Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1118/22.4T8MTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: NELSON FERNANDES
Descritores: SUSPENSÃO DA PRESCRIÇÃO
PRINCIPIO DA LEGALIDADE CRIMINAL
ERRO NOTÓRIO NA APRECIAÇÃO DA PROVA
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
Nº do Documento: RP202209121118/22.4T8MTS.P1
Data do Acordão: 09/12/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NÃO ADMITIDO PARCIALMENTE; IMPROCEDENTE NA PARTE ADMITIDA; MANTIDA A DECISÃO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I - A propósito da causa de suspensão prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 53.º da Lei 107/09, de 14 de setembro – “Não possa prosseguir por inviabilidade de notificar o arguido por carta registada com aviso de recepção” –, a Lei é clara no sentido de esclarecer que apenas deve ser considerado, com o limite máximo a que aí se alude, o período de tempo em que perdurou a causa prevista.
II - A respeito da previsão dos n.ºs 1 e 6, do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e dos artigos 6.º-B, nº1, e 6.º-C, n.º1, alínea b), da Lei nº 4-B/2021, de 1 de fevereiro, independentemente da integração que se pretenda fazer, não colide com o princípio da legalidade criminal, na vertente da proibição de aplicação retroativa da lei nova desfavorável ao arguido, princípio consagrado do artigo 29.º n.º 4 da Constituição – ainda 19º n.º 6 da CRP –, pois que a suspensão do prazo prescricional aí prevista configura uma medida, entre outras, tomadas no âmbito da legislação de emergência, para fazer face à situação pandémica, que originou o estado de exceção constitucional.
III - Os vícios elencados no n.º 2 do artigo 410.º, do Código de Processo Penal, pertinem à matéria de facto, sendo anomalias decisórias ao nível da confeção da sentença, àquela circunscritos, apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito.
IV - O vício de nulidade por omissão de pronúncia tem diretamente a ver com o objeto e limites da atividade de conhecimento por parte do tribunal, tratando-se de anomia atinente aos deveres e limitações do decisor em matéria de cognição da causa, ou seja, relativa ao poderes / deveres de cognição do julgador.
V - O «princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena / coima e, portanto, das exigências de prevenção.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 118/22.4T8MTS.P1
Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo do Trabalho de Matosinhos
______
Nélson Fernandes (relator)
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I – Relatório
1. Inconformada com a decisão do Centro Distrital do Porto do Instituto da Segurança Social que lhe aplicou as coimas de €20.500,00 – pela prática da infração prevista e punida nos termos conjugados dos artigos 11º n.º 1, 39º E alínea a) do D.L. 64/2007 na versão republicada em anexo ao DL 33/2004, de 04.03 (funcionamento de estabelecimento que não se encontrava licenciado) –, de € 750,00 – pela prática da infração prevista e punida nos termos da d) do art 39º B do D.L. n.º 64/2007, de 14.03, na versão republicada em anexo ao DL n.º 33/2014, de 4.3 (impedimento da ação de fiscalização a desenvolver pelos serviços do ISS, IP) – e € 250,00 – pela prática da infração prevista no n.º 1 do art. 28º do DL 64/2004, na versão republicada em anexo ao DL 33/2004, de 04.03, e na alínea a) do n.º 1 do art. 3º do DL n.º 156/2005, de 15/09, com a redação dada pelo DL N.º 317/2007, de 6.11 e punida nos termos da alínea a) do art. 9º do mesmo diploma (inexistência do livro de reclamações) –, apresentou a arguida, AA, impugnação judicial.

1.1. Seguindo o recurso os seus termos, depois de realizada a audiência de julgamento, foi proferida sentença, de cujo dispositivo consta:
“Por todo o exposto julgo a impugnação improcedente e em consequência decido manter a decisão administrativa.
Custas pela arguida com 2 UC de taxa de justiça nos termos do art. 59º da Lei 107/2009 de 14/09, do 8º, nº 2 do Regulamento das Custas Processuais e da Tabela III anexa ao referido Regulamento.
Notifique, deposite e comunique à ISSS, IP nos termos do art. 45º, 3 da Lei 107/2009 de 14/09.”

2. Inconformada, apresentou a Arguida recurso, finalizando as alegações com as seguintes conclusões (transcrição):
“1- A Recorrente está ciente que o presente recurso, apenas se pode circunscrever a matéria de direito, mas não olvida que, seguindo os trâmites do processo penal, a sentença não pode fugir ao escrutínio dos vícios de conhecimento oficioso, de que o erro notório na apreciação da prova é exemplo, pelo que entendemos que tal erro deverá ser apreciado e debelado.
