Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2307/18.1T8VFR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DA LUZ SEABRA
Descritores: COMPRA E VENDA
BENS ALHEIOS
INDEMNIZAÇÃO
DANOS EMERGENTES
LUCROS CESSANTES
Nº do Documento: RP202301242307/18.1T8VFR.P1
Data do Acordão: 01/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE; DECISÃO ALTERADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: No caso de compra e venda de bens alheios, o comprador que tiver procedido de boa fé (que ignore que a coisa é alheia), para além de ter direito de exigir do vendedor a restituição integral do preço, tem direito de exigir uma indemnização pelos prejuízos sofridos, indemnização essa que será limitada aos danos emergentes no caso previsto no art. 899º CC (não havendo dolo nem culpa- baseada na responsabilidade objectiva) ou, que englobará danos emergentes e lucros cessantes no caso previsto no art. 898ºCC (havendo dolo/má fé).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 2307/18.0T8VFR.P1- APELAÇÃO
Origem: Juizo Central Cível de Santa Maria da Feira – J2
Recorrente: AA
Recorridos: BB
CC
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Sumário (elaborado pela Relatora):
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I. RELATÓRIO:
1. BB e CC intentaram acção declarativa de condenação, sob processo comum, contra AA, peticionando a condenação da Ré a pagar-lhes a quantia de €60.020,82 a título de danos patrimoniais e não patrimoniais.
Como fundamento da referida pretensão, alegaram, em síntese que, a Ré após requerer a inscrição de um prédio omisso na matriz quando sabia assim não ser, justificou notarialmente, seguida de registo, como o tendo adquirido por usucapião, prestando falsas declarações porquanto tal prédio já havia sido anteriormente alienado pela Ré ao Município ... e, ao celebrar um contrato promessa, seguido de contrato de compra e venda com os aqui AA ao abrigo do qual alienou novamente o mesmo imóvel, que já não lhe pertencia, vendeu bem alheio, tendo sido proferida sentença transitada em julgado na acção de impugnação da justificação notarial intentada pelo Município ..., onde a aqui Ré e os aqui AA foram réus, que declarou impugnado o facto justificado na referida escritura por a ré não ter adquirido o prédio por usucapião e declarou invalida a escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca celebrada com os aqui AA, por consubstanciar uma venda de bens alheios, facto ilícito e culposo cometido pela Ré que causou aos AA os danos melhor identificados no articulados, dos quais pretendem ser ressarcidos.

2. A Ré/Apelante deduziu contestação, impugnando os factos alegados pelos Autores, alegando a actuação dos Autores em abuso de direito e, pedindo a sua condenação como litigantes de má-fé em montante não inferior a €2000,00 e nas despesas e honorários que a Ré venha a suportar.

3. Os Autores responderam à matéria de excepção e deduziram oposição ao pedido de condenação como litigantes de má-fé.

4. Realizada audiência prévia, foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual foi fixado o objecto do litígio, bem como os temas de prova, que foi objecto de reclamação oportunamente decidida.

5. Realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, nos seguintes termos:
Pelo exposto, julga-se parcialmente procedente, por provada, a presente acção e, em consequência condeno a R:
A) A pagar aos AA. a quantia global de € 52.020,82 (Cinquenta e dois mil e vinte euros e oitenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, mais se absolvendo a R. do restante peticionado.
Julgo o pedido de má-fé deduzido pela R. totalmente improcedente, por não provado, absolvendo os Autores do pedido pela R..
Custas pelas Partes, na proporção dos respectivos decaimentos (cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2 do Novo Código de Processo Civil).
Registe e notifique.”

6. Inconformada, a Ré/Apelante interpôs recurso de apelação da sentença final, formulando as seguintes
CONCLUSÕES
1.º De acordo com o disposto no artigo 607.º, n.º 5, do Código de Processo Civil, “O juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto”, devendo “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação” (artigo 609.º, n.º 2, do Código de Processo Civil).
2.ºPara atingir a verdade material o julgador deve atender a toda a prova produzida, analisando-a criticamente de modo a poder formar a sua convicção.
Porém,
3.º Tal não liberta o juiz das provas que se produziram nos autos, já que é com base nelas que terá de decidir, antes pressupõe uma cuidada valoração objectiva e crítica, de harmonia com as regras da lógica, da razão e da experiência comum.
Pois,
4.º Embora seja livre de formar a sua convicção, não pode o julgador contrariar as referidas regras da experiência comum, da lógica, da razoabilidade e dos conhecimentos científicos.
5.º Analisada a sentença recorrida, considera a Alegante que a mesma não só não faz uma correcta apreciação da prova documental e testemunhal produzida nos autos, como se encontra deficientemente formulada, em termos parcelares e repetidos, contraditórios, remetendo e dando por reproduzido documentos constantes dos autos.
E o certo é que,
31 Neste sentido, Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 10/12/2009, processo 3493/06.9TBOER.L1-2 e ainda Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 20/03/2013, processo 1199/11.6TVLSB.L1-8, disponíveis para consulta em www.dgsi.pt (sendo o sublinhado acrescentado), no qual se precisa que “agir de boa fé é ter uma conduta honesta e conscienciosa, uma linha de correcção e probidade, a fim de não prejudicar os legítimos interesses da contraparte, e não proceder de modo a alcançar resultados opostos aos que uma consciência razoável poderia tolerar”.
6.º Como é entendimento unânime da nossa Jurisprudência, a indicação dos factos provados deve ser efectuada “de forma clara, inequívoca e completa”, por forma a permitir uma correcta aplicação das disposições legais que a eles respeitam.
Por outro lado,
7.º Da análise da referida matéria de facto provada, constata-se que a Mmª. Juiz não teve presente que, ao invés de dar por reproduzido um documento, deveria “dizer qual ou quais os factos que, dele constando, considera provados - provados quer por força do próprio documento em si, quer por outra causa”, por forma a não deixar dúvidas sobre a extensão do que, em concreto, considerou provado.
Dúvidas essas que se verificam, desde logo, relativamente à matéria que foi levada ao n.º 1 dos factos provados.
9.º Igualmente não teve presente que “a força probatória material dos documentos autênticos restringe-se aos factos praticados ou percepcionados pela autoridade ou oficial público que emanam os documentos, já não abarcando, porém, a sinceridade, a veracidade e a validade das declarações emitidas pelas partes perante essa mesma autoridade ou oficial público”, tendo consequentemente feito constar da matéria de facto provada circunstâncias que o oficial público perante quem foram produzidas as declarações não poderia atestar.
Por outro lado,
10.º No que respeita à motivação dos factos provados, refere a Mmª. Juiz que, entre outros, “O Tribunal estribou a sua convicção com base na não impugnação ou aceitação de factos pela R. na sua contestação (não obstante a R. no seu art. 3º da contestação aceitar o alegado em 3º da petição, para no seu art. 2º da contestação impugnar o art. 3º da petição”.
Porém,
11.º Como melhor se extrai da análise da petição inicial e da contestação, os Autores repetiram a numeração - entre eles o 3., 4. e 12 -, o que obrigou a Alegante, no momento em que aceitava e/ou impugnava os factos alegados na petição, a concretizar, através de notas de rodapé, a matéria que efectivamente estava a admitir e/ou impugnar.
E,
12.º Como se constata da análise da contestação que oportunamente apresentou, a Alegante impugnou expressamente o artigo 3.º da petição inicial, concretizando através de nota de rodapé que se estava a referir ao que contém “o supra mencionado prédio omisso era parte integrante do prédio referido no antecedente ponto 1 da presente petição inicial”.
Por sua vez,
13.º Ainda no que respeita à matéria de facto provada, e concretamente ao contributo da prova testemunhal, verifica-se que a Mmª. Juiz se pronunciou em termos que não esclarecem os motivos que a levaram a dar credibilidade à única testemunha inquirida, DD, relativamente à matéria de facto cujo ónus da prova pertencia aos Autores, mas já não a que à Alegante competia, pese embora aí se encontrassem situações nas quais tinha chegado a ter intervenção directa.
Por sua vez,
14.º Também no que respeita à matéria de facto provada, e concretamente no que se refere à importância atribuída às declarações de parte, considera a Alegante que a Mmª. Juiz não teve em devido conta que se tratam de “declarações interessadas, parciais e não isentas, em que quem as produz tem um manifesto interesse na ação” e que, como é entendimento da nossa Jurisprudência, não merecem relevo probatório as declarações em que “a parte se limita a narrar os factos alegados no respetivo articulado”.
E,
15.º Como se observou pela forma como foram conduzidas as declarações de parte, os Autores não necessitaram sequer de reproduzir os factos alegados no seu articulado, tendo-se bastado a um “confirmo”, “sim”, ou “certo” uma vez ouvida a reprodução, efectuada pela Mmª. Juiz, da matéria que haviam alegado no seu articulado.
E o certo é que,
16.º A matéria que a Mmª. Juiz entendeu levar aos factos provados, com base nas citadas declarações de parte - danos morais alegadamente sofridos pelos Autores -, era facilmente demonstrável com recurso, nomeadamente, à prova testemunhal e/ou documental.
Sendo, igualmente, certo que,
17.º Tendo direito a apresentar qualquer outro tipo de prova susceptível de demonstrar os alegados danos morais sofridos - designadamente, prova documental e/ou testemunhal -, entenderam os Autores não arrolar prova a esta matéria.
E daí que,
18.º Sempre subsistissem mais dúvidas que certezas relativamente à existência dos alegados danos morais, dúvida essa que, por força do disposto no artigo 414.º do Código de Processo Civil, “equivale à falta de prova desse facto”.
Finalmente,
19.º No que respeita à motivação relativa à matéria de facto que a Mmª. Juiz entendeu não ter resultado provada, considera a Alegante que a sentença não se encontra devidamente fundamentada, nos termos exigidos pelos artigos 154.º do Código de Processo Civil e 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e desde logo não permite esclarecer os motivos que a levaram a sequer fazer referência ao que a única testemunha inquirida nos autos tinha revelado conhecer acerca da matéria constante de e), f), g), h), i) e l) e a concluir que “nenhuma prova foi efectuada de molde a formar a convicção do tribunal”.
Ora,
20.º Uma vez reapreciada a prova, deve este Tribunal Superior alterar as respostas à matéria de facto nos seguintes termos:
- No que respeita à matéria constante do n.º 1 dos factos provados, e por tal resultar da escritura de compra e venda outorgada a 2 de Novembro de 1981 e depoimento da testemunha DD, deve o mesmo passar a ter a seguinte redacção: “Por escritura de compra e venda de 2 de Novembro de 1981, lavrada a fls. 47 e seguinte, do livro ..., do Cartório Privativo da Câmara Municipal ..., a Ré AA declarou vender à Câmara Municipal ... e esta declarou comprar àquela, pelo preço de dois milhões trezentos e quarenta mil setecentos e oitenta escudos, o prédio rústico, composto de terreno de eucaliptal, pinhal e mato, sito no Lugar ..., freguesia ... (…) inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo de Paiva sob o número ..., a folhas cinco verso do livro ..., correspondente à área de de dezoito mil e seis metros quadrados, conforme planta topográfica que fez parte integrante da referida escritura”.
- No que se refere ao n.º 6 da matéria de facto provada, e por resultar do despacho de 20 de Dezembro de 2020 [fls. 178], dos requerimentos apresentados pelos Autores a 3 de Janeiro e 1 de Fevereiro de 2021 [fls. 179 e 182, dos autos], dos cheques que estes acompanharam [fls. 180 e 183] e contrato-promessa datado de 14 de Maio de 2006 [fls. 186 dos autos], deverá o mesmo passar a ter a seguinte redacção: “No dia 10 de abril de 2007, foi outorgada escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca na qual AA declarou vender, pelo preço de €21.000,00 (vinte e um mil euros), aos aqui AA., e estes declararam comprar àquela, o prédio rústico composto de pinhal e mato, sito no Lugar ..., na freguesia ..., inscrito na matriz da freguesia ..., sob o artigo ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo de Paiva sob o nº ...”.
