Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
259/14.6TTPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: REGIME GERAL DA SEGURANÇA SOCIAL
SECTOR BANCÁRIO
ACORDO COLETIVO DE TRABALHO
Nº do Documento: RP20161121259/14.6TTPRT.P1
Data do Acordão: 11/21/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 248, FLS.217-227)
Área Temática: .
Sumário: O n.º5, da cláusula 92.ª, do Acordo Colectivo de Trabalho, celebrado entre os sindicatos autores e o Banco F…, F1…, S. A., e F2… S. A, cujo texto consolidado está publicado no B.T.E. (1.ª série) nº 4 de 29.01.05, a qual foi mantida no texto (também) consolidado do mesmo instrumento de regulamentação colectiva de trabalho publicado no B.T.E., 1.ª série, nº3 de 22.01.2009, não tem aplicação aos trabalhadores associados daqueles sindicatos que, por força da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 88/2012, de 11 de Abril, foram integrados no regime da segurança social.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 259/14.6TTPRT.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I.RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca do Porto – - Inst. Central - 1ª Sec.Trabalho -, o SINDICATO B… associação sindical, o SINDICATO C…, associação sindical e o SINDICATO D…, associação sindical, interpuseram a presente acção declarativa, como processo comum, emergente contrato individual de trabalho, contra E…, SA, a qual foi distribuída ao Juiz 3, pedindo que julgada a acção procedente, seja proferida sentença reconhecendo que a Cláusula 92ª, nº5, do Acordo Colectivo de Trabalho (ACT) para o sector bancário, cujo texto consolidado está publicado no Boletim de Trabalho e Emprego (BTE) nº4 de 19/01/2005, é aplicável aos trabalhadores da Ré que são sócios dos AA. e, em consequência, que condene a Ré a corrigir as sua retribuições base mensais, de modo a que estes percebam retribuição mínima mensal liquida igual à dos mesmos trabalhadores do mesmo nível (nível em que estão posicionados na tabela do ACT).
Mais peticionam que a Ré seja condenada a pagar-lhes as diferenças salariais resultantes da correcção salarial atrás referida, desde a data em que os mesmos passaram a contribuir com 11% para a segurança social, pagando-lhes os retroactivos devidos, bem como os juros de mora à taxa de 4%, desde a data em que cada uma das quantias era devida e não foi paga, até efectivo e integral.
Para sustentarem os pedidos alegam, no essencial, que, sendo os trabalhadores da Ré oriundos do Banco F… (F…), são-lhes aplicáveis as mesmas condições salariais que existiam à data da nacionalização do F… e, logo, é-lhes aplicável a cláusula 92ª, nº5, daquele instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
Realizada audiência de partes, não foi possível a conciliação entre autores e ré.
Regularmente notificada para o efeito, a ré contestou invocando as excepções de ilegitimidade e de formulação indevida de pedido genérico. Mais alegou, que face à evolução legislativa havida e ao quadro legal em que ocorreu a nacionalização do F…, deixou de haver qualquer trabalhador da Ré abrangido por sistema previdencial substitutivo do regime geral da segurança social ou por taxas contributivas anteriormente aplicáveis; mais sustenta que o ACT invocado pelos AA. já caducou.
Conclui, pugnando pela improcedência da acção.
Os AA. apresentaram articulado de resposta.
Findos os articulados foi proferido despacho despacho que julgou improcedentes as excepções deduzidas pela Ré com excepção da de formulação indevida de pedido genérico, relativamente à qual, porém, foi dirigido convite aos AA. para aperfeiçoarem o respectivo articulado inicial.
Acolhendo o convite, os AA. vieram apresentar nova petição inicial, na qual aperfeiçoaram o pedido primitivo mediante a liquidação (desde 04.12 até à data de interposição da acção - 02.14) da pretensão de pagamento de retroactivos nos termos constantes do artigo 29.º da petição inicial aperfeiçoada de fls. 769 e seguintes dos autos.
Seguiu-se a apresentação pela Ré de nova contestação (cfr. fls. 791 e seguintes), bem como de novo articulado de resposta dos AA., o qual, no entanto, viria a ser desentranhado por força do determinado no novo despacho de saneamento do processo que veio a ser proferido (cfr. fls.846-847).
Neste novo despacho foi fixado à causa o valor de €30.000,01.
Iniciada a audiência de discussão e julgamento, foi apresentado articulado superveniente por parte da Ré, comunicando factos determinativos da extinção da instância relativamente a trabalhadores associados dos sindicatos AA. que, na pendência da acção, celebraram acordos de cessação de contrato de trabalho com a Ré, factos estes que foram expressamente aceites pelos AA. no início da audiência de julgamento.
Nessa mesma altura, AA. e R. acordaram na fixação como provada da matéria de facto que consta da acta de fls. 1026 a 1029 dos autos.
Agendada nova data, veio então a ser realizada a audiência de discussão e julgamento com cumprimento dos formalismos legais.
I.2 Subsequentemente foi proferida sentença, concluída com o dispositivo seguinte:
- «Nos termos e pelos motivos expostos, decide-se julgar totalmente improcedente a acção e, em consequência, absolver a ré, E…, S.A., dos pedidos deduzidos pelos autores, SINDICATO B…, SINDICATO C… e SINDICATO D….
Sem custas, atenta a isenção prevista no artigo 4º, nº1, al.f) do Regulamento das Custas Processuais.
(..)».
I.3 Inconformados com a sentença os Sindicatos autores apresentaram recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito adequados. As alegações foram sintetizadas nas conclusões seguintes:
1.º - A matéria de fato deve ser alterada de modo a que o facto dado por não provado supra identificado (correspondente ao alegado no artigo 20.º da petição inicial corrigida) passe a ser considerado como provado.
2.º - A alteração da matéria de facto, acima referida, baseia-se nos seguintes meios de prova: Acordo Coletivo de Trabalho (para o Sector Bancário); Decreto-Lei n.º 1- A/2011, de 3 de Janeiro (procede à integração parcial dos trabalhadores bancários, no ativo, no regime geral da segurança social); Decreto-Lei 88/2012 de 11 de Abril;
Depoimento da testemunha G…, CD – sessão de 19/1/2016, início de gravação às 15.17.16 e fim de gravação às 16.09.03;
Depoimento da testemunha H…, CD - sessão de 19/1/2016, inicio de gravação às 16.09.10 e fim de gravação às 16.27.43;
3.º - A cláusula 92.ª, n.º 5 do ACT trata-se de cláusula retributiva – inscrita no capítulo sob a epígrafe “retribuição” (Capítulo VI) – e visa garantir que, em termos líquidos, todos os trabalhadores do mesmo nível salarial de qualquer entidade patronal subscritora - como é o caso da recorrida - recebam a mesma retribuição mínima mensal líquida, independentemente do regime de segurança social aplicável ou da correspondente taxa contributiva: 3% ou 11%.
4º - A referida cláusula visa, assim, garantir uma igualdade remuneratória dentro do sector bancário, impedindo que trabalhadores do mesmo nível remuneratório percebam mensalmente um valor líquido mensal inferior aos demais em virtude do regime de segurança social que lhes seja aplicável.
5º - Todos os trabalhadores da recorrida passaram a descontar 11% para a segurança social, a partir de 12.04.12, com a entrada em vigor do D.L. nº 88/2012, enquanto que os demais trabalhadores bancários (com os mesmos níveis remuneratórios que constam do ACT) e que são abrangidos pelo regime de segurança social do ACT continuam a descontar 3%, de acordo com o que vem disposto no Decreto-Lei n.º 1- A/2011, de 3 de Janeiro.
6º - Assim, verifica-se que a sentença recorrida mal decidiu a matéria de facto e mal interpretou e aplicou o regime legal acima referido.
Concluem pedindo a procedência do recurso, em consequência revogando-se a sentença, alterando-se a matéria de facto e condenando-se a Ré no pedido.