2- Trata-se de um mecanismo de controlo da própria decisão, do texto da decisão recorrida, que não se confunde com qualquer impugnação da matéria de facto.
3- Não há, obviamente, qualquer juízo feito de forma arbitrária pelo julgador. Porém, na fundamentação de facto, quanto aos factos considerados como provados, não provados e motivação, existem juízos ilógicos, contraditórios e dúvidas que se levantam.
4- A prova produzida, tal como resulta do próprio texto da douta sentença recorrida, não permite considerar que foi vedado, de forma deliberada, o acesso ao imóvel à equipa inspectiva.
5- Na douta sentença, se conjugarmos o elenco dos factos provados, não provados e a motivação, bem como a remissão expressa para o auto de notícia da GNR, percebemos que quem se encontrava no interior do imóvel com o n.º ... da Rua ..., sita na freguesia ..., concelho de Matosinhos, era a filha da Recorrente, BB.
6- Assim resulta, dos autos de fls. 8 a 10, com referência expressa ao local de residência da arguida, bem como resulta da motivação plasmada na douta sentença: “(…) apenas com a chegada da arguida lograram conseguir aceder ao interior do edifício.”
7- Se o tribunal logrou considerar como credível que só com a chegada da proprietária, puderam aceder ao imóvel, com uma espera de 30 minutos, parece lógico, que a sua filha, não sendo proprietária do imóvel, não deixasse aceder ao imóvel dos seus pais, pessoas estranhas, decisão que parece decorrer das regras da experiência comum, demonstrando sensatez e a diligência de um bom pai de família.
8- Situação ultrapassada com a chegada da proprietária, pois a acção inspectiva foi logo realizada.
9- Assim, torna-se contraditório e ilógico:
d) Dar-se como provado: “2. À equipa inspetiva apenas foi permitido o acesso ao edifício da equipa de inspeção após cerca de 35 a 40 minutos da sua chegada.” e) Dar-se como não provado: “- fosse por a sua mãe não estar em casa que a filha da arguida não permitisse a entrada de desconhecidos no interior da habitação;”
f) E motivar-se, da seguinte forma: “(…) de que apenas com a chegada da arguida lograram conseguir aceder ao interior do edifício”.
10- Pelo que, quanto a esta parte, impõe-se concluir existir, nesta parte, erro notório na apreciação da prova, devendo-se concluir o seguinte:
“A acção inspectiva iniciou-se 30 minutos após a chegada ao local da equipa destinada para o efeito, porquanto a arguida se encontrava ausente da sua habitação, que logo permitiu a sua entrada.”
11- Por outro lado, verifica-se existir um outro erro notório na apreciação da prova, relativamente ao local em que se encontrava a estrutura residencial para idosos aqui em causa.
12- Do elenco dos factos provados, consta logo no primeiro facto que a acção inspectiva seria levada a cabo no n.º ..., da Rua ..., para no terceiro facto, se considerar que se trata do local de residência da arguida.
13- Contudo, de todo o processado dos autos, consta que a sua residência se situa no n.º ..., da sobredita artéria.
14- Assim resulta, para além do mais, da prova documental que se enumera:
3- Auto da Segurança Social (fls. 4 a 7), as infracções foram praticadas no ..., mas a residência da arguida é no ... (fls. 3).
4- Auto da GNR (fls. 8 a 10), local dos factos no ... (Casa de Repouso) e local de residência no ... (Casa de morada de família).
15- Esta questão foi aflorada em sede de audiência, mas não ficou plasmada na decisão recorrida, parecendo fazer crer que no n.º ... se encontrava a residência da arguida e a tal estrutura residencial para idosos, não tendo o tribunal a quo dirimido esta questão, para que não subsistissem dúvidas, quanto ao local de exploração.
16- Provavelmente, defender-se-á que os números de polícia estarão duplicados, mas tal não resulta do aresto decisório e nunca foi solicitada prova documental (certidão predial e/ou matricial) que ateste verdadeiramente a que se destinam os imóveis.
17- Há, assim, uma espécie de prova superficial, indiciária, mas sem o suporte necessário, que permita a sua validação.
18- É verdade que a prova dos factos em processo penal não tem de ser directa, pode ser indiciária.
19- A questão reside, então, em saber se não se encontrando plasmado, na decisão recorrida, se a estrutura residencial para idosos funcionaria no n.º ... ou no n.º ... da Rua ..., onde estará integrada a residência da arguida,
20- Não foi possível apurar em que numero de polícia funcionariam as duas unidades (residência da arguida e estrutura para idosos), eventualmente numa só, apuramento esse capaz de fundar um juízo de certeza, para além de toda a dúvida razoável, e não de mera probabilidade.