- No que respeita ao n.º 7 dos factos provados, deverá o mesmo ser levado aos factos não provados, por tal resultar do despacho de 20 de Dezembro de 2020 [fls. 178], dos requerimentos apresentados pelos Autores a 3 de Janeiro e 1 de Fevereiro de 2021 [fls. 179 e 182, dos autos], dos cheques que estes acompanharam [fls. 180 e 183] e contrato-promessa datado de 14 de Maio de 2006 [fls. 186 dos autos].
- No que diz respeito à matéria constante do n.º 13 dos factos provados deverá a mesma ser reformulada, passando a constar “A 7 de Setembro de 2006, o A. marido deu entrada nos serviços competentes da Câmara Municipal ..., de um pedido de informação prévia sobre a possibilidade de realizar construção de habitação no mesmo”, por tal resultar do documento junto a fls. 99, verso, dos autos.
- No que respeita à matéria constante do n.º 16 dos factos provados, e por resultar da certidão de fls. 78, verso, da acta da audiência prévia de fls. 81, da sentença de fls. 27, verso e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 33, deverá a mesma ser reformulada, por forma a que nela passe a constar
“Face à revelia dos ora Autores e Ré (aí Réus) - pois apenas a Banco 1... apresentou contestação -, foi a aludida acção 103/14.4TBCPV julgada procedente, por sentença proferida a 28 de Novembro de 2015, constando da respectiva parte decisória: 1- Declaro impugnado, para todos os efeitos legais, o facto justificado na escritura de 21 de Março de 2006, por a ré não terem adquirido o prédio nela identificado, correspondente ao do artigo 1º da petição inicial, por usucapião. 2- Declaro ineficaz e de nenhum efeito essa mesma escritura de justificação notarial, por forma a que os réus não possam, através dela, registar quaisquer direitos sobre o prédio nela identificado. 3- Declaro invalida a escritura publica de compra e venda e mútuo com hipoteca de 10 de Abril de 2007. 4- Ordeno o cancelamento de quaisquer actos ou registos operados com base na escritura referida em 1. 5- Custas pelos Réus, pelo mínimo legal - artigo 527º do Código de Processo Civil”.
- No que se refere à matéria constante dos n.ºs 24 a 26 dos factos provados deve a mesma ser levada à matéria de facto não provada, em virtude dos Autores não terem dado cumprimento ao ónus de prova que lhes competia, porquanto as declarações de parte, sobretudo nos moldes em que foram produzidas, não são adequadas a dar tal matéria por provada e também por (sempre) resultarem dúvidas sobre a verificação dos danos morais que alegavam ter sofrido, a qual tem de ser resolvida “contra a parte a quem o facto aproveita”.
- A propósito da matéria constante de 28 dos factos provados, e por resultar da certidão de fls. 160 dos autos, deverá a mesma ser reformulada por forma a que aí passe a constar “Na aludida acção 103/14.4TBCPV, os ora Autores (ali RR.), não contestaram a acção, mas constituíram mandatário”.
- No que respeita ao facto constante do n.º 29 da matéria de facto provada, e por resultar do depoimento da testemunha DD, deverá aí ficar a constar “Em data anterior à apresentação em juízo da aludida acção 103/14.4TBCPV, e como o Autor alegava que estava impossibilitado de proceder à construção da casa de habitação pretendida, por a Câmara Municipal ... invocar ser dona do prédio que lhe havia sido vendido, a Ré disponibilizou-se para proceder à troca do aludido prédio por outros de que era proprietária”.
- No que respeita à matéria constante do n.º 34 dos factos provados, deverá o mesmo ser reformulado, passando dele a constar “O despacho de arquivamento proferido a 8 de Maio de 2012, no inquérito n.º 4/12.0TACPV dos Serviços do Ministério Público de Castelo de Paiva, foi notificado, por ofícios datados de 9 de Maio de 2012, aos ora Autores e ao mandatário que aí constituíram”, por tal resultar do documento de fls. 144 dos autos.
- Deve ser levada aos factos provados a matéria constante da a alínea e) dos factos não provados, com a seguinte redacção “Os outorgantes da escritura de compra e venda de 2 de Novembro de 1981, a ora Ré e EE, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal ..., tinham conhecimento que o prédio de onde foi retirada a área nessa escritura vendida à Câmara Municipal ... tinha uma área superior”, por a mesma resultar do depoimento da testemunha DD.
- E o mesmo destino (factos provados) deve ser dado à matéria que consta da alínea f), por resultar do depoimento da testemunha DD, onde deverá ficar a constar com a seguinte redacção “Por escritura de justificação de 21 de Março de 2006, lavrada a fls. 99, do livro ......, do Cartório Notarial de Arouca, a Ré procedeu à justificação do prédio rústico, composto de terreno a pinhal e mato, com a área de mil cento e noventa e três vírgula cinquenta metros quadrados, situado no Lugar ..., freguesia ..., concelho de Castelo de Paiva, inscrito na matriz sob o artigo ..., que correspondia a uma parte da área que havia sobrado do prédio vendido à Câmara Municipal ... na escritura de 2 de Novembro de 1981”.
- No que respeita à matéria constante das alíneas g) e h) dos factos não provados, resultando a mesma do depoimento da testemunha DD e da acta da audiência prévia de ls. 81 e seguintes dos autos, deverá a mesma ser levada à matéria de facto provada, com a seguinte redacção “Após ter sido citada para a acção intentada pela Câmara Municipal ..., e por intermediação de DD, a Ré reuniu-se com os então Presidente e Vereador da Câmara Municipal ..., FF e GG, tendo ficado acordado que a acção iria ser suspensa, o que acabou por não se verificar e apenas lhe ser comunicado quando já não tinha possibilidades de apresentar a contestação”.
- Relativamente à matéria constante da alínea i) dos factos não provados, a que se referiu a testemunha DD, deverá ser levada aos factos provados, por por ser de molde a demonstrar a boa fé da Alegante.
- E também a matéria constante da alínea j) dos factos não provados deverá ser levada aos factos provados, por resultar de certidão de fls. 125 e seguintes dos autos e também ela ser de molde a demonstrar a boa fé da Alegante, onde deverá ficar a constar com a seguinte redacção “Na data em que foram citados para a acção intentada pela Câmara Municipal ..., os Autores tinham conhecimento que, na escritura outorgada a 2 de Novembro de 1981, a Ré tinha vendido apenas 18.006 metros quadrados de um prédio com uma área superior a 23.000 metros quadrados, que por escritura celebrada em 2006 havia justificado uma parte da área que havia reservado para si, para posteriormente lhes vender na escritura outorgada a 10 de Abril de 2007”.
- Deverá, igualmente, ser levada à matéria de facto provada a constante da alínea l) dos factos não provados, por resultar do depoimento da testemunha DD e dos documentos de fls. 17 e 186 dos autos.
- E o mesmo deverá suceder com a matéria constante da alínea m) dos factos não provados.
Por sua vez,
- Deverá ser aditado aos factos provados que “O valor pago pelos Autores pelo prédio objecto da escritura de compra e venda de 10 de Abril de 2007 foi de € 32.500 (trinta e dois mil e quinhentos euros), pago em dois momentos - entrega do sinal (€15.000) no momento da assinatura do contrato-promessa de compra e venda e o restante (€ 17.500) na data da outorga da referida escritura -, através dos cheques a que se referem os nºs. 39 e 40 dos factos provados”, por tal resultar do despacho de 20 de Dezembro de 2020 [fls. 178], dos requerimentos apresentados pelos Autores a 3 de Janeiro e 1 de Fevereiro de 2021 [fls. 179 e 182, dos autos], dos cheques que estes acompanharam [fls. 180 e 183] e contrato-promessa datado de 14 de Maio de 2006 [fls. 186 dos autos].
- Deverá, igualmente, aditar-se à matéria de facto provada que “A instruir a escritura de compra e venda outorgada a 2 de Novembro de 1981, no Cartório Privativo da Câmara Municipal ..., encontra-se uma planta topográfica com diversas parcelas aí assinaladas, contendo a indicação das respectivas áreas, totalizando duas delas a área de 18.006 metros quadrados nela cedida à Câmara Municipal ...”, por se tratar de matéria levada à contestação e resultar da respectiva escritura.
- Deverá também ser levada à matéria de facto provada que “o prédio inscrito na matriz predial rústica, da freguesia ..., concelho de Castelo de Paiva, tem a área de 23.294 metros quadrados”, por ter sido oportunamente referido pela Alegante e constar do documento de fls. 80, verso, dos autos.,
- Deverá rectificar-se a matéria constante do n.º 8 dos factos provados, no sentido de aí ficar a constar “A 13 de Fevereiro de 2014, os Autores haviam já suportado, com o financiamento junto do Banco 1..., os seguintes encargos: 8.401,96 relativo a juros, €124,85 relativo a comissões e €494,01 relativo a impostos, (tudo totalizando o montante de €9.020,82)”.
- E o mesmo deverá suceder com a matéria constante do n.º 22 dos factos provados, de forma a que fique a constar “A 5 de Junho de 2018, e para pagamento do financiamento junto do Banco 1..., os Autores haviam já pago a quantia de € 12.020,61”.
- Deverá, igualmente, rectificar-se a matéria constante do n.º 23 dos factos provados, por forma a que fique a constar “A 5 de Junho de 2018, encontrava-se em dívida, até ao pagamento da última prestação, da quantia de €12.979,39, atendendo às condições contratualizadas com a Banco 1..., mormente, a respetiva taxa de juro e spread”.
- E também a matéria constante do n.º 39 dos factos provados deverá ser rectificada, por forma a que aí fique a constar “Foi passado à ordem da R. pela A. mulher o cheque nº ...,, no montante de € 15.000,00, datado de 16/05/2006”.
Finalmente,
21.º Os Autores intentaram a presente acção, na sequência da sentença proferida na acção 103/14.4TBCPV, do Tribunal Judicial de Castelo de Paiva, pretendendo ser ressarcidos dos danos que alegam ter sofrido em consequência da venda, por parte da Alegante e na escritura de compra e venda outorgada a 10 de Abril de de 2007, de um prédio alegadamente pertencente ao Município ....
Porém,
22.º Encontrando-se a Alegante de boa fé, os direitos dos Autores seriam apenas e só os previstos no artigo 899.º do Código Civil, onde se encontram enumerados os danos a indemnizar nas situações em que não se verifica culpa ou dolo.
Sucede, porém, que,
23º A sentença que julgou “invalida a escritura publica de compra e venda e mútuo com hipoteca de 10 de Abril de 2007” é consequência da situação de revelia dos ora Autores e Ré que, devidamente citados, não apresentaram contestação.
Com efeito,
24.º No que respeita aos ora Autores, após terem sido devidamente citados para contestarem a aludida acção 103/14.4TBCPV, por aí se verificar uma situação de litisconsórcio necessário, entenderam não contestar a mesma, mas apenas constituir mandatário, pese embora devidamente advertidos “de que a falta de contestação importa a confissão dos factos articulados” pelo Município ....
E o certo é que,
25.º Os Autores não só tinham conhecimento dos factos necessários à impugnação da matéria alegada pelo Município ..., na citada acção, como também tinham acesso a elementos documentais e prova testemunhal susceptíveis de obstar à procedência da aludida acção 103/14.4TBCPV, do Tribunal Judicial de Castelo de Paiva.
Porém,
26.º Como não tinham já interesse na construção da casa de habitação - o que os levou a recusar a troca de terreno que lhes havia sido proposta pela Alegante -, entenderam que lhes seria mais vantajoso a declaração de nulidade da escritura de compra e venda outorgada a 10 de Abril de 2007, para posteriormente virem a exercer os direitos daí decorrentes.
Pois,
27.º Há que ter presente que o valor peticionado na presente acção -“60.020,82€ (sessenta mil e vinte e oitenta e dois euros) - corresponde a quase o dobro do preço do prédio objecto da escritura de compra e venda outorgada a 10 de Abril de 2007.
Ora,
28.º De acordo com o disposto no artigo 334º do Código Civil “é ilegítimo o exercício de um direito, quando o titular exceda manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito”.