I.4 A Recorrida Ré apresentou contra alegações, mas sem que se mostrem finalizadas com conclusões.
Em suma, pede a improcedência da impugnação sobre a decisão da matéria de facto e que seja julgado totalmente improcedente o recurso, confirmando-se a sentença recorrida
I.5 A Digna Procuradora-Geral Adjunta junto desta Relação emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso.
I.6 Cumprido o disposto na primeira parte do n.º2, do artigo 657.º do Código de Processo Civil, com a remessa do projecto de acórdão e histórico digital do processo aos excelentíssimos adjuntos, determinou-se que o processo fosse inscrito para ser submetido a julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do NCPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões suscitadas pelos recorrentes para apreciação consistem em saber se o Tribunal a quo errou o julgamento quanto ao seguinte:
i) Na decisão sobre a matéria de facto, ao não ter considerado provado o facto alegado sob o artigo 20 da petição inicial corrigida, onde se lê: “Os trabalhadores do mesmo nível abrangidos pelo regime de segurança social do ACT continuam a descontar apenas 3% para a segurança social, pelo que, em termos líquidos, recebem mais do que os trabalhadores em causa na presente acção”.
ii) Na aplicação do direito aos factos, relativamente à interpretação e aplicação da Cláusula 92.º 5, do ACT para Sector Bancário, publicado no B.T.E. nº 4 de 29.01.05, bem assim do D.L. nº 88/2012 e do Decreto-Lei n.º 1- A/2011, de 3 de Janeiro.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo proferiu a decisão sobre a matéria de facto que se passa a transcrever:
- Face à prova documental existente nos autos e à posição assumida por ambas as partes quanto à matéria de facto provada, estavam já assentes os seguintes factos:
1) Os AA. são associações sindicais (actualmente ao abrigo do regime jurídico previsto nos art.º 440.º e ss. do CT/2009), cujos estatutos nas suas ultimas versões se encontram publicados respectivamente no BTE n.º 19/2008, n.º 43/2008(os do D…), no B.T.E. e n.º 45/2000 (os do B…), no BTE n. 5/2011 (os do C…).
2) Cobrem todo o território nacional e abrangem, para efeitos da presente acção, os trabalhadores seus associados cujos nomes estão indicados no artigo 29º da petição inicial corrigida que exercem ou exerceram, por contrato individual de trabalho, a sua actividade para a Ré, com excepção daqueles que rescindiram o contrato de trabalho por mútuo acordo e se encontram identificados no artigo 1º do articulado superveniente de fls. 873 e seguintes.
3) O R. tem a sua sede social em Lisboa e também tem morada na Av. …, …, no Porto, cidade e comarca na qual o sindicato 1.º A. tem a sua sede.
4) Os trabalhadores da R. são oriundos do Banco F… (F…).
5) A Lei nº 62-A/08, de 11.11, veio nacionalizar todas as acções representativas do capital social do Banco F…, S. A., e aprovar o regime jurídico de apropriação pública por via de nacionalização.
6) À data da nacionalização, era aplicável aos trabalhadores do F… filiados nos sindicatos AA. o Acordo Colectivo de Trabalho para o Sector Bancário, cujo texto consolidado está publicado no B.T.E. nº 4 de 29.01.05.
7) A Clausula 92ª nº 5 do ACT acima referido é do seguinte teor: “a retribuição base mensal dos trabalhadores inscritos em instituições ou serviços da segurança social será corrigida, de modo a que estes percebam retribuição mínima mensal líquida igual à dos demais trabalhadores do mesmo nível”.
8) A redacção da actual cláusula 92.ª, n.º 5 do ACT cujo texto consolidado está publicado no B.T.E. nº3 de 22.01.2009, surgiu pela primeira vez no ACT para o sector bancário publicado no BTE n.º 28, de 29 de Julho de 1983, onde figurava como a cláusula 105ª- A.
9) Em Janeiro de 2010, foi publicado o Decreto-lei n.º 2/2010 que aprovou a operação de reprivatização do F….
10) Entretanto, foi publicado o Decreto-lei n.º 96/2011, de 19 de Agosto que alterou o Decreto-lei n.º 2/2010, com vista a contemplar a possibilidade de recurso à venda directa para privatização do F….
11) O XVIII Governo Constitucional decidiu lançar um procedimento de venda directa da totalidade das acções representativas do capital do F…, nos termos do Decreto-lei n.º 96/2011 e Resolução do Conselho de Ministros n.º 36/2011, de 19 de Agosto.
12) Tal venda foi adjudicada ao Banco I…, S.A., pessoa colectiva número ……… (adiante, “Banco I…”) pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 38/2011, de 1 de Setembro.
13) Em 19 de Janeiro de 2012, o F… e a E… prestaram à comissão de trabalhadores e aos próprios trabalhadores a informação escrita que consta dos docs. de fls. 92 a 105 dos presentes autos.
14) Em 10 de Fevereiro de 2012, ocorreu o trespasse de estabelecimento(s) entre o F… e a Ré do qual resultou que a ora R. se tornou empregadora de trabalhadores oriundos do F…, incluindo aqueles que se encontram identificados no artigo 29º da petição inicial, tudo conforme consta do documento cuja cópia consta de fls. 80 a 91 dos presentes autos.
15) A venda de todas as acções do F… na posse do Estado foi concretizada em data posterior a 10 de Fevereiro de 2012, ficando o Banco I… detentor da totalidade do capital social do F….
16) Em 30 de Março de 2012, o F… outorgou com a J… Acordo de Empresa (publicado no BTE, 1ª série, n.º 16, de 29 de Abril de 2012).
17) A J… subscreveu o acordo referido no ponto anterior em representação dos sindicatos AA..
18) Em 11 de Abril de 2012 foi publicado o Decreto-lei n.º 88/2012.
19) Por força da entrada em vigor do Decreto-lei n.º 88/2012, de 11 de Abril, a partir de 12 de Abril de 2012, todos os trabalhadores contratados até 02.03.09 mencionados em tal diploma (entre os quais os trabalhadores do ora R. e os das entidades do grupo económico F…) passaram a estar abrangidos pelo regime geral de segurança social quanto às eventualidades de invalidez, morte e doença e a efectuar contribuições para aquele regime de 11% sobre as suas remunerações.
20) Antes da entrada em vigor do Decreto-lei n.º 88/2012 de 11 de Abril, os trabalhadores que foram abrangidos por este diploma contribuíam, no âmbito do regime substitutivo de segurança social constante do ACT para o sector bancário, com 3% (nos termos do artº 4º do D.L. nº1-A/2011, de 03.01), ao que acrescia, no caso dos trabalhadores contratados a partir de 01.01.95, uma contribuição de 5% para o fundo de pensões (cfr. cláusula 137ª-A do ACT).
- Relativamente à demais matéria de facto não conclusiva ou meramente normativa que, tendo interesse para a decisão da causa, se mantinha controvertida, realizada que foi a discussão da causa, ora se efectua o seguinte julgamento:
Artigos 17º e 29º da petição inicial corrigida: provado apenas aquilo que se encontra referido nos factos assentes 19) e 20) acima referidos.
Artigo 20º da petição inicial corrigida: provado apenas que os descontos contributivos dos demais trabalhadores dos sindicatos AA. que, após 12 de Abril de 2012, se mantiveram abrangidos pelo regime substitutivo de segurança social constante do ACT para o sector bancário continuaram a ser efectuados nos termos que se encontram expressos no facto assente 20) acima referido.
Artigo 29º da contestação de fls. 791 e seguintes: não provado (que entre as condições estabelecidas para a venda do banco F… encontrava-se o acordo em proceder à integração de todos os trabalhadores oriundos do F… no regime geral da segurança social).
Artigos 31º e 49º da contestação de fls. 791 e seguintes: provado apenas que todos os trabalhadores do sector bancário que foram admitidos a partir de 3 de Março de 2009 passaram a estar enquadrados ab initio no regime geral de segurança social, sem que lhes fosse aplicável o disposto no nº5 da cláusula 92.ª referida em 7) e 8).
