de ser ouvidas e, portanto, notificadas de toda e qualquer intervenção processual, que interfira com a decisão da causa, sob pena de se abalar por completo o disposto no art.º 3º. do CPC aplicável in casu.
mmmm) Nos termos do art.º 3.º, n.º 3 do CPC “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”- itálico e sublinhado nosso.
nnnn) Destes comandos legais, aplicáveis por remissão do art.º 33.º do RGPTC, resulta, portanto, a obrigatoriedade de notificação de todos os despachos, requerimentos ou documentos em processo judicial, dando assim expressão ao princípio do contraditório.
oooo) O princípio do contraditório, como princípio estruturante e fundamental do direito, obriga à prévia audição das partes para as precaver contra decisões-surpresa, em rigor, assenta a respectiva ratio no pressuposto de que uma estruturação dialéctica ou polémica do processo tira partido do contraste dos interesses dos pleiteantes, ou até só do contraste das suas opiniões.
pppp) O escopo principal do princípio do contraditório deixou de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de influir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo (cfr. José Lebre de Freitas, in a “ Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais à luz do Código Revisto", 1996, pág. 96, e in “ Código de Processo Civil Anotado “, vol. 1º, 1999, pág. 8).
qqqq) Destarte, o Mm. Juiz do Tribunal a quo deveria, antes de tomar a decisão em apreço, deixar a Recorrente exercer o seu direito de defesa sobre a remessa e apensação do processo de RRP.
rrrr) Sucedeu precisamente o contrário, nenhum dos tribunais, enquanto intervenientes processuais, valorou o teor dos requerimentos e documentos juntos, quer no processo de divórcio e RRP de Lisboa, quer no divórcio e nos apensos A e B de Matosinhos, bem assim os documentos entregues no dia da Conferência de Pais, realizada em 23/05/2016.
ssss) As nulidades do processo “são quaisquer desvios do formalismo processual seguido, em relação ao formalismo processual prescrito na Lei, e a que esta faça corresponder uma invalidação mais ou menos extensa de actos processuais” – cfr. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, 1979, pág. 176.
tttt) O CPC estabelece a distinção entre nulidades principais e nulidades secundárias, sendo as principais aquelas a que respeitam os art.ºs 186.º a 194.º e secundárias as que se compreendem na cláusula geral do art.º 195.º, n.º 1, todos do CPC.
uuuu) Veja-se a este respeito o Acórdão da Relação de Lisboa, de 12/07/2012 (Apelação nº 669/10.8TJLSB-B.L1-2), acessível em www.dgsi.pt :“O nosso legislador processual, aquando das sucessivas revisões, não inseriu na subsecção da “nulidade dos actos”, a omissão da observância do princípio do contraditório, ou da cooperação, como nulidade principal, de conhecimento oficioso e a todo o tempo (para o que teria de consagrar necessariamente um regime específico que não se coaduna com as da ineptidão, de falta de citação ou erro na forma de processo previstas no art.º 202), donde a conclusão, face ao espírito que preside ao regime das nulidades, de que a omissão do acto em questão cai no princípio regra da nulidade secundária ou relativa sujeita a arguição. Tal omissão, tudo indica, cai no art.º 201/1.”
vvvv) Com efeito, rege o n.º 1 do art.º 195.º do CPC, relativamente às nulidades secundárias ou atípicas, como é o caso, que a prática de um acto que a Lei não admita, bem como a omissão de um acto ou de uma formalidade que a Lei prescreva, só produzem nulidade quando a Lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir na decisão da causa.
wwww) Logo, as nulidades secundárias não são do conhecimento oficioso, estando dependentes de arguição pela parte interessada, como decorre do art.º 196.º CPC, o que aqui se argui para todos os efeitos legais.
xxxx) Estamos perante uma nulidade processual coberta por um despacho judicial proferido, inquinando a sua validade, caso em que o meio adequado de reacção contra tal nulidade é em sede de recurso interposto deste despacho/decisão que a acolheu, o que se vem fazer com o presente recurso.
yyyy) A preterição do contraditório é uma situação em que a impugnação da nulidade processual deve ser feita através do recurso da decisão que lhe dá cobertura, já que o incumprimento das regras processuais é cometido com a prolação da própria decisão não precedida de contraditório.
zzzz) Como refere Manuel de Andrade, “(…) se a nulidade está coberta por uma decisão judicial que ordenou, autorizou ou sancionou o respectivo acto ou omissão, em tal caso o meio próprio para a arguir não é a simples reclamação, mas o recurso competente a interpor e a tramitar como qualquer outro do mesmo tipo. É a doutrina tradicional, condensada na máxima: dos despachos recorre-se, contra as nulidades reclama-se.” (Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra, 1976, p. 182).
aaaaa) No mesmo sentido, escreveram Antunes Varela, Miguel Bezerra e Sampaio Nora que: “se entretanto, o acto afectado de nulidade for coberto por qualquer decisão judicial, o meio próprio de o impugnar deixará de ser a reclamação (para o próprio juiz) e passará a ser o recurso da decisão” (Manual de Processo Civil, Coimbra, 1985, p. 393).
bbbbb) Como há muito ensinava o Prof. José Alberto dos Reis: “A reclamação por nulidade tem cabimento quando as partes ou os funcionários judiciais praticam ou omitem actos que a Lei não admite ou prescreve; mas se a nulidade é consequência de decisão judicial, se é o tribunal que profere despacho ou acórdão com infracção de disposição da Lei, a parte prejudicada não deve reagir mediante reclamação por nulidade, mas mediante interposição de recurso. É que, na hipótese, a nulidade está coberta por uma decisão judicial e o que importa é impugnar a decisão contrária à Lei; ora as decisões impugnam-se por meio de recursos (art. 677º) e não por meio de arguição de nulidade do processo” (Comentário ao Código de Processo Civil, II, 507).
ccccc) Idêntica posição tem Anselmo de Castro, que defende que, estando a infracção processual coberta, directa ou implicitamente por um qualquer despacho, a reacção contra ela volver-se-á então contra o próprio despacho do Juiz, defendendo, ainda, o que: “ (…) o meio idóneo para atacar ou impugnar despachos ilegais é a interposição do respectivo recurso (artº 677º, nº1), por força do princípio legal de que, proferida a decisão, fica esgotado o poder jurisdicional (artº 666º ).”
ddddd) Em resumo, se o Mm. Juiz a quo proferiu um despacho decidindo uma determinada questão, sem previamente possibilitar às partes que se pronunciem sobre ela, violando assim o princípio do contraditório, verifica-se uma irregularidade susceptível de influir na decisão, o que configura uma nulidade processual, nos termos do n.º 1, do art.º 195.º do CPC.
eeeee) Verificou-se a omissão da observância do princípio do contraditório, tendo sido tomada uma decisão sem prévia audição da parte, o que constitui uma nulidade processual secundária.