21- Em suma, o Instituto da Segurança Social configurou este processo de contraordenação, através da imputação à Recorrente, de factos relacionados com a exploração de uma estrutura residencial para idosos, na sua própria residência.
22- Porém, afirma que a arguida reside no n.º ... e que a estrutura residencial se encontra no n.º ..., da Rua ..., na freguesia ..., concelho de Matosinhos.
23- Não existindo prova documental que suporte o tipo de imóveis em questão, bem como a que se destinam, a dúvida que a esse respeito se suscita não pode prejudicar a arguida, pelo que se verifica mais um erro notório na apreciação da prova, que expressamente se invoca.
24- Neste caso, como no anterior, a consequência, relativa à verificação deste vício, vem plasmada no art.º 426º do Código de Processo Penal.
- Pelo que se verifica um erro notório de apreciação da prova, nos termos do art.º 410º n.º 2 c) do Código de Processo Penal, com as consequências do art.º 426º n.º 1 do mesmo diploma,
25- A alegada prática dos factos, geradores das contraordenações, data de 08 de Julho de 2014.
26- A Lei n.º 107/09, de 14 de Setembro, estabelece as causas de suspensão (art.º 53º) e interrupção (art.º 54º) da prescrição do procedimento.
27- No que às causas de suspensão diz respeito, do elenco das situações descritas naquele normativo, verifica-se a da b) do n.º 1 do art.º 53º.
28- O tribunal, em sede de sentença, fixou o prazo da suspensão em 6 meses.
29- Contudo, sem razão, porquanto o n.º 2 do citado art.º 53º não fixa esse prazo em 6 meses, estabelece antes um limite máximo de 6 meses, coisa bem diferente.
30- É, assim, inconstitucional a interpretação normativa do art.º 53º n.º 1 b) da lei n.º 107/09, de 14/09, quando interpretada no sentido de que o prazo a aplicar é automático, de 6 meses, e não de que se trata de um prazo que estabelece um prazo máximo, por violação o art.º 32º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, maxime, do princípio da proibição da violação das garantias de defesa do arguido.
31- No caso concreto, de acordo com a indicação do código do registo postal ... -, constante de fls. 84, a notificação devolvida, foi expedida em 03 de Novembro de 2021 (cfr. seguimento dos CTT, que se anexa) e a arguida só veio a ser notificada da decisão mais tarde, numa segunda tentativa, no dia 27 de Janeiro de 2022.
32- Ora, o prazo de suspensão é de 85 dias e não de 6 meses, conforme determinou o tribunal a quo, porquanto essa impossibilidade apenas se verificou entre os dias 03 de Novembro de 2021 e dia 27 de Janeiro de 2022.
33- Já quanto às causas de interrupção, concordamos com o tribunal a quo, na parte em que refere ter que se contabilizar o prazo máximo de 7 anos e 6 meses, conforme do art.º 54º n.º 3 da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro.
34- No dia da acção inspectiva, que teve lugar no dia 08 de Julho de 2014, foi lavrado o competente auto de notícia.
35- Ora, o procedimento prescreve desde o dia do auto de notícia ou participação, retirado o tempo da suspensão, quando tenha decorrido o prazo de 5 anos, acrescido de metade, ou seja desde que tenham decorrido 7 anos e 6 meses.
36- Impõe-se, desta forma, concluir que no dia 08 de Janeiro de 2022, completaram-se 7 anos e 6 meses, sobre a acção inspectiva e respectivo levantamento do auto de notícia, pelo que o procedimento contraordenacional estaria prescrito.
37- Contudo, no pior dos cenários, caber-nos-á acrescentar a este prazo os da suspensão, a que alude o art.º 53º n.º b), de 85 dias e as Leis n.º 1-A/2020, de 19 de Março e n.º 4-B/2021, de 01 de Fevereiro, que têm um cômputo global de 159 dias.
38- Cabe-nos, assim, acrescentar 244 dias ao prazo de 08 de Janeiro de 2022 (data em que se completaram 7 anos e 6 meses).
39- Nessa medida, o procedimento prescreverá, no pior dos cenários, no próximo dia 09 de Setembro de 2022, o que expressamente se invoca.
40- Fizemos acima referência ao “pior dos cenários”, porquanto a causa da suspensão, relativa à situação epidemiológica, não veio a colher unanimidade na Jurisprudência.
41- Os novos prazos de prescrição e causas de interrupção e suspensão da prescrição do procedimento criminal e das penas e medidas de segurança, bem assim do procedimento contraordenacional e das coimas, sendo prejudiciais ao arguido, por alargamento dos prazos de prescrição, apenas poderão ser aplicados aos factos praticados na sua vigência, sob pena de se lhe conferir um efeito retroactivo proibido, em violação do disposto no artigo 29º n.º 4 CRP.