Artigo 55º da contestação de fls. 791 e seguintes: provado apenas que todos os trabalhadores ao serviço da Ré estão abrangidos pelo regime geral da segurança social.
II.2 Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
Os Recorrentes insurgem-se contra a decisão sobre a matéria de facto do Tribunal a quo, defendendo que há erro de julgamento por não ter sido considerado provado o facto alegado sob o artigo 20 da petição inicial corrigida, onde se lê: “Os trabalhadores do mesmo nível abrangidos pelo regime de segurança social do ACT continuam a descontar apenas 3% para a segurança social, pelo que, em termos líquidos, recebem mais do que os trabalhadores em causa na presente acção”.
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do NCPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nas palavas de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222].
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, isto é, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso e sintetizando-os nas conclusões, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações. Como elucida o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23-02-2010, “não se exige ao recorrente, no recurso de apelação, quando impugna o julgamento da matéria de facto, que reproduza nas conclusões tudo o que alegou no corpo alegatório e preenche os requisitos enunciados no art. 690º-A, nº1, als. a) e b) e nº2, do Código de Processo Civil, o que tornaria as conclusões, as mais das vezes, não numa síntese, mas numa complexa e prolixa enunciação repetida do que afirmara. Esta consideração não dispensa, todavia, o recorrente de nas conclusões fazer alusão àquela pretensão sobre o objecto do recurso, mais não seja pela resumida indicação dos pontos concretos que pretende ver reapreciados (..)” [Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj].
O mesmo entendimento é seguido nos recentes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 04/03/2015, [Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015 [proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES] e de 12-05-2016 [Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES], todos eles disponíveis em www.dgsi.pt].
Atentos estes princípios, como primeiro passo, impõe-se verificar se algo obsta à apreciação da impugnação.
Das conclusões resulta claro qual o facto impugnado e qual a resposta alternativa que se pretende ver provado, bem assim quais os fundamentos em que se sustenta.
Quanto a estes, defendem os recorrentes que o facto resulta provado face à conjugação dos meios de prova seguintes:1. Acordo Coletivo de Trabalho (para o Sector Bancário); 2. Decreto-Lei n.º 1-A/2011, de 3 de Janeiro (procede à integração parcial dos trabalhadores bancários, no ativo, no regime geral da segurança social); 3. Decreto-Lei 88/2012 de 11 de Abril; 4. Depoimento da testemunha G…, CD - sessão de 19/1/2016, início de gravação às 15.17.16 e fim de gravação às 16.09.03; 5. Depoimento da testemunha H…, CD - sessão de 19/1/2016, inicio de gravação às 16.09.10 e fim de gravação às 16.27.43.
Acresce que quanto aos testemunhos refere quais as passagens que entende relevantes e indica com precisão onde se situam nas respectivas gravações.
Conclui-se, pois, que os recorrente observam com a suficiência exigível, quer nas conclusões quer nas alegações, os apontados ónus de impugnação.
II.2.1 Cumpre começar por assinalar que a alegação dos recorrentes não é rigorosa quando sugere que o tribunal a quo não considerou provado o alegado no art.º 20.º da PI corrigida.
Na verdade, como se constata da decisão sobre a matéria de facto acima transcrita, sobre esse artigo da PI, o tribunal a quo decidiu o seguinte:
-“Artigo 20º da petição inicial corrigida: provado apenas que os descontos contributivos dos demais trabalhadores dos sindicatos AA. que, após 12 de Abril de 2012, se mantiveram abrangidos pelo regime substitutivo de segurança social constante do ACT para o sector bancário continuaram a ser efectuados nos termos que se encontram expressos no facto assente 20) acima referido”.
Releva ainda deixar nota da fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, na parte respeitante ao alegado no art.º da PI corrigida:
-«(..)
No que diz respeito à matéria de facto constante da petição inicial (corrigida), nomeadamente nos seus artigos 17º, 20º e 29º, em paralelo com a prova documental emergente, nomeadamente, dos documentos de fls. 145 a 567, contou-se apenas com o testemunho de H…, o qual confirmou que, sendo um dos trabalhadores bancários que transitou do F… para a E…, foi confrontado, a partir de Abril de 2012, com um aumento dos descontos contributivos para a segurança social de 3% para 11% das suas remunerações (tal como expresso nos docs. de fls. 444 a 446 a si referentes). De qualquer forma, para além de não ter sido feita qualquer discriminação sobre os níveis remuneratórios concretos dos diversos trabalhadores representados na presente acção pelos sindicatos AA., não se afigurou ser rigoroso expressar que a diferença da remuneração líquida auferida pelos trabalhadores da Ré oriundos do F… traduza, quanto a todos, a diferença entre as percentagens contributivas de 3% e de 11%, pois, relativamente às remunerações dos trabalhadores admitidos a partir do ano de 1995, sempre haveria que considerar também a incidência de uma contribuição acrescida de 5% para o Fundo de Pensões (como se alcança, por exemplo, a partir da análise dos recibos de vencimento de fls. 476 e 477 da trabalhadora K…).
Nessa conformidade, houve que limitar as respostas dadas à matéria factual alegada na petição inicial (corrigida), o que ainda mais premente se mostrou em relação aos dados constantes do respectivo artigo 29º, pois as operações matemáticas efectuadas não podem ser tidas como rigorosas sem que se mostrem especificadas as diferentes remunerações base dos trabalhadores, bem como a incidência dos vários patamares de retenções tributárias, e ainda sem que nelas seja reflectido o acréscimo contributivo de 5% para o Fundo de Pensões que se verificava anteriormente quanto a alguns dos trabalhadores do F… que foram integrados no sistema público de segurança social.
Para finalizar, refira-se que, ao nível da fixação da factualidade provada e não provada, houve o cuidado de delimitar as repostas dadas à matéria de facto pertinente para a decisão da causa que, após o acordo havido entre as partes, ainda se mantinha controvertida, afastando-se tudo quanto foi alegado (nas peças processuais de ambas as partes) de forma genérica e com carácter meramente argumentativo ou conclusivo».
II.2.2 Vejamos se assiste razão aos recorrentes.
Em causa está o art.º 20.º da PI corrigida. Se confrontarmos o que foi dado por assente pelo Tribunal a quo, numa resposta ao mesmo tempo explicativa e restritiva, com a versão alegada que os recorrentes pretendem ver assentes, imediatamente se constata que, no essencial, a diferença assenta na parte final, onde se lê: “recebem mais do que os trabalhadores em causa na presente acção”.
O que os recorrentes alegaram e pretendem ver provada é, pois, uma conclusão retirada da comparação entre duas situações contributivas – trabalhadores abrangidos pelo regime de segurança social do ACT e trabalhadores em causa na presente acção - que assenta numa premissa: serem trabalhadores “do mesmo nível“.
Pois bem, importa ter presente o entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, no sentido de que as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova [cfr. Acórdão de 23.9.2009, Proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1, Bravo Serra; e, mais recentemente, reiterando igual entendimento jurisprudencial: de 19.4.2012, Proc.º 30/08.4TTLSB.L1.S1, Pinto Hespanhol; de 23/05/2012, proc.º 240/10.4TTLMG.P1.S1, Sampaio Gomes; de 29/04/2015, Proc.º 306/12.6TTCVL.C1.S1, Fernandes da Silva; de 14/01/2015, Proc.º 488/11.4TTVFR.P1.S1, Fernandes da Silva; 14/01/2015, Proc.º 497/12.6TTVRL.P1.S1, Pinto Hespanhol; todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj].
Segundo elucida Anselmo de Castro “são factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos”, depois acrescentando que “só, (…), acontecimentos ou factos concretos no sentido indicado podem constituir objecto da especificação e questionário (isto é, matéria de facto assente e factos controvertidos), o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstractos com que os descreve a norma legal, porque tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste” [Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Coimbra, vol. III, 1982, p. 268/269].