29.º “Trata-se de uma figura correspondente a uma válvula de segurança para obtemperar à injustiça gravemente chocante e reprovável para o sentimento jurídico imperante em que, por particularidades ou circunstâncias especiais do caso concreto, redundaria o exercício de um direito conferido pela lei”.
30.º E “é genericamente entendido que existirá tal abuso quando, admitido um certo direito como válido, isto é, não só legal mas também legítimo e razoável, em tese geral, aparece todavia, no caso concreto, exercitado em termos clamorosamente ofensivos da justiça, ainda que ajustados ao conteúdo formal do direito”.
31.º A situação que se observa nos presentes autos constituiu uma situação de abuso de direito, na modalidade “Tu Quoque”, porquanto os Autores não contestando a citada acção 103/14.4TBCPV, apesar de devidamente advertidos para a consequência da falta de contestação, pretendem agora “prevalecer-se da situação daí decorrente”, exigindo da Alegante “o acatamento da situação” (nomeadamente, as consequências) a que a sua conduta conduziu.
Ora,
32.º “A actuação de posições jurídicas indevidamente obtidas tem sido, com unanimidade, considerada contrária à boa fé. Pelo quadro legal português, haveria que tê-la por abusiva, nos termos do artigo 334”.
Já que,
33.º “No exercício de posições indevidamente obtidas, a tónica tem sido colocada na inadmissibilidade da sua constituição (…) existe, antes, uma situação jurídica que, por força de um comportamento anterior do seu beneficiário, foi alterada, na sua configuração, por forma a não permitir atuações ao seu abrigo que, de outro modo, seriam possíveis”.
34.º E daí que os Autores não tenham direito a exercer os direitos que, com a presente acção, pretendem fazer valer, porquanto não agiram de boa fé, no sentido de agir “com lealdade e zelo”.
Pelo que,
35.º Ao decidir nos termos constantes de fls. 206 e seguintes dos autos, condenando a ora Alegante a “pagar aos AA. a quantia global de € 52.020,82 ( Cinquenta e dois mil e vinte euros e oitenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento”, violou a sentença recorrida o disposto nos artigos 342.º, n.º 2, 334.º e 899.º do Código Civil, 154.º, 414.º, 466.º e 607.º, n.ºs 3, 4 e 5 do Código de Processo Civil e 205, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.
Concluiu, pedindo que o presente recurso seja provido e, em consequência, revogada a sentença recorrida e substituída por outra que absolva a Alegante do pedido.

6. Os Autores/Apelados ofereceram contra-alegações, pugnando pela confirmação do julgado.

7. Foram observados os vistos legais.
*
II. DELIMITAÇÃO do OBJECTO do RECURSO:
O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635º, nº 3, e 639º, n.ºs 1 e 2, do CPC.
Por outro lado, ainda, sem prejuízo das matérias de conhecimento oficioso, o tribunal de recurso não pode conhecer de questões não antes suscitadas pelas partes perante o Tribunal de 1ª instância, sendo que a instância recursiva, tal como configurada no nosso sistema de recursos, não se destina à prolação de novas decisões, mas à reapreciação pela instância hierarquicamente superior das decisões proferidas pelas instâncias. [1].
*
As questões a decidir no presente recurso são as seguintes:
1ª- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
2ª- Verificação dos pressupostos da obrigação de indemnização.
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III. FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO:
1. O Tribunal de 1ª instância julgou provados os seguintes factos:
1. Por escritura outorgada no dia 02/11/1981 a Ré vendeu ao Município ..., pelo preço de 2.340.780$00, o prédio rústico composto de eucaliptal, pinhal e mato, sito no Lugar ..., freguesia ..., Concelho de Castelo de Paiva, inscrito na matriz predial rústica com o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ..., a fls.5 verso do Livro ... – - (Cfr. Doc. 1 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
2. Em 2005, a Ré AA apresentou na Repartição de Finanças de Castelo de Paiva um requerimento de participação de prédio omisso na matriz, com o qual requereu a respectiva inscrição matricial do prédio rústico composto de pinhal e mato, sito no Lugar ..., freguesia ..., Concelho de Castelo de Paiva, tendo-lhe sido atribuído o artigo matricial rústico nº ... da freguesia ....
3. A R. deslocou-se ao Cartório Notarial de Arouca no qual celebrou, em 21 de Março de 2006, uma escritura de justificação notarial – (Cfr. Doc. 2 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
4. Tendo registado o aludido prédio, junto da Conservatória do registo Predial de Castelo de Paiva, freguesia ... e ..., (antiga freguesia ...) sob o n.º ..., (Cfr. Doc. 3 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
5. A R. celebrou com os AA, um contrato promessa de compra e venda do aludido prédio, tendo ali recebido a quantia de € 15.000,00 (quinze mil euros) a título de sinal. – (Cfr. Doc. juntos a 180 e 186 dos autos, para onde se remete e aqui se dão por integralmente reproduzidos).
6. No dia 10 de abril de 2007, foi outorgada escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca na qual a AA, vendeu pelo preço de €21.000,00 (vinte e um mil euros) aos aqui AA., o prédio rústico composto de pinhal e mato, sito no Lugar ..., na freguesia ..., inscrito na matriz da freguesia ..., sob o artigo ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo de Paiva sob o nº ..., com vista à construção de habitação – (Cfr. Doc. 5 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
7.Preço que foi integralmente pago no ato da escritura.
8.Bem como as despesas tidas relativamente ao financiamento junto do Banco 1... e que se auferem no montante de €8.401,96 relativo a juros; o valor de €124,85 relativo a comissões e €494,01 relativo a impostos, (totalizado no montante de €9.020,82 – Cfr. Doc. de Fls. 24 junto com a petição inicial e cfr. ainda Doc. de Fls. 175 dos autos, para os quais se remete e aqui se dão por integralmente reproduzidos).
9. Nessa mesma escritura ficou convencionado que a Banco 1..., C.R.L., concedeu aos AA, um empréstimo no montante de vinte e um mil euros, pelo prazo de dez anos, destinado à compra do supra identificado imóvel, constituindo-se, hipoteca sobre o mesmo a favor da Banco 1... (Cfr. Doc. 6 referido).
10. Destinando-se tal hipoteca a garantir o bom e integral pagamento do capital do referido empréstimo, dos respetivos juros remuneratórios, que para efeitos de registo de hipoteca, se fixou em doze por cento, acrescida em caso de mora, a esse título e de cláusula penal, da sobretaxa de quatro pontos percentuais, capitalizáveis (Cfr. Doc. referido).
11. A hipoteca foi constituída sobre o imóvel por tempo indeterminado, livre de quaisquer ónus ou encargos ou limitações, abrangendo a totalidade do mesmo.
12. Ficando, ainda, os aqui AA. com as responsabilidades perante a Banco 1..., nos termos do clausulado constante do documento complementar, que constitui parte integrante da escritura, conforme respetivo documento junto à mesma – (Cfr. Doc. 5 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
13. O A. marido deu entrada nos serviços competentes da Câmara Municipal ..., de um pedido de informação prévia sobre a possibilidade de realizar construção de habitação no mesmo – (Cfr. Doc. 8 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
14. Na sequência da formulação do Pedido de Informação Prévia, tendente à construção de uma habitação destinada a casa de morada de família do Autores, foi este surpreendido com uma informação da Câmara Municipal ... em que a mesma se arrogava proprietária do imóvel descrito nos pontos 2 a 4 da petição inicial.
15. Matéria que deu origem ao processo judicial nº 103/14.4TBCPV, que correu termos no Tribunal de Castelo de Paiva (cfr. doc. Fls.27 v. e ss dos autos para o qual se remete e aqui se dá por reproduzido na íntegra).
16. O qual, por sentença já transitada em julgado, da sua parte decisória em 1ª Instância consta a seguinte parte decisória:
“1- Declaro impugnado, para todos os efeitos legais, o facto justificado na escritura de 21 de Março de 2006, por a ré não terem adquirido o prédio nela identificado, correspondente ao do artigo 1º da petição inicial, por usucapião.
2- Declaro ineficaz e de nenhum efeito essa mesma escritura de justificação notarial, por forma a que os réus não possam, através dela, registar quaisquer direitos sobre o prédio nela identificado.
3- Declaro invalida a escritura publica de compra e venda e mútuo com hipoteca de 10 de Abril de 2007.
4- Ordeno o cancelamento de quaisquer actos ou registos operados com base na escritura referida em 1.
5- Custas pelos Réus, pelo mínimo legal - artigo 527º do Código de Processo Civil.” – (cfr. doc. Fls.27 v. e ss dos autos para o qual se remete e aqui se dá por reproduzido na íntegra).
17. Decisão que foi confirmada pelo Tribunal da Relação do Porto, por Acórdão proferido em 30 de Maio de 2016, tendo transitado em julgado – (cfr. doc. Fls. 32 e ss dos autos para o qual se remete e aqui se dá por reproduzido na íntegra).
18. A R., após requerer a inscrição de um prédio omisso na matriz, justificou notarialmente, seguida de registo, como o tendo adquirido por usucapião.
19. Para sinalizar o negócio aquando da celebração com contrato promessa, os AA. entregaram à R. a quantia de € 15.000,00.
20. Para a aludida compra, os AA contraíram mútuo bancário junto da Banco 1..., no valor de € 21.000,00.
21. Mútuo esse que os AA. nunca incumpriram e ainda se encontra a ser pago.
22.Tendo sido pago, até à presente data, a quantia de €12.520,61 – (Cfr. Doc. 10 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
23. Encontrando-se, em dívida, até ao pagamento da última prestação, da quantia de €12.979,39, atendendo às condições contratualizadas com a Banco 1..., mormente, a respetiva taxa de juro e spread (Cfr. Doc. 10 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
24. Os AA tinham o seu projeto de vida.
25. Adquiriram, em 2007, um imóvel para construção da sua casa de morada de família, e desde 12 de Agosto de 2011 (data do parecer de suspensão da Câmara Municipal ...) ficaram impossibilitados de construir naquele imóvel.
26. Para além da ansiedade, horas perdidas, que resulta daquela presente situação.
27. A R. não contestou a acção 103/14.4TBCPV.
28. Na aludida acção 103/14.4TBCPV, os ora Autores (ali RR.), não contestaram a acção.
29. A contestante equacionou proceder à troca do aludido prédio por outros de que era proprietária de idêntico valor ao vendido na citada escritura de 10 de Abril de 2007.
30. Os Autores não aceitaram os prédios propostos.
31. Os Autores participaram criminalmente da contestante, imputando-lhe a prática de um crime de burla. (cfr. Doc. 3 junto com a contestação, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido)
32. A queixa foi apresentada a 30/12/2011 e instruída com a aludida escritura de compra e venda celebrada a 2 de Novembro de 1981. (Doc. 3 citado).
33. O Ministério Público proferiu despacho de arquivamento, por considerar que “de acordo com o que apurou no presente inquérito, temos por certo que a arguida quando vendeu aos ofendidos o prédio em causa nos autos estava convencida que o mesmo lhe pertencia, já que quando vendeu o prédio inscrito sob o art. ... não vendeu a totalidade área que integrava o mesmo, tendo mantido o remanescente na sua propriedade e criado um novo artigo”, concluindo que “poder-se-á dizer que a censura reside na circunstância de a denunciada não ter procedido à desanexação do artigo, quando da sua venda, por forma a não causar os equívocos que ora se verificam”. (Doc. 3, já dado por reproduzido).
34. Despacho notificado aos Autores.
35. Por ofício datado de 16/05/2014, foram os ora Autores citados para contestarem a aludida acção 103/14.4TBCPV, da Secção de Competência Genérica de Castelo de Paiva, “com a advertência de que a falta de contestação importa a confissão dos factos articulados” pelo Município .... (Doc. 1, já dado por reproduzido).