42- O artigo 19º n.º 6 CRP, expressamente estabelece que «[a] declaração do estado de sítio ou do estado de emergência em nenhum caso pode afetar […] a não retroatividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos […]», tendo o mesmo ficado consagrado no n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 44/86.
43- A aplicação da causa de suspensão da contagem do prazo de prescrição por força da situação de emergência sanitária a processos em curso colide com o princípio da legalidade criminal - na vertente da proibição de aplicação retroativa da lei nova desfavorável ao arguido, princípio consagrado do artigo 29.º n.º 4 da Constituição -, não se vendo razão para o afastar no domínio contraordenacional.
44- Nessa medida, se ao prazo de 08 de Janeiro de 2022 (7 anos e 6 meses), apenas tivermos de acrescentar os 85 dias (art.º 53º n.º 1 b) da Lei n.º 107/2009, de 14/09) e não os 159 dias (Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e a Lei n.º 4-B/2021, de 01 de Fevereiro, relativos à suspensão, em virtude da situação pandémica, a prescrição do procedimento terá ocorrido no passado dia 03 de Abril de 2022.
45- Em suma, as diferentes hipóteses, com e sem estado de emergência:
c) Prescrição do Procedimento - 7 anos e 6 meses (art.º 54 n.º 3) + 85 dias (art.º 53º n.º 1 b)) + 159 dias (Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro) - dia 09 de Setembro de 2022.
d) Prescrição do Procedimento - 7 anos e 6 meses (art.º 54º n.º 3) + 85 dias (art.º 53º n.º 1 b)) - dia 03 de Abril de 2022.
- Pelo que foi violado o disposto no art.º 53º n.ºs 1 b) e 2 da Lei n.º 107/09, de 14/09 e 29º n.º 4 CRP.
46- O tribunal a quo, em sede de motivação, valorou as declarações da arguida, através da exibição do auto dessas declarações à testemunha, o que contraria as mais elementares regras de processo penal, violando o disposto no art.º 357º do Código de Processo Penal, que às declarações de arguido diz respeito.
47- Daqui se conclui, sem necessidade de mais considerandos, que as testemunhas não podem ser inquiridas sobre o conteúdo de quaisquer declarações do arguido, prestadas na fase do inquérito, dado que a sua leitura não é permitida, face ao disposto no art.º 357º n.º 1 do CPP.
48- A consequência da violação deste normativo, conjugados os art.ºs 357º n.º 3 e 356º n.º 9 do Código de Processo penal, é a nulidade, o que expressamente se invoca.
49- Para a determinação da medida da coima da contraordenação em causa deverão ponderar-se os factores previstos no artigo 18º n.º 1 do DL n.º 433/82, de 27 de Outubro.
50- Destaca-se, acima de tudo a questão do período temporal da conduta, dada como provada, que decorreu já há 8 anos, não havendo notícia de qualquer infracção posterior.
51- Estabelece esta norma que esses factores consistirão na gravidade da contraordenação, da culpa, da situação económica do agente e do benefício económico que retirou da contraordenação, pelo que haverá que considerar:
a) a decisão proferida não circunscreve o período de actuação, pelo que ficamos apenas com o dia 08 de Julho de 2014, sendo que decorreram já 8 anos.
b) No que diz respeito à conduta posterior aos factos, não há notícia de qualquer outra actuação semelhante.
c) Quanto à culpa haverá mais que considerar que a arguida actuou aqui com negligência, ainda que consciente.
d) A situação económica da arguida não foi analisada, pelo que poderá ter tido lugar uma omissão de pronúncia, nos termos do art.º 379º c) do Código de processo Penal.
e) Não foi dado como provado qualquer benefício económico concreto, de que a arguida tivesse beneficiado.
52- Ponderando todos estes factores, o tribunal deverá considerar mais adequado fixar a medida concreta da coima para a contraordenação em causa, num patamar inferior e equacionar uma atenuação especial da pena, alterando assim a que foi fixada pela autoridade administrativa e ratificada pelo tribunal a quo.
- Pelo que foi violado o disposto nos art.º 18º do DL n.º 433/82, de 17 de Outubro.
TERMOS EM QUE,
Ponderando todos estes factores e o que considerar mais adequado, deverá o Tribunal a quo substituir esta decisão, por uma outra, que contenha as sobreditas alterações, sem prejuízo de ser declarada a prescrição invocada ou reenviado o processo para novo julgamento, total ou parcial.