No mesmo sentido, o Senhor Desembargador Henrique Araújo [no estudo “A MATÉRIA DE FACTO NO PROCESSO CIVIL”, publicado no sítio desta Relação do Porto, acessível em www.trp.pt] observa que “(..) questão de facto é (..) tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais”.
Entendimento igualmente afirmado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2014, ao dizer-se que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes” [Proc.º n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível em www.dgsi.pt].
Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, António Leones Dantas, www.dgsi.pt.].
Significando isto, que quando tal não tenha sido observado pelo tribunal a quo e este se tenha pronunciado sobre afirmações conclusivas, deve tal pronúncia ter-se por não escrita. Mas também, que se o Tribunal a quo assim não procedeu, sendo esse o fundamento da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, que pelas mesmas precisas razões que o impediam de considerar provada uma alegação conclusiva, também o Tribunal ad quem não deve incorrer nesse erro técnico.
É justamente o que aqui acontece. A alegação do art.º 20.º da PI corrigida é manifestamente conclusiva e respeita à questão fulcral em discussão na acção. A conclusão que os recorrentes pretendem ver provada é a decisiva para sustentar o pedido de condenação da Ré a corrigir as retribuições base mensais dos trabalhadores desta que são sócios daqueles, de modo a que estes percebam retribuição mínima mensal liquida igual à dos trabalhadores do mesmo nível que também sejam associados dos recorrentes, mas que por estarem abrangidos pelo regime de segurança social do ACT, alegadamente continuam apenas a descontar 3%.
De resto, a conclusão 5º evidencia quais são as premissas em que se sustentam os pedidos, evidenciando a natureza conclusiva do facto 20.º da PI corrigida, nos termos que acabámos de afirmar. Senão veja-se: “Todos os trabalhadores da recorrida passaram a descontar 11% para a segurança social, a partir de 12.04.12, com a entrada em vigor do D.L. nº 88/2012, enquanto que os demais trabalhadores bancários (com os mesmos níveis remuneratórios que constam do ACT) e que são abrangidos pelo regime de segurança social do ACT continuam a descontar 3%, de acordo com o que vem disposto no Decreto-Lei n.º 1- A/2011, de 3 de Janeiro”.
Portanto, pelas razões que apontámos, nem o Tribunal a quo podia dar como provado o alegado no ar.º 20.º da PI corrigida, nem tão pouco o pode este Tribunal de recurso.
A primeira instância apenas podia procurar dar uma resposta explicativa e restritiva, como o fez, expurgando da alegação a parte conclusiva.
Por conseguinte, improcede a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, não merecendo censura a decisão do Tribunal a quo.
II.3 MOTIVAÇÃO de DIREITO
II.3.1 Insurgem-se os Sindicatos recorrentes contra a sentença por entenderem que o Tribunal a quo errou o julgamento na aplicação do direito aos factos, na interpretação e aplicação da Cláusula 92.º 5, do ACT para Sector Bancário, publicado no B.T.E. nº 4 de 29.01.05, bem assim o D.L. nº 88/2012, o Decreto-Lei n.º 1- A/2011, de 3 de Janeiro.
Na fundamentação da sentença recorrida, no que tange à aplicação do direito aos factos, consta o seguinte:
- «Está assente nos autos que os antigos trabalhadores do Banco F… (F…) que se tornaram funcionários da E…, S.A., por força do trespasse de estabelecimentos entre o F… e a Ré ocorrido em 10/02/2012, passaram, após a entrada em vigor do DL nº88/2012, de 11-04, a estar integrados no regime geral da segurança social e, por via disso, a efectuar contribuições para este regime no valor de 11% sobre as suas remunerações. Mostra-se pacífico também que a sujeição de tais trabalhadores a este novo regime contributivo traduziu-se, na prática, numa diminuição de sua retribuição mensal, pois, no âmbito do regime substitutivo de protecção social em que eles se integravam anteriormente, apenas contribuíam, nuns casos, com 3% das suas remunerações e, nos casos dos trabalhadores contratados a partir do ano de 1999, com esses 3% e ainda com mais 5% destinado ao fundo de pensões.
Uma vez que os trabalhadores da Ré representados nos presentes autos pelos sindicatos AA. são associados destas associações sindicais, de acordo com o princípio da filiação consagrado no artigo 496º, nº1 do Código do Trabalho (que estatui: a convenção colectiva de trabalho obriga os empregadores que a subscrevam e os inscritos nas associações de empregadores signatárias, bem como os trabalhadores ao seu serviço que sejam membros das associações sindicais outorgantes), são-lhes aplicáveis os textos dos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho que foram subscritos pelos respectivos sindicatos, entre as quais se encontra o Acordo Colectivo de Trabalho (ACT) para o sector bancário que foi outorgado também pelo F… e cujo texto consolidado foi publicado pela última vez antes da sua transição para a Ré E… no Boletim de Trabalho e Emprego (BTE) nº3 de 22/01/2009.
Estando plasmada neste ACT a cláusula 92ª, nº5, (cujo teor é o seguinte: “a retribuição base mensal dos trabalhadores inscritos em instituições ou serviços da segurança social será corrigida, de modo a que estes percebam retribuição mínima mensal liquida igual à dos demais trabalhadores do mesmo nível”), coloca-se agora a questão de saber se a mesma deve ser aplicada para corrigir a remuneração mínima mensal dos trabalhadores da Ré oriundos do Banco F… (F…) que, após a entrada em vigor do DL nº88/2012, de 11- 04, passaram a estar integrados no regime geral da segurança social e a efectuar descontos contributivos de 11% sobre o seu vencimento base.
Desde já se diga que, apesar da delicadeza da questão, propendemos para considerar que a correcção retributiva propugnada pelos AA. não deve ocorrer, o que acontece, fundamentalmente, porque o regime constante do nº5 da cláusula 92ª é um regime especial que, tendo sido introduzido num contexto específico e com um fim específico, apenas pode ser estendido a outras situações se se verificarem casos análogos que reclamem a sua aplicação.
Com efeito, como ficou claro nos presentes autos, o regime em causa foi introduzido em 1983 para contemplar situações especiais de trabalhadores integrados no sistema público de segurança social que laboravam no sector bancário, visando evitar disparidades entre o montante líquido da remuneração desses trabalhadores e o montante líquido da remuneração dos trabalhadores do mesmo nível retributivo que estavam integrados no regime substitutivo de protecção social consagrado no único instrumento de regulação colectiva do sector bancário que havia na altura. Ora, a realidade subjacente à consagração desse regime é bem diferente daquela que ora nos é apresentada pelos sindicatos AA., pois, devido à evolução verificada no sistema público de segurança social e à sua progressiva universalização, não existe já um regime de igualdade retributiva líquida entre os diversos trabalhadores do mesmo nível do sector bancário, face à coexistência de trabalhadores integrados no regime especial de protecção social consagrado em instrumentos de regulação colectiva do sector bancário com trabalhadores abrangidos pelo regime geral da segurança social que efectuam contribuições de 11% sobre a sua remuneração sem beneficiarem de qualquer correcção, como acontece com todos os trabalhadores do sector bancário que foram admitidos a partir de 3 de Março de 2009.
Por isso, ainda que, a partir de 12 de Abril de 2012, os trabalhadores da Ré oriundos do L… tivessem começado a efectuar descontos contributivos de percentagens da sua retribuição superiores às percentagens dos descontos salariais dos demais trabalhadores do mesmo sector que se mantiveram abrangidos pelo regime substitutivo de segurança social especial do sector bancário, o mesmo já não aconteceu quanto a todos os outros trabalhadores do mesmo sector que já estavam integrados no regime geral de segurança social. Nessa medida, ante a impossibilidade de igualação geral, e por estarmos no âmbito de uma regra especial, não se afigura correcto adoptar uma interpretação extensiva da mencionada cláusula 92ª, nº5, que, contrariando a tendência de universalização do sistema público de segurança social, privilegia a igualação dos trabalhadores da Ré oriundos do F… com os trabalhadores abrangidos pelo sistema especial de protecção social consagrado em instrumentos de regulação colectiva do sector bancário, em detrimento da sua igualação com os trabalhadores do mesmo sector que já se encontram integrados no regime geral de segurança social.
