Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
31139/15.7T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: MEIOS DE PROVA
ADMISSÃO
RECORRIBILIDADE
APELAÇÃO AUTÓNOMA
PRECLUSÃO DE DEFESA
Nº do Documento: RP201901073119/15.7T8PRT.P1
Data do Acordão: 01/07/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º667, FLS.508-514)
Área Temática: .
Sumário: I - Tendo sido requerida pelo réu, numa ação de honorários, na audiência de julgamento, a não admissão de meios de prova com fundamento na alegada violação do dever de sigilo previsto no EOA, vindo a ser tal pretensão apreciada por despacho que a indeferiu e que admitiu os meios de prova com fundamento em que não ocorre a invocada ilegalidade, o referido despacho é passível de recurso autónomo nos termos da alínea d) do n.º 2 do artigo 644.º do CPC.
II - Vindo posteriormente o réu a interpor recurso apenas da sentença que o condenou a pagar os honorários, sem impugnar o despacho que admitiu os meios de prova, está o Tribunal de recurso legalmente impedido de se pronunciar sobre a questão da admissibilidade dos meios de prova e da sua consequente validade como suporte da decisão da matéria de facto.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 31.139/15.7T8PRT.P1
Sumário do acórdão:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
Em 22.12.2015, B…, Advogada, intentou na Secção Cível da Instância Local da Comarca do Porto, contra C…, ação declarativa comum de condenação, pedindo que o réu seja «condenado a pagar à autora a quantia de €27.448,00 (vinte e sete mil, quatrocentos e quarenta e oito euros), com IVA e juros de mora já incluídos, acrescida dos juros vincendos até efetivo e integral pagamento».
Como fundamento da sua pretensão, alegou a autora, em síntese: no exercício da sua atividade profissional, mediante solicitação do réu, a autora prestou-lhe diversos serviços de advocacia constantes e melhor discriminados na nota de Despesas e Honorários que junta como doc. n.º 1; conforme do mesmo documento se alcança, deve o réu à autora, a quantia de €21.900,00 (vinte e um mil e novecentos euros), acrescida do competente IVA e ainda dos juros de mora, à taxa legal, desde a sua notificação e até efetivo e integral pagamento; os serviços prestados pela autora prestou correspondem a 219 horas de trabalho efetivamente realizado, à taxa de €100,00 + IVA/hora, valor esse comumente praticado na comarca do Porto; o réu nada pagou à autora, a título de provisão por conta dos honorários; razão pela qual, nesta data, o réu deve à autora a quantia de €21.900 (vinte e um mil e novecentos euros) acrescida de € 5.037,00 (cinco mil euros e trinta e sete cêntimos) correspondente ao valor do IVA e a que ainda acrescem os competentes juros de mora, contados à taxa legal desde 19 de Maio de 2015, no valor de 511,00 Euros (quinhentos e onze euros).
O réu deduziu contestação com o seguinte teor, que se transcreve na íntegra:
«1º A A. alega que prestou ao R. serviços de assessoria jurídica, nos anos de 2007, 2008, 2010 e Fevereiro de 2013. 2º Os art.ºs. 312º e 317º, al. c), do Código Civil, estabelecem uma presunção de cumprimento pelo decurso do prazo, in casu de dois anos. Tendo a presente acção entrado em juízo no dia 22.12.2015, estão prescritos os créditos pelos serviços prestados pela A., prescrição que aqui se invoca, para efeitos de lei. 4º Complementarmente se dirá, que o R. pagou os aludidos serviços da A.. Termos em que: deve a excepção invocada ser julgada procedente, por provada, com as legais consequências».
A autora respondeu à exceção deduzida pelo réu, alegando que só deixou de lhe prestar serviços em finais de 2014 e pugnando pela sua total improcedência.
Foi agendada audiência prévia para 1.06.2016, tendo sido a mesma sido dada sem efeito, por estar a decorrer o prazo para o réu se pronunciar sobre os documentos entretanto apresentados pela autora.
Ambas as partes requereram a condenação da contraparte por litigância de má fé.
Em 26.07.017 foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Nos termos e com os fundamentos expostos, julgo procedente, por verificada, a excepção da prescrição presuntiva dos créditos da A. e, em conformidade, julgo improcedente a presente acção, absolvendo o Réu do pedido.
Custas pela A.».
Não se conformou a autora e interpôs recurso de apelação, subindo os autos a este Tribunal, onde foi proferido acórdão, em 24 de janeiro de 2018, com o seguinte dispositivo:
«Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar procedente o recurso, ao qual concedem provimento e, em consequência, em alterar a decisão da matéria de facto, nos termos que constam do ponto 2., anulando, em consequência, a decisão recorrida, a fim de o Tribunal a quo abrir a fase da instrução com vista à produção de prova sobre os factos integradores da prescrição, particularmente sobre a questão fulcral de saber em que data cessaram os serviços que integram a nota de honorários junta pela autora com a petição, na qual se funda a sua pretensão».
Baixaram os autos ao Tribunal de 1.ª instância, onde em 19.03.2018 foi proferido despacho, no qual:
i) se fixou em €27.448,00 o valor da ação;
ii) se declarou dispensada a realização da audiência prévia;
iii) se declararam verificados os pressupostos formais que permitem o conhecimento do mérito da causa;
iv) se definiu o objeto do litígio e se enunciaram os temas de prova;
v) se admitiu o depoimento da testemunha (advogado) identificado na petição.
Realizou-se a audiência de julgamento, em 24.05.2018, constando, nomeadamente, da respetiva ata:
«Neste momento, pelo ilustre mandatário do réu foi pedida a palavra, que lhe foi concedida, tendo o mesmo dito que:
“O ilustre advogado que se apresenta como testemunha, foi advogado do réu no âmbito dos mandatos sub judice neste processo, pelo que muito se estranha a sua presença no Tribunal, pretendendo depor contra aquele que foi seu cliente e relativamente a questões que nada têm a ver com ele, advogado. Por isso a pertinência deste requerimento.