Dessa forma, Vossas Excelências farão a costumada JUSTIÇA”

2.1. O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal a quo apresentou resposta ao recurso, na qual formulou as conclusões que se seguem:
“- Não deverá ser admitido o recurso da arguida quanto à condenação na coima de 750,00€, por violação do disposto no n.º 1 do art.º 30.º do DL n.º 6/2007, de 14/03, na versão republicada no anexo ao D.L. 33/2014, de 4 de março.
- Por mera cautela, se o Venerando Tribunal da Relação entender ser admissível o recurso da supra referida infracção, não se existe erro notório na apreciação da prova .
- O procedimento contraordenacional não se encontra prescrito e que a aplicação de uma causa de suspensão da prescrição com a função e o recorte daquela que foi prevista no artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2000, a procedimentos contraordenacionais pendentes por factos praticados antes do início da respetiva vigência, não viola o disposto no art.º 29º, n.º 4 da C. R. P.
- Dado que na audiência de julgamento não se reproduziu nem foram lidas as declarações prestadas pela arguida na fase administrativa do processo, não foi violado o disposto no art.º 357º do Código de Processo Penal.
- Mostra-se correctamente fixada e fundamentado o montante da coima única aplicada.
Pelo exposto e pelas demais razões de facto e de direito que V. Ex. doutamente suprirão, deverá ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a douta sentença recorrida.
Mas Vª Ex.s , agora e como sempre, farão a habitual JUSTIÇA”

2.2. O recurso foi admitido em 1.ª instância com subida imediata, nos próprios autos e efeito suspensivo.

3. Subidos os autos a este Tribunal da Relação, o Exª Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, parecer esse sobre qual a Recorrente não emitiu pronúncia.

4. Determinada a inscrição para a presente conferência, veio a Recorrente / arguida apresentar, com data de 8 de setembro de 2022, requerimento em que, reiterando os argumentos que apresentou nas alegações de recurso nesse âmbito, requer de novo que seja declarada a prescrição.
***
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir:

II. Objeto do recurso
Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto (emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum) previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (CPP), bem como verificação de nulidades que não devam considerar-se sanadas nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do mesmo Código, o Tribunal da Relação conhece, neste âmbito, apenas da matéria de direito, como resulta do artigo 51.º da Lei n.º 107/2009, de 14 de Setembro (RJCOL)[1].
Com a mencionada delimitação, tendo também presentes as conclusões formuladas em sede de recurso, as questões a decidir são as seguintes: questões prévias da invocada prescrição do procedimento contraordenacional e da não admissão parcial do recurso; conhecimento das nulidades invocadas; saber se ocorrem os pressupostos da atenuação especial da coima.
***
III. Fundamentação:
A) Na decisão recorrida foi considerado, como “factos provados”, o seguinte:
“1. Em 2014 /07/08 uma equipa de fiscalização dos serviços do Instituto da Segurança Social dirigiu-se ao estabelecimento “...” sito na Rua ... em Matosinhos propriedade da arguida, AA;
2. À equipa inspetiva apenas foi permitido o acesso ao edifício da equipa de inspeção após cerca de 35 a 40 minutos da sua chegada.
3. Não foi autorizado o acesso aos espaços dos pisos superiores (1º e 2º pisos) do edifício, com ligação interna, por alegadamente se tratar da residência da arguida.
4. No edifício foi verificada a existência de quatro camas individuais distribuídas por três quatros.
5. Foram identificadas três pessoas CC, DD e EE.
6. Foi visualizado vestuário, objetos pessoais e caixas de medicação de pessoas que não se encontravam nas instalações, FF e GG.
7. A arguida tentou ocultar dois copos de medicação identificados com os nomes de GG e FF.
8. Quando a equipa tentou pretendeu observar a medicação existente no frigorífico identificado com o nome FF a arguida atirou as caixas para o lixo alegando que estava fora de prazo de validade. 9. No estabelecimento não havia livro de reclamações.
10. O estabelecimento encontrava-se a funcionar sem licença de funcionamento ou autorização provisória de funcionamento.
11. A arguida não agiu com o cuidado e o dever a que estava obrigada e lhe era exigível, ao impedir a equipa de fiscalização de aceder a todos os espaços do edifício, ao não ter observado as regras inerentes ao exercício da atividade social de ERPI, sujeita ao prévio licenciamento e/ou autorização provisória e ao não possuir o livro de reclamações.”

Por sua vez, sob a menção «factos não provados», fez-se constar:
“Não se provaram mais nenhuns factos com relevo para a decisão da causa que estejam em contradição com os dados como provados, sendo designadamente factos não provados que:
- a filha da arguida, BB estivesse a cuidar da sua avó materna, HH;
- fosse por a sua mãe não estar em casa que a filha da arguida não permitisse a entrada de desconhecidos no interior da habitação;
- a arguida tivesse a seu cargo, a sua mãe, bem como face à sua experiência na área – vem gerindo uma casa de repouso sita na Av. ..., ... – dois outros idosos amigos da família, em particular da sua mãe, com o objetivo de lhe fazer companhia, regressando, na maioria das vezes, a suas casas no fim do dia.”