Todavia, mesmo que se sustentasse uma interpretação da cláusula diferente daquela que acabamos de afirmar, sempre seria necessário para acolher as pretensões que foram deduzidas nos presentes autos pelos AA. que tivesse sido feita prova de que há diferenças concretas entre a remuneração líquida mensal dos trabalhadores representados pelos sindicatos AA. e a remuneração de outros trabalhadores do mesmo nível salarial. Ora, essa prova não foi efectuada, pois (para além de se ter provado que todos os trabalhadores da E… efectuam descontos contributivos de 11% para o regime geral da segurança social) não foi demonstrada a existência de disparidades concretas entre a remuneração mensal líquida de cada um dos trabalhadores melhor identificados no artigo 29º da petição inicial corrigida e a remuneração líquida concretamente auferida por outros trabalhadores de igual nível salarial. Como tal, também por esta via, a presente acção teria que ser julgada improcedente».
O essencial dos fundamentos contrapostos pelas recorrentes mostram-se sintetizados nas conclusões seguintes:
[3.º] A cláusula 92.ª, n.º 5 do ACT trata-se de cláusula retributiva – inscrita no capítulo sob a epígrafe “retribuição” (Capítulo VI) – e visa garantir que, em termos líquidos, todos os trabalhadores do mesmo nível salarial de qualquer entidade patronal subscritora - como é o caso da recorrida - recebam a mesma retribuição mínima mensal líquida, independentemente do regime de segurança social aplicável ou da correspondente taxa contributiva: 3% ou 11%.
[5º] Todos os trabalhadores da recorrida passaram a descontar 11% para a segurança social, a partir de 12.04.12, com a entrada em vigor do D.L. nº 88/2012, enquanto que os demais trabalhadores bancários (com os mesmos níveis remuneratórios que constam do ACT) e que são abrangidos pelo regime de segurança social do ACT continuam a descontar 3%, de acordo com o que vem disposto no Decreto-Lei n.º 1- A/2011, de 3 de Janeiro.
I.3.2 Antes de nos debruçarmos sobre a questão em concreto, em jeito de breve enquadramento, cabe assinalar que o Sector Bancário sempre esteve alheio e de fora do sistema público da Previdência, já aflorado no Estatuto do Trabalho Nacional, aprovado pelo Decreto 23048, de 29 de Março de 1933, passando pelas Leis nºs 1884, de 16 de Março de 1935 e 2.115, de 18 de Junho de 1962, “em que tendo presente a ideia da defesa do trabalhador na doença, ou invalidez, bem como a concessão de pensões de reforma, se previam contribuições daquele e do empregador, para o financiamento do esquema instituído, impondo-se até, a inscrição obrigatória de trabalhadores e entidades patronais, afloramento da tendência universalista (ainda que não nos termos absolutos supra referidos) do sistema de previdência social estabelecido” [Ac. STJ de 02/02/2000, proc.º 98S351, DINIZ NUNES].
No pós-25 de Abril, a Constituição da República Portuguesa (1976) consagrou o direito à segurança social, no artigo 63, coma epígrafe “Segurança Social”, estabelecendo o seguinte:
1. Todos têm direito à segurança social.
2. Incumbe ao Estado organizar, coordenar e subsidiar um sistema de segurança social unificado e descentralizado, de acordo e com a participação das associações sindicais e outras organizações das classes trabalhadoras.
3. A organização do sistema de segurança social não prejudicará a existência de instituições privadas de solidariedade social não lucrativas, que serão permitidas, regulamentadas por lei e sujeitas à fiscalização do Estado.
4. O sistema de segurança social protegerá os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade, bem como no desemprego e em todas as outras situações de falta ou diminuição de meios de subsistência ou de capacidade para o trabalho.
Contudo, a definição das bases em que assenta o regime de segurança social, só veio a ser definida pela Lei 24/84, de 14 de Agosto, afirmando o sistema constituído como universal, obrigatório e contributivo para os trabalhadores por conta de outrem ou independentes, como também, tendencialmente unitário, prevendo-se a subsistência “dos regimes especiais geridos pelas instituições de segurança social que garantem direitos a grupos fechados de beneficiários, incluindo as disposições sobre o seu financiamento” (art.º 74.º).
Mas como se começou por dizer, o Sector Bancário sempre esteve fora do Sistema Público de Previdência.
Assim, no CCT de 1944 (Boletim INTP, ano XI, nº3, de 15/2/944) estabelecia a Cláusula 59ª que «Os outorgantes obrigam-se a, quando as circunstâncias o permitirem, concluir o regulamento para a constituição da Caixa Sindical de Previdência para os Empregados Bancários»; e, na Cláusula estipulava-se: «Enquanto não funcionar a Caixa prevista na cláusula anterior, os estabelecimentos bancários garantem aos seus empregados, em caso de doença ou invalidez, o seguinte».
Acontece, porém, que aquela Caixa de Previdência nunca chegou a ser constituída e os estabelecimentos bancários passaram a pagar aos seus empregados, sem qualquer desconto, as prestações referidas no CCT, mas apenas nos casos de doença ou invalidez [Ac. STJ de 13/12/2000, Proc.º00S2861, ALMEIDA DEVEZA].
Sobre essa realidade elucida o Acórdão do Tribunal Constitucional de 4 de Maio de 2005 [Proc.º n.º 962/03, Conselheiro Benjamim Rodrigues, disponível em www.pgdlisboa.pt] o seguinte:
-(..)
Quer isto dizer que essas instituições supriam, nesse sector de actividade e nos moldes acordados colectivamente, o regime de segurança social instituído, no que importa aqui considerar, já anteriormente à Constituição de 1976 com carácter obrigatório em relação aos trabalhadores por conta de outrem que exercessem profissões interessadas em convenções colectivas ou definidas nos diplomas que criassem as caixas de previdência (cf. bases VIII e XIII da Lei n.º 2115, de 18/06/1962, e 17º e ss. do referido Regulamento Geral das Caixas de Previdência).
De acentuar que a base XIII da Lei n.º 2115 previa a “manutenção de caixas privativas de uma empresa ou grupo de empresas, ou de certo ramo de actividade económica, quando, mediante parecer do Conselho Superior da Previdência e da Habitação Económica, se reconheça haver vantagens sociais em tal enquadramento”.
De acordo com esse regime, vindo já de 1944, as instituições bancárias organizavam a prestação da segurança social nos termos já referidos, suportando os respectivos custos quando os mesmos sobreviessem, sem necessidade de terem de efectuar descontos nos salários dos trabalhadores e sem terem de libertar os fundos correspondentes às suas próprias contribuições, para a constituição do fundo de segurança social. Os Bancos e instituições financeiras geriam o dinheiro que de outro modo teriam de libertar para as caixas de previdência, tirando daí as respectivas vantagens, entre as quais se incluía a contabilização como custos das próprias provisões que constituíam para assegurar o cumprimento de tais acontecimentos incertos ou relativamente incertos quanto ao momento de ocorrência. Por seu lado, os trabalhadores bancários não viam diminuído o seu salário com os descontos e, constituindo uma classe profissional restrita, poderiam gozar de condições especiais de assistência na doença e de reforma. (..)».