Nos termos do artigo 92.º, do Estatuto Ordem dos Advogados, sob a epígrafe “Segredo profissional”, o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços (n.º 1), mais esclarecendo o n.º 4 que o advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do Presidente do Conselho Regional respetivo.
Nos termos do n.º 7 deste artigo, o dever de guardar sigilo quanto aos factos descritos no n.º 1 é extensivo a todas as pessoas que colaborem com o advogado no exercício da sua atividade profissional, com a cominação prevista no n.º 5, sendo que esta cominação, relativamente aos atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional, é não poderem fazer prova em juízo.
Assim, importa, para além de verificar se o Presidente do Conselho Distrital da Ordem dos Advogados dispensou, neste caso, o advogado testemunha quanto ao sigilo profissional, se estamos na presença de um interesse que se visa proteger, com a obrigação de guardar sigilo profissional, o que impõe a verificação, em concreto e tal como o pedido se encontra alicerçado, se a audição do advogado com quebra do sigilo se reveste de absoluta necessidade, isto é, de imprescindibilidade, no sentido de o meio de prova sujeito a sigilo ter de ser indispensável (ou seja, imprescindível, e não meramente útil), face ao objetivo de prova visado; de essencialidade, o meio de prova sujeito a sigilo tem se ser absolutamente determinante; e de exclusividade, pressupondo este requisito a inexistência de qualquer outro meio de prova que não o depoimento do obrigado ao sigilo.
Ora, caso o ilustre advogado, testemunha, tenha incumprido o supra exposto, o seu comportamento é passível de responsabilidade disciplinar e o testemunho não poderá fazer prova em juízo, pelo que a sua inquirição deve ser indeferida.”
Dada a palavra ao ilustre mandatário da autora, pelo mesmo foi dito que:
“O presente requerimento do réu não constitui uma surpresa para a autora, face ao histórico processual resultante de outras ações em curso, nas quais escamoteia as suas responsabilidades através de manobras dilatórias, impertinentes e injustificadas.
O réu sabia e sabe desde a citação que a testemunha indicada é a que se encontra hoje para prestar depoimento aqui no Tribunal, não tendo em qualquer momento, ao exemplo do que fez com os documentos que foram juntos e em relação aos quais pretendeu que não fossem apreciados, solicitado ou sequer questionado a inquirição da referida testemunha, nomeadamente para efeitos do alegado sigilo profissional.
Repare-se que o réu aguardou pelo início de produção de prova, quando sabia que tudo tinha confessado na contestação que apresentou, para lançar a confusão e tentar, dessa forma, intimidar a testemunha com pretensa responsabilidade disciplinar.
A autora, tendo em consideração que unicamente se discute nos presentes autos a questão do momento a partir do qual terminou os seus serviços, tem o entendimento expresso de que nestes autos não há sequer possibilidade de se falar em sigilo profissional, desde logo porque não se encontra em qualquer local uma procuração de qualquer das partes a favor do ilustre advogado agora inquirido, nem tão pouco qualquer referência ao seu nome nos documentos constantes dos autos.
Mais, a abrangência e incidência (ou não) do sigilo profissional cabe, em primeira linha, ao próprio advogado a quem lhe requerem o depoimento, e não à parte à qual o referido depoimento não interessará por lhe ser claramente desfavorável.
Assim, deve ser integralmente indeferido o requerimento do réu”.
Despacho
“Por considerar que a testemunha indicada pela autora é suscetível de, através do respetivo depoimento, referir factos abrangidos pelo segredo profissional previsto no artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, defende o réu que deverá ser indeferido tal depoimento, tanto mais que não houve lugar à dispensa do sigilo por parte dos competentes órgãos da Ordem dos Advogados.
Como tal requer o indeferimento da inquirição.
A autora vem responder, pugnando pela improcedência daquela pretensão.
Ouvido o ilustre advogado indicado como testemunha sobre essa matéria, embora reconhecendo ter conhecimento de factos suscetíveis de constituir matéria abrangida pelo segredo profissional, dispôs-se a responder apenas às questões que não contendam com o segredo profissional, admitindo como possível prestar o seu depoimento sem violação do dever de guardar o sigilo imposto pelo artigo 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados”.
Cumpre decidir
Dispõe o art. 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados que:
“1 - O advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita a todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços, designadamente:
a) A factos referentes a assuntos profissionais conhecidos, exclusivamente, por revelação do cliente ou revelados por ordem deste;
b) A factos de que tenha tido conhecimento em virtude de cargo desempenhado na Ordem dos Advogados;
c) A factos referentes a assuntos profissionais comunicados por colega com o qual esteja associado ou ao qual preste colaboração;
d) A factos comunicados por coautor, corréu ou cointeressado do seu constituinte ou pelo respetivo representante;
e) A factos de que a parte contrária do cliente ou respetivos representantes lhe tenham dado conhecimento durante negociações para acordo que vise pôr termo ao diferendo ou litígio;
f) A factos de que tenha tido conhecimento no âmbito de quaisquer negociações malogradas, orais ou escritas, em que tenha intervindo.
2 - A obrigação do segredo profissional existe, quer o serviço solicitado ou cometido ao advogado envolva ou não representação judicial ou extrajudicial, quer deva ou não ser remunerado, quer o advogado haja ou não chegado a aceitar e a desempenhar a representação ou serviço, o mesmo acontecendo para todos os advogados que, direta ou indiretamente, tenham qualquer intervenção no serviço.
3 - O segredo profissional abrange ainda documentos ou outras coisas que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo.
4 - O advogado pode revelar factos abrangidos pelo segredo profissional, desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado ou do cliente ou seus representantes, mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respetivo, com recurso para o bastonário, nos termos previstos no respetivo regulamento.