fffff) Com efeito, tal despacho ficou afectado da invalidade decorrente da falta cometida, e o meio adequado para reagir é o recurso e não a arguição de nulidade perante o Tribunal a quo (o qual, perante tal arguição, certamente se limitaria a constatar que já esgotou os seus poderes jurisdicionais sobre a questão decidida, não podendo por isso voltar atrás e reparar a omissão).
ggggg) Pelo que, se verifica, com tal omissão, a nulidade prevista no art.º 195.º do CPC, que implica a anulação dos termos subsequentes a essa omissão, bem como da própria decisão.
hhhhh) Conclui-se, assim, que estamos perante a nulidade aqui invocada, ou seja, decorrente da violação do princípio do contraditório coberta por uma decisão judicial, reagindo-se da forma apropriada, pelo que, deve, em conformidade, ordenar-se que a decisão recorrida seja anulada, e com ela os termos subsequentes que dela dependam absolutamente (cfr. art.º 195.º, n.º 2 do CPC).
iiiii) Tal nulidade processual tem como consequência a anulação dos termos subsequentes que dele [acto omitido] dependam absolutamente (cfr. art.º 195.º, n.º 2 do CPC), incluindo, in casu, a anulação da decisão recorrida, uma vez que esta se mostra inquinada pela violação do princípio do contraditório, o que se requer
POR OUTRO LADO:
B) Da nulidade do despacho judicial recorrido por falta de fundamentação.
jjjjj) Decidiu o Tribunal a quo, no dia 23/05/2016, fixar a residência das Menores em Matosinhos, onde o Recorrido reside, ordenando à Recorrente a entrega das Menores até ao dia 27/04/2016 ao Recorrido!
kkkkk) Cumpre referir que da leitura da decisão recorrida não resulta que se tenha efectuado qualquer apreciação jurídica decorrente de factos que se tenham apurado, limitando-se o Tribunal a quo a fixar a residência das Menores em Matosinhos, sem ter em consideração a vida actual e o superior interesse das Menores, mas cingindo-se ao facto de as Menores terem tido residência em Matosinhos.
lllll) Desconhecem-se as premissas em que se baseou para alterar a residência das Menores, sendo que a decisão apenas refere a falta de acordo dos progenitores quanto à alteração inicial de residência das Menores.
mmmmm) A decisão provisória proferida no âmbito da RRP deve ser devidamente fundamentada, por lhe serem aplicáveis as disposições que constam dos art.ºs 292.º a 295.º, por força do disposto no art.º 986.º, n.º 1, todos do CPC.
nnnnn) Na decisão a proferir, deve o Tribunal realizar uma análise crítica das provas produzidas, visando a formação da convicção através de um processo racional, alicerçado e, de certa maneira, objectivado e transparente – na análise criticamente comparativa dos diversos dados trazidos através das provas e na ponderação e maturação dos fundamentos e motivações essencialmente determinantes da opção feita e cuja enunciação, por exigência legal, representa o assumir das responsabilidades do julgador inerentes ao carácter público da administração da justiça.
ooooo) Deste modo, o que importa verdadeiramente é que o Juiz a quo faça consignar na parte da fundamentação a manifestação ou exteriorização da sua convicção na decisão proferida, o que não se verifica no caso presente: dado que em parte alguma do despacho se aduz um motivo grave e preponderante que dite a alteração forçada de residência das Menores e da Recorrente para Matosinhos.
ppppp) Em suma, desconhece-se nos seus termos essenciais o percurso lógico que foi feito pelo Mm. Juiz a quo, no sentido de fixar a residência das Menores, sem sequer ter encetado diligências no sentido de averiguar as condições de vida das Menores e da Recorrente, bem assim as do Recorrido!
qqqqq) Pelo que, in casu a fundamentação do despacho recorrido mostra-se insuficiente, em termos tais que, não permitem à destinatária da decisão judicial a percepção das razões de facto e de direito da mesma, no que respeita à fixação da residência das suas filhas.
rrrrr) O que, por força do disposto no art.º 615.º, n.º 1, al. b) do CPC, determina que o despacho judicial seja declarado nulo, o que aqui se requer para todos os efeitos legais.
sssss) Caso não se decida pela procedência das questões supra suscitadas, o que não se concede, mas cuja hipótese se coloca por mera necessidade de raciocínio e dever de ofício, sempre se dirá o seguinte quanto ao mérito da decisão sob recurso:
III - Da Impugnação da Matéria de Facto
B) Da Errónea apreciação e interpretação dos elementos de prova
ttttt) Por se não conformar com o despacho proferido pelo Mm. Juiz do Tribunal a quo, vem a Recorrente do mesmo interpor recurso, pois como a seguir se aduzirá a prova carreada nos autos imporia, certamente, uma decisão sobre a matéria de facto diferente da ora recorrida.
uuuuu) Na verdade, ao contrário do que foi decidido, dever-se-ia fixar a residência das Menores com a Mãe.
vvvvv) A decisão sobre o destino de qualquer menor deverá ser determinada pelo interesse deste, o que, necessariamente, implica apurar qual das pessoas a quem legalmente pode ser confiado estará em melhores condições de lhe assegurar um sadio desenvolvimento a nível físico, psíquico, afetivo, moral e social, bem uma correcta estruturação da sua personalidade – e que no caso sub judice é a Recorrente quem melhor assegura tais condições, conforme se demonstrará.
wwwww) Para fixar a residência das Menores, o Mm. Juiz a quo teve em consideração somente o acordo inicial entre os progenitores em fixar a sua residência e das Menores, enquanto família, em Matosinhos e, pelo facto, da Recorrente não ter o acordo do Recorrido para a alteração da residência das Menores, fazendo-se, assim, “tábua rasa” de tudo quanto consta nos presentes autos, mesmo da prova constante dos documentos entregues no dia da Conferência de Pais, que demonstraram várias incoerências e falsidades carreadas para os autos pelo Recorrido, em suma, tudo quanto tem sido alegado e tentado demonstrar pela Recorrente, sem subterfúgios ou mentiras, bem assim, desconsiderando totalmente o teor do parecer psicológico apresentado, bem assim a declaração do colégio das Menores, no sentido de demonstrar que as Menores se encontram estáveis, felizes e bem enquadradas no colégio, bem como e e-mails e mensagens escritas onde o Recorrido assume que ambos preparavam a sua nova vida e procuravam colégios para as filhas, recuando sem qualquer justificação, como em tudo na sua vida, pelo que consideramos que é a Recorrente que reúne condições familiares, habitacionais, sociais e económicas superiores ao Recorrido!
xxxxx) O que é deveras frustrante para a Recorrente é perceber que as inverdades que o Recorrido tem vindo a carrear para os autos, sem que as mesmas tenham sido objeto de prova, estão a começar a prevalecer junto deste Tribunal, sem que seja apurada a veracidade das mesmas, conforme resulta da decisão sob recurso.
yyyyy) Sendo de concluir que, a falsa e denegridora imagem da Recorrente pintada pelo Recorrido surtiu efeito perante o Tribunal a quo!
zzzzz) Cumpre, porém, reiterar que é a Recorrente quem reúne as melhores condições, aos vários níveis, para que as Menores fixem residência com esta.
aaaaaa) As condições da Recorrente, a nível profissional, ao contrário das do Recorrido, alteraram-se substancialmente, dado que a Recorrente tem uma preocupação constante em aprimorar as suas condições de vida em prol do interesse das suas filhas.
bbbbbb) A instabilidade emocional e profissional do Recorrido preocupa, pois, a Recorrente, porquanto durante os cerca de 8 anos que estiveram juntos, o Recorrido nunca conseguiu prover ao sustento da sua família, estando inteiramente dependente do dinheiro da Recorrente e da sua sogra, em constante estado de angústia e de nervos em virtude das dívidas que não pagava.
cccccc) Sendo que, a recusa de um acordo extrajudicial referente à RRP das Menores, por parte do Recorrido, negociado durante meses, se tratou de uma decisão precipitada, irreflectida, leviana e imatura deste, não tendo em vista proporcionar um ambiente harmonioso e salutar às Menores, ao contrário do que quer fazer crer, desconsiderando até os efeitos nefastos que tal decisão pode acarretar para as filhas, mas somente tendo como único propósito dificultar a vida da Recorrente, que este bem sabe nunca abandona as filhas!
dddddd) Pelo que, não se compreende, nem se aceita, que o Tribunal a quo considere tal decisão como benéfica e capaz de assegurar uma maior estabilidade para as rotinas das Menores.
eeeeee) Em contrapartida, conforme resulta dos autos, não existem quaisquer contra-indicações para que as Menores não sejam confiadas à Recorrente, pois esta tem uma vida e emprego estáveis, gerindo o seu quotidiano totalmente em função das Menores, tem todas as comodidades para viver com as filhas, residindo num condomínio de tipologia T3, com todas as condições para proporcionar um bem-estar às Menores, vivendo de forma contínua no mesmo local, num ambiente familiar que recebe bem as Menores, bem assim, com um comportamento moral e social irrepreensível, podendo, pois, propiciar às filhas uma maior estabilidade que a que é proporcionada pelo Recorrido, oferecendo melhores garantias de lhe assegurar um desenvolvimento harmonioso e um futuro promissor.
ffffff) As Menores tinham uma rotina perfeita: frequentavam o mesmo colégio em Lisboa, sendo que a C… frequentava ainda aulas de ballet, encontrando-se perfeitamente enquadradas, tranquilas e felizes, não assistindo, como era habitual, às discussões diárias, às provocações e aos maus tratos verbais que o Recorrido infligia à Recorrente, sobre os supostos amantes desta.
gggggg) A Requerida celebrou, depois de um longo período desempregada, um contrato de trabalho e está inscrita na Segurança Social, auferindo um rendimento mensal aproximado de €1.800,00 (mil e oitocentos euros), não obstante a Requerida ser filha única, por parte da Mãe, e ter uma situação financeira confortável, bem como vário património imobiliário em Lisboa, Cascais, Açores e Porto.
hhhhhh) Aliás, só assim se justifica que o Recorrido tenha “vivido às custas” da Recorrente e da sua sogra, pelo que, só quando o Recorrido tomou consciência de que a situação de separação era inevitável e que a Recorrente pretendia o divórcio e teve conhecimento que a Recorrente tinha proposto as acções de RRP e de divórcio, é que o assimilou que a “vida boa e desafogada” que tinha tido até ao momento chegara ao fim.
iiiiii) Pois, durante o período inicial de separação, o Recorrido não se coibiu de efectuar declarações de amor à Requerida e de as apregoar à família desta e aos amigos em comum, referindo que a iria conquistar de novo, enviando-lhe e-mails e mensagens escritas, onde afirmava que iria recuperar a sua família e que nunca tinha sido tão feliz como o foi com a Requerida.
jjjjjj) É, como tal, de estranhar, que o Recorrido tenha alegado nas suas p.i. que a Recorrente tinha uma relação pública extra matrimonial, um amante com quem se ausentava, abandonando as filhas por diversos períodos, além das relações extraconjugais que mantinha regularmente com outros homens.
kkkkkk) Terão algum sentido as declarações de amor por parte do Recorrido durante a separação, se na verdade este tivesse a convicção de ter sido traído por vários homens, declarando amor eterno à Recorrente e confidenciado à sua sogra que tinha medo de perder a família pelas verdadeiras razões que terminaram este casamento.
llllll) Tais como a inércia profissional do Recorrido, o ócio que tanto aprecia, os vários negócios fracassados que iniciava e que mantinha com o dinheiro da Recorrente e da sogra, as dezenas de dívidas acumuladas, os vários cortes de água, luz e gás por falta de pagamento, as dívidas de condomínio, o atraso na prestação da mensalidade da casa (a parte da Recorrente está integralmente paga), as dívidas fiscais, a interdição de efectuar operações bancárias pelo Banco de Portugal, as ameaças de morte por parte dos credores, etc.
mmmmmm) Mas o que o Recorrido verdadeiramente teme é ver-se encurralado, sem um meio de subsistência significativo para ele ou para as filhas – apregoa que é Empresário Agrícola, quando declara o ordenado mínimo numa sociedade em que a Recorrente é sócia e detentora de metade do capital social, e que nunca teve qualquer viabilidade económica, nem um lucro minimamente significativo desde a sua constituição, sendo que o máximo que facturou por mês nunca ultrapassou a quantia de pouco mais de €1.000,00 (mil euros).
nnnnnn) É, igualmente, sócio numa outra sociedade comercial, que se encontra com a actividade suspensa, dado o insucesso e prejuízo habitual de todos os negócios que idealiza e gere, sendo que a sogra também é sócia e detentora de metade do capital social desta sociedade.
oooooo) Percebe-se que não é fácil para o Requerente iniciar uma nova vida, com 48 anos, sem qualquer capacidade financeira, com milhares de dívidas acumuladas, sendo pressionado, evidentemente, pela Recorrente para arrendar, vender ou comprar a casa que possuem no Porto – sendo que 50% deste imóvel se encontra integralmente pago pela Recorrente e os outros 50% têm duas hipotecas registadas, uma a favor do banco e outra a favor da Fazenda Nacional.
pppppp) A Recorrente não tenciona permanecer em compropriedade com o Recorrido, pelo que irá, igualmente, tomar as devidas precauções para que tal situação não se protele no tempo, sendo inevitável que a casa seja vendida ou arrendada, pelo que deixará de existir a casa de morada de família na acepção atribuída pelo Tribunal a quo.
qqqqqq) Em conclusão, o Recorrido consciente que a Recorrente e a sogra não o iriam continuar a sustentar - e como é apanágio neste tipo de processos, quando uma das partes não quer o divórcio - o Recorrido previsivelmente veio ao processo dizer “cobras e lagartos” da Recorrente, sendo pouco imaginativo, cingindo-se às habituais ofensas e difamações: a má mãe, a infidelidade, a futilidade, a inactividade, os problemas com o álcool, etc – não referindo apenas a loucura – talvez não se tenha recordado desta “característica típica das mulheres” e que tantas vezes é alegada neste tipo de processos.
rrrrrr) Atento o supra exposto, só se pode concluir que o Recorrido vive numa constante e sucessiva instabilidade emocional e profissional, sem qualquer meio de subsistência significativo ou património, nem sequer um veículo automóvel para transportar as Menores e interdito de efectuar operações bancárias!
ssssss) E, por conseguinte, a situação do Recorrido configura necessariamente uma situação económica instável, o que obviamente gera instabilidade emocional para as Menores, como é bom de ver!
tttttt) Em conformidade, jamais se pode entender que o Recorrido com tal situação de instabilidade, bem assim, a precariedade a nível profissional deste, projectando constantemente malogrados novos negócios, consiga oferecer uma estrutura familiar e um projeto de vida estável, que permita conseguir manter maior estabilidade de rotinas às Menores, bem assim, que consiga assegurar melhores condições, a todos os níveis, às Menores do que a Recorrente!
uuuuuu) Pelo que, só se pode concluir que se as Menores deverão viver em Lisboa com a Recorrente, onde teriam uma vida mais estável que aquela que lhe confere o Recorrido.
vvvvvv) Para além de que, é de realçar que a Recorrente, quando as Menores ficam com o Recorrido, se sentem excessivamente cansadas e cheias de sono, sendo muito difícil levantá-las no dia seguinte, o que denota a ausência de horários e insuficiência de horas de descanso quando estão com o Pai.
wwwwww) Apesar das inverdades que o Recorrido tem carreado para o processo acerca da conduta da Recorrente jamais esta colocou a saúde, a segurança, os hábitos e rotinas das Menores em perigo, conforme tem vindo a tentar demonstrar a este Tribunal, ao que parece de forma inglória.
xxxxxx) Por outro lado, não se compreende que o Tribunal a quo reforce a sua decisão de fixar a guarda partilhada das Menores em Matosinhos, quando ambos os progenitores residem em cidades diferentes, tendo de partilhar esta guarda na casa que deverá ser vendida com a maior brevidade possível, bem como não teve em consideração, a exposição da alteração das circunstâncias que se vieram a verificar durante o período de separação entre ambos, designadamente, o facto de a Recorrente ter conseguido um emprego, o que nunca logrou no Porto, e que com esta decisão a impossibilita de manter um emprego apenas duas semanas por mês em Lisboa e outro duas semanas por mês no Porto!
yyyyyy) Além do mais, uma guarda alternada implica obrigatoriamente uma boa relação entre os progenitores, ou pelo menos uma relação não conflituosa, existindo entre ambos uma total ausência de comunicação na abordagem de várias questões que se encontram pendentes e mesmo as questões relacionadas com as Menores, facto que só pode ser imputado única e exclusivamente ao Recorrido.
zzzzzz) Como refere Ataíde, Maria do Rosário Sousa, in Conflito parental em casais com litígio no processo de regulação do poder paternal – perspectiva histórica, jurídica e psicológica, sobre a guarda alternada, “Parece existir um acordo entre psicólogos, médicos e psiquiatras que foi aceite em geral pela jurisprudência, de que este modelo de guarda acarreta uma grande instabilidade e desequilíbrio para os Menores.(…) Este sistema reparte a criança entre ambos os pais como se de um objecto se tratasse, satisfazendo mais os interesses dos pais e sacrificando os dos filhos.(…)A chamada preferência maternal na entrega da criança é a prática judicial mais corrente. Para que tal não aconteça, o pai terá de provar um comportamento irregular por parte da mãe, tal como desinteresse pelos filhos, negligência, perturbações mentais ou psicológicas, ou comportamento criminal.(…) Referindo, ainda que “as crianças de tenra idade, para boa estruturação dos traços da sua personalidade, deverão ser acompanhadas pela mãe, na medida em que é esta que lhe dispensa maiores cuidados, que mais a acarinha e se lhe entrega de corpo e alma.”
aaaaaaa) Não podemos deixar de concordar que a relação entre uma mãe e um filho é uma relação única – existindo entre as três uma cumplicidade total, sendo que as Menores têm uma adoração pela Mãe, procurando, como é apanágio em crianças tão pequenas, imitá-la em tudo o que faz!
bbbbbbb) Manter esta separação entre Mãe e filhas será um acto de crueldade para com as Menores, que em nada traduzirá o seu bem-estar ou assegurará o seu superior interesse! A Recorrente, como é bom de ver, nas semanas em que não lhe forem confiadas as Menores terá, obrigatoriamente, de regressar a Lisboa, pois não fará sentido ter outra residência alternativa e suportar financeiramente 3 casas (2 em Matosinhos e 1 em Lisboa) em simultâneo, sem possuir emprego ou qualquer suporte familiar no Porto.
ccccccc) Nas semanas em que não lhe estiver destinada a guarda das suas filhas, terá de regressar à sua casa de Lisboa, com vários gastos adicionais em viagens, bem assim com o cansaço inerente que tais viagens lhe acarretarão, prejudicando não só a Recorrente, mas igualmente as suas filhas, que passaram a estar privadas da Mãe, com quem mantêm laços muito mais profundos do que com o Pai! Sendo que o único beneficiado com a decisão de que ora se recorre, é o Recorrido, mantendo a sua vida completamente inalterada, vivendo em casa dos Pais, nas semanas em que não está com as filhas.
ddddddd) Contudo, como a Recorrente já teve oportunidade de referir, várias vezes, pretende que as Menores tenham o máximo de convivência com o Recorrido e respectiva família paterna, encontrando-se disponível para auxiliar o Recorrido sempre que este solicite a sua ajuda, tudo em benefício das Menores e da sua felicidade. Não se podendo aqui esquecer de um ponto fulcral – ambos os progenitores viverem em cidades diferentes, sendo incomportável exercer uma guarda alternada nestas condições.
eeeeeee) Foi nesta perspectiva que a Recorrente negociou um acordo com o Recorrido, que aparentemente tinha sido bem acolhido por este, pelo que nada fazia prever a alteração radical da postura que veio a assumir. No período inicial de separação, a Recorrente, nas semanas em que não estava com as Menores e se encontrava em Lisboa, preparou meticulosamente o regresso a casa com as filhas: procurando um colégio adequado para estas frequentarem, adaptando a casa para as receber, conseguiu um emprego e programou iniciar um novo projecto profissional até ao fim do ano em Lisboa. Adequando a sua vida e horários de trabalho por forma a entregar e recolher as Menores no colégio, passando tempo de qualidade com as mesmas, ao mesmo tempo que terminava, aliviada, a sua “reclusão” numa cidade onde nunca foi feliz, sacrificando-se desde o casamento a passar lá grandes temporadas por amor ao marido!
fffffff) Não podemos deixar, ainda, de reiterar que foi, até à data, a Recorrente a zelar por todas as questões de particular importância para a vida das Menores, em especial pela sua educação escolar, cívica, religiosa, cuidados afectivos, vestuário e principalmente pela sua protecção e sustento familiar!
ggggggg) Em face do exposto, conclui-se que a fixação da residência das Menores não pode ser decidida em função das falsas alegações do Recorrido que, de forma “atabalhoada”, alicerçada em pressupostos errados e frágeis, conforme já supra se deixou dito, pretende denegrir a imagem da Recorrente, tentando dar a ideia de esta não possui condições familiares, habitacionais, sociais e económicas, que sejam suficientes para que o Tribunal a quo decida fixar a residência das Menores com a Mãe em Lisboa!
hhhhhhh) Devendo por isso, dar-se provimento ao despacho de que ora se recorre, decidindo pela fixação da residência das Menores com a Mãe, na sua casa de Lisboa.
iiiiiii) Por outro lado e sem prescindir, caso ainda assim não se venha a entender, o que não se admite, mas que se refere por mera cautela de patrocínio, caso se decida manter a fixação da residência das Menores em Matosinhos, sempre se dirá que o superior interesse das Menores, que aqui se discute, se verá irremediavelmente comprometido, uma vez que a Recorrente terá de providenciar uma nova habitação para as Menores e para ela própria, ficará desempregada novamente numa conjuntura económica difícil, tendo no entanto de suportar todas as despesas inerentes e necessárias a uma vida com as Menores, quando a Recorrente possui todas as condições pessoais, familiares, profissionais, financeiras e afectivas, que só beneficiam as Menores, proporcionando-lhes todo o bem-estar e tranquilidade para uma vida sadia e confortável, a residência das Menores deverá ser fixada com a Mãe.
jjjjjjj) Ora, a decisão recorrida é, pois, incompreensível e inadequada aos interesses das Menores, o que não se compreende e não se aceita, porquanto o regime provisório fixado é atentatório dos seus interesses, comprometendo o equilíbrio destas e a estabilidade do seu quadro de vida, acarretando sofrimento para as crianças e vai claramente e escandalosamente contra a Lei e a doutrina e a jurisprudência dominantes, pelo que tem de ser revogada - guarda alternada quando os progenitores vivem a mais de 300 km um do outro!
kkkkkkk) O Tribunal a quo, em sede de decisão da matéria de facto, aceitou de ânimo leve e sem grandes considerações os factos alegados pelo Recorrido, sem sequer ter tido o cuidado de procurar averiguar se é ou não verdade o que o mesmo afirmou, favorecendo os interesses do Recorrido e não das Menores, acedendo à maior parte do pedido do Recorrido.
lllllll) Em conclusão, impõe-se, pois, que a final seja revogada a decisão recorrida e substituída por outra que dê procedência às nulidades supra invocadas no presente recurso, nos termos que se explanaram ou, caso as mesmas não venham a ser atendidas, o que não se admite, mas que por mero dever de patrocínio se equaciona, sempre se dirá que se deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, no que respeita ao regime de regulação das responsabilidades parentais provisório, visto que os elementos constantes nos autos impõem decisão diversa, devendo decidir por confiar as Menores à Mãe nos termos supra explanados e estabelecendo um regime de visitas do Pai, tomando-se as providências necessárias a assegurar tal decisão.
Decidindo como se conclui, farão V. Exas., Venerandos Desembargadores, sempre com o mui douto suprimento, a devida e acostumada JUSTIÇA!
O progenitor das menores contra alegou, no sentido da atribuição de efeito meramente devolutivo ao recurso, pelo indeferimento das invocadas nulidades e manutenção da decisão recorrida.
No mesmo sentido foram as contra alegações do Ministério Público.
Pelo despacho do senhor juiz a quo de 18.07.2016 foi admitido o recurso a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.
Recebidos os autos nesta Relação, o relator admitiu o recurso nos mesmos termos.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
II-DO RECURSO
II.1- Questão prévia:
Relativamente às conclusões recursivas sob as alíneas e) a z) do seu número 2, ponto I, como deixamos referido, o recurso foi admitido com subida imediata e efeito meramente devolutivo, mediante a fundamentação do despacho do senhor juiz a quo de 18.07.2016 e despacho liminar do relator de 29.09.2016, pelo que não é objecto do presente acórdão.
*
II.2- Âmbito do recurso:
Relativamente às pretensas nulidades e excepção dilatória de litispendência invocadas nas conclusões aa) a iiiii), apenas é de referir o seguinte.
O recurso é balizado pelas conclusões das alegações, estando vedado ao tribunal superior apreciar e conhecer de matérias que naquelas não se encontrem incluídas, a não ser que se imponha o seu conhecimento oficioso, acrescendo que os recursos não visam criar decisões sobre matéria nova, sendo o seu âmbito delimitado pelo conteúdo do acto recorrido e no recurso não se apreciam razões ou argumentos, antes questões- artºs 627º, nº1, 635º e 639º, nºs 1 e 2, CPC, na redacção da Lei nº 41/2013, de 26.06.2013, aplicável ao presente processo por força do disposto nos artº 8º do diploma preambular - neste sentido são a jurisprudência e doutrina correntes (a título de exemplo Acórdão do STJ de 28.05.2009, in www.DGSI.pt, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Conselheiro Abrantes Geraldes, Almedina, p. 84 e 118.
Assim sendo, a decisão recorrida é apenas o despacho que fixou um regime provisório de regulação das responsabilidades parentais relativo às menores C… e D…, nascidas, respectivamente em 13.10.2010 e 19.02.2013, na acta da conferência de pais realizada em 23.05.2016 e supra transcrito.
Não cabe no âmbito deste recurso a impugnação do despacho de 12.05.2016, proferido em acta de tentativa de conciliação no processo principal de divórcio sem consentimento do outro cônjuge (fls. 85 a 88), que decidiu ser o Tribunal da Comarca do Porto, Matosinhos, Instância Central, Tribunal de Família e Menores, o territorialmente competente para a presente regulação de responsabilidades parentais e determinou a apensação à acção de divórcio do processo de regulação das responsabilidades parentais das referidas menores pendente sob o nº 9537/16.9T8LSB, da 1ª Secção de Família e Menores da Comarca de Lisboa, nem do despacho datado de 27.05.2016 (fls 184 e 185), que julgou verificada a excepção dilatória de litispendência entre aquela acção instaurada pela progenitora das menores em Lisboa e a idêntica acção instaurada pelo progenitor em Matosinhos, mantendo apenas o decurso desta e absolvendo o requerido/pai da instância naquela.
Quanto à questão da competência territorial do tribunal, não deduziu a progenitora das menores reclamação para o Exmº senhor Presidente desta Relação, pelo que o despacho em causa transitou em julgado, estando a questão definitivamente resolvida- artº 105º, nº 4, NCPC.
Quanto à excepção dilatória da litispendência, não tendo sido interposto recurso em devido tempo daquele despacho, proferido em processo apenso (autónomo) de regulação das responsabilidades parentais, nos termos do artº 644º, nº 1, NCPC, mesmo para quem admita que o direito a tal recurso não está impedido pelo disposto na norma especial do artº 12º, nº 1, do Regime Geral do Processo Tutelar Cível, aprovado pelos artºs 1º e 2º da Lei nº 141/2015, de 8 de Setembro, entrado em vigor trinta dias após- artº 7º da mesma Lei-, a referida decisão transitou em julgado, nos termos do artº 628º NCPC e fez caso julgado formal, tendo força obrigatória dentro do processo, nos termos do artº 620º NCPC.
Assim, as referidas questões estão fora do âmbito do presente recurso e delas não podemos tomar conhecimento aqui.
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Como questões a decidir neste recurso, invocadas nas conclusões recursivas, que podemos apontar como prolixas, extensas e confusas e à revelia do que impõe o Novo Código de Processo Civil no artº 639º, nº 1, restam, então, as seguintes:
-Nulidade do despacho recorrido por falta de fundamentação, nos termos do artº 615º, nº 1, al. b) NCPC;
-Impugnação da matéria de facto;
-Revogação do despacho recorrido de modo a que seja fixada a residência das menores na casa onde a mãe habita em Lisboa, estabelecendo-se um regime de visitas ao pai.
Apreciando.
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O despacho recorrido foi proferido nos termos processuais previstos no artº 38º do RGPTC, que dispõe: “se ambos os pais estiverem presentes ou representados na conferência, mas não chegarem a acordo que seja homologado, o juiz decide provisoriamente sobre o pedido em função dos elementos já obtidos…”.
Trata-se de norma especial do processo de regulação do exercício das responsabilidades parentais e resolução de questões conexas, com uma redacção diferente da regra geral sobre decisões provisórias e cautelares prevista no artº 28º, nº 1, RGPTC que prescreve “Em qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final…”.
Parece que o legislador pretende impor naqueles processos, como é o presente, um dever do juiz em fixar uma decisão provisória e não um poder discricionário- neste sentido ver Regime Geral do Processo Tutelar Cível, Tomé Ramião, Quid Juris, 2016. Pressuposto necessário é que hajam já “elementos obtidos” (na expressão do legislador), aliás como não poderia deixar de ser pelas regras gerais do direito processual civil. Primeiro a prova dos factos, podendo e devendo o tribunal proceder às diligências necessárias para o efeito, atenta a natureza de jurisdição voluntária- artº 986º, nº 2, NCPC, ex vi artº 12º RGPTC- e, depois, a aplicação do direito, considerando, além do disposto no artº 1906º ex vi artº 1909º Código Civil de 1966, na redacção aplicável ao presente caso, o princípio do interesse superior da criança, previsto no artº 4º, alínea a) da Lei de protecção de crianças e jovens em perigo, aprovada pela Lei nº 147/99, de 1 de Setembro e alterada pela Lei nº 31/2003, de 22.08 e pela Lei nº 142/2015, de 8 de Setembro, que procedeu à sua republicação, por força do artº 4º, nº 1, do RGPTC.
Ora, o despacho recorrido configura uma decisão provisória de regulação do regime das responsabilidades parentais das menores C… e D…, respectivamente, com cinco e três anos de idade, encontrando-se fundamentado de facto e de direito, como dele resulta nos termos que se transcreveram supra, não se exigindo aqui uma fundamentação exaustiva, em obediência ao disposto nos artºs 987º, 152º, 154º e 607º, nºs 2 a 5 ex vi 613º, nº 3, todos do NCPC.
O dever de fundamentação das decisões judiciais decorre directamente da CRP de 1976 - art.º 208º-1.
O dever de fundamentação restringe-se às decisões sobre um pedido controvertido, ou sobre uma dúvida suscitada no processo, sendo certo que, só a falta absoluta de fundamentação será geradora da nulidade do despacho recorrido a que se reporta o art.º 615, nº 1, alínea b) do NCPC, e não já a mera deficiência da fundamentação, como reiteradamente o tem afirmado a doutrina e a jurisprudência – por todos Acórdão do STJ de 3/7/73, in BMJ 229,155, Lebre de Freitas – Acção Declarativa Comum, págs. 297 e 298 e Fundamentação da Sentença Cível, Consº Fernando Pinto de Almeida, www.trp.pt.estudos.
Como é entendimento pacífico na doutrina e jurisprudência nacionais, só a falta absoluta de fundamentação, entendida como a total ausência de fundamentos de facto e de direito, gera a nulidade prevista na al. b) do nº 1 do artº 615º do NCPC.
A fundamentação deficiente, medíocre ou errada afecta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade
A reforma processual introduzida pela Lei 41/13 eliminou a decisão autónoma da matéria de facto, integrando-a na sentença, nos termos previstos naquele artº 607º, nº 4.
Mas, apesar de tal integração, ao reproduzir no nº 3 do mesmo preceito a norma que constava do nº 2 do anterior artº 659º, manteve a dicotomia entre “fundamentação de facto da sentença” e “julgamento da matéria de facto”.
“Quanto ao elenco dos factos provados, estamos perante a mesma realidade, perspetivada por ângulos diferentes. No nº 4 descreve-se o julgamento da matéria de facto. Aqui, os factos provados elencados integram a decisão de facto – conjuntamente com a pronúncia sobre os factos não provados. No nº 3, o mesmo elenco dos factos provados é visto como o fundamento de facto da decisão final da causa, isto é, a matéria de facto considerada para efeitos de aplicação da lei. Este acervo factual constitui, pois, a um tempo, fundamentação e decisão de facto.”
De onde se conclui que apenas a violação do comando do nº 3 do artº 607º acarreta a nulidade da sentença prevista na al. b) do nº 1 do artº 615º, ou seja, no que à fundamentação de facto diz respeito, só a falta de discriminação dos factos provados acarreta aquela nulidade.
A falta de fundamentação da decisão da matéria de facto, bem como a sua deficiência ou insuficiência, em violação do disposto no nº 4 do artº 607º não gera nulidade, mas tem como sanção a devolução dos autos à 1ª instância, a fim de que a matéria de facto aí seja devidamente fundamentada (artº 662º, nº 2, al. b)).
Com a reforma processual operada pela Lei 41/13, essa devolução passou a poder ser feita oficiosamente, como resulta do corpo do nº 2 do artº 662º, sendo que, no caso, foi também invocada pela autora - o que passamos a apreciar de seguida.
Já vimos que, nos termos da 1ª parte do nº 4 do artº 607º, o juiz deve analisar criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos decisivos para a sua convicção.
A partir da reforma processual introduzida pelo DL 329-A/95 de 12.12, o suporte mínimo da fundamentação da matéria de facto não se satisfaz com a indicação dos concretos meios de prova que foram decisivos para a convicção do julgador, exigindo-se ainda a referência, na medida do possível, das razões de credibilidade ou da força decisiva reconhecidas a esses meios de prova. É o que resulta da redacção do preceito citado.
Por outro lado, a fundamentação não deve ser um extenso e neutro repositório de tudo o que as testemunhas declararam. O que a lei pretende é a apreciação crítica das provas, isto é, que o juiz justifique os motivos da sua decisão, esclarecendo, designadamente, por que razão atribuiu credibilidade a uns depoimentos em detrimento de outros ou deu prevalência ao laudo de um perito e não ao de outros divergente.
Também já vimos que a falta de fundamentação da decisão da matéria de facto, bem como a sua deficiência ou insuficiência, em violação do disposto no nº 4 do artº 607º não gera nulidade, tendo como sanção a devolução dos autos à 1ª instância, a fim de que a matéria de facto aí seja devidamente fundamentada (artº 662º, nº 2, al. b)).
Como fundamento da violação do citado artº 607º, nº 4, diz a apelante que o senhor juíz a quo não fez a análise crítica das provas de que lhe cumpria conhecer.
A fundamentação da decisão da matéria de facto tem o seguinte teor:
“No mais, e não sendo possível o acordo entre os progenitores importa fixar regime provisório nos termos do artigo 38º do RGPTC, sendo para nós relevante o facto de a residência das menores ter sido fixada, por acordo dos progenitores, em Matosinhos, até à data em que a progenitora decidiu ir para Lisboa juntamente com as filhas, sem o acordo do progenitor, conforme a mesma refere nos artigos 8º e 9º do seu requerimento inicial no âmbito do apenso B).
Conforme já escrevemos no nosso despacho de 12/05/2016 é para nós claro que a residência das menores é, actualmente, em Matosinhos sendo que a sua alteração pressupunha o acordo dos progenitores ou a decisão do tribunal, uma vez que é uma questão de particular importância na vida das menores - artigo 1906º, n.º 2 do Código de Processo Civil.
Em consequência importa que o regime provisório leve em conta esta realidade bem como, necessariamente, o acordo dos progenitores no que se refere a divisão do tempo com as filhas até a sua ida para Lisboa.
Cumpre ainda esclarecer que a escolha da escola é também, necessariamente, uma questão de particular importância porque relacionada com o projecto educativo das crianças o que, necessariamente, implica também o acordo dos progenitores ou, mais uma vez, a decisão do tribunal.
Assim o facto das menores estarem inscritas e a frequentarem a escola em Lisboa não é relevante uma vez que está apenas em causa uma escolha da progenitora.
Por outro lado o documento junto como parecer psicológico também não releva uma vez que se trata de uma escolha da progenitora, sem que o progenitor tenha sido sequer ouvido pela referida técnica”.
Como se vê do acima transcrito, na fundamentação da decisão da matéria de facto indicaram-se os meios de prova que foram decisivos para a convicção do julgador.
A fundamentação da decisão da matéria de facto não padece, assim, de qualquer deficiência ou insuficiência; pelo contrário, cumpre o comando do nº 4 do artº 607º.
Cremos que o que a apelante verdadeiramente imputa ao despacho recorrido é o erro na apreciação da prova, do que nos passamos a ocupar de seguida.
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Nas conclusões recursivas a apelante apresenta um título “III- Da Impugnação da Matéria de Facto” e um subtítulo “B) Da Errónea apreciação e interpretação dos elementos de prova”, com as conclusões ttttt) a lllllll).
Ora, compulsadas as referidas conclusões, é manifesto que não há uma verdadeira impugnação da matéria de facto considerada como provada e não provada nos considerandos da decisão recorrida, porquanto a apelante não cumpre os ónus da impugnação previstos nas três alíneas do do artº 640º, nº 1, NCPC.
Assim, não deve esta Relação alterar a factualidade considerada provada e não provada no despacho recorrido, à luz do disposto no artº 662º, nº 1, NCPC, nem há fundamento para lançar mão do poder previsto no nº 2 daquela norma, porquanto não se verifica a previsão legal de qualquer das suas alíneas.
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Resta, então, a apreciação do mérito do despacho recorrido.
Dos elementos de facto já provados nos autos, não estamos perante uma situação clara de alienação parental por parte da requerida/mãe das menores.
O síndrome de alienação parental (SAP) em inglês PAS (Parental Alienation Syndrome) foi definida por Richard Gadner, «como um transtorno que surge principalmente no contexto da disputa da guarda e custódia das crianças. A primeira manifestação é a campanha de difamação contra um dos pais, por parte do filho, campanha sem justificação. O fenómeno resulta da combinação de um sistemático doutrinamento (lavagem ao cérebro) por parte de um dos progenitores, e das próprias contribuições da criança, destinadas a denegrir o progenitor objecto desta campanha». O Síndrome de alienacão parental não é um fenómeno recente. Podemos afirmar que serão tão antigos quanto os regimes legais destinados a regular a separação dos casais, casados ou não e bem assim a custódia e o exercício das responsabilidades parentais. Na verdade, as feridas resultantes do rompimento duma relação conjugal ou de união de facto tardam, muitas vezes, a sarar e a vontade de vingança, o sofrimento, a vontade de ferir o outro a quem se imputa culpa na separação e até, a pressão para a resolução de questões conexas ao divórcio/separação (atribuição da casa morada de família, partilha de bens e pensão de alimentos) acabam por determinar, consciente ou inconscientemente, o progenitor que tem a guarda do filho, mesmo que simplesmente de facto, a usar este poder, para atingir “o adversário” – normalmente o pai – punindo-o com o afastamento do filho ou incutindo neste, sentimentos negativos contra aquele. A alienação parental é o afastamento do filho de um dos progenitores, provocado pelo outro, em regra, o titular da custódia (de facto ou de direito). A palavra alienação tem origem no verbo latino “alienare” que significa afastar.
A situação de facto provada e considerada no despacho recorrido é que estando o casal, pais das menores, em processo de ruptura do casamento, prévio ao divórcio que ambos pretendiam e tendo como residência habitual a casa morada de família, sita em …, concelho de Matosinhos, tendo as menores ali a sua residência, ficando a mais nova em casa com a empregada doméstica interna e a mais velha frequentando um Colégio em regime pré-escolar e ambas já com as inscrições para frequentarem o referido Colégio …, na cidade do Porto, respectivamente para o pré-escolar e 1º ano do ensino básico, no ano lectivo 2016/2017, que se inicia em início de Setembro, vigorando um regime acordado extrajudicialmente pelos progenitores para esse período enquanto não acordassem outro ou fosse fixado judicialmente e que era o de residência das filhas com cada um dos progenitores, na casa morada de família, em semanas alternadas e com início à sexta-feira- documentos de fls 17 a 21, 54 a 58, 66 e 77 e o teor das petições iniciais dos progenitores nos respectivos processos de RRP instaurados- a mãe das menores, em pleno decurso do ano escolar, ou seja no dia 12 de Abril de 2016, na semana em que as filhas estavam consigo como acordado extrajudicialmente, sem aviso prévio ao progenitor e sem qualquer razão justificativa- documentos de fls. 59 a 65, 77- levou as filhas consigo para Lisboa, passando ali a residir com elas, numa casa sita na Rua …, nº …, …, propriedade da mesma- documentos de fls 120 a 124- e onde foi citada para esta acção - documentos de fls. 162 a 167-propondo a acção de RRP no Tribunal Judicial competente da Comarca de Lisboa, pelas 00.01.26 do dia 13 de Abril – fls 23 - mas já pensada antes, atenta a procuração forense de fls 22, passada à respectiva mandatária judicial subscritora da pi em 11.4.2016. Também resultou provado que o pai das menores, a solicitação deste para a progenitora por e-mail de 29.4.2016, apenas viu as filhas em Lisboa, no dia 3 de Maio de 2016, pelas 17.30 e até à hora de jantar, conforme foi “determinado” pela progenitora- doc. de fls 78 e 79.
Ora, o despacho recorrido configura uma decisão provisória de regulação do regime das responsabilidades parentais das menores C… e D…, respectivamente, com cinco e três anos de idade, encontrando-se fundamentado de facto e de direito, como dele resulta nos termos que se transcreveram supra.
O Direito não existe para tutelar situações de facto consumado de mudança drástica da residência habitual e rotinas de vida de duas crianças de tenra idade, nascidas e integradas numa família conjugal que entrou em ruptura, em virtude da unilateral vontade da progenitora das menores, à revelia das condutas exigíveis pela boa fé e confiança entre os progenitores, ainda jovens. Ambos os progenitores têm a obrigação de separar e não misturar a resolução da eventual ruptura da sua situação conjugal e questões conexas, nomeadamente relações patrimoniais entre ambos ou entre ambos e terceiros, com a regulação do regime das responsabilidades parentais das suas filhas, salvaguardando essencialmente o melhor interesse destas, na tradução feliz da versão brasileira da Convenção Sobre os Direitos da Criança, assinada em Nova York, em 26.01.1990, aprovada e ratificada em Portugal e a vigorar no direito interno, desde 26.11.1990, por força do disposto no artº 8º, nº 2, da CRP de 1976 e artº 4º, alínea a) da Lei de protecção de crianças e jovens em perigo, aprovada pela Lei nº 147/99, de 1 de Setembro e alterada pela Lei nº 31/2003, de 22.08 e pela Lei nº 142/2015, de 8 de Setembro, que procedeu à sua republicação, por força do artº 4º, nº 1, do RGPTC.
Tal “superior interesse do menor” é um conceito vago e indeterminado, uma orientação para o julgador perante o caso concreto, no sentido de que a primazia deve ser dada à figura da criança como sujeito de direitos, nomeadamente ao direito de manter relações gratificantes e estáveis com ambos os progenitores, obrigando estes a respeitar e fazerem respeitar esse interesse do menor. O fim do casamento ou outra relação afectiva não significa o fim dos laços da filiação e ambos os progenitores devem aceitar esta realidade e cooperar para a melhor regulação do exercício das responsabilidades parentais possível, como obrigação essencial da sua parentalidade.
As crianças nenhum juízo de censura podem ter a título de culpa pela ruptura da relação entre os pais, pelo que não podem ser prejudicadas no direito ao normal desenvolvimento da sua personalidade e competências para o seu futuro, consideradas as circunstâncias da sua envolvência familiar e social.
Devem ser ouvidas antes da tomada de decisões que contendem com essa matéria, mas desde que a sua idade e nível de desenvolvimento intelectual o permita. No caso, tal não se nos afigura razoável atentas as idades das crianças com cinco e três anos. Como não se afigurou ao senhor juiz a quo.
A progenitora das menores, a meio do ano escolar (meados de Abril), sem justificação ou aviso prévio ao pai das suas filhas (seu ainda marido nessa data) ou outro familiar, vivendo as menores na casa morada de família em …, decidiu levar as filhas para a sua casa em Lisboa, violando um acordo extrajudicial sobre o regime da RRP estabelecido entre ambos os pais a título provisório, nos termos supra referidos e também referenciado no despacho recorrido e que nada aponta que não estivesse a funcionar bem.
Daí que o despacho recorrido, na falta de acordo dos progenitores e de acordo com o disposto no artº 38º RGPTC, prosseguindo o processo seus termos com vista à decisão final, tivesse determinado o regime provisório (que está em causa neste recurso) de residência das menores na casa que é a de morada de família, em …, alternadamente com cada um dos pais, nos termos que haviam sido acordados entre ambos e que vinha a ser praticado até à “retirada” das filhas pela mãe para a sua casa sita em Lisboa, ou seja até 13.04.2016, que se traduzia em as menores estarem com cada progenitor por períodos alternados semanais, entre sexta a sexta feira seguinte, iniciando-se tal regime, assim judicialmente fixado, na sexta feira seguinte à data da conferência de pais e do despacho recorrido, ou seja em 27.052016, pouco mais de um mês após a referida “mudança” das menores para Lisboa.
Atento esse curto período de tempo nenhuma alteração significativa poderia ter ocorrido na vida normal das menores e é com referência à data do referido despacho que o mesmo deve ser apreciado no presente recurso e está a sê-lo.
Aliás, por a situação, eventualmente, poder ter tido alguma alteração, é que o ora relator, em 26-10-2016, proferiu o despacho de fls 322, solicitando informação ao tribunal a quo sobre se ainda se mantinha o regime fixado no despacho recorrido ou havia sido alterado por acordo ou decisão judicial, a título provisório ou definitivo. Essa informação foi dada pelo despacho do senhor juiz a quo de 26.10.2016, no sentido de que o status quo se mantinha (fls. 324 a 326).
A conduta da ora apelante, mãe das menores, de “retirada” destas da casa morada de família, em …, para Lisboa, é altamente censurável e não pode, depois, “o facto consumado”, com a subsequente falta de acordo na conferência de pais no respectivo processo de RRP e subsequente decurso temporal deste devido à necessidade de cumprir os termos processuais e diligências de prova diversas, requeridas ou determinadas oficiosamente, ser tutelado pelo Direito.
Conclui-se, assim, pela manutenção da decisão recorrida.
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III-DECISÃO:
Nestes termos, acordam os juízes nesta Relação em julgar improcedente o recurso e confirmar a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Porto, 26-01-2017
Madeira Pinto
Carlos Portela
Filipe Caroço