Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
406/15.0GAVFR-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA ERMELINDA CARNEIRO
Descritores: RECUSA DO JUÍZ
AUDIÊNCIA DE JULGAMENTO
CONTINUIDADE
CRIME DE VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
Nº do Documento: RP20180613406/15.0GAVFR-B.P1
Data do Acordão: 06/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º26/2018, FLS.242-246)
Área Temática: .
Sumário: I - A mera apresentação do requerimento de recusa do juiz não deve, de per se, determinar a suspensão da tramitação do processo.
II - O juiz deve realizar, não apenas os actos processuais urgentes, como também, os necessários para assegurar a continuidade da audiência.
III - Assim, iniciada a inquirição da testemunha, ofendida em crime de violência doméstica, a 25JAN, que continuou na sessão de 2FEV e designada a sua continuação para 8FEV, se a 7FEV da entrada em juízo o requerimento de recusa do juiz apresentado pelo arguido, quando restavam 24 dias para se atingir os 30 previstos no artigo 328.º/6 C P Penal, o prosseguimento da inquirição da testemunha, na conciliação do seu próprio e pessoal interesse com o da tramitação normal do processo, não acarreta prejuízo algum para o arguido.
IV - Na hipótese de proceder o incidente de recusa, os actos são inválidos, se devidamente arguida a sua nulidade e, assim, a pretensão do arguido é deferida.
V - Na hipótese de não proceder, os actos são válidos e o processo prossegue os seus trâmites normais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº. 406/15.0GAVFR-B.P1

A Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I - Relatório
No âmbito do processo acima identificado que corre termos no Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro – Juízo Local Criminal de Santa Maria da Feira – J1, na sequência do requerimento de recusa da Exm.ª Sr.ªJuiza apresentado pela arguida, B…, foi proferido despacho de 8 de fevereiro de 2018 com o seguinte teor: (transcrição)
“Face ao teor do requerimento de recusa de juiz ora apresentado pela arguida, autue o mesmo por apenso, desde já se determinando, tendo em conta a natureza urgente dos presentes autos (violência doméstica) e a fim de salvaguardar a prova já produzida e assegurar a continuidade da audiência, a continuação da produção da prova nos moldes já determinados na anterior sessão de andiência de julgamento – art. 45.º/2 do CPP.”
Nessa mesma data e antes de ser dado início à continuação da audição da testemunha nos termos anteriormente determinados, a arguida apresentou novo requerimento opondo-se à prática de atos após a entrada do requerimento de recusa de juiz, arguindo a respetiva nulidade dos mesmos, nulidade essa indeferida por despacho proferido de imediato.
Inconformada com o despacho proferido, dele veio a arguida interpor recurso nos termos da motivação que apresenta e da qual retira a seguinte síntese conclusiva:
«1.ª A continuação da audição da testemunha C… na audiência de 08/02/2018, logo após a dedução do incidente de recusa de juiz a 07/02/2018, não ficaria prejudicada e pode ser repetida utilmente, sem qualquer prejuízo para a justiça da decisão do processo;
2.ª Ao contrário do referido no despacho de 08/02/201S com a Referência 100818718, a natureza urgente do processo não é fundamento, nos termos do art.º 45.º n.º 2 do CPP, para a prática de atos processuais posteriores a apresentação do incidente de recusa;
3.ª Na verdade, o juiz só pratica os atos processuais necessários ou urgentes para assegurar a continuidade da audiência de julgamento, nada se referindo quanto à natureza urgente (ou não) do processo;
4.ª A sessão de julgamento imediatamente anterior à do dia 08/02/2018 ocorreu no dia 02/02/2018 (cfr), pelo que, nos termos do artigo 328.º n.ºs 4 e 6 1ª parte do CPP, a mesma sempre poderia ser retomada, com a audição da testemunha C…, com vista a assegurar a sua continuidade, pelo menos, no dia 05/03/2018, sem qualquer prejuízo para a justiça da decisão do processo;
5.ª Não existia, a 08/02/2018, atenta a proximidade da última sessão de julgamento (02/02/2018), qualquer fundamento legal para a determinação, pela M.ª Srª Dr.ª Juiz que se pretende recusada, do prosseguimento dos autos após a apresentação, a 07/02/2018, do incidente de recusa, nos termos do referido despacho de 08/02/2018 (Refª 100818718);
6.ª Após a apresentação do referido incidente a 07/02/2018, caso a Mª Srª Juiz que se pretende recusada verificasse que a continuidade da audiência de julgamento pudesse, nessa altura, vir a ser colocada em risco, atento o prazo limite de 09/03/2017 para a decisão daquele, poderia, então, determinar, ao abrigo do n.º 2 do art.º 45.º do CPP, a marcação de data para a continuação do depoimento da testemunha C…, tudo isto sem prejuízo para a justiça da decisão do processo;
7.ª Ao não o ter feito, incorreu assim o Tribunal "a quo"' na prática de atos nulos,"pecando", a nosso ver, pela extemporaneidade do prosseguimento dos autos, quando não existia, naquela data, qualquer razão de facto e/ou legal que o justificasse;
8.ª Mostram-se violados os artigos 43.º n.º 5, parte final e 45.º n.º 2, ambos do CPP;
9.ª Devem ser revogados ambos os despachos proferidos, anulados todos os atos posteriores à apresentação, pela Recorrente, do incidente de recusa de juiz de 07/02/2018, com as devidas consequências legais para a respetiva tramitação processual, FAZENDO-SE ASSIM INTEIRA E SÃ JUSTIÇA»
Admitido o recurso o Ministério Público junto da primeira instância respondeu ao mesmo nos termos que constam a fls. 25v a 27v dos autos, pugnando pela manutenção integral do decidido.