5 - Os atos praticados pelo advogado com violação de segredo profissional não podem fazer prova em juízo.
6 - Ainda que dispensado nos termos do disposto no n.º 4, o advogado pode manter o segredo profissional.
7 - O dever de guardar sigilo quanto aos factos descritos no n.º 1 é extensivo a todas as pessoas que colaborem com o advogado no exercício da sua atividade profissional, com a cominação prevista no n.º 5.
8 - O advogado deve exigir das pessoas referidas no número anterior, nos termos de declaração escrita lavrada para o efeito, o cumprimento do dever aí previsto em momento anterior ao início da colaboração, consistindo infração disciplinar a violação daquele dever.”
Em face deste dispositivo, este Tribunal não questiona a obrigação de salvaguardar o dever de sigilo ou segredo profissional imposto pelo referido normativo legal.
Simplesmente, no presente caso está em causa a prestação de serviços jurídicos no exercício de mandato forense prestado pela autora em benefício do réu, pelo que a análise do mérito da ação passa sempre pela necessidade de conhecer os serviços prestados, os quais deverão ter respaldo na nota de honorários apresentada.
Porém, nem o réu contesta que os serviços hajam sido efetivamente prestados, nem tão pouco impugna o respetivo valor, limitando-se na sua defesa a invocar a exceção perentória da prescrição de créditos, alegando ainda, a exceção do pagamento, tal como emerge da contestação apresentada a fls. 20 e 21.
No douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto constante a fls.110 e segs., considerou-se que na decisão proferida em sede de saneador sentença de fls. 74 e segs., a qual julgou procedente a exceção da prescrição presuntiva e absolveu o réu do pedido, era necessária a produção de prova sobre factos integradores da prescrição, particularmente sobre a questão fulcral de saber em que data cessaram os serviços que integraram a nota de honorários junta pela autora com a petição inicial.
Portanto, o que se afigura estar em causa nos presentes autos não é propriamente matéria que se encontre estritamente salvaguardada pelo sigilo profissional, mas antes a que revele a data que corresponda ao fim da prestação de serviços forenses, situação que prescinde da necessidade de alusão a qualquer matéria abrangida pelo segredo profissional e que o ilustre advogado depoente revelou pretender salvaguardar.
Assim, e por não se vislumbrar motivo legalmente atendível para, desde já, considerar abrangido pelo segredo profissional a factualidade que se encontra em discussão nestes autos, reconduzida esta aos limites temporais definidos na própria contestação, indefere-se o requerido pelo réu, admitindo-se o depoimento da testemunha Dr. D….
Neste momento, a testemunha prestou depoimento à matéria em discussão. No decorrer do seu depoimento foi confrontada com o documento de fls. 13 e ss.
Duração: 16h:19m:00s às 16h:37m:21s
Posto isto, foi pedida a palavra pelo ilustre mandatário do réu, que lhe foi concedida, tendo no seu uso dito que:
“Nos termos do art. 92º, n.º 1 do Estatuto da Ordem dos Advogados, o advogado é obrigado a guardar segredo profissional no que respeita de todos os factos cujo conhecimento lhe advenha do exercício das suas funções ou da prestação dos seus serviços.
Permitindo o depoimento da testemunha, ouvimo-la referir que tomou conhecimento que a autora, como advogada, lhe referiu que o réu ainda era seu constituinte, ou estaria a tratar de assuntos do Dr. C….
Só este facto viola inquestionavelmente a disposição do Estatuto da Ordem dos Advogados, como igualmente viola esta disposição quaisquer factos que refiram a autora não só relativamente ao conteúdo do mandato, mas também quanto a sua extensão ou à identificação do próprio mandato.
Pelo que, permitindo-se que seja considerado o depoimento da testemunha, permite a prática de ato que a lei, art. 92.º do Estatuto da Ordem dos Advogados, não admite, pelo que é nulo, nulidade que desde já se invoca nos termos do art. 195º, n.º 1 do C.P.C.”
Dada a palavra ao ilustre mandatário da autora pelo mesmo foi dito que:
“Face ao requerido pelo réu, fica suficientemente explanado que o mesmo pretende que contra si exista matéria dos processos não tipificados na legislação, ou seja, processo sem contraditório, sem documentos e sem testemunhas.
Ora, não contestando os trabalhos efetuados, porque não os podia contestar, a única escapatória que lhe restava era unicamente a que utilizou: obstar, reiteradamente, à normal tramitação dos autos, questionando o inquestionado, e dando-se ao luxo de requerer, como requereu, que a autora fosse condenada como litigante de má-fé, apenas e só para que não permita a realização da justiça.
Este caso é mais uma manifestação do réu de tais comportamentos, pelo que deverá ser liminarmente indeferida a inexistente nulidade invocada, bem como exemplarmente condenado o réu por litigante de má-fé”.
Posto isto, ele, Sr. Juiz, proferiu o seguinte:
Despacho
“Nos termos do disposto no artigo 613º, n.º 1 do C.P.C., “proferida a sentença, fica imediatamente esgotado o poder jurisdicional do Juiz quanto à matéria da causa, sendo lícito apenas retificar erros materiais, suprir nulidades e reformar a sentença nos termos dos artigos seguintes - n.º 2 do citado artigo.
O respetivo dispositivo é igualmente aplicável a outras decisões do Tribunal.
Arguiu o réu a nulidade decorrente de ter sido que seja considerado o depoimento da testemunha.
Trata-se, como facilmente se depreende pela forma anómala de reação ao despacho que admitiu a prestação do depoimento da testemunha Dr. D…, sabendo-se que das decisões judiciais há lugar a recurso, o qual constitui o modo normal de reação contra as mesmas. Por outro lado, invoca o réu que o Tribunal considerou este depoimento, sem que, porém, tenha ainda decorrido qualquer valoração de prova, circunstância que também aponta para a impertinência de vício arguido pelo réu.