36. Citação essa que se considerou efectuada no dia 19 de Maio de 2014. (Doc. 1 referido).
37. Os AA. vivem em casa dos seus sogros e pais.
38. Na participação que aí apresentaram, alegaram os Autores que, “na sequência de contrato promessa de compra e venda com a entrega de quantia a título de sinal e princípio de pagamento, celebrado entre os denunciantes e AA, foi outorgada escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca em 10/04/2007, na qual a AA, vendeu pelo preço de vinte e um mil euros aos aqui denunciantes, o prédio rústico composto de pinhal e mato, sito no Lugar ..., na freguesia ..., inscrito na matriz da freguesia ..., sob o artigo ..., e descrito na Conservatória do registo Predial de Castelo de Paiva sob o nº ...”. (Doc. 3).
39. Foi passado à ordem da R. pela A. mulher o cheque nº ..., no montante de € 15.000,00, datado de 16/05/2006 – cfr. Doc. junto Fls. 16 v. dos autos para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido.
40. Foi passado à ordem da R. pela Banco 1... o cheque nº ..., no montante de € 17.500,00, datado de 10/04/2007 – cfr. Doc. junto Fls. 183 dos autos para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido.
41. Informação prestada pela Banco 1... por determinação deste tribunal, de onde decorre que os AA. pagaram até 18/11/2020:
. Capital- € 23.132,03
. Juros- € 26.249,94
. Comissões-€ 2.133,35
. Impostos-€ 1.3997,61 (cfr. Doc. de Fls. 175 dos autos para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).

2. O Tribunal de 1ª instância julgou não provados os seguintes factos:
a) O supra mencionado prédio era parte integrante do prédio referido no antecedente ponto 1 da petição inicial.
b) Na sequência do registo do referido prédio rústico a seu favor, os AA contrataram os serviços do Sr. Arquiteto HH no sentido de elaborar e apresentar o projeto de licenciamento da construção da habitação, suportando todos os custos diretos e indiretos com o mesmo.
c) Tendo os AA. despendido, também, valores para pagamento do técnico especializado que elaborou a memória descritiva submetida aquando do pedido de informação prévio, quantia que a R. deverá ser condenada a pagar aos AA.
d) Bem como todos os custos com a participação criminal, processo judicial e deslocações para o Tribunal e Município, que estimam em € 5.000,00, entre horas e dias de trabalho perdidos e outros.
e) Como era do inteiro conhecimento das partes envolvidas, o referido prédio dispunha da área de 23.294 metros quadrados.
f) E, como apenas vendera uma parte do aludido prédio, por escritura outorgada a fls. 99 e seguinte, do livro de notas para escritura diversas 13-L, do Cartório Notarial de Arouca, a ora contestante procedeu à justificação de uma das partes restantes.
g) Após ter sido citada para a aludida acção, a ora contestante reuniu-se com o Senhor Presidente da Câmara Municipal ..., Sr. FF, e com o Senhor Vereador GG e, após se terem deslocado ao prédio em causa, obteve destes a garantia de que tudo seria resolvido de forma consensual.
h) Por esse facto, não contestou a aludida acção.
i) A contestante encontra-se convicta que o referido prédio era efectivamente seu.
j) Os ora Autores tinham inteiro conhecimento de todos os factos alegados nos artigos 4º a 7º da presente contestação.
l) Por ter instruído o contrato promessa celebrado a 14 de Maio de 2006, os Autores tinham igualmente conhecimento que, por documento datado de 5 de Maio de 2006, a Câmara Municipal ... havia já certificado que a área correspondente ao prédio objecto do aludido contrato - e da posterior escritura de compra e venda celebrada a 10 de Abril de 2007 - se encontrava “em Área a Consolidar do PDM, sendo viável uma construção ao abrigo do artigo 25º do referido regulamento”.
m)Desde há vários anos que os Autores se desinteressaram do seu projecto inicial, de construção de uma habitação própria.
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IV. FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA.
1ª Questão- Impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
Perante as exigências estabelecidas no art. 640º do CPC, constituem ónus a cargo do recorrente que impugne a decisão relativa à matéria de facto, a seguinte especificação:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
“Quer isto dizer que recai sobre a parte Recorrente um triplo ónus:
Primeiro: circunscrever ou delimitar o âmbito do recurso, indicando claramente os segmentos da decisão que considera viciados por erro de julgamento;
Segundo: fundamentar, em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa;
Terceiro: enunciar qual a decisão que, em seu entender, deve ter lugar relativamente às questões de facto impugnadas.
Ónus tripartido que encontra nos princípios estruturantes da cooperação, da lealdade e boa fé processuais a sua ratio e que visa garantir, em última análise, a seriedade do próprio recurso instaurado, arredando eventuais manobras dilatórias de protelamento do trânsito em julgado da decisão.”[2]
Segundo o disposto no art. 662º nº 1 do CPC, “A Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa”.
No âmbito do recurso de impugnação da decisão de facto, o Tribunal da Relação pode e deve realizar uma efectiva reapreciação da prova produzida, levando em consideração, não só os meios de prova indicados no recurso, como outros que relevem para a decisão relativa aos pontos da matéria de facto impugnada, com vista a formar a sua própria convicção, mas só o deve efectuar se da fundamentação vertida na sentença recorrida for evidente algum erro de apreciação dos factos controvertidos à luz das regras de experiência ou de prova vinculada.
Não podemos escamotear a importância extrema do princípio da imediação da prova, estando o Juiz de 1ª instância, sem dúvida, melhor posicionado para ter plena percepção da forma como os depoimentos são prestados, as hesitações e linguagem corporal das testemunhas e partes, dificilmente percetível em gravações exclusivamente sonoras, para mais quando o Juiz da Instância Superior se vê limitado a ouvir os depoimentos prestados sem poder interrogar de modo a esclarecer-se convenientemente.
Quanto aos concretos pontos de facto que a Apelante considera incorrectamente julgados, alegou-os a Apelante, sob a Conclusão 20 solicitando alterações de redação a alguns factos provados, a eliminação de outros factos provados para passarem a não provados e vice-versa e, a ampliação de outros factos ao elenco dos factos provados, dizendo qual a decisão que em seu entender deve ser tomada relativamente a cada um dos factos impugnados, cumprindo o ónus previsto no art. 640º nº 1 al. a) e c) do CPC.
Antes da análise propriamente dita em pormenor dos factos impugnados, salientamos que a Apelante, à luz do art. 640º al. b) do CPC, indicou, na maior parte dos casos, os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada que sob o seu ponto de vista impunham decisão diversa da recorrida, socorrendo-se da prova documental junta aos autos, do depoimento da testemunha DD e das declarações de parte dos Autores/Apelados.
Incumbia à Apelante especificar os meios de prova que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida e, não apenas os meios de prova que podiam ter sido tomados em consideração no sentido decisório por si preconizado, uma vez que a parte terá sempre uma percepção pessoal e interessada dos meios de prova que invoca em abono do seu ponto de vista, enquanto que o tribunal deverá fazer uma análise articulada de todos os meios de prova produzidos perante si, conjugando-os com as regras de experiência e sempre apreciando livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto.
No processo de formação da sua convicção, o tribunal pode socorrer-se do depoimento testemunhal para prova de determinados factos e, apesar disso não atender ao mesmo depoimento relativamente a outros factos em que esse depoimento não terá sido suficiente para os demonstrar, desde que a livre convicção do tribunal a esse propósito não se mostre arbitrária, uma vez que o tribunal não se limita a ouvir e aceitar tudo o que as testemunhas dizem, devendo fazer uma triagem daquilo que é o conhecimento pessoal da testemunha, do que é mero conhecimento indirecto, conjugando-o com a demais prova documental e com as regras de experiência comum.
Deste modo, a discordância da Apelante quanto ao facto de a testemunha DD ter sido atendido para prova de determinados factos e não de outros nada tem de errado, não consubstanciando por si só erro de julgamento mas mera discordância da valoração efectuada pelo tribunal daquele meio probatório.
Importa, pois, apurar se foi produzida prova cabal e consistente que imponha decisão diferente da que foi tomada pelo tribunal a quo, sobre cada um dos factos impugnados.
Para melhor compreensão da impugnação apresentada pela Apelante, elenca-se, por ordem numérica, cada um dos factos impugnados, seguido do que pretende a Apelante relativamente a cada um deles, e quais os meios probatórios invocados para o efeito:
1.1 Factos provados impugnados:
a) Ponto 1 dos factos provados- Por escritura outorgada no dia 02/11/1981 a Ré vendeu ao Município ..., pelo preço de 2.340.780$00, o prédio rústico composto de eucaliptal, pinhal e mato, sito no Lugar ..., freguesia ..., Concelho de Castelo de Paiva, inscrito na matriz predial rústica com o artigo ... e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o nº ..., a fls.5 verso do Livro ... – - (Cfr. Doc. 1 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
Pretende a Apelante a alteração da redação deste ponto para o seguinte texto: “Por escritura de compra e venda de 2 de Novembro de 1981, lavrada a fls. 47 e seguinte, do livro ..., do Cartório Privativo da Câmara Municipal ..., a Ré AA declarou vender à Câmara Municipal ... e esta declarou comprar àquela, pelo preço de dois milhões trezentos e quarenta mil setecentos e oitenta escudos, o prédio rústico, composto de terreno de eucaliptal, pinhal e mato, sito no Lugar ..., freguesia ... (…) inscrito na matriz predial rústica da freguesia ... sob o artigo ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo de Paiva sob o número ..., a folhas cinco verso do livro ..., correspondente à área de de dezoito mil e seis metros quadrados, conforme planta topográfica que fez parte integrante da referida escritura”.
Sustenta que tal resulta dos seguintes meios de prova: da escritura pública de compra e venda outorgada a 2 de Novembro de 1981 e do depoimento da testemunha DD.
A impugnação apresentada quanto a este ponto não se traduz em qualquer discordância apresentada pela Apelante quanto à matéria de facto vertida neste ponto, mas num mero preciosismo quanto ao texto, resultando claro que o tribunal apenas sintetizou, do texto do documento a que nele faz referência, aquilo que considerou mais relevante para a decisão da causa, dando contudo por integralmente reproduzido o conteúdo da escritura pública nele mencionada, pelo que, em rigor a alteração de redação que a Apelante pretende não se impõe, contudo, sendo a questão da área vendida um elemento utilizado pela ré na sua defesa para afastar a pretensão dos Autores, por uma questão de coerência altera-se a redação do ponto 1 dos factos provados para a redação apresentada pela Apelante por forma a espelhar o essencial do declarado na referida escritura.
b) Ponto 6 dos factos provados- No dia 10 de abril de 2007, foi outorgada escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca na qual a AA, vendeu pelo preço de €21.000,00 (vinte e um mil euros) aos aqui AA., o prédio rústico composto de pinhal e mato, sito no Lugar ..., na freguesia ..., inscrito na matriz da freguesia ..., sob o artigo ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo de Paiva sob o nº ..., com vista à construção de habitação – (Cfr. Doc. 5 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
Pretende a Apelante a alteração da redação deste ponto para o seguinte texto: ““No dia 10 de abril de 2007, foi outorgada escritura de compra e venda e mútuo com hipoteca na qual AA declarou vender, pelo preço de €21.000,00 (vinte e um mil euros), aos aqui AA., e estes declararam comprar àquela, o prédio rústico composto de pinhal e mato, sito no Lugar ..., na freguesia ..., inscrito na matriz da freguesia ..., sob o artigo ..., e descrito na Conservatória do Registo Predial de Castelo de Paiva sob o nº ...”.
Sustenta que tal resulta dos seguintes meios de prova: do despacho de 20 de Dezembro de 2020 [fls. 178], dos requerimentos apresentados pelos Autores a 3 de Janeiro e 1 de Fevereiro de 2021 [fls. 179 e 182, dos autos], dos cheques que estes acompanharam [fls. 180 e 183] e contrato-promessa datado de 14 de Maio de 2006 [fls. 186 dos autos].
Se bem percebemos, a Apelante não impugna o documento que o tribunal a quo deu por integralmente reproduzido neste ponto dos factos provados, nem o que dele consta, apenas eliminando da redação que pretende ver alterada a parte final “com vista à construção de habitação”.