*
B) Conhecimento do recurso:
Como se referiu anteriormente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, o Tribunal da Relação conhece, neste âmbito, apenas da matéria de direito.
Por razões de ordem lógica, pois que da sua apreciação poderá resultar a desnecessidade de apreciação total ou parcial do mais invocado em sede de recurso, começaremos pela análise das questões prévias, assim a questão da prescrição invocada pela Recorrente / arguida e de seguida se o recurso deve ser admitido.

1. Questões prévias
1.1. Questão prévia da prescrição
Defende a Recorrente que, diversamente do decidido na sentença, nas diferentes hipóteses, com e sem estado de emergência, a prescrição do procedimento ocorreu no dia 3 de abril de 2022 – 7 anos e 6 meses (art.º 54º n.º 3) + 85 dias (art.º 53º n.º 1 b)) – ou, na pior das hipóteses, no dia 9 de setembro de 2022 – 7 anos e 6 meses (art.º 54 n.º 3) + 85 dias (art.º 53º n.º 1 b)) + 159 dias (Lei n.º 1-A/2020, de 19 de Março, e a Lei n.º 4-B/2021, de 1 de Fevereiro), pelo que, diz, “foi violado o disposto no art.º 53º n.ºs 1 b) e 2 da Lei n.º 107/09, de 14/09 e 29º n.º 4 CRP”.
Por sua vez, sustenta o Ministério Público a adequação do julgado.
Na decisão recorrida fez-se constar, neste âmbito, o seguinte (transcrição):
“Defende a arguida que tendo a alegada prática dos factos geradores das contraordenações ocorrido a 8 de julho de 2014 e não se tendo verificado qualquer causa de suspensão mas apenas de interrupção com a notificação ocorrida à arguida da decisão de instaurar o procedimento criminal em 26 de junho de 2015 a prescrição do procedimento terá ocorrido em 26 de junho de 2020 (art. 54 a) da Lei 107/2009, de 14 de setembro) admitindo, no entanto sem concordar, que a notificação para inquirição das testemunhas possa ser entendida como causa de interrupção (art. 54 b) da Lei 107/2009) que então a prescrição teria ocorrido a 21 de junho de 2021. E acrescenta que desde o ato inspetivo ocorrido em 8 de julho de 2014 e considerando o disposto no art. 54 n.º 3 da Lei 107/2009 a prescrição teria ocorrido a 8 de janeiro de 2022 (decorrido o prazo de cinco anos, acrescido de metade, ou seja, desde que tenham decorrido 7 anos e 6 meses), pelo que aquando da notificação da decisão no dia 27 de janeiro já se encontrava prescrito.
Discorda o M.P. da posição sufragada pela arguida por entender “que o prazo de prescrição de 5 anos nos presentes autos ocorreria em 23/11/2021 (21/06/2021 de 5 anos sobre a inquirição das testemunhas pela autoridade administrativa + 155 dias), porém verifica-se que antes da referida data ocorreu uma nova causa de interrupção do procedimento contra ordenacional com a notificação de decisão do ISS.IP de 26/10/2021 enviada por correio registado - .... e o prazo de prescrição passaria a ocorrer, no mínimo, no dia 26/10/2026.
Todavia, por força do disposto nas disposições conjugadas dos art.º 7º, n.º 4 da Lei n.º 1-A/2002, de 19/03, art.º 6-C n.º 4 da mesma Lei e dos art.º 52º e 54º n.º 3 da Lei 107/09, de 14/08, o prazo de prescrição da contra ordenação sub judice ocorreria em 12/06/2022 e não 8/01/2022 como alega a arguida (8/07/2014 + 7 anos e 6 meses + 155 dias da suspensão dos prazos de caducidade e de prescrição previstos na Lei 1-A/2002, de 19/03).”
Cumpre, pois, decidir.
Refere o art. 52º da Lei 107/2009, de 14 de setembro (Regime processual das contraordenações laborais e da Segurança Social) que “ sem prejuízo das causas de suspensão e interrupção da prescrição previstas no regime geral das contraordenações, o procedimento extingue-se por efeito da prescrição logo que sobre a prática da contraordenação hajam decorrido cinco anos.”