Assim, quer pela impropriedade do meio processual, quer pela reação intempestiva quanto a um facto ainda não verificado, indefere-se a arguida nulidade, por não se vislumbrar que haja sido praticado qualquer ato proibido pela lei.
Custas do incidente anómalo a cargo do réu, fixando-se em 2 Ucs, taxa de justiça”.»
Na mesma data (24.05. 2018) e nos termos que se consignaram na mesma ata, foi proferida sentença com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo a presente ação totalmente procedente, por provada e, em consequência, condeno o réu C…, a pagar à autora, B…, a quantia de €27.448,00 (vinte e sete mil, quatrocentos e quarenta e oito euros), acrescido de juros de mora sob o capital de €26.937,00 (vinte e seis mil, novecentos e trinta e sete euros), contados desde 19 de maio de 2015, até integral pagamento».
Não se conformou o réu e interpôs recurso de apelação, apresentando alegações, findas as quais formula as seguintes conclusões[1]:
1) Para condenar o ora recorrente no pedido, o Tribunal a quo fundou-se na análise crítica dos documentos de fls.11 (carta da apresentação da nota de despesa honorários), de 13 a 16 (nota de honorários) de 42 a 52, 64vº a 70vº, e no depoimento da testemunha inquirida na audiência, em conjugação com as regras da experiência comum e o princípio da livre convicção do Tribunal.
2) Considera o recorrente que essas provas onde o Tribunal fundou a sua convicção são provas absolutamente ilegais, por violarem o art.º 92º, do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), que estatui: […]
3) Relativamente aos documentos, atendendo ao teor de todos os e-mails pela recorrida juntos, é por demais evidente que esta está a divulgar factos e documentos, cujo conhecimento lhe advém do exercício das suas funções de Advogada, o que é ilegal e conforme resulta clara e inequivocamente, do art.º 92º, n.º 1, als. a) e c) e n.ºs 2 e 3, do EOA.
4) O n.º 4 contém excepções a esta regra geral, permitindo, nos casos aí previstos, a revelação de factos abrangidos pelo segredo profissional, mediante prévia autorização do presidente do conselho regional respectivo.
5) Autorização que a recorrida não juntou, pelo que se terá de concluir que não existe.
6) E, não existindo, tal significa que esta está a praticar um acto com violação do segredo profissional.
7) Consequentemente, nos termos do n.º 5, do art.º indicado a retro, a junção dos documentos juntos pela recorrente não podem fazer prova em juízo.
8) Ainda que assim não fosse, como de facto é, mais grave é o facto de a recorrente ter junto o primeiro e-mail, que não foi o recorrente quem o enviou à recorrida, desconhecendo as causas de o Ilustre Advogado do recorrente nesse processo, Exmo. Senhor Dr. E…, o ter enviado, na certeza que o mesmo não estava autorizado pelo recorrente a proceder dessa forma.
9) E, quanto aos demais, o recorrente apenas reencaminhou os e-mails que adivinham o final do processo, por mera cortesia e para lhe dar conhecimento do desenvolvimento do assunto, uma vez que ambos viveram em economia comum desde 2007 até 01 de Janeiro de 2015 e têm uma filha.
10) E-mails que não obtiveram por parte da recorrida qualquer acção ou reacção, judicial ou extra-judicial.
11) Tendo-os o recorrente deixado impugnados quanto aos factos neles relatados, seus efeitos e conclusões que a recorrente deles pretende retirar, porquanto o ora recorrente não interveio no envio do primeiro e-mail à recorrida, nem directa nem indirectamente, desconhecendo as justificações, causas e consequências, assim como as circunstâncias e princípios sob os quais teve a recorrida dele conhecimento, como desconhece em absoluto qualquer actuação da mesma face ao referido e-mail, uma vez que na data nele indicada a recorrida já não prestava quaisquer serviços de índole forense ao recorrente, quer judiciais quer extra-judiciais, como, quanto ao envio dos restantes, não obteve, por parte da recorrida, qualquer comportamento ou acção passível de ser qualificada como de exercício de funções de advogado.
12) E, veja-se que quanto á nota de honorários apresentada, a data mais recente indicada pela recorrente para a prática de serviços efectuados, é Fevereiro de 2013.
13) Pelo que, tendo em consideração a data da propositura da acção – 22.12.2015, já tinham decorrido mais de 02 (dois) anos.
14) Cabendo á recorrida fazer a prova do, por si alegado, não pagamento dos honorários, uma vez que o recorrente pela alegação e como na verdade o fez, do pagamento dos honorários da recorrida, beneficiou da prescrição presuntiva a que alude o art.º 317º, al. c), do CC.
15) Cabendo à recorrida fazer a prova, conforme bem decidiu a Relação do Porto, da data em que os seus serviços de advocacia haviam terminado.
16) Só que a recorrida não pode, para fazer prova desse facto, socorrer-se de meios de prova que não são permitidos por lei!
17) Como não pode o Meritíssimo juiz a quo aceitar esses ilegais meios de prova para condenar o recorrente no pedido.
18) Até porque a recorrida poderia ter lançado mão de outros meios de prova, esses legais e pertinentes e não o fez, como sejam o depoimento de parte do recorrente, com as sanções legais se este se recusasse a prestá-lo, suas declarações de parte e outras testemunhas que pudessem válida e legalmente testemunhar.
19) Relativamente ao depoimento do Ilustre Advogado testemunha, o mesmo foi já Advogado do recorrente, juntando-se ao diante transcrição das declarações por ele prestadas, bem como a declaração sob compromisso de honra do autor das transcrições – documentos n.ºs 01 e 02, referindo-nos futuramente a este documento n.º 01 quando indicamos o número de uma página.