Importando assinalar, como observa António Menezes Cordeiro [Convenções colectivas de trabalho e direito transitório: com exemplo no regime da reforma no sector bancário, Escrito destinado aos Estudos em Honra do Prof. Doutor José de Oliveira Ascensão, disponível em /www.oa.pt/Conteudos/Artigos/] que entretanto, porque se [P]erfilava (..), desde 1938, a perda das relativas vantagens que o sector arrecadava, mercê da não sujeição às regras da segurança social: descontos, novas pressões sobre os salários e perda da gestão dos fundos correspondentes”, no contrato colectivo de trabalho vertical para o sector bancário, assinado em 8 de Julho de 1982 [BTE, 1 Série (1982), n.° 26, de 15-Jul.-1982], as partes fizeram inserir uma cláusula estabelecendo a criação de uma comissão para a integração dos trabalhadores bancários na segurança social, onde se lia, no que aqui releva, o seguinte:
[Cláusula 141.ª Regime transitório de segurança social]
1. É criada uma comissão formada por 2 representantes das instituições de crédito nacionalizadas, por 1 representante das demais instituições de crédito e por 3 representantes dos sindicatos signatários, com o objectivo de elaborar os estudos e projectos necessários à integração dos trabalhadores bancários no sistema de segurança social, constitucionalmente previsto.
2. A comissão deverá apresentar no prazo de 1 ano projecto de diploma necessário a ser concretizada a integração prevista no número anterior, com respeito pelos direitos adquiridos.
(..)».
Não obstante, até à entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 54/2009, de 2 de Março, que determinou a inscrição dos novos trabalhadores bancários no regime geral da segurança social, o sector bancário manteve-se à margem do sistema público de previdência. Como se explica no preâmbulo desse diploma:
-«(..) a protecção social dos trabalhadores do sector bancário teve a sua origem num acordo colectivo de trabalho para o sector celebrado em 1944. Este direito de segurança social privado convergiu, mais tarde, para um regime misto de protecção social. No entanto, existem há largos anos instituições bancárias às quais este regime misto se não aplica, e existem outras que, mais recentemente, têm vindo a optar por inscrever os novos trabalhadores no regime público de segurança social.
Assim, na senda da harmonização do sistema de protecção social já introduzido para a função pública, foi dado um novo e recente impulso que tornou possível a obtenção de um consenso, no sentido da inscrição obrigatória de todos os novos trabalhadores no sistema de segurança social e da manutenção do regime de segurança social vigente para os actuais trabalhadores bancários.
De facto, o simples alargamento a todos os trabalhadores bancários do regime geral de segurança social seria susceptível de afectar, negativamente, o valor das respectivas remunerações líquidas e, eventualmente, no futuro, o valor das respectivas pensões de reforma».
Nos termos do n.º 1 do art.º 1.º daquele diploma, os trabalhadores contratados pelas instituições bancárias após a sua entrada em vigor passaram a ser obrigatoriamente abrangidos pelo sistema de segurança social no âmbito do respectivo regime geral. Paralelamente, conforme disposto no art.º2.º, manteve-se a aplicação do regime substitutivo constante de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho aos trabalhadores do sector bancário contratados até ao dia anterior ao da entrada em vigor do diploma, desde que esse regime substitutivo lhes fosse já aplicável e enquanto prestarem serviço em instituição em que o mesmo vigore.
Em suma, determinou-se a inscrição obrigatória de todos os novos trabalhadores no sistema de segurança social e manteve-se o regime de segurança social substitutivo que vinha vigorando para trabalhadores bancários que dele já beneficiavam.
Para completar esta breve nota sobre a integração dos trabalhadores do sector bancário no regime geral da segurança social, releva ainda referir que na sequência daquele diploma, o Decreto-Lei n.º 1-A/2011, de 3 de Janeiro, veio aprofundar esse processo procedendo à integração no regime geral de segurança social, para algumas eventualidades, dos trabalhadores bancários no activo, ainda abrangidos por regimes de segurança social substitutivos daquele regime geral; e, subsequentemente, o Decreto-Lei 127/2011, de 31 de Dezembro, procedeu à transmissão para o Estado das responsabilidades com pensões previstas no regime de segurança social substitutivo constante de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho vigente no sector bancário.
Para melhor elucidação, atente-se no preâmbulo daquele primeiro diploma:
- «O Decreto-Lei 54/2009, de 2 de Março, determinou a inscrição dos novos trabalhadores bancários no regime geral de segurança social, dando um passo decisivo na concretização da integração no sistema previdencial dos grupos socioprofissionais parcialmente abrangidos pelo sistema de segurança social.
O presente decreto-lei vem aprofundar o processo de integração dos trabalhadores do sector bancário no regime geral de segurança social, concretizando o acordo celebrado entre o Governo, através do Ministério do Trabalho e da Solidariedade Social, a Associação Portuguesa de Bancos, em representação das instituições de crédito, e a J…, a 20 de Outubro de 2010.
Assim, o presente decreto-lei estabelece que os trabalhadores bancários, actualmente abrangidos pela Caixa de Abono de Família dos Empregados Bancários (CAFEB), passam a estar abrangidos pelo regime geral de segurança social para efeitos de protecção nas eventualidades de maternidade, paternidade e adopção e na velhice.
O regime substitutivo de protecção social previsto nos instrumentos de regulação colectiva de trabalho aplicáveis no sector bancário continua a desempenhar um papel extremamente relevante na protecção social dos trabalhadores para efeitos de protecção nas eventualidades de doença, invalidez, sobrevivência e morte. Assim, mantêm-se as regras constantes dos instrumentos de regulação colectiva de trabalho aplicáveis no sector bancário de forma complementar ao regime geral de segurança social nas eventualidades ainda não integradas.
Na sequência da integração agora operada dos trabalhadores do sector no regime geral de segurança social dos trabalhadores por conta de outrem, e no cumprimento do n.º 3 do artigo 36.º do Decreto-Lei 211/2006, de 27 de Outubro, procede-se à extinção da CAFEB».
Por último, dada a sua relevância para o caso concreto, importa deixar nota do essencial do Decreto-Lei 88/2012, de 11 Abril, que para além do mais, veio promover a integração no regime geral de segurança social, quanto às eventualidades de invalidez, morte e doença, dos trabalhadores das entidades pertencentes ao grupo económico do F… - Banco F…, S. A. (F…), lendo-se no respectivo preâmbulo, na parte aqui relevante, o seguinte:
- «A integração dos trabalhadores das instituições de crédito e sociedades financeiras no sistema previdencial, iniciada em 2009 com a inscrição no regime geral de segurança social dos novos trabalhadores bancários, foi prosseguida, em 2011, com a integração naquele regime, para algumas eventualidades, dos trabalhadores bancários no ativo abrangidos pelo regime de segurança social substitutivo constante de instrumento de regulamentação coletiva de trabalho vigente no setor bancário.
A integração dos trabalhadores bancários no regime geral da segurança social conheceu, no final de 2011, um novo impulso com a publicação do Decreto-Lei 127/2011, de 31 de dezembro, que promoveu a assunção, pela segurança social, da responsabilidade pelas pensões em pagamento em 31 de dezembro de 2011 previstas naquele regime de segurança social substitutivo, a transmissão para o Estado da titularidade do património dos fundos de pensões, na parte afeta à satisfação da responsabilidade pelas pensões referidas anteriormente, e, bem assim, os termos do financiamento pelo Estado da responsabilidade pelas mesmas.
Contudo, o referido decreto-lei não incluiu os trabalhadores ao serviço de entidades integradas no grupo económico do F… - Banco F…, S. A. (F…), atentas as especificidades do processo, já então em curso, de alienação pelo Estado da totalidade das ações representativas do capital social deste Banco.
Reunidas as condições para essa alienação, procede-se agora à integração dos trabalhadores no ativo no regime geral de segurança social, relativamente às eventualidades de doença, invalidez e morte, e à transferência para a Caixa Geral de Aposentações, I. P. (CGA, I. P.), juntamente com os correspondentes meios financeiros, das responsabilidades com as pensões em pagamento e a atribuir no futuro àqueles trabalhadores.
(..)».