Prevê o art. 53 º da citada Lei os casos em que há suspensão da prescrição, a saber:
“A prescrição do procedimento por contraordenação suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que o procedimento:
a) Não possa legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal;
b) Não possa prosseguir por inviabilidade de notificar o arguido por carta registada com aviso de receção;
c) Esteja pendente a partir do envio do processo ao Ministério Público até à sua devolução à autoridade administrativa competente, nos termos previstos no regime geral das contraordenações.
d) Esteja pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa competente, até à decisão final do recurso.
2 - Nos casos previstos nas alíneas b), c) e d) do número anterior, a suspensão não pode ultrapassar seis meses.”
Por seu no art 54º refere-se à interrupção da prescrição referindo que: 1 - A prescrição do procedimento por contraordenação interrompe-se:
a) Com a comunicação ao arguido dos despachos, decisões ou medidas contra ele tomados ou com qualquer notificação;
b) Com a realização de quaisquer diligências de prova, designadamente exames e buscas, ou com o pedido de auxílio às autoridades policiais ou a qualquer autoridade administrativa;
c) Com a notificação ao arguido para exercício do direito de audição ou com as declarações por ele prestadas no exercício desse direito;
d) Com a decisão da autoridade administrativa competente que procede à aplicação da coima.
2 - Nos casos de concurso de infrações, a interrupção da prescrição do procedimento criminal determina a interrupção da prescrição do procedimento por contraordenação.
3 - A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tenha decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade.
Vejamos, então, as incidências processuais com relevo para a decisão sub judice:
- em causa esta a prática de infrações pela arguida em 8.7.2014;
- 19.05.2015 a arguida foi notificada para exercer o seu direito de defesa através de carta regista com a/r rececionada a 26.6.2015;
- 21.06.2016 foram realizadas diligências de prova (inquirição de testemunhas);
26.10.2021 foi enviada notificação da decisão do ISSP por correio registado RG851183809 que não foi recebida pela arguida 15.01.2022 a arguida foi notificada da decisão contraordenacional em 17.02.2022 a arguida interpor recurso da decisão da autoridade administrativa.
Verificada a contraordenação em 08.04.2014 o respetivo procedimento contraordenacional prescreveria a 08.04.2019. Porém a prescrição do procedimento interrompeu-se além do mais em 21.06.2016 com a inquirição das testemunhas o que levaria a que o procedimento prescrevesse em 21.06.2021.
A questão que se coloca é a de saber se ocorreu outra causa de suspensão decorrente das alterações legislativas implementadas com a crise pandémica causada pelo SARS-COV2 em 2020 e em 2021 [estabelecidas com Lei nº 1-A/2020 de 19 de março - mais precisamente no art. 7º, nº 3, desta Lei com as subsequentes alterações do art. 6º, nº 2, da Lei 4-A/2020 de 6 de Abril e do art. 8º da Lei nº 16/2020 de 29 de maio - e no art. 4º da Lei nº 4-B/2021 de 01 de fevereiro -mais precisamente no art. 4º desta Lei juntamente com as alterações dos arts. 6º-B à Lei nº 1-A/2020 e dos arts. 5º e 6º da Lei nº 13-B de 5 de abril.
Desde já se diga que entendemos que sim configurando a suspensão dos atos e prazos processuais criminais contraordenacionais, imposta pela Lei 1ª/2020, de 19 de março e a posteriormente a Lei n.º 4-B/2021, uma causa suspensiva da prescrição, por falta de autorização legal para o processo continuar, nos termos do art. 53 n.º1 al.a) da Lei 107/2009. (neste sentido ver v.g. Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo 309/20.7YUSTRL.L1-PICRS e no processo 148/21.8Y5LSB.L1-3 e recentemente da Relação do Porto 1056/21.8T9PVZ.P1, todos disponíveis in www.dgsi.pt)
Assim verifica-se a paralisação legal da generalidade dos atos e prazos processuais e procedimentais, no domínio criminal e contraordenacional, primeiramente, por força dos nºs 1 e 6, do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, entre 9 de março de 2020 e 3 de junho de 2020 ou seja, 86 dias sendo que por força do artigo 6º-B, nº1, e artigo 6º-C, nº1, al.b), da Lei nº 4-B/2021, de 01/02, ocorreu nova suspensão no período temporal de 22/01/2021 a 05/04/2021 num total de 73 dias.
Durante estes dois períodos o procedimento contraordenacional não podia continuar por falta de autorização legal, em face da paralisação imposta por lei para os atos e prazos a decorrer na administração, no Ministério Público e nos tribunais.
O prazo de prescrição suspendeu-se durante o período em que não foi autorizado legalmente o andamento do processo.