Ora, o objectivo da compra para construção para além de constar do contrato promessa junto aos autos a que a Apelante faz menção, bem como do documento anexo ao mesmo passado pela Câmara Municipal no sentido da viabilidade de uma construção naquele terreno, resulta também dos demais meios de prova produzidos no processo, designadamente resulta quer das declarações de parte dos Apelados, quer mesmo do depoimento da testemunha DD, que o objectivo dos AA ao comprar o prédio em questão era para construir habitação própria próximo dos pais da Autora, como fez constar o tribunal a quo da sua motivação, resultando também do PIP que o Autor marido deu entrada na CM (doc. 8 junto com a pi), sendo que os requerimentos e os cheques de que a Apelante lança mão não consubstanciam meios probatórios que imponham redação diversa da que ficou consignada neste ponto 6 dos factos provados.
Assim sendo, improcede a impugnação quanto a este ponto de facto.
c) Ponto 7 dos factos provados-Preço que foi integralmente pago no ato da escritura.
Pretende a Apelante a transição deste facto para os factos não provados.
Sustenta que tal resulta dos seguintes meios de prova: do despacho de 20 de Dezembro de 2020 [fls. 178], dos requerimentos apresentados pelos Autores a 3 de Janeiro e 1 de Fevereiro de 2021 [fls. 179 e 182, dos autos], dos cheques que estes acompanharam [fls. 180 e 183] e contrato-promessa datado de 14 de Maio de 2006 [fls. 186 dos autos].
Efectivamente, nos autos consta a entrega de um cheque de €15.000,00 emitido pela Autora a favor da Ré, próximo da data do contrato promessa, contrato esse do qual consta o compromisso da Autora em entregar na data de assinatura desse contrato promessa, a título de sinal, aquele valor e o restante na data de outorga da escritura e, consta também um cheque emitido pela entidade financiadora da compra, com a mesma data da escritura de compra e venda com mútuo e hipoteca, passado a favor da Ré no valor de €17.500,00.
A Apelante aceita ter recebido tais valores por conta deste negócio, valores esses dados como provados nos pontos 5, 19, 39 e 40 dos factos provados e que não foram impugnados, logo, é ponto mais do que assente que o preço de venda ficou integralmente pago no ato da escritura (embora o preço tenha sido declarado na escritura em valor inferior ao que efectivamente foi pago), sendo esse o sentido da redação deste facto.
Deste modo, existindo inequívoca prova do facto impugnado, improcede a sua transição para os factos não provados, porém, para evitar equívocos altera-se a sua redação para a seguinte:
7- Preço que ficou integralmente pago no ato da escritura.
d) Ponto 8 dos factos provados- Bem como as despesas tidas relativamente ao financiamento junto do Banco 1... e que se auferem no montante de €8.401,96 relativo a juros; o valor de €124,85 relativo a comissões e €494,01 relativo a impostos, ( totalizado no montante de €9.020,82 – Cfr. Doc. de Fls. 24 junto com a petição inicial e cfr. ainda Doc. de Fls. 175 dos autos, para os quais se remete e aqui se dão por integralmente reproduzidos).
Pretende a Apelante que seja rectificado, no sentido de aí ficar a constar “A 13 de Fevereiro de 2014, os Autores haviam já suportado, com o financiamento junto do Banco 1..., os seguintes encargos: 8.401,96 relativo a juros, €124,85 relativo a comissões e €494,01 relativo a impostos, (tudo totalizando o montante de €9.020,82)”.
Não alicerça esta alteração em qualquer meio de prova que em seu entender o imponha.
De todo o modo, concede-se que, embora os factos sejam os mesmos e os meios de prova tenham sido os considerados pelo tribunal, a redação dada pela Apelante é muito mais perceptível e clara, razão pela qual se altera a redação do ponto 8 nos termos apresentados pela Apelante.
e)Ponto 13 dos factos provados- O A. marido deu entrada nos serviços competentes da Câmara Municipal ..., de um pedido de informação prévia sobre a possibilidade de realizar construção de habitação no mesmo – (Cfr. Doc. 8 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
Pretende a Apelante que seja reformulado, passando a constar “A 7 de Setembro de 2006, o A. marido deu entrada nos serviços competentes da Câmara Municipal ..., de um pedido de informação prévia sobre a possibilidade de realizar construção de habitação no mesmo”.
Sustenta que tal resulta do seguinte meio de prova: documento junto a fls. 99 verso dos autos.
Mais uma vez a presente impugnação não se traduz em qualquer discordância quanto ao facto considerado provado e, o documento nele mencionado, não tendo qualquer relevância para a decisão da causa acrescentar a data do pedido, data essa que, contudo, sempre consta do próprio documento que está dado como integralmente reproduzido.
Assim sendo, improcede a impugnação quanto a este ponto de facto.
f) Ponto 16 dos factos provados- O qual, por sentença já transitada em julgado, da sua parte decisória em 1ª Instância consta a seguinte parte decisória:
“1- Declaro impugnado, para todos os efeitos legais, o facto justificado na escritura de 21 de Março de 2006, por a ré não terem adquirido o prédio nela identificado, correspondente ao do artigo 1º da petição inicial, por usucapião.
2- Declaro ineficaz e de nenhum efeito essa mesma escritura de justificação notarial, por forma a que os réus não possam, através dela, registar quaisquer direitos sobre o prédio nela identificado.
3- Declaro invalida a escritura publica de compra e venda e mútuo com hipoteca de 10 de Abril de 2007.
4- Ordeno o cancelamento de quaisquer actos ou registos operados com base na escritura referida em 1.
5- Custas pelos Réus, pelo mínimo legal - artigo 527º do Código de Processo Civil.” – (cfr. doc. Fls.27 v. e ss dos autos para o qual se remete e aqui se dá por reproduzido na íntegra).
Pretende a Apelante que seja reformulado, passando a constar “Face à revelia dos ora Autores e Ré (aí Réus) - pois apenas a Banco 1... apresentou contestação -, foi a aludida acção 103/14.4TBCPV julgada procedente, por sentença proferida a 28 de Novembro de 2015, constando da respectiva parte decisória: 1- Declaro impugnado, para todos os efeitos legais, o facto justificado na escritura de 21 de Março de 2006, por a ré não terem adquirido o prédio nela identificado, correspondente ao do artigo 1º da petição inicial, por usucapião. 2- Declaro ineficaz e de nenhum efeito essa mesma escritura de justificação notarial, por forma a que os réus não possam, através dela, registar quaisquer direitos sobre o prédio nela identificado. 3- Declaro invalida a escritura publica de compra e venda e mútuo com hipoteca de 10 de Abril de 2007. 4- Ordeno o cancelamento de quaisquer actos ou registos operados com base na escritura referida em 1. 5- Custas pelos Réus, pelo mínimo legal - artigo 527º do Código de Processo Civil”.
Sustenta que tal resulta do seguinte meio de prova: da certidão de fls. 78, verso, da acta da audiência prévia de fls. 81, da sentença de fls. 27, verso e Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de fls. 33.
Pretende a Apelante que se acrescente ao facto dado como provado sob este ponto e que resulta demonstrado por certidão judicial junta aos autos, que “face à revelia dos ora Autores e Ré (aí Réus) - pois apenas a Banco 1... apresentou contestação -, foi a aludida acção 103/14.4TBCPV julgada procedente”, contudo sem razão, porquanto, o que resulta da sentença em apreço é que, embora nem os aqui AA nem a aqui Ré tenham contestado ( factos dados como provados sob os pontos 27 e 28), a acção foi julgada procedente porque a aqui Ré não alegou os factos justificados na escritura de justificação notarial cujo ónus lhe incumbia em exclusivo, como veremos melhor em sede de mérito.
Deste modo, mantém-se a redação deste ponto de facto, sendo incontroversa a parte decisória nele vertida, não se acrescentando o segmento pretendido pela Apelante.
g) Ponto 22 dos factos provados- Tendo sido pago, até à presente data, a quantia de €12.520,61 – (Cfr. Doc. 10 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
Pretende a Apelante que seja reformulado, passando a constar “A 5 de Junho de 2018, e para pagamento do financiamento junto do Banco 1..., os Autores haviam já pago a quantia de € 12.020,61”.
Não alicerça esta alteração em qualquer meio de prova que em seu entender o imponha.
Constando do documento de que se socorreu o tribunal a quo para dar esta matéria como provada aquilo que dele consta, nada há a alterar.
h) Ponto 23 dos factos provados- Encontrando-se, em dívida, até ao pagamento da última prestação, da quantia de €12.979,39, atendendo às condições contratualizadas com a Banco 1..., mormente, a respetiva taxa de juro e spread (Cfr. Doc. 10 junto com a petição inicial, para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido).
Pretende a Apelante que seja reformulado, passando a constar “A 5 de Junho de 2018, encontrava-se em dívida, até ao pagamento da última prestação, da quantia de €12.979,39, atendendo às condições contratualizadas com a Banco 1..., mormente, a respetiva taxa de juro e spread”.
Não alicerça esta alteração em qualquer meio de prova que em seu entender o imponha.
Constando do documento de que se socorreu o tribunal a quo para dar esta matéria como provada aquilo que dele consta, nada há a alterar.
i) Ponto 24 dos factos provados- Os AA tinham o seu projeto de vida.
j) Ponto 25 dos factos provados- Adquiriram, em 2007, um imóvel para construção da sua casa de morada de família, e desde 12 de Agosto de 2011 (data do parecer de suspensão da Câmara Municipal ...) ficaram impossibilitados de construir naquele imóvel.
k) Ponto 26 dos factos provados- Para além da ansiedade, horas perdidas, que resulta daquela presente situação.
No que se refere à matéria constante dos n.ºs 24 a 26 dos factos provados pretende a Apelante que transitem para os factos não provados.
Razões invocadas: os Autores não deram cumprimento ao ónus de prova que lhes competia, porquanto as declarações de parte, sobretudo nos moldes em que foram produzidas, não são adequadas a dar tal matéria por provada e também por (sempre) resultarem dúvidas sobre a verificação dos danos morais que alegavam ter sofrido, a qual tem de ser resolvida “contra a parte a quem o facto aproveita”.
O tribunal aprecia livremente as declarações das partes, salvo se as mesmas constituírem confissão (art. 466º nº 3 do CPC), devendo ser apreciadas conjuntamente com os restantes meios de prova, o que foi observado pelo tribunal a quo, sendo certo que, enquanto factos pessoais dos Autores aquele meio de prova afigura-se adequado, pese embora nalguns casos possa não ser suficiente, o que não aconteceu no caso em apreço porquanto o tribunal não ficou com dúvidas sobre a valoração das declarações de parte, tendo-as apreciado livremente, em consonância, quer com os documentos juntos aos autos que nos dão conta que os AA pretendiam construir naquele prédio a sua casa de habitação e ficaram impossibilitados de o fazer quando a CM os impediu invocando ser dele proprietária, quer com as regras de experiência que apontam ser normal e expectável que a frustração da construção da casa de habitação que almejavam e o facto de terem sido constituído réus na acção de impugnação da escritura de justificação notarial, lhes tenha gerado ansiedade e horas perdidas com esse assunto.
Deste modo, da articulação da prova produzida nos autos, documental e declarações de parte, analisada à luz das regras da experiência, resultam aqueles factos provados, indeferindo-se a sua transição para os factos não provados.
l) Ponto 28 dos factos provados- Na aludida acção 103/14.4TBCPV, os ora Autores (ali RR.), não contestaram a acção.
Pretende a Apelante que seja reformulado, passando a constar, “Na aludida acção 103/14.4TBCPV, os ora Autores (ali RR.), não contestaram a acção, mas constituíram mandatário”.
Sustenta que tal resulta do seguinte meio de prova: certidão de fls. 160 dos autos.
Cumpre salientar que, a impugnação da decisão de facto não constitui um fim em si mesmo, antes se mostra admitida enquanto meio ou instrumento que visa permitir à parte que impugna a decisão de facto a revogação/alteração da decisão final, ou seja, como meio que visa a demonstração de um determinado direito que a sentença não concedeu.
Nesta perspectiva, a impugnação da decisão de facto é de rejeitar quando, em razão das circunstâncias específicas do caso submetido a julgamento, em razão das regras do ónus da prova ou do regime jurídico aplicável, a eventual alteração da decisão de facto não assume relevo para a decisão a proferir, pois que, em tal circunstancialismo, a respectiva actividade jurisdicional revelar-se-ia como inconsequente ou inútil.[3]
Ora, não se vê de que forma dar como provado que os aqui AA naquela acção constituíram advogado pode contribuir para a revogação ou alteração da decisão final, porquanto é totalmente irrelevante e inconsequente para a decisão da causa dar tal asserção como provada, sendo apenas relevante o facto de os aqui AA ( ali RR) não terem contestado.
Deste modo, não sendo este facto concreto objecto de impugnação, susceptível de, face às circunstâncias próprias do caso em apreciação e ao quadro normativo aplicável, ter relevância jurídica, não se procede à reapreciação do mesmo, sob pena de se levar a cabo uma actividade processual que se sabe, de antemão, ser inútil e inconsequente.
m) Ponto 29 dos factos provados- A contestante equacionou proceder à troca do aludido prédio por outros de que era proprietária de idêntico valor ao vendido na citada escritura de 10 de Abril de 2007.
Pretende a Apelante que passe a constar: “Em data anterior à apresentação em juízo da aludida acção 103/14.4TBCPV, e como o Autor alegava que estava impossibilitado de proceder à construção da casa de habitação pretendida, por a Câmara Municipal ... invocar ser dona do prédio que lhe havia sido vendido, a Ré disponibilizou-se para proceder à troca do aludido prédio por outros de que era proprietária”.
Sustenta que tal resulta do seguinte meio de prova: depoimento da testemunha DD.
Não tem razão a Apelante, porquanto, reapreciado o depoimento desta testemunha, esta apenas afirmou aquilo que ficou consignado neste ponto dos factos provados, nada tendo referido quanto ao momento em que essa troca de prédios foi proposta pela Ré aos AA por referência à referida acção, improcedendo a impugnação deste facto.
n) Ponto 34 dos factos provados- Despacho notificado aos Autores.
Pretende a Apelante que seja reformulado, passando a constar “O despacho de arquivamento proferido a 8 de Maio de 2012, no inquérito n.º 4/12.0TACPV dos Serviços do Ministério Público de Castelo de Paiva, foi notificado, por ofícios datados de 9 de Maio de 2012, aos ora Autores e ao mandatário que aí constituíram”.
Sustenta que tal resulta do seguinte meio de prova: documento de fls. 144 dos autos.
Volta-se a referir que, tal como mencionado quanto ao ponto 28 dos factos provados, apenas releva o facto que foi dado como provado, sendo a redação reformulada apresentada pela Apelante perfeitamente inócua para a decisão pretendida de revogação da sentença recorrida e, consequentemente revelando-se a impugnação deste facto um acto inútil, dela não se conhece.
o) Ponto 39 dos factos provados- Foi passado à ordem da R. pela A. mulher o cheque nº ...,, no montante de € 15.000,00, datado de 16/05/2006 – cfr. Doc. junto Fls. 16 v. dos autos para o qual se remete e aqui se dá por integralmente reproduzido.
Pretende a Apelante que seja reformulado, passando a constar “Foi passado à ordem da R. pela A. mulher o cheque nº ..., no montante de € 15.000,00, datado de 16/05/2006”.
Não alicerça esta alteração em qualquer meio de prova que em seu entender o imponha.
No entanto da análise da cópia do cheque junto aos autos verifica-se que o seu número não é ... mas ..., pelo que se rectifica a redação deste ponto nos moldes apontados pela Apelante.
1.2 Factos não provados impugnados:
e) Como era do inteiro conhecimento das partes envolvidas, o referido prédio dispunha da área de 23.294 metros quadrados.
Pretende a Apelante que esta matéria seja levada aos factos provados, com a seguinte redacção “Os outorgantes da escritura de compra e venda de 2 de Novembro de 1981, a ora Ré e EE, na qualidade de Presidente da Câmara Municipal ..., tinham conhecimento que o prédio de onde foi retirada a área nessa escritura vendida à Câmara Municipal ... tinha uma área superior”.
Sustenta que tal resulta do seguinte meio de prova: depoimento da testemunha DD.
O tribunal apenas pode dar como provados ou não provados factos previamente alegados pelas partes, conforme resulta inequivocamente do art. 5º do CPC.
O ponto ora impugnado havia sido alegado exactamente nesses termos no art. 5º da contestação e não com a redação agora pretendida pela Apelante.
De todo o modo, a testemunha DD não foi outorgante na escritura de 2/11/1981, nela não teve qualquer intervenção, não podendo atestar o que sabiam ou não os seus outorgantes, pelo que tem de se concluir que o meio de prova invocado pela Apelante para a pretendida alteração não é cabal para impor decisão diferente da tomada pelo tribunal.
Improcede, assim, a impugnação deste facto, mantendo-se nos factos não provados.
f) E, como apenas vendera uma parte do aludido prédio, por escritura outorgada a fls. 99 e seguinte, do livro de notas para escritura diversas 13-L, do Cartório Notarial de Arouca, a ora contestante procedeu à justificação de uma das partes restantes.
Pretende a Apelante que esta matéria seja levada aos factos provados, com a seguinte redacção “Por escritura de justificação de 21 de Março de 2006, lavrada a fls. 99, do livro ......, do Cartório Notarial de Arouca, a Ré procedeu à justificação do prédio rústico, composto de terreno a pinhal e mato, com a área de mil cento e noventa e três vírgula cinquenta metros quadrados, situado no Lugar ..., freguesia ..., concelho de Castelo de Paiva, inscrito na matriz sob o artigo ..., que correspondia a uma parte da área que havia sobrado do prédio vendido à Câmara Municipal ... na escritura de 2 de Novembro de 1981”.
Sustenta que tal resulta do seguinte meio de prova: depoimento da testemunha DD.
A escritura de justificação notarial está junta aos autos e, o seu teor consta do ponto 3 dos factos provados.
A testemunha DD, tal como o mencionou o tribunal a quo na motivação, não teve qualquer participação nessa escritura, não teve intervenção na participação que a Ré fez do artigo omisso que veio a dar origem ao artigo matricial ... que foi objecto da escritura de justificação notarial, como ele próprio afirmou no seu depoimento, pelo que, limitou-se a dar a sua opinião de que está convencido que o prédio vendido pela Ré aos aqui AA fazia parte do prédio vendido pela Ré à CM em 1981, isto porque restou uma parcela sobrante de cerca de 5000 m2, que localizou como fazendo parte da parcela A mencionada na planta topográfica anexa àquela escritura.
Contudo, também afirmou que a CM pôs todo o artigo em nome dela e, apesar de a CM ter admitido, em negociações nas quais a testemunha participou, suspender a acção de impugnação da justificação notarial para averiguar se a área sobrante era no local que a ré fez constar na escritura de justificação, posteriormente manteve a posição de que aquela parcela lhe pertencia.
O depoimento da testemunha quanto a esta matéria não traduz qualquer depoimento de conhecimento directo de factos mas mera confabulação dos cálculos vertidos na referida planta topográfica anexa á escritura de 1981, cálculos esses que mesmo que estejam correctos não fazem corresponder a localização da dita área sobrante com a parcela A- que a testemunha entende ser a tal parcela sobrante de onde foi retirado o prédio vendido aos aqui AA- pelo contrário, naqueles cálculos vertidos na planta a referida parcela A está incluída na área vendida à CM (conjuntamente com a maior parte da parcela B), afastando essa prova documental a opinião manifestada pela referida testemunha e indiciando que o prédio justificado corresponderá a área pertencente à CM, pelo que, ainda que a Ré pudesse ter ficado com uma área sobrante depois da venda dos 18.006 m2 à CM, não há nenhuma prova que nos diga que ela corresponde ao prédio participado pela Ré como omisso e depois objecto da escritura de justificação.
Tudo para concluir que não há prova segura e consistente do facto ora impugnado e o depoimento da testemunha DD não impõe decisão diversa da tomada pelo tribunal, devendo manter-se como facto não provado.
g) Após ter sido citada para a aludida acção, a ora contestante reuniu-se com o Senhor Presidente da Câmara Municipal ..., Sr. FF, e com o Senhor Vereador GG e, após se terem deslocado ao prédio em causa, obteve destes a garantia de que tudo seria resolvido de forma consensual.
h) Por esse facto, não contestou a aludida acção.
Pretende a Apelante que a matéria de facto destas duas alíneas seja levada aos factos provados, com a seguinte redacção, “Após ter sido citada para a acção intentada pela Câmara Municipal ..., e por intermediação de DD, a Ré reuniu-se com os então Presidente e Vereador da Câmara Municipal ..., FF e GG, tendo ficado acordado que a acção iria ser suspensa, o que acabou por não se verificar e apenas lhe ser comunicado quando já não tinha possibilidades de apresentar a contestação”.
Sustenta que tal resulta do seguinte meio de prova: depoimento da testemunha DD e da acta da audiência prévia de fls. 81 e seguintes dos autos.
Como já salientamos anteriormente, os factos a considerar provados ou não provados devem ser os factos alegados pelas partes, sendo que os pontos ora impugnados das alíneas g) e h) dos factos não provados haviam sido assim alegados pela Ré nos arts. 9º e 10º da contestação, não tendo sido feita a alegação com a formulação que a Apelante agora pretende introduzir, não lhe sendo tal admissível em sede de recurso.
Não obstante, dir-se-á que, apesar da testemunha DD ter falado na referida reunião, na qual participou, em nenhum momento do seu depoimento afirmou que a Ré obteve do presidente da CM de ... e do Vereador a garantia de que tudo seria resolvido de forma consensual e que por tal facto a acção não tenha sido contestada, tendo feito questão de salientar que não era ele o advogado naquela acção.
De igual modo, a testemunha DD também não afirmou no seu depoimento que quando soube da posição da CM a negar as pretensões da aqui Ré esta já não tinha possibilidades de contestar, apenas afirmou que acha que faltaria talvez um dia para se esgotar esse prazo, desconhecendo-se ao certo quanto tempo faltaria, mas extraindo-se desse depoimento que ainda não se havia esgotado.
Deste modo, o depoimento da referida testemunha não impõe a alteração destes factos não provados.
i) A contestante encontra-se convicta que o referido prédio era efectivamente seu.
Pretende a Apelante que esta matéria seja levada aos factos provados, por ser de molde a demonstrar a boa fé da Alegante.
Sustenta que tal resulta do seguinte meio de prova: depoimento da testemunha DD.
A referida testemunha não pode falar pela Ré, conviria que fosse a própria Ré a depôr sobre essa matéria de forma a que o tribunal formasse a sua convicção com base em prova directa, o que não aconteceu, resultando apenas do depoimento da testemunha DD que ele continua a pensar que aquela parcela de terreno é da ré, mas já vimos que essa sua ideia baseia-se em exclusivo no facto de constar da planta topográfica anexa à escritura de 1981 que a Ré não terá vendido à CM toda a área do artigo matricial ..., o que o terá levado a concluir que a ré continuou proprietária da área sobrante, mas isso não chega, era preciso que houvesse prova inequívoca e consistente de que uma parte da área que ficou de fora da venda à CM é precisamente a área do prédio objecto da escritura de justificação.
Ora todos os elementos documentais apontam para que não seja, uma vez que o prédio objecto da escritura de justificação se localizará na parcela A da planta topográfica (segundo pensa a testemunha DD) e essa parcela para além de não ter nessa planta os 1193,50 m2 que a ré vendeu aos AA ( apenas 1057,5 m2 ), nos cálculos apostos nessa planta essa parcela A fez parte da área de 18006 m2 vendida à CM.
Se a Ré estivesse convicta que aquele prédio era seu, normal seria que tivesse requerido a rectificação da área do artigo vendido à CM em 1981, procedido à sua desanexação ou de algum modo reagido pelos meios legais para ver definida a área sobrante, e não que mais de 20 anos volvidos fosse fazer a participação como prédio omisso e celebrasse escritura de justificação notarial declarando tê-lo adquirido por usucapião, quando sabia que assim não fora.
Por tais razões tem de se considerar que não foi produzida prova cabal, segura e consistente sobre tal facto, devendo permanecer nos factos não provados.
j) Os ora Autores tinham inteiro conhecimento de todos os factos alegados nos artigos 4º a 7º da presente contestação.
Pretende a Apelante que esta matéria seja levada aos factos provados, por ser de molde a demonstrar a boa fé da Alegante, com a seguinte redacção, “Na data em que foram citados para a acção intentada pela Câmara Municipal ..., os Autores tinham conhecimento que, na escritura outorgada a 2 de Novembro de 1981, a Ré tinha vendido apenas 18.006 metros quadrados de um prédio com uma área superior a 23.000 metros quadrados, que por escritura celebrada em 2006 havia justificado uma parte da área que havia reservado para si, para posteriormente lhes vender na escritura outorgada a 10 de Abril de 2007”.
Sustenta que tal resulta do seguinte meio de prova: certidão de fls. 125 e seguintes dos autos.
Da certidão judicial não consta provado aquilo que a Apelante pretende ver dado como provado e, ainda que assim não fosse, este facto é totalmente inócuo para a decisão da causa, pois que, tal como consta da referida sentença, ainda que os RR tivessem conhecimento daqueles factos isso em nada alteraria o desfecho da acção, pois que era à aqui ré que incumbia alegar os factos constitutivos da aquisição por usucapião do imóvel objecto da escritura de justificação.
Deste modo, mantém-se tal facto como não provado.
l) Por ter instruído o contrato promessa celebrado a 14 de Maio de 2006, os Autores tinham igualmente conhecimento que, por documento datado de 5 de Maio de 2006, a Câmara Municipal ... havia já certificado que a área correspondente ao prédio objecto do aludido contrato - e da posterior escritura de compra e venda celebrada a 10 de Abril de 2007 - se encontrava “em Área a Consolidar do PDM, sendo viável uma construção ao abrigo do artigo 25º do referido regulamento”.
Pretende a Apelante que esta matéria seja levada aos factos provados.
Sustenta que tal resulta do seguinte meio de prova: depoimento da testemunha DD e dos documentos de fls. 17 e 186 dos autos.
O facto ora impugnado também é inócuo para a pretendida alteração da sentença recorrida porquanto ainda que se desse como provado, como pretende a Apelante, em nada a alteraria, pelo que, como se fez referência a propósito do ponto 28 dos factos provados, dele não se conhece.
m)Desde há vários anos que os Autores se desinteressaram do seu projecto inicial, de construção de uma habitação própria.
Pretende a Apelante que esta matéria seja levada aos factos provados
Sustenta que tal resulta do seguinte meio de prova: depoimento da testemunha DD e dos documentos de fls. 17 e 186 dos autos.
Não vemos como pode aquele facto ser dado como provado, porquanto nem a testemunha DD no seu depoimento o afirmou, nem os documentos a que a Apelante faz referência o demonstram, não existindo prova cabal nesse sentido, assim se indeferindo a sua transição para os factos provados.
1.3 Factos a aditar:
- “O valor pago pelos Autores pelo prédio objecto da escritura de compra e venda de 10 de Abril de 2007 foi de € 32.500 (trinta e dois mil e quinhentos euros), pago em dois momentos - entrega do sinal (€15.000) no momento da assinatura do contrato-promessa de compra e venda e o restante (€ 17.500) na data da outorga da referida escritura -, através dos cheques a que se referem os nºs. 39 e 40 dos factos provados”
Meios de prova: resultar do despacho de 20 de Dezembro de 2020 [fls. 178], dos requerimentos apresentados pelos Autores a 3 de Janeiro e 1 de Fevereiro de 2021 [fls. 179 e 182, dos autos], dos cheques que estes acompanharam [fls. 180 e 183] e contrato-promessa datado de 14 de Maio de 2006 [fls. 186 dos autos].
A Apelante não alegou estes factos, pelo contrário, no art. 49º da contestação afirmou que a quantia que lhe foi efectivamente paga foi o valor de €21.000,00 que consta da escritura, pago em dois momentos: sinal na data da outorga do contrato promessa e o restante no momento da outorga da escritura, sendo até incongruente esta nova posição.
De todo o modo, os quantitativos pagos pelos Apelados à Apelante em virtude deste negócio já constam dos factos provados 5, 19, 39 e 40, os quais não foram impugnados.
Improcede, assim a inclusão deste facto nos factos provados.
- “A instruir a escritura de compra e venda outorgada a 2 de Novembro de 1981, no Cartório Privativo da Câmara Municipal ..., encontra-se uma planta topográfica com diversas parcelas aí assinaladas, contendo a indicação das respectivas áreas, totalizando duas delas a área de 18.006 metros quadrados nela cedida à Câmara Municipal ...”
Meios de prova: por se tratar de matéria levada à contestação e resultar da respectiva escritura.
Este facto, tal qual a Apelante pretende ver aditado não foi alegado na contestação, concedemos que resultará em parte do alegado no art. 16º da contestação, mas como acima já referimos, a área de 18.006 m2 não resultará da soma de duas parcelas.
Não obstante, tal documentação (escritura e planta anexa) consta como reproduzida nos factos provados, razão pela qual não se adita este facto aos factos provados.
- “o prédio inscrito na matriz predial rústica, da freguesia ..., concelho de Castelo de Paiva, tem a área de 23.294 metros quadrados”
Meios de prova: por ter sido oportunamente referido pela Alegante e constar do documento de fls. 80, verso, dos autos.
Não estando identificado o prédio em termos de artigo matricial, não tem qualquer utilidade este facto a aditar.
Em suma, resulta da fundamentação da decisão da matéria de facto do tribunal a quo, que o mesmo apreciou, para além da prova documental referida pela Apelante, a prova testemunhal (depoimento da testemunha DD) e as próprias declarações de parte dos Apelados, meios probatórios em que a Apelante sustenta a alteração da decisão sobre a matéria de facto ora impugnada, tendo feito uma apreciação articulada de todos os meios de prova produzidos e uma análise crítica dessa prova no seu conjunto.
Aqueles meios probatórios invocados pela Apelante foram devidamente tomados em consideração pelo tribunal a quo na sua decisão, só que foram apreciados de forma diferente da pretendida pela Apelante, diferente apreciação essa que não consubstancia qualquer erro de julgamento na análise da referida prova, sujeita a livre apreciação, que este Tribunal de recurso deva corrigir, mais não seja porque depois de reapreciada a prova documental e a gravação do depoimento da referida testemunha e das declarações de parte, corrobora-se o juízo decisório vertido na sentença recorrida, que decidiu de forma adequada, devidamente fundamentada e em consonância com as regras da experiência e normalidade.
Deste modo, nenhuma censura merece a decisão do tribunal a quo sobre a matéria de facto impugnada, a qual se mantém inalterada porque os meios de prova invocados pela Apelante não impõem decisão diferente da que foi proferida pelo tribunal de 1ª Instância, com excepção feita para a diferente redação dada aos pontos 1, 7, 8 e 39 dos factos provados.
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2ª- Verificação dos pressupostos da obrigação de indemnização.
A Apelante alicerça a sua pretensão recursiva com base em duas linhas argumentativas:
2.1 A Apelante encontrava-se de boa fé, pelo que os direitos dos Apelados seriam apenas e só os previstos no art. 899º do CC, onde se encontram enumerados os danos a indemnizar nas situações em que não se verifica culpa ou dolo;
2.2 Os Apelados não têm direito a exercer os direitos que com a presente acção pretendem fazer valer por terem agido em abuso de direito, na modalidade “Tu Quoque”.
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2.1. Danos a indemnizar.
Na sentença recorrida foram escalpelizados os pressupostos da responsabilidade emergente da venda de bens alheios, com recurso às disposições consagradas nos arts. 892º ss do CC.
Concluiu-se, na sentença recorrida que, como a escritura de compra e venda de imóvel celebrada entre a Apelante (como vendedora) e os Apelados (como compradores) foi declarada inválida por sentença transitada em julgado no Proc. Nº 103/14.4TBCPV- que o Município ... instaurou contra a aqui Ré e onde foram também RR os aqui AA-, sentença essa que declarou impugnada a escritura de justificação notarial celebrada pela aqui Apelante, com base na qual esta conseguira registar o imóvel em seu nome alegando aquisição por usucapião, e inválida a referida escritura de compra e venda celebrada entre a aqui Apelante e os aqui Apelados, por se ter tratado de venda de bem alheio (facto ilícito), não tendo a Apelante afastado a presunção de culpa que sobre ela impendia, deve restituir integralmente o preço pago pelos Apelados ( art. 894º CC) bem como indemnizá-los dos danos sofridos nos termos do disposto no art. 898º CC.
Pode ler-se da fundamentação jurídica o seguinte:
“Ora, é este precisamente o caso dos autos que encontra enquadramento no disposto no Art. 898º do C.C.. A R. não logrou afastar a presunção do art. 799º CC., tendo que indemnizar os AA. nos termos do disposto nos Arts. 894º e 898º do CC. Resulta incontornável que os AA. tiveram vários danos, desde logo quer o preço que tiveram que pagar pela aquisição do imóvel e despesas associadas à sua aquisição, tais como despesas tidas com o financiamento para tal aquisição, resultando que aqueles danos, prejuízos, só ocorreram em consequência da actuação ilícita da R., emergindo pois consumados os demais pressupostos decorrentes do art. 483º do CC, como o nexo causal entre a conduta da R. e os danos que os AA. não teriam sofrido na sua esfera, se a R. não tivesse tido tal conduta da R., contrária à lei.
Não se provou que a R. actuasse com dolo, não obstante não ficou afastada a presunção de culpa da R. conforme Art. 799º do CC. (ainda que na forma menos grave de negligência) que não demonstrou sem margem para dúvida que não sabia que o terreno não era dela, pois não se provou que encontra-se convicta que o referido prédio era efectivamente seu, devendo pois, ser condenada a ressarcir os danos (cfr. art. 799º, 483º e 496º todos do C.C.).
Aqui chegados, e subsumindo os factos provados ao direito aplicável, impõe-se concluir, atentos os pressupostos acima revisitados que a R. incorre na responsabilidade civil decorrente daquele preceito por verificação dos seus requisitos.
(…)Têm pois os AA. o direito a ser ressarcidos dos danos que lhes causaram prejuízos, nos termos do preceituado nos Arts. 562º, 563º e 566º do CC. e 899º do mesmo diploma legal.
Pretende o Autor ver-se ressarcido pelos seguintes danos:
€ 15.000 a título de sinal pago à R. aquando do contrato promessa de compra e venda; € 21.000, valor entregue aquando da celebração da escritura de compra e venda; € 9.020,00 por despesas tidas com o financiamento junto do Banco 1... ( sendo € 8.401,96 relativo a juros, € 124,95 de comissões e € 494,01 relativo a impostos), € 5.000 pelo valor gasto pelos AA. em pagamento de técnico especializado que elaborou a memória descritiva, custos com a participação criminal, processo judicial, deslocações ao Tribunal e Município, entre horas e dias de trabalho perdido e outros e ainda a quantia de € 10.000 a título de danos não patrimoniais.
Resulta incontornável que os AA., por causa da já caracterizada acção da R., ao actuar de forma ilícita, vendendo aos AA. um bem que não lhe pertencia, causou aos AA. vários danos, danos esses que consubstanciam prejuízos tidos pelos AA. provenientes daquela actuação da R., mormente todos os valores que os AA. tiveram que despender por causa do negócio efectuado e que resultam provadas, tais como o valor que os AA. pagaram a título de sinal aquando da assinatura do contrato promessa (€ 15.000,00), o valor que os AA. pagaram a título de preço aquando da celebração da escritura (€ 21.000,00), os € 9.020,82 a título de despesas conexionadas com a aquisição do imóvel nos moldes descritos, despesas que se encontram provados conforme documento junto a Fls. 24, pela Banco 1... (decorrendo de Fls. 175 que as despesas tidas pelos AA. com o financiamento são actualmente superiores às peticionadas), pelo que as despesas pedidas pelos AA. a este propósito estão demonstradas por documento, sendo o peticionada a este título procedente.
Aquelas despesas ficaram comprovadas com base nos elementos documentais juntos e, assim sendo, é indiscutível a sua ressarcibilidade, conforme art. 566º do CC.
Entendemos assistir razão aos AA. quantos às despesas elencadas, sendo a R. condenada a pagar-lhes a quantia de € 45.020,82 a título de danos patrimoniais (quarenta e cinco mil e vinte euros e oitenta e dois cêntimos).”
A propósito da boa-fé da Apelante, inalterada, neste recurso, a matéria de facto dada como não provada nestes autos, resulta inelutável a improcedência deste fundamento invocado pela Apelante, no entanto, sempre se dirá que, esta questão acaba por ser estéril, porquanto sempre teria a Apelante/vendedora de restituir integralmente o preço pago pelos Apelados, por força do disposto no art. 894º do CC e, cumulativamente de indemnizar os Apelados/compradores, apenas podendo discutir-se se era devida a indemnização prevista no art. 898º CC ou a indemnização prevista no art. 899º CC.
Ora, o tribunal a quo entendeu que era devida a indemnização prevista no art. 898º CC, apesar de ter afastado o dolo da Apelante, ao ter entendido que o legislador quando se refere ao “dolo” de um dos contraentes, na verdade está a referir-se à má-fé, entendendo que não é necessária a intenção, bastando a negligência do vendedor para que haja responsabilidade nos termos do disposto no art. 898º CC (parafraseando Pedro Romano Martinez).
Sustenta a Apelante que os direitos dos Apelados deveriam ser só os previstos no art. 899º CC.
No caso em apreço a distinção acaba por perder utilidade, uma vez que, como vimos, sendo nula a venda de bens alheios (assim tendo sido declarada por sentença transitada em julgado que faz caso julgado entre a aqui Apelante e os Apelados) o comprador que tiver procedido de boa fé (que ignore que a coisa é alheia), como é o caso dos aqui Apelados, tem sempre direito de exigir a restituição integral do preço e, para além disso, o contraente de boa fé tem direito a exigir uma indemnização pelos prejuízos sofridos, limitada aos danos emergentes no caso do art. 899º CC ( não havendo dolo nem culpa- baseada na responsabilidade objectiva) ou, englobando os danos emergentes e os lucros cessantes no caso do art. 898ºCC (a este propósito, veja-se, entre outros, Pedro Romano Martinez, Direito das Obrigações (Parte Especial) Contratos, p. 110; Luis Manuel Teles de Menezes Leitão, Direito das Obrigações, Vol III, Contratos em Especial, pág. 103; Pedro de Albuquerque, Direito das Obrigações, Contratos em Especial, Vol I, p. 363).
Como na sentença recorrida todos os danos cujo ressarcimento foi imputado à Apelante se traduzem na restituição do preço e na indemnização por danos emergentes (despesas suportadas com o negócio da compra e respectivo financiamento bancário e danos morais daí decorrentes), acaba por ser indiferente a integração da indemnização devida num ou noutro preceito legal, pois que os Apelados terão sempre direito, cumulativamente, à restituição integral preço e à indemnização pelos prejuízos sofridos a título de danos emergentes.
Uma ressalva deve ser feita à sentença recorrida quanto ao valor da restituição do preço devida aos Apelados à luz do art. 894º CC, uma vez que, certamente por lapso, se referiu que é devido o valor do sinal pago de €15.000,00, e o valor que os Apelados pagaram a título de preço aquando da celebração da escritura (€21.000,00), quando efectivamente o que resulta dos factos provados é que a título de preço a Apelante recebeu €15.000,00 como sinal aquando da celebração do contrato-promessa e no ato da escritura recebeu €17.500,00, ficando assim pago o preço, pelo que, independentemente do preço que ficou declarado na escritura (€21.000,00), a Apelante deverá devolver aos Apelados, não €36.000,00 mas €32.500,00, importância esta que recebeu a titulo de preço.

2.2. Actuação dos Apelados em abuso de direito, na modalidade “Tu Quoque”e suas consequências.
Esta forma de abuso de direito, admitido na Jurisprudência e na Doutrina, “corresponde às situações em que uma pessoa que incumpriu um dever jurídico não pode vir depois prevalecer-se desse incumprimento” (…)visando-se com a invocação do abuso “evitar que o infractor da norma beneficie dessa inobservância”.
António Menezes Cordeiro apresenta a seguinte definição:
“A fórmula tu quoque (também tu!) exprime a regra geral pela qual a pessoa que viole uma norma jurídica não pode depois, sem abuso:
- ou prevalecer-se da situação daí decorrente;
- ou exercer a posição violada pelo próprio;
-ou exigir a outrem o acatamento da situação já violada.
(…)Fere a sensibilidade primária, ética e jurídica, que uma pessoa possa desrespeitar um comando e, depois, vir exigir a outrem o seu acatamento.”[5]
Este Autor exemplifica esta situação, no caso da venda de bens alheios, com o art. 892º do CC, que impede o comprador doloso de opor a nulidade ao vendedor de boa fé.
Sustentou a Apelante que a sentença proferida na acção 103/14.4TBCPV que julgou inválida a escritura pública de compra e venda e mútuo com hipoteca de 10 de Abril de 2007 é consequência da situação de revelia dos ora Apelados e dela própria, que devidamente citados não apresentaram contestação, quando os Apelados não só tinham conhecimento dos factos necessários à impugnação da matéria alegada pelo Município ..., como também tinham acesso a elementos documentais e prova testemunhal susceptíveis de obstar à procedência da referida acção e, só não a contestaram porque já não tinham interesse na construção da casa de habitação, entendendo que lhes seria mais vantajoso a declaração de nulidade da escritura de compra e venda outorgada a 10 de Abril de 2007 para posteriormente virem a exercer os direitos daí decorrentes, peticionando um valor que corresponde a quase o dobro do preço do prédio objecto daquela escritura.
Salvo o devido respeito a Apelante só se pode queixar de si própria, porquanto os Apelados em nada contribuíram para a declaração de nulidade da compra e venda com ela celebrada, tendo sido a Apelante quem participou um prédio como omisso, celebrou uma escritura de justificação notarial por forma a justificar uma alegada aquisição por usucapião, sabendo que tal não correspondia à realidade, com o intuito de o registar em seu nome e o vender como se dele fosse real proprietária, dando azo a uma venda de bem alheio e á necessidade de ser interposta uma acção de impugnação dessa justificação notarial por quem se arroga dele proprietário.
A Apelante também não pode ignorar a fundamentação exarada na sentença proferida na referida acção de impugnação da justificação notarial e no Acórdão que a confirmou, que claramente expõe a quem incumbia o ónus de evitar o desfecho daquela acção- não era aos aqui Apelados, não era à Ré financiadora que contestou, mas sim à aqui Apelante enquanto autora das declarações exaradas na escritura de justificação impugnada.
Foi a aqui Apelante quem naquela escritura de justificação afirmou ser dona do prédio e tê-lo adquirido por usucapião e, era a ela que competia provar a existência desse direito, alegando e demonstrando todos os actos necessários à declarada aquisição por usucapião, uma vez que estando-se perante uma acção de simples apreciação negativa era a ela que incumbia tal prova, bastando ao Autor da impugnação alegar a não verificação daqueles factos declarados na escritura ou da sua não correspondência com a realidade.
Já assim ficou decidido no AUJ do STJ nº 1/2008, publicado no DR nº 63, Série I, de 31.3.2008, segundo o qual “Na acção de impugnação de escritura de justificação notarial prevista nos artigos 116º nº 1 do Código do Registo Predial e 89º e 101º do Código do Notariado, tendo sido os réus que nela afirmaram a aquisição, por usucapião, do direito de propriedade sobre um imóvel inscrito definitivamente no registo, a seu favor, com base nessa escritura, incumbe-lhes a prova dos factos constitutivos do seu direito, sem poderem beneficiar da presunção do registo decorrente do artigo 7º do Código do Registo Predial”.
Deste modo, contrariamente ao defendido pela aqui Apelante não bastava aos Apelados contestar aquela acção impugnando a matéria alegada pelo Município ..., era necessário que a justificante (aqui Apelante) tivesse contestado alegando factos que permitissem concluir que havia adquirido aquele prédio por usucapião, o que manifestamente não fez, arcando com as consequências legais para a omissão desse acto processual de acordo com o princípio da auto-responsabilidade das partes.
A alegação feita pela Apelante de que os Apelados tinham conhecimento e acesso a elementos probatórios para impugnar a pretensão do Autor naquela acção, para além de não ter arrimo na factualidade provada nestes autos, não alteraria o desfecho daquela acção, não podendo, de todo, a Apelante aligeirar as suas responsabilidades e concluir que aquela sentença que declarou inválida a compra e venda celebrada com os Apelados é consequência da situação de revelia dos Apelados, quando o ónus de prova dos factos justificados lhe incumbia.
Também não ficou provado que os Apelados não tenham contestado aquela acção porque já não tinham interesse na construção da casa de habitação, nem a recusa em aceitar a troca do terreno por outro proposta pela Apelante, por si só, não permite extrair essa ilação, sendo que a não contestação de uma acção não consubstancia qualquer violação de um dever jurídico ou a infração de uma norma, apenas uma posição processual legalmente admissível.
O que é inegável é que estava na mão da Apelante contestar a acção e tentar evitar a procedência da acção de impugnação e, consequentemente a declaração de nulidade do negócio subsequente, sendo até incongruente pretender extrair efeitos cominatórios da falta de contestação por parte dos Apelados quando a própria também não contestou.
Nesta acção, os Apelados limitam-se a pedir o que a lei lhes concede, enquanto compradores de um bem que desconheciam não pertencer à vendedora, e para cuja declaração de nulidade em nada contribuíram, não se vislumbrando qualquer actuação em abuso de direito.
Por conseguinte, na improcedência dos fundamentos recursivos invocados pela Apelante, confirma-se, em parte, a sentença recorrida, reduzindo-se a importância da condenação para a quantia global de €48.520,82, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento.
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V. DECISÃO:
Em razão do antes exposto, acordam os Juízes deste Tribunal da Relação do Porto, em julgar parcialmente procedente o recurso de apelação interposto pela Apelante/Ré, reduzindo-se a sua condenação para a quantia global de €48.520,82, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até efectivo e integral pagamento, no mais mantendo-se a sentença recorrida.
Custas a cargo de Apelante e Apelados, na proporção do respectivo decaimento.
Notifique.

Porto, 24/1/2023
Maria da Luz Seabra
Artur Dionísio Oliveira
Maria Eiró

(O presente acórdão não segue na sua redação o Novo Acordo Ortográfico)
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[1] F. AMÂNCIO FERREIRA, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 8ª edição, pág. 147 e A. ABRANTES GERALDES, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2ª edição, pág. 92-93.
[2] Cadernos Temáticos De Jurisprudência Cível Da Relação, Impugnação da decisão sobre a matéria de facto, consultável no site do Tribunal da Relação do Porto, Jurisprudência
[3] Vide, neste sentido, por todos, A. ABRANTES GERALDES, “Recursos em Processo Civil – Novo Regime”, 2ª edição, 2008, pág. 297-298, AC STJ de 29.09.2020, relator Sr. Juiz Conselheiro JORGE DIAS, AC STJ de 17.05.2017, relator Sr.ª Juíza Conselheira FERNANDA ISABEL PEREIRA, AC RC de 27.05.2014, relator Sr. Juiz Desembargador MOREIRA do CARMO e AC RP de 19.05.2014, relator Sr. Juiz Desembargador CARLOS GIL, todos disponíveis in dgsi.pt.
[4] Código Civil Anotado, Vol. I, Ana Prata (coord), pág. 410; no mesmo sentido Comentário ao Código Civil, Parte Geral, UCP, pág. 788
[5] Tratado de Direito Civil Português, I, parte Geral, Tomo IV, p. 327