Relevam aqui os normativos seguintes:
(artigo 1.º)
1 - O presente diploma visa:
a) Promover a integração no regime geral de segurança social, quanto às eventualidades de invalidez, morte e doença, dos trabalhadores das entidades pertencentes ao grupo económico do F…, S.A.
(..).
(artigo 2.º)
1 - São abrangidos pelo presente diploma:
a) Os trabalhadores admitidos até 2 de março de 2009 por alguma das entidades referidas no número seguinte, independentemente de manterem com elas relação de trabalho à data da entrada em vigor do presente diploma;
(…).
(artigo 3.º)
1 - Os trabalhadores referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior que, na data da entrada em vigor do presente diploma, se encontrem ao serviço de alguma das Entidades passam a estar protegidos pelo regime geral da segurança social nas eventualidades de doença, invalidez e morte.
2 - O disposto no número anterior abrange igualmente os trabalhadores que se encontrem ao serviço de entidade para a qual haja sido transmitida a posição de empregador de qualquer das Entidades, resultante de transmissão da titularidade de empresa ou estabelecimento ou de parte de empresa ou de estabelecimento que constitua uma unidade económica, ocorrida entre 1 de janeiro de 2012 e a data de entrada em vigor do presente diploma.
3 - Os trabalhadores referidos na alínea a) do n.º 1 do artigo anterior mantêm, igualmente, a proteção garantida pelo regime geral nas eventualidades de maternidade, paternidade e adoção, desemprego, doenças profissionais e velhice.
I.3.3 Como foi considerado provado por acordo entre as partes, à data da nacionalização, era aplicável aos trabalhadores do F… filiados nos sindicatos AA. o Acordo Colectivo de Trabalho, cujo texto consolidado está publicado no B.T.E. (1.ª série) nº 4 de 29.01.05. Como se extrai do citado BTE, o referido instrumento de regulamentação colectiva de trabalho foi celebrado entre várias instituições de crédito, entre as quais o Banco F…, F1…, S. A., e F2…, S. A, e os Sindicatos C…, B… e D… o Sind. B… e outros, tendo sido acordadas alterações e outras, originando o texto consolidado que foi publicado.
A cláusula 92.ª, com a epígrafe “Definição de retribuição”, no seu n.º5, a disposição aqui em causa, estabelece o seguinte: [5] A retribuição base mensal dos trabalhadores inscritos em instituições ou serviços de segurança social será corrigida, de modo que estes percebam retribuição mínima mensal líquida igual à dos demais trabalhadores do mesmo nível.
Essa redacção manteve-se no texto consolidado do ACT celebrado entre as mesmas entidades, publicado no B.T.E., 1.ª série, nº3 de 22.01.2009. Tal foi igualmente acordado entre as partes(facto provado 8) e corresponde à realidade, como se pode confirmar no texto do aludido ACT, publicado naquele BTE.
Também por acordo das partes, consignou-se como provado (facto provado 8) que a cláusula em questão surgiu pela primeira vez no ACT para o sector bancário publicado no BTE n.º 28, de 29 de Julho de 1983, onde figurava como a cláusula 105ª- A. E, com efeito, assim acontece.
No entender dos recorrentes, esse n.º5, da Cláusula 92.º do ACT aplicar-se-á aos trabalhadores seus associados que “passaram a descontar 11% para a segurança social, a partir de 12.04.12, com a entrada em vigor do D.L. nº 88/2012, enquanto que os demais trabalhadores bancários (com os mesmos níveis remuneratórios que constam do ACT) e que são abrangidos pelo regime de segurança social do ACT continuam a descontar 3%, de acordo com o que vem disposto no Decreto-Lei n.º 1- A/2011, de 3 de Janeiro”.
A primeira questão que se coloca, tal como procedeu o Tribunal a quo é a de determinar o sentido e alcance da disposição, de modo a saber se a mesma será efectivamente aplicável ao caso concreto.
Ora, em nosso entender, a resposta a essa questão não pode ser vista apenas em relação à situação dos trabalhadores associados dos sindicatos autores, que são trabalhadores da R. oriundos do Banco F… (F…), nomeadamente aqueles que foram admitidos até 2 de Março de 2009 e que passaram a estar abrangidos pelo regime geral da segurança social, por força da entrada em vigor do DL 88/2012, de 11 de Abril [artigos 1.º 1/ al.a; 2º 1/al. a); e, 3.º 1 e 2].
Com efeito, a questão passa antes por saber se a cláusula terá aplicação, em termos genéricos e abstractos, às situações (todas) em que trabalhadores do sector bancário passaram a estar integrados no regime geral de segurança social e, consequentemente, sujeitos à contribuição para o mesmo nos mesmos termos que a generalidade dos trabalhadores por conta de outrem abrangidos por esse mesmo sistema de previdência público, isto é, quer os que tenham sido inscritos inicialmente por opção das entidades empregadoras antes da publicação do Decreto-Lei 54/2009, de 2 de Março, quer os inscritos por força do estabelecido nesse diploma após a sua entrada em vigor em razão da sua admissão ao serviço de entidades bancárias ser posterior àquela data, quer ainda aqueles que estando abrangidos pelo regime próprio do sector bancário, passaram também a estar integrados no regime geral de segurança social, ainda que em termos limitados para efeitos de protecção nas eventualidades de maternidade, paternidade e adopção e na velhice, nos termos estabelecidos pelo Decreto-Lei 127/2011, de 31 de Dezembro.
Na verdade, os trabalhadores abrangidos pelo Decreto-lei n.º 88/2012, de 11 de Abril, embora todos eles provenham do F… e de sociedades que faziam parte desse grupo económico, não são um caso especial de integração dos trabalhadores do sector bancário no regime geral da segurança social, antes se inserindo a sua integração, como decorre do preâmbulo do diploma, no âmbito do processo de” integração dos trabalhadores das instituições de crédito e sociedades financeiras no sistema previdencial, iniciada em 2009 com a inscrição no regime geral de segurança social dos novos trabalhadores bancários, foi prosseguida, em 2011”, passo que se tornou possível por terem sido reunidas as condições de “alienação pelo Estado da totalidade das ações representativas do capital social deste Banco”.
Prosseguindo, importa agora relembrar que as convenções coletivas de trabalho são fontes de direito específicas do Direito de Trabalho, tendo natureza regulamentar a parte mais significativa das normas que as integram, pelo que a respetiva interpretação e aplicação está sujeita aos critérios gerais do sistema jurídico, prevalecendo as regras próprias de interpretação e integração da lei, nomeadamente o disposto nos artº 9.º e 10.º do Código Civil, na medida em que as mesmas, em caso de aplicabilidade – por verificação dos pressupostos do princípio da dupla filiação (art.º 496.º do CT) ou por via de portaria de extensão (art.º 514.º do CT)-, têm natureza geral e abstracta e produzem efeitos relativamente aos contratos de trabalho (art.º 1.º e do CT).
Aqui chegados, a primeira nota serve para assinalar um aspecto fulcral a considerar para a determinação do sentido e alcance do n.º5, da cláusula 92.ª, isto é, quando a mesma foi inserida pelas partes no âmbito da negociação colectiva no ACT, em 1983, então como cláusula 105.º A, estava-se ainda bem longe de se iniciar o processo de integração dos trabalhadores bancários no regime geral da segurança social. Como vimos, esse processo inicia-se com o Decreto-Lei n.º 54/2009, de 2 de Março, e começou por abranger apenas os novos trabalhadores bancários, determinando a sua inscrição no regime geral da segurança social.
Entretanto, pese embora as associações sindicais e as associações patronais do sector bancário até terem acordado a criação de uma comissão para estudar a integração dos trabalhadores bancários na segurança social [em 8 de Julho de 1982, BTE, 1 Série (1982), n.° 26, de 15-Jul.-1982], o certo é que apenas residualmente as entidades empregadoras procediam, por iniciativa própria, à inscrição de novos trabalhadores no regime geral da segurança social, acrescendo que tal só veio a ter expressão significativa em tempos próximos da publicação do DL 54/2009, como assinalou o legislador no respectivo preâmbulo.