A razão de ser desta suspensão baseia-se, como foi o caso, na existência de um obstáculo previsto na lei, de carácter geral, ao inicio ou continuação do procedimento contraordenacional, sendo que a situação a que se alude no art. 53º n.º 1 al. a) da Lei 107/2009 não é limitada a um período de seis meses a que se alude neste artigo – cfr. n.º 2 – e acrescerá ao limite dos seis meses previstos nas situações a que se alude nas demais alíneas do n.º 1
Aplicando ao caso o regime da suspensão previsto no art. 53 n.º1 al. a) correspondente ao art.120º, nº1, al.a),do C. Penal, já que os procedimentos criminal e contraordenacional não podiam legalmente continuar por falta de autorização legal, essa suspensão limitou-se ao período de 86 + 73 dias, sendo aquela uma causa de suspensão da prescrição do procedimento criminal expressamente contemplada na lei ao tempo dos factos e, por isso, a coberto do princípio da legalidade e não retroatividade da lei penal e contraordenacional.
O prazo de prescrição ocorreria assim em 27.11.2021 (21.6.2021 acrescido de 159 dias de suspensão)
Sucede porém que em 26.10.2021 ocorreu uma nova causa de suspensão da prescrição com a inviabilidade de notificar a arguida da decisão da ISS. Ip com o limite máximo de seis meses, cfr. art. 53 n.º 1 b) e n.º 2 da Lei 107/2009.
A prescrição em face das disposições conjugadas dos art. 52º, 54º n.º 3, 53 n.º 1 als. a) e b) da Lei 107/2009, ainda por força dos nºs 1 e 6, do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março e do artigo 6º-B, nº1, e artigo 6º-C, nº1, al. b), da Lei nº 4-B/2021, de 01/02, prescrição só ocorreria a 14.12.2022 (»7 anos + 6 meses (art. 54 n.º 3 ) + 6 meses (art. 53º nº 1 al. b) + 159 dias ( 53 n.º1)»
Improcede, assim, a invocada prescrição, o que se decide»

Cumprindo-nos pronúncia, muito embora não exatamente nos termos constantes da citada fundamentação, nos termos que de seguida melhor explicaremos, desde já diremos que concordamos com o Tribunal recorrido quando afirma que não ocorreu no caso a prescrição do procedimento contraordenacional.
Como primeira abordagem, começaremos por analisar os argumentos da Recorrente, o que faremos pois já de seguida.
A Lei n.º 107/09, de 14 de setembro, estabelece, nos seus artigos 53.º e 54.º, respetivamente, causas de suspensão e de interrupção da prescrição do procedimento, como de resto resulta da decisão recorrida e, ainda, do invocado pela Recorrente.
No que às primeiras diz respeito, aceitando a Recorrente que se verifica a prevista na alínea b) do seu n.º 1, sustenta, porém, que diversamente do que resulta da decisão recorrida, essa não tem a duração de seis meses, pois que, diz, sendo esse o período máximo que pode durar tal causa de suspensão, impõe-se verificar o período efetivo em que, no caso, ocorreu a impossibilidade a que se alude na norma.
Concordamos, diga-se, com tal argumento da Recorrente, pois que, efetivamente, a Lei é clara no sentido de esclarecer que apenas deve ser considerado, com o limite máximo a que aí se alude, o período de tempo em que perdurou a causa prevista, que, efetivamente, seja considerando os dados constantes na sentença, seja os que a Recorrente indica, são sem dúvidas inferiores ao referido limite máximo de seis meses – solução esta a que chegamos que afasta a necessidade de apreciação do argumento baseado em eventual inconstitucionalidade a que alude a Recorrente na conclusão 29.ª.
Se neste aspeto manifestámos a nossa concordância com a Recorrente, já, porém, diversamente, com a mesma não concordamos no que se refere ao afastamento, que defende, da aplicação dos n.ºs 1 e 6, do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, referente ao período compreendido entre 9 de março de 2020 e 3 de junho de 2020 (ou seja, 86 dias), e dos artigos 6.º-B, nº1, e 6.º-C, n.º1, alínea b), da Lei nº 4-B/2021, de 1 de fevereiro, neste caso quanto ao período que decorreu entre 22 de janeiro de 2021 e 5 de abril de 2021 (num total de 73 dias).
Na verdade, independentemente da integração que se pretenda fazer da previsão das normas em causa, assim valendo por si mesmas enquanto causa especial e autónoma de suspensão, ou noutros termos enquanto configurada como “causa suspensiva da prescrição, por falta de autorização legal para o processo continuar, nos termos do art. 53 n.º1 al. a) da Lei 107/2009” (como o foi na sentença, fazendo referência, nesse sentido, citando-se, aos “Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido no processo 309/20.7YUSTRL.L1-PICRS e no processo 148/21.