20) Aquando da sua inquirição, disse:
[…]
21) Pelo depoimento do Ilustre Advogado testemunha se afigura ser absolutamente ilegal o seu depoimento.
22) Veja-se que os trabalhos da recorrida eram/foram sequência dos seus, como é absolutamente ilegítimo e ilegal um Advogado falar com quem quer que seja sobre quem são os seus clientes e referir quais os assuntos que ainda está a tratar para esse cliente, como a recorrida o faz com o Ilustre Advogado testemunha, o que viola frontalmente o n.º 1, do art.º 92º, do EOA!
23) Como, para haver quebra do sigilo profissional, é necessário que o Advogado que pretende falar ou dar a conhecer a terceiros assuntos sujeitos a sigilo profissional, obtenha prévia autorização do Presidente do Conselho Regional respetivo, o que lhe será concedido desde que tal seja absolutamente necessário para a defesa da dignidade, direitos e interesses legítimos do próprio advogado – n.º 4, do mesmo art.º 92º, do EOA.
24) Portanto, absolutamente ao contrário do que o Ilustre Advogado entende, quando diz que não está aqui em causa a defesa da sua dignidade, ou a dignidade do cliente, que, neste caso, é o recorrente. É que é exactamente o contrário.
25) Por assim entender, o recorrente apresentou em sede de audiência e julgamento dois requerimentos, do seguinte teor: […]
26) Requerimentos que foram indeferidos pelo Meritíssimo Juiz a quo e que permitiram as ilegais provas que motivaram a decisão nos termos em que foi prolatada, pretendendo o recorrente a V. Exas., Venerandos Desembargadores, a sua revisão, no sentido de aos mesmos darem deferimento.
27) É que estes requerimentos seguem o enquadramento seguido não só pelos órgãos competentes da Ordem dos Advogados, mas também pela Jurisprudência.
28) Relativamente à Ordem dos Advogados, o entendimento é de que o sigilo profissional é um dever que constitui um princípio estruturante da Advocacia, assente não só na tutela dos interesses particulares que lhe possam estar subjacentes mas adquirindo igualmente uma dimensão de ordem pública. Mais do que um dever do próprio profissional, “o sigilo é um dever de toda a classe, é condição da plena dignidade do Advogado bem como da Advocacia”
29) Para que se possa concluir pela existência de um interesse preponderante, haverá que verificar-se, em concreto e nos termos em que o pedido de quebra se encontra fundado:
(i) se o depoimento é absolutamente imprescindível para a descoberta da verdade material;
(ii) se o crime apresenta uma gravidade tal que implicará a quebra do dever de sigilo profissional, dever este que, conforme tem sido referido em diversa doutrina e jurisprudência, quer dos diversos órgãos da Ordem dos Advogados, quer dos tribunais, se reveste de interesse público (o que, desde logo, afastará a possibilidade de quebra em crimes de menor danosidade social);
(iii) a necessidade da protecção dos bens jurídicos afectados (tendo em conta a importância destes).
30) Em particular, no que à imprescindibilidade do depoimento diz respeito, haverá que verificar se o depoimento do Advogado com quebra do sigilo se reveste de absoluta necessidade, isto é, de imprescindibilidade, o meio de prova sujeito a sigilo tem de ser indispensável (ou seja, imprescindível, e não meramente útil) face ao objectivo de prova visado; de essencialidade, o meio de prova sujeito a sigilo tem de ser absolutamente determinante; e de exclusividade, pressupondo este requisito a inexistência de qualquer outro meio de prova que não o depoimento do obrigado ao sigilo.
31) E, aponta a Jurisprudência na mesma direcção:
Ac. do TRC de 05.04.2017: […]
Ac. do STJ de 15.02.2018: […]
32) Os interesses em causa no presente processo não são, de todo, superiores aos interesses que o sigilo profissional do Advogado pretende acautelar, i.e., a relação de confiança entre o advogado e o seu patrocinado e também todas as situações que possam representar quebra da dignidade da função social que a advocacia prossegue.
33) De facto, trata-se nesta acção de uma relação obrigacional entre Advogado e cliente.
34) Não podendo ser juntos e considerados como prova para condenar o recorrente quaisquer documentos que se relacionem, direta ou indiretamente, com os factos sujeitos a sigilo ou considerar, para o condenar no pedido, as declarações de uma testemunha que foi seu Advogado e agora depôs contra ele, sendo que a recorrida tratou de serviços que eram sequência dos do Ilustre Advogado testemunha e que lhe disse ainda estar a tratar de assuntos do recorrente: “Isto e aquilo”, nas exactas palavras da testemunha, logo, falariam ainda dos assuntos jurídicos em causa.
35) De todas as formas, seria sempre necessário obter, previamente, autorização do órgão competente da OA, o que nem a recorrida obteve para apresentar os documentos, como o Ilustre Advogado testemunha o não obteve, porque o não requereu e como bem o disse.
36) Acresce ainda que existiam outros meios de prova, que não o depoimento do obrigado ao sigilo e os documentos apresentados.
37) De facto, no douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto constante a fls.110 e segs., considerou-se que na decisão proferida em sede de saneador sentença de fls. 74 e segs., a qual julgou procedente a exceção da prescrição presuntiva e absolveu o réu do pedido, era necessária a produção de prova sobre factos integradores da prescrição, particularmente sobre a questão fulcral de saber em que data cessaram os serviços que integraram a nota de honorários junta pela autora com a petição inicial.
38) Só que esta prova não se pode fazer em violação da lei, in casu do art.º 92º do EOA: a A. podia e deveria ter chamado outras testemunhas e até requerido o depoimento de parte do Réu, com as cominações legais se ele se recusasse a prestá-las e produzir declarações de parte. E podia tê-lo requerido na PI e, posteriormente, depois de notificada do Despacho saneador. O que não fez!