Portanto, salvo melhor opinião, cremos poder afirmar-se com toda a segurança que o n.º5, da cláusula 92.º, não teve em vista acautelar situações relativas a novos trabalhadores que fossem inscritos na segurança social por iniciativa da entidade empregadora, nem muito menos daqueles que num futuro, ainda então distante viessem forçosamente a ser inscritos ou a passar a estar abrangidos por esse sistema público, por imposição legal.
Assim sendo, a inserção dessa disposição só pode ter em vista acautelar as situações que existiam à data, melhor explicando, de admissão de trabalhadores no sector bancário que já tinham um passado contributivo enquanto trabalhadores por conta de outrem no regime geral da segurança social, que por essa razão eram mantidos nesse sistema. De resto, não é despiciendo assinalar que na fundamentação da decisão sobre a matéria de facto o tribunal a quo que foi precisamente essa a explicação dada pelas testemunhas “G e M…, pessoas que desde a década de 1970 participaram directamente nas negociações dos instrumentos de regulamentação laboral colectiva para o sector bancário (o primeiro em representação dos sindicatos e o segundo como representante de várias entidades bancárias) e que lograram explicar com detalhe a evolução havida ao nível dos diversos instrumentos que foram outorgados. Quanto às circunstâncias em que surgiu o texto da actual cláusula 92º, nº5, do ACT para o sector bancário cujo texto consolidado está publicado no BTE nº3 de 22/01/2009, ambas as testemunhas convergiram em relação ao facto de o mesmo ter sido introduzido numa altura em que as relações laborais do sector eram regidas por um único Acordo Colectivo de Trabalho (e também inexistiam acordos de empresa) visando corrigir as disparidades remuneratórias entre os trabalhadores bancários que estavam enquadrados no regime contributivo especial da banca e aqueles que foram integrados neste sector e que estavam abrangidos pelo regime geral da segurança social”.
E, se assim é, como cremos, então não faz sentido pretender que aquela disposição tenha aplicação a casos que não estavam previstos e que não teve por finalidade aplicar-se-lhes.
De resto, nenhum facto foi alegado pelos autores para demonstrar que o aludido n.º 5, da cláusula 92.ª, foi aplicado a casos diversos daquele que se nos afigura ter justificado a sua negociação e inserção no instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
Antes pelo contrário, consta provado “que todos os trabalhadores do sector bancário que foram admitidos a partir de 3 de Março de 2009 (ou seja, após a entrada em vigor do DL 54/2009, de 2 de Março) passaram a estar enquadrados ab initio no regime geral da segurança social, sem que lhes fosse aplicável o disposto no n.º5 da cláusula 92.ª”.
Poderá dizer-se que esta situação não é exactamente igual à dos trabalhadores que antes estavam integrados no sistema de protecção do sector bancário e que passaram a ficar abrangidos pelo regime geral da segurança social. É verdade que são situações diferentes, na medida em que a contribuição, na parte cargo dos trabalhadores, que passaram a suportar é superior, contudo, convém não esquecer, que tal ocorre por força de lei e só a partir da entrada em vigor do DL 54/2009. Ora, não estava manifestamente na intenção das entidades que intervieram na negociação do ACT – em 1983 - e inseriram a disposição em causa (cláususla 105.º A) acautelarem uma situação que então nem sequer era previsível.
Não é despiciendo assinalar que o próprio legislador, no preâmbulo do DL 54/2009, justifica o facto de a integração obrigatória no sistema geral da segurança social ter sido limitada aos novos trabalhadores, referindo que “De facto, o simples alargamento a todos os trabalhadores bancários do regime geral de segurança social seria susceptível de afectar, negativamente, o valor das respectivas remunerações líquidas”. Ora, sendo certo que, como mencionado no diploma, “[F]oram ouvidas as confederações sindicais e patronais com assento no Conselho Permanente de Concertação Social”, se fosse possível de considerar a hipótese de cobrir a aludida diminuição das remunerações por via do estabelecido no n.º5, da cláusula 92.ª (sendo aqui de assinalar que ela é comum a outros ACT para o sector bancário), porventura o legislador teria ousado ir mais longe.
Por último, nesta senda para interpretar o n.º5, da cláusula 92.ª, releva ainda referir que no Acordo Colectivo celebrado entre os Sindicatos Nacional dos Quadros e Técnicos Bancários e Independente da Banca e várias instituições de crédito, entre as quais se incluíam Banco F…(..), F3…, ACE, F4…, S. A., F1…, S. A., e F2…, S. A, publicado no BTE n.º20, 1.ª série, de 29/5/2011, reportando-se também ao ai n.º5, da cláusula 92.ª, fizeram constar uma cláusula interpretativa, com o teor seguinte:
-«Cláusula 171.ª Interpretativa
O disposto no n.º 5 da cláusula 92.ª, no n.º 1 da cláusula 136.ª e na cláusula 137.ª -A não é aplicável no caso de, por imposição normativa, os trabalhadores e seus familiares sujeitos ao regime de segurança social do presente ACT virem a estar abrangidos pelo Regime Geral de Segurança Social, sem prejuízo de as mesmas disposições continuarem a ser aplicadas àqueles que, à data da entrada em vigor dessa imposição normativa, já beneficiem do regime delas constante.
Declaração
A) Relativamente à matéria constante das cláusulas 170.ª e 171.ª, as partes declararam o seguinte:
1 — O regime constante do n.º 5 da cláusula 92.ª e do n.º 1 da cláusula 136.ª foi introduzido há perto de três décadas para contemplar situações especiais de alguns trabalhadores que se encontravam, então, integrados no sistema público de segurança social e que vieram a ser abrangidos pela convenção colectiva do sector bancário.
2 — Atentas as razões que presidiram à introdução daquelas normas e a evolução, entretanto, verificada no sistema público de segurança social, com a consagração expressa do princípio da universalidade, não existe justificação para a aplicação dos referidos normativos aos novos trabalhadores que pelo mesmo sistema venham a estar abrangidos, não sendo, igualmente, o regime a que se refere o n.º 1 extensivo aos que, por eventual imperativo normativo, venham a ser incluídos no âmbito desse sistema público.
É certo que os AA. não intervieram na celebração deste instrumento de regulamentação colectiva de trabalho. Mas não é esse o ponto. O que releva é a explicação que as parte fizerem constar sobre as razões que estão subjacentes à cláusula, sendo certo que a mesma, tal como a do CCT aqui aplicável, tiveram a mesma origem, isto é, a cláusula 105.º A, do ACTV para o sector bancário publicado no BTE n.º 28, de 29 de Julho de 1993.
Esse é um dado incontornável e, logo, melhor alicerçado fica o que se veio dizendo.
Em face de tudo o exposto, entende-se que o n.º5, da cláusula 92.ª, do Acordo Colectivo de Trabalho, celebrado entre os sindicatos autores e o Banco F…, F1…, S. A., e F2…, S. A, cujo texto consolidado está publicado no B.T.E. (1.ª série) nº 4 de 29.01.05, a qual foi mantida no texto (também) consolidado do mesmo instrumento de regulamentação colectiva de trabalho publicado no B.T.E., 1.ª série, nº3 de 22.01.2009, não tem aplicação aos trabalhadores associados daqueles sindicatos que, por força da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 88/2012, de 11 de Abril, foram integrados no regime da segurança social.
Consequentemente, improcede o recurso e, logo, cumpre confirmar a sentença recorrida.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, confirmando a sentença recorrida.

Custas do recurso a cargo dos recorrentes, atento o decaimento (art.º 527.º n.º2, CPC),mas sem prejuízo da isenção.

Porto, 21 de Novembro de 2016
Jerónimo Freitas (relator)
Nelson Fernandes (1.º adjunto)
Fernanda Soares (2.ª Adjunta)