O Digno Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal emitiu parecer no sentido da manifesta improcedência do recurso, invocando a existência de decisão já proferida que indeferiu o incidente de recusa de juiz.
A arguida apresentou resposta ao parecer mantendo a posição assumida e sustentando a pertinência na apreciação do recurso.
Efetuado o exame preliminar foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.
***
II - Fundamentação
Constitui jurisprudência pacífica dos tribunais superiores que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo das que importe conhecer, oficiosamente por obstativas da apreciação do seu mérito.
Vistas as conclusões de recurso a questão a decidir é saber se, após a apresentação do requerimento de recusa de juiz, padece de nulidade o ato praticado pelo tribunal em continuar a audiência de julgamento para finalização da inquirição da testemunha cujo depoimento se iniciara anteriormente.
Com relevo para decisão da questão verificam-se as seguintes incidências processuais.
- O objeto dos presentes autos refere-se a acusação por crime de violência doméstica;
- No dia 25 de janeiro de 2018, reaberta a audiência de discussão e julgamento, passou o tribunal a dar início à inquirição da testemunha/ofendida, C…;
- No decurso da referida inquirição foi a audiência interrompida e designada para sua continuação o dia 2 de fevereiro de 2018, a qual veio a ocorrer, prosseguindo a inquirição da testemunha aludida;
- Nessa data foi novamente interrompida a audiência e aprazado o dia 8 de fevereiro para continuação da audiência para prosseguir com a inquirição da citada testemunha;
- No dia 7 de fevereiro de 2018 deu entrada no processo um requerimento da arguida suscitando o incidente de recusa da Exm.ª Sr.ª Juiza;
- Por despacho de 8 de fevereiro de 2018 exarado nos autos foi decidido o seguinte: “Face ao teor do requerimento de recusa de juiz ora apresentado pela arguida, autue o mesmo por apenso, desde já se determinando, tendo em conta a natureza urgente dos presentes autos (violência doméstica) e a fim de salvaguardar a prova já produzida e assegurar a continuidade da audiência, a continuação da produção da prova nos moldes já determinados na anterior sessão de andiência de julgamento – art. 45.º/2 do CPP.”;
- Imediatamente após a reabertura da audiência designada para esse mesmo dia 8 de fevereiro de 2018, pelo Ilustre Mandatário da arguida foi requerido o seguinte: “Nos termos do disposto no art.º 43.º n.º 2, parte final do C.PP, os atos praticados por Juiz recusado, praticados posteriormente à solicitação da recusa, só serão válidos se não poderem ser repetidos utilmente e se verificar que deles não resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo. Assim por se entender que o ato que se pretende manter pode ser utilmente repetido tarde, e do mesmo não resultar prejuízo para a justiça da decisão do processo, o mesmo e todos os subsequentes são nulos, nulidade essa que deixa arguida para os devidos efeitos legais.”;
- A Exm.ª Sr.ª Juíza proferiu despacho, no qual, referindo ter já a questão sido apreciada por despacho desse mesmo dia, considerou a inexistência de qualquer nulidade, prosseguindo a audiência com a continuação da inquirição até à sua finalização, da testemunha C….
É do despacho que ordenou o prosseguimento da inquirição da testemunha e posteriormente, indeferiu a nulidade de tal despacho que a arguida interpôs recurso, já que pretendia a suspensão imediata da audiência de julgamento por considerar que o ato praticado não era necessário nem urgente.
Cumpre apreciar e decidir.
Dispõe o artigo 45.º, n.º 2, do Código Processo: «Depois de apresentados o requerimento ou o pedido previstos no número anterior, o juiz visado pratica apenas os atos processuais urgentes ou necessários para assegurar a continuidade da audiência».
De acordo com este o preceito legal e não obstante os atos praticados depois da entrada do requerimento de recusa (ou escusa) poderem ser anulados, o facto é que a mera apresentação do requerimento não deverá, de per se, determinar a suspensão da tramitação do processo. Com efeito, a norma confere ao juiz visado o poder de realizar, não apenas os atos processuais urgentes, como também os necessários para assegurar a continuidade da audiência.
Revertendo ao caso em análise e como resulta dos autos foi dado início à inquirição da testemunha/ofendida na sessão de audiência de julgamento em 25 de janeiro de 2018, a qual continuou na sessão de 2 de fevereiro seguinte. Não tendo sido finalizada tal inquirição, foi designada a data de 8 de fevereiro para o seu prosseguimento.