39) Como não era ao Réu, ora recorrente, a quem incumbia levantar anteriormente à audiência e julgamento a questão do sigilo profissional: a recorrida ou o Ilustre Advogado que testemunhou contra um seu anterior cliente, sobre os mesmos processos e assuntos que a recorrida alega não ter sido paga, é que o deveriam ter requerido e, o recorrente apenas se apercebeu que os mesmos o não tinham feito exactamente na audiência e julgamento.
40) Pelo exposto, deverão as provas apresentadas pela recorrida e consideradas na motivação pelo Meritíssimo juiz a quo para condenar o recorrente no pedido, ser consideradas nulas, por violação do dever de sigilo profissional do Advogado.
41) E, assim sendo, deverá ser a acção improcedente, por não provada, alterando V. Exas., Venerandos Desembargadores, a sentença a quo nestes termos.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado, procedente, por provado e, por via disso, decidir-se pela absolvição do recorrente.
Todavia, V.ªs. Ex.ªs, decidindo, farão JUSTIÇA.
A autora respondeu às alegações de recurso, pugnando pela sua total improcedência e concluindo:
1. Vem o Recorrente recorrer da sentença que julgou a acção procedente e, em consequência, condenou o R., ora recorrente, a pagar à A. B…, a quantia de €27.448,00 (vinte e sete mil, quatrocentos e quarenta e oito euros), acrescido de juros de mora sob o capital de €26.937,00 (vinte e seis mil, novecentos e trinta e sete euros), contados desde 19 de maio de 2015, até integral pagamento, porquanto entende o Recorrente que o Tribunal a quo não andou bem porquanto fundou a sua convicção em provas que considera ilegais por violarem o art. 92º do Estatuto da Ordem dos Advogados. 2. No entanto, não pode a Recorrida concordar com tal posição, entendendo que a decisão do Tribunal a quo não merece qualquer reparo.
3. A questão da admissibilidade da prova que o Recorrente considera ser inadmissível por violar o sigilo profissional do Advogado foi colocada pelo R. em plena audiência de julgamento, através de requerimento no qual alegou a nulidade nos termos do art. 195º n.º 1 CPC.
4. Tal requerimento foi objecto de despacho que indeferiu a alegação da nulidade. Sucede que, nem antes, nem nas alegações ora produzidas o Recorrente recorre do despacho em causa, pelo que o mesmo (mais do que) transitou em julgado.
5. Face ao exposto, a alegada nulidade foi (bem) indeferida, tendo a decisão transitado em julgado e, por conseguinte, não poderá ser alterada.
6. Sem prescindir, ao contrário do alegado pelo Recorrente em sede de Alegações, nenhuma da prova produzida se encontrava abrangida pelo sigilo profissional.
7. A apreciação da matéria sujeita ao segredo compete ao Advogado a quem foram transmitidos os factos sujeitos a sigilo e não a terceiros, ainda que também advogados.
8. A correspondência que foi junta pela A. aos autos diz respeito a diversos contactos para agendamento de escritura pública, na qual assessorou o R. na negociação do contrato subjacente e que não incluiu apenas advogados.
9. Ora, apenas o contrato, que foi remetido entre as diversas partes envolvidas na negociação como anexo à correspondência junta aos autos, é que poderá, em tese, estar sujeito a sigilo e, quanto a este, a A. nada revelou.
10. Por outro lado, quanto ao depoimento da testemunha, Dr. E…, decorre das transcrições efectuadas pelo recorrente que este não violou de alguma forma o dever de sigilo.
11. A testemunha não faz qualquer menção ao conteúdo do mandato, do seu ou da A.. A testemunha limita-se a confirmar que tinha conhecimento de que a A. lhe transmitiu que representou o R., pelo menos, até dois mil e quinze. 12. A prova produzida constitui um interesse preponderante, já que é a única prova de que dispunha a A./Recorrida. Uma vez que os serviços mais recentes prestados pela A. ao R. não eram judiciais, a única forma de provar a representação do R. na negociação dos contratos em causa — sem colocar em causa o sigilo profissional — era a apresentação das mensagens de correio electrónico através das quais foram remetidas entre as partes as várias versões do contrato.
13. Quanto ao depoimento da testemunha Dr. D…, apenas este tinha conhecimento dos factos em causa e do período em que os serviços foram prestados. O depoimento em causa não se debruçou sobre assuntos que lhe foram confiados pelo R. enquanto exerceu mandato em sua representação, mas tão-somente àquilo que a A. lhe transmitiu, no âmbito da sua relação pessoal de amizade.
14. Seria absolutamente infrutífera e inviável a produção de prova através de declarações de parte ou depoimento de parte, uma vez que nada acrescentariam às versões que cada uma das partes verteu nos seus articulados e que são contraditórias.
15. Reitera-se que nem a A. nem a testemunha Dr. D… entenderam ser necessário obter o levantamento do sigilo, pois na sua opinião nada do que foi trazido aos autos viola o sigilo profissional do Advogado.
16. Por fim, ficou provado que os serviços foram prestados pela A. ao R./recorrente até Março de 2015, independentemente de a data mais recente constante da nota de honorários de referir a Fevereiro de 2013, uma vez que essa data se refere a questões judiciais. Após essa data, a A. continuou a exercer o mandato em representação em variadas questões extrajudiciais, tendo apenas cessado o mandato em 2015, na sequência da cessação da união de facto existente entre ambos.
17. É pacífico na jurisprudência o afastamento do dever de sigilo profissional nas acções de honorários movidas pelo Advogado contra um cliente. Citam-se a título de exemplo o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, processo n.º 883/04.5TVLSB-2, de 17-09-2009 e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo n.º 07B4673, de 27-05-2008
18. Face ao exposto, deverá improceder o recurso, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal a quo. Termos em que requer a V. Exas que não se dê provimento ao presente recurso, por ser totalmente infundado, e se mantenha a decisão do Tribunal a quo e, assim, se faça a costumada JUSTIÇA!!
II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 3.º, n.º 3, do diploma legal citado), consubstancia-se apenas na questão de saber se, face ao teor do despacho proferido em ata, sobre a admissibilidade dos meios de prova, não impugnado pelo ora recorrente (art.º 644/2, d do CPC) o Tribunal de recurso se poderá pronunciar sobre a mesma questão, dano como não provado o termo da prestação de serviços [única questão em discussão, face ao teor da contestação].
2. Fundamentos de facto
O Tribunal de 1.ª instância considerou provada a seguinte a factualidade:
1.º - A autora é advogada com cédula profissional nº ….. e escritório sito na Rua …, .. - …, …. - … Porto;
2.º - Por virtude da sua atividade profissional e a solicitação do réu, a autora prestou-lhe diversos serviços de advocacia, constantes da “Nota de Despesas e Honorários” de 13 a 16, cujo teor se dá por reproduzido;
3.º - No desempenho do mandato, a autora prestou serviços correspondentes a 219 horas de trabalho efetivamente realizado, à taxa de €100,00 + IVA/hora, valor esse comumente praticado na comarca do Porto;
4.º- Em 18.05.2015, a autora entregou em mão ao réu a referida “Nota de Despesas e Honorários” constante de fls. 13 a 16, datada de 19 de maio de 2015;
5.º - O réu, por sua vez, nunca contestou ou apresentou qualquer reclamação pelos serviços que lhe foram prestados;
6.º - A autora aguardou, pelo período de vários meses, que o réu procedesse ao pagamento da quantia em dívida;
7.º - Tal quantia foi liquidada de acordo com a análise dos seguintes critérios: importância dos serviços prestados, tempo despendido, dificuldade do assunto, urgência do assunto, grau de criatividade intelectual da sua prestação, responsabilidades assumidas, valor do assunto confiado, valor dos documentos guardados e/ou confiados, limites da responsabilidade civil profissional assumida, resultado obtido e usos profissionais do foro.
8.º - Os serviços prestados pela autora reverteram em total proveito do réu, deles retirando aquele o correlativo benefício.
9.º - O réu não pagou à autora, a título de provisão por conta dos honorários, qualquer montante, o mesmo acontecendo com todas as despesas, as quais foram suportadas pela autora ao longo dos anos e permanecem por liquidar.
10.º- A autora só deixou de prestar serviços ao réu em março de 2015, altura em que se desentendeu com o réu, o que determinou que apresentasse a sua nota de honorários em maio de 2015, após conseguir fazer o relatório de todos os serviços prestados ao longo dos anos em que colaborou com o réu.
*
11.º Aditam-se ao elenco factual, com relevância para a decisão a proferir neste sede, os requerimentos formulados pelo ora recorrente na audiência de julgamento e os despachos que sobre eles recaíram, os quais se transcreveram no relatório e aqui se dão por reproduzidos.
3. Fundamentos de direito
3.1. Breve síntese e definição da questão recursória
Antes de mais haverá que centrar a questão recursória, fazendo uma breve síntese do processado.
A ação sob recurso é uma ação de honorários.
Na contestação o réu não impugna, nem os serviços prestados, nem o preço (honorários) peticionados, limitando-se a alegar: que pagou; e que ocorre a prescrição (presumida)[2].
Foi proferido despacho saneador, no qual foi julgada procedente a exceção de prescrição.
A autora interpôs recurso para este Tribunal, tendo sido proferido acórdão, no qual se determinou o prosseguimento da ação «… com vista à produção de prova sobre os factos integradores da prescrição, particularmente sobre a questão fulcral de saber em que data cessaram os serviços que integram a nota de honorários junta pela autora com a petição, na qual se funda a sua pretensão».
Baixaram os autos para instrução, constituindo objeto da prova apenas a data em que cessaram os serviços prestado pela autora[3].
Na audiência de julgamento, o réu requereu a rejeição dos meios de prova apresentados pela autora, com fundamento na alegada violação do Estatuto da Ordem dos Advogados (EOA), o que veio a ser indeferido por despacho exarado na respetiva ata.
O réu não interpôs recurso do referido despacho, optando por recorrer apenas da sentença entretanto proferida, invocando a questão em sede de “nulidade” da motivação da decisão da matéria de facto.
Em suma, o réu não recorre da decisão da matéria de facto com base em erro de julgamento, não cumprindo os pressupostos enunciados e imperativamente exigidos pela lei no n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil, optando por impugnar a decisão com base na argumentação anteriormente expendida nos requerimentos formulados na audiência e nessa sede indeferidos por despacho [violação do EOA].
3.2. A questão do caso julgado
A autora indicou como testemunha o ilustre advogado Dr. D…, logo na petição inicial e juntou aos autos e-mails em 25.05.2016, tendo o réu suscitado a questão da ilegalidade da prova (por violação do EOA) no seu requerimento de 7.06.2016.
Entretanto foi proferida a primeira sentença, tendo os autos subido em recurso a este Tribunal, tendo sido proferido acórdão que determinou a baixa dos autos com vista à produção de prova sobre a data em que cessaram os serviços que integram a nota de honorários.
No despacho saneador, em 19.03.2018, foi admitido o depoimento do advogado, sem que tenha sido interposto recurso.
Na audiência de julgamento foi formulado requerimento pelo ora recorrente, no sentido de ser rejeitada a prova oferecida pela recorrida, o que foi indeferido por despacho judicial.
O objeto do recurso, delimitado pelas conclusões das alegações, resume-se nas conclusões 25.ª e 26.ª:
25) Por assim entender, o recorrente apresentou em sede de audiência e julgamento dois requerimentos, do seguinte teor: […]
26) Requerimentos que foram indeferidos pelo Meritíssimo Juiz a quo e que permitiram as ilegais provas que motivaram a decisão nos termos em que foi prolatada, pretendendo o recorrente a V. Exas., Venerandos Desembargadores, a sua revisão, no sentido de aos mesmos darem deferimento.
Como já se referiu, o ora recorrente não recorreu do despacho em apreço (no qual foram admitidos os meios de prova cuja rejeição pretendia).
No entanto, salvo o devido respeito, tal despacho deveria ter sido impugnado por via de recurso autónomo, nos termos que, imperativamente, prevê a alínea d) do n.º 2 do artigo 644.º do Código de Processo Civil[4].
E tal recurso deveria ter sido interposto no prazo de 15 dias (art.º 638/1 do CPC).
Ora, in casu, a decisão foi notificada em 24.05.2018 e o recurso (que se cinge apenas à sentença e que não vem interposto do despacho que indeferiu a pretensão do recorrente de rejeição dos meios de prova) deu entrada em 27.06.2018.
Decorre do exposto que transitou em julgado o despacho de admissão dos meios de prova, estando o Tribunal impedido de apreciar novamente a questão da admissibilidade (ou rejeição) dos meios de prova em apreço, com base na alegada (e já discutida) violação do EOA.
Acresce, salvo todo o respeito devido, que, como já se afirmou e ora se repete, a única questão que estava em causa era a de saber quando cessou a prestação de serviços por parte da recorrida ao recorrente.
Face ao exposto, considerando o específico thema decidendum, não vislumbramos como possa colidir com o sigilo profissional[5].
3.3. Em conclusão
Sendo o objeto do recurso delimitado pelo recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635.º, n.º 3 e 4 e 639.º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), nesta sede recursória está apenas em discussão a questão de saber se a prova produzida, que suporta a convicção do julgador, deverá ser considerada nula face aos imperativos de sigilo profissional do EOA.
Tal questão foi decidida em despacho proferido em ata, suscetível de recurso autónomo, transitado em julgado[6], o que esvazia o thema decidendum deste recurso.
Decorre do exposto, reiterando sempre o respeito devido pela divergência, o naufrágio da pretensão recursória formulada perante este Tribunal.
III. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar im procedente o recurso, ao qual negam provimento e, em consequência, em manter a decisão recorrida.
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Custas a cargo do recorrente.
*
A presente decisão compõe-se de vinte e quatro páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator.
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Porto, 7 de janeiro de 2019
Carlos Querido
Correia Pinto
Ana Paula Amorim
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[1] Dispõe o n.º 1 do artigo 639.º do CPC: «O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão
O que se verifica in casu, salvo o devido respeito, é o incumprimento por parte do recorrente, do ditame enunciado, traduzido na absoluta falta de síntese, que torna as conclusões longas, fastidiosas e repetitivas, não fazendo um mínimo de esforço de cumprimento da exigência legal de “forma sintética”, enunciada na norma citada.
Acresce que o recorrente transcreve nas alegações segmentos da prova gravada, normas legais e sumários de acórdãos, o que não se coaduna minimamente com a natureza e perfil desta peça processual.
No entanto, por razões de economia e celeridade processual abstemo-nos de convidar o recorrente a aperfeiçoar as suas conclusões, passando-se à fase de apreciação do mérito do recurso, omitindo-se as transcrições indevidas..
[2] Transcreve-se na íntegra o teor da contestação do réu:
«1º A A. alega que prestou ao R. serviços de assessoria jurídica, nos anos de 2007, 2008, 2010 e Fevereiro de 2013. 2º Os art.ºs. 312º e 317º, al. c), do Código Civil, estabelecem uma presunção de cumprimento pelo decurso do prazo, in casu de dois anos. Tendo a presente acção entrado em juízo no dia 22.12.2015, estão prescritos os créditos pelos serviços prestados pela A., prescrição que aqui se invoca, para efeitos de lei. 4º Complementarmente se dirá, que o R. pagou os aludidos serviços da A.. Termos em que: deve a excepção invocada ser julgada procedente, por provada, com as legais consequências».
[3] Tudo o mais havia sido aceite por acordo.
[4] Na qua se prevê que «Cabe ainda recurso de apelação das seguintes decisões do tribunal de 1.ª instância: […] d) Do despacho de admissão ou rejeição de algum articulado ou meio de prova».
[5] Não está em causa a qualidade, nem a quantidade dos serviços prestados, nem sequer o valor dos honorários.
[6] No qual se decidiu: «Em face deste dispositivo, este Tribunal não questiona a obrigação de salvaguardar o dever de sigilo ou segredo profissional imposto pelo referido normativo legal. Simplesmente, no presente caso está em causa a prestação de serviços jurídicos no exercício de mandato forense prestado pela autora em benefício do réu, pelo que a análise do mérito da ação passa sempre pela necessidade de conhecer os serviços prestados, os quais deverão ter respaldo na nota de honorários apresentada.
Porém, nem o réu contesta que os serviços hajam sido efetivamente prestados, nem tão pouco impugna o respetivo valor, limitando-se na sua defesa a invocar a exceção perentória da prescrição de créditos, alegando ainda, a exceção do pagamento, tal como emerge da contestação apresentada a fls. 20 e 21. […]
Portanto, o que se afigura estar em causa nos presentes autos não é propriamente matéria que se encontre estritamente salvaguardada pelo sigilo profissional, mas antes a que revele a data que corresponda ao fim da prestação de serviços forenses, situação que prescinde da necessidade de alusão a qualquer matéria abrangida pelo segredo profissional e que o ilustre advogado depoente revelou pretender salvaguardar.
Assim, e por não se vislumbrar motivo legalmente atendível para, desde já, considerar abrangido pelo segredo profissional a factualidade que se encontra em discussão nestes autos, reconduzida esta aos limites temporais definidos na própria contestação, indefere-se o requerido pelo réu, admitindo-se o depoimento da testemunha Dr. D…»..