Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
341/17.8T8PRD-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ABÍLIO COSTA
Descritores: SERVIDÃO ADMINISTRATIVA
LINHAS ELÉCTRICAS
INDEMNIZAÇÃO
RECURSO DA DECISÃO ARBITRAL
DEPÓSITO
Nº do Documento: RP20180221341/17.8T8PRD-A.P1
Data do Acordão: 02/21/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º669, FLS.454-459)
Área Temática: .
Sumário: Na constituição de servidões administrativas de linhas eléctricas não é obrigatório o depósito, em caso de recurso, do montante indemnizatório fixado na decisão arbitral, por inexistir norma no respectivo processo especial que o imponha, tal obrigatoriedade não decorrer da razão de ser da obrigatoriedade do depósito estabelecida no processo de expropriação litigiosa e não se compaginar com o disposto no art.º 51.º, n.ºs 1, 3 e 4 do Código das Expropriações.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação n.º 341/17.8T8PRD-A.P1
Acordam no Tribunal da Relação do Porto
No processo especial previsto no DL nº43335, de 19-11-1960, que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Porto Este, Juízo Local Cível de Paredes, no qual são partes a REN – REDE ELÉCTRICA NACIONAL, S.A. e a MASSA INSOLVENTE DE B…, foi decidido, em 20-3-2017, no despacho de admissão do recurso da decisão arbitral interposto pela REN – Rede Eléctrica Nacional, S.A., o seguinte:
“Determino ainda que a requerente seja notificada para, no prazo de 20 dias, vir aos presentes autos juntar o documento comprovativo do depósito autónomo à ordem dos presentes autos da quantia correspondente à indemnização fixada pelo acórdão arbitral - €61.411,74”.
Inconformada, a recorrente REN – Rede Eléctrica Nacional, S.A., interpôs recurso.
Conclui:
- Ao determinar à ora recorrente a junção aos autos de documento comprovativo do depósito da quantia arbitrada pela comissão arbitral constituída nos termos do Decreto-Lei nº43335, de 19 de novembro de 1960, o despacho recorrido viola por errada interpretação e aplicação os artigos 8º, nº3, e 51º, nºs 1, 3 e 4 do Código das Expropriações e o artigo 42º do Decreto-Lei nº43335 de 19 de novembro de 1960, não havendo lugar a qualquer depósito no processo especial em causa (cfr. Ac. da Relação de Lisboa de 16-11-2016, no Proc nº1586/15.0T8SXL-A.L1-7, in www.dgsi.pt);
- O Decreto-Lei nº43335, de 19 de novembro de 1960 contempla duas vias alternativas para ver definitivamente apurado, judicialmente, o valor da indemnização eventualmente devida pelo estabelecimento de linhas eléctricas – por ação declarativa comum, apurando aí o valor indemnizatório, ou através de arbitragem (que não é necessária como no processo expropriativo) com impugnação judicial da decisão arbitral (v. artigo 38º, §2º do Decreto-Lei nº43335), não prevendo em qualquer uma as suas disposições que a discussão judicial quanto ao acerto do montante apurado pela comissão arbitral deva ser feito em juízo ante o prévio depósito dessa quantia à ordem do tribunal;
- A disciplina normativa prevista no Código das Expropriações em matéria de impugnação da decisão arbitral em processo de expropriação – que se desenvolve em torno de uma arbitragem necessária para fixação do montante indemnizatório – não pode colidir com normas especiais, nem pode prejudicar o que se mostra especialmente regulado no citado Decreto-Lei nº43335 de 19 de novembro de 1960 (v. artigo7º, nº3 do Código Civil);
- O artigo 42º do Decreto-Lei nº43335 não opera qualquer remissão global pra o Código das Expropriações, nem para a sua disciplina processual, nem para qualquer norma que imponha o depósito de qualquer quantia, sendo feita única e exclusivamente para o artigo 8º da Lei nº2063 de 3 de Junho de 1953, norma que se limitava a proclamar o direito de recurso da decisão arbitral para o tribunal de comarca e o efeito desse recurso;
- Decorre do Decreto-Lei nº43335 que a decisão arbitral, quando tenha lugar, é notificada ao proprietário onerado com a servidão pela Direcção-Geral da Energia e Geologia, entidade administrativa sob a égide da qual corre o processo (v. artigo 42º, § único), não cabendo tal ato ao Tribunal como nos processos de expropriação previstos no Código das Expropriações, uma vez que não existe neste caso qualquer despacho de adjudicação de propriedade;
- “No âmbito do processo especial previsto no Decreto-Lei nº43335, de 19 de Novembro de 1960, relativamente à indemnização em consequência de servidão administrativa pelo estabelecimento do serviço público de instalação de rede…em caso de recurso para o tribunal da decisão arbitral aí proferida, não há lugar a depósito pela concessionária do valor indemnizatório fixado na decisão arbitral, não sendo aplicável, portanto, o art. 51º, nº1, do Código das Expropriações” – cfr Ac. da Relação de Lisboa de 16-11-2016, no Proc. nº1586/15.0T8SXL-A.L1-7, in www.dgsi.pt.
Não foram apresentadas contra-alegações.
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Questão a decidir:
- depósito do montante fixado na decisão arbitral.
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A matéria a considerar já resulta do relatório.
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Está em causa saber se, no âmbito do processo especial de constituição de servidão administrativa de redes eléctricas previsto no Decreto-Lei nº43335, de 19 de Novembro de 1960, é obrigatório, aquando da interposição de recurso da decisão arbitral para o tribunal judicial, o depósito do valor indemnizatório fixado naquela – tal como acontece no processo de expropriação litigiosa.
Vejamos.
Dispõe-se no art.8º, nº3, do C. Expropriações: “À constituição das servidões e à determinação da indemnização aplica-se o disposto no presente Código, com as necessárias adaptações, salvo o disposto em legislação especial”.
E dispõe-se, para o que aqui interessa, no referido Decreto-Lei nº43335: “Os proprietários dos terrenos ou edifícios utilizados para o estabelecimento de linhas eléctricas serão indemnizados pelo concessionário ou proprietário dessas linhas sempre que daquela utilização resultem redução de rendimento, diminuição da área das propriedades ou quaisquer prejuízos provenientes da construção de linhas” – 37º; “O valor da indemnização será determinado de comum acordo entre as duas partes e, na falta de acordo, poderá ser fixado por arbitragem, desde que assim o requeira um dos interessados” – 38º; “O requerimento solicitando a arbitragem impede a propositura de acção nos tribunais competentes sobre o objecto dela, mas a arbitragem não terá lugar se, quando for requerida, já houver acção pendente acerca do mesmo objecto” - §2º do art.38º; “Das decisões proferidas pelos árbitros haverá sempre recurso, nos termos do artigo 8º da Lei nº2063, de 3 de Junho de 1953” – 42º.
No referido artigo 8º daquela Lei nº2063 dispunha-se: “Todas as decisões de árbitros ou de outras entidades que fixem indemnizações em casos de expropriação por utilidade pública, incluindo as devidas pela constituição de servidões de interesse público sobre bens do domínio privado, admitem recurso para o juiz de direito da respectiva comarca, sem efeito suspensivo, nos termos do Decreto nº37.758, cabendo da decisão os recursos previstos na lei”.
Assim, não resulta das normas referidas a obrigação de depósito, aquando do recurso da decisão arbitral, do montante indemnizatório na mesma fixado. Sendo que, caso o interessado recorra, antes, à acção declarativa para o efeito de obter a respectiva indemnização, a questão nem se coloca.
Pelo que, recorrendo as partes à arbitragem, e atento o disposto no art.8º, nº3, do C. Expropriações, coloca-se a questão de saber se tem aplicação o disposto no art.51º, nºs 1 e 3, daquele diploma legal, relativamente ao depósito do montante arbitrado.
No ac. desta Relação de 12-4-2012, in www.dgsi.pt., entendeu-se haver lugar àquele depósito, o que decorrerá do disposto no art.51º, nºs 1 e 3, ex vi art.8º, nº3, ambos do C. Expropriações.
Entendimento diferente foi seguido no ac. da Relação de Lisboa de 16-11-2016, em cuja fundamentação se escreveu:
“O despacho de adjudicação e a decisão arbitral não são cindíveis, tratando-os a lei como mesmo acto para efeitos de notificação e funcionando a prolação daquele despacho como um pressuposto para a notificação e subsequente interposição de recurso da decisão arbitral.
Ora, a obrigatoriedade legal da efectivação do dito depósito no âmbito do processo de expropriação por utilidade pública prende-se, precisamente, com a circunstância de o mesmo constituir um verdadeiro pressuposto legal para a adjudicação, pelo juiz, do direito de propriedade sobre a parcela expropriada em favor da beneficiária da expropriação, conforme resulta inequivocamente do disposto no artigo 51º, nº5, do Código das Expropriações.
Ou seja, sem estar devidamente assegurado o montante fixado na decisão arbitral – que reveste natureza jurisdicional – não poderia atribuir-se à beneficiária da expropriação a correspondente titularidade do direito de propriedade, o que demonstra e expressa claramente uma relação intrínseca e indissociável entre estas duas realidades: o depósito do valor indemnizatório fixado na decisão arbitral e a sentença judicial de adjudicação.
Na servidão administrativa de linhas eléctricas, objecto deste procedimento especial, não se verifica qualquer transferência da titularidade sobre o bem onerado, não sendo possível, nessa mesma medida, estabelecer verdadeiro e completo paralelismo com o processado geral relativo à expropriação por utilidade pública.
O depósito em causa não prossegue finalidades de acautelamento ou conservação do direito do proprietário do imóvel onerado, colocando-o desse modo a salvo da demora inerente ao decurso de um processo judicial.

Com efeito, é a própria lei que ressalva a especial tramitação do processo respeitante à constituição desta servidão administrativa, encontrando-se a avocação das normas pertinentes do Código das Expropriações perfeitamente delimitada a duas concretas e confinadas temáticas: a constituição da servidão e a determinação da indemnização, sendo que esta última nada tem a ver com a imposição de qualquer depósito da quantia fixada no acórdão arbitral.
Daqui resulta, a nosso ver, a conclusão de que não existe disposição legal que imponha, no âmbito do presente processo especial, a obrigação de depósito prevista no artigo 51º, nº1, do Código das Expropriações, aprovado pela Lei nº168/99, de 18 de Setembro, o que significa que este segmento do preceito não é aplicável no processo de constituição de servidão administrativa de redes eléctricas.
Ou seja, não há fundamento para aplicar as normas processuais do Código das Expropriações, em bloco, indiscriminadamente, sem qualquer ressalva, a partir da remessa dos autos para o tribunal, descurando a necessidade de (prudente) ponderação das necessárias adaptações devidamente acauteladas no artigo 8º, nº3, do Código das Expropriações”.
Com o que se concorda.
Acresce estarmos perante um processo especial que, para além de não conter qualquer norma que imponha, em caso de recurso, o depósito do montante arbitrado, até parece afastar a aplicação do disposto no art.51º, nºs 1, 3 e 4 do C. Expropriações, atento o disposto no § único do art.42º do Decreto-Lei nº43335, de 19 de Novembro: “O prazo de recurso é de oito dias, a contar da notificação da decisão arbitral feita pela Direcção-Geral dos Serviços Eléctricos” – não competindo, assim, à recorrente, a notificação da decisão arbitral, nem a remessa do processo ao tribunal, pois corre perante uma entidade administrativa.
Em suma, não decorre das normas que regulam o processo especial com vista à constituição de servidões administrativas de linhas eléctricas a obrigação de depósito, em caso de recurso, do montante fixado na decisão arbitral; tal também não decorre da razão de ser da obrigatoriedade daquele depósito estabelecida no processo de expropriação litigiosa; além disso, não se compagina com o disposto no art.51º, nºs 1, 3 e 4, do C. Expropriações.
Pelo que o recurso merece provimento.
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Acorda-se, em face do exposto, e julgando procedente a apelação, em revogar a decisão recorrida.
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Custas a final.
Porto, 21-2-2018
Abílio Costa
Augusto de Carvalho
Carlos Gil