Porém, em 7 de fevereiro foi apresentado em juízo o requerimento de incidente de recusa suscitado pela arguida.
Considerando o tribunal, a natureza urgente dos autos e a salvaguarda da prova já produzida, entendeu dever continuar a realização da audiência de julgamento finalizando a inquirição da ofendida C…, como veio a suceder.
E, a nosso ver, com razão.
Efetivamente, como bem realça o Digno Ministério Público na resposta apresentada, aquando a decisão recorrida apenas restavam vinte e quatro dias para se atingir os trinta previstos no artigo 328º, nº 6 do Código Processo Penal. Impunha-se, por isso, prosseguir a audiência por forma a salvaguardar a prova produzida. Tratando-se, ademais, de um processo de violência doméstica, o qual, nos termos do disposto no artigo 28.°, da Lei n.º 112/2009, de 16 de setembro, reveste natureza urgente.
Como salienta o acórdão desta Relação do Porto de 5 de abril de 2017, processo nº 189/12.6TELSB-AB, disponível in www.dgsi.pt « Decorre dos princípios constitucionais do Estado de direito democrático (artigo 2º), da protecção dos direitos fundamentais (artigo 9º al. b)), do direito a uma decisão judicial em prazo razoável (artigo 20º nº 4) e da legalidade (artigo 219º nº 1) que a efectividade e celeridade no exercício da acção penal são também finalidades do processo. Por isso, no conceito de actos processuais urgentes e indispensáveis cabem tanto aqueles que se destinam a assegurar direitos de defesa do arguido, como por exemplo o não prolongamento da prisão preventiva para além do estritamente necessário, como cabem outros que visem assegurar valores do processo inerentes à efectividade e celeridade do exercício da acção penal, nomeadamente conservar as provas, garantir as finalidades cautelares das medidas de coacção ou evitar a prescrição do procedimento criminal.».
Nesta conformidade, não obstante o recebimento do pedido de recusa, bem andou a Exm.ª Srª Juiza em ordenar o prosseguimento dos autos com a continuação da audição da testemunha/ofendida conciliando, assim, a defesa do interesse da vítima com a própria tramitação normal do processo.
Acresce que, da prática do ato pelo juiz recusado, nenhum prejuízo resulta para o arguido, designadamente, para o pleno exercício do seu direito de defesa.
O artigo 43.º, n.º 5, do Código Processo Penal contém uma válvula de segurança que permite conciliar a continuação dos autos e a defesa de quem requer a recusa.
Nos termos estatuídos no pré-citado normativo legal, os interesses de quem requereu a recusa serão sempre assegurados e encontram-se acautelados pela anulação, inclusive, dos atos praticados até ao momento em que é pedida a escusa se deles resultar prejuízo para a justiça da decisão do processo; os atos praticados posteriormente serão válidos se não puderem ser repetidos utilmente e se se verificar que deles não resulta prejuízo para a justiça da decisão do processo.
A lei estabeleceu, desse modo, um equilíbrio entre o acautelamento dos direitos do arguido que submeteu à apreciação do tribunal superior a falta de imparcialidade do juiz e os interesses da vítima e do próprio processo, de natureza urgente.
De facto, na hipótese de proceder o incidente de recusa, os atos são inválidos, se devidamente arguida a sua nulidade; se não proceder, não existe fundamento para afastar o juiz, pelo que os atos praticados são válidos por não causarem prejuízo para a justiça da decisão. - Neste sentido, Paulo Pinto de Albuquerque in “Comentário do Código de Processo Penal” anotação ao artigo 45º, pag. 134 e, entre outros, acórdãos da RC de 3/02/2016, processo 136/12.5TASEI.C1, e RP de de 5 de abril de 2017 processo nº 189/12.6TELSB-AB, disponíveis in www.dgsi.pt
Destarte, no caso vertente, se o incidente for julgado procedente, os atos serão anulados nos termos acima referidos e a pretensão da arguida é satisfeita. Se for julgado improcedente (como é referido ter ocorrido, mas sem que tal se evidencie dos autos), por ausência de motivo para afastar a Exm.ª Juiza recusada e colocar em causa a validade dos atos praticados, o processo prossegue os seus trâmites normais.
Em síntese: Pelas razões aduzidas improcede o recurso interposto que indeferiu a nulidade arguida do despacho que, após requerido o incidente de recusa da Exmª Srª. Juiza, ordenou a continuação da audiência para o prosseguimento da inquirição da testemunha/ofendida.
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III – Decisão
Acordam em conferência na Primeira Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto, em julgar improcedente o recurso interposto pela arguida B…, confirmando-se o despacho recorrido.
Custas pelo recorrente que se fixam em 3 Ucs - artigo 513º nºs 1 e 3 do CPP e do Regulamento das Custas Judiciais (Tabela III).
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Porto, 13 de junho de 2018
(elaborado pela relatora e revisto por ambos os subscritores – artº 94 nº2 do Código Processo Penal)
Maria Ermelinda Carneiro
Raúl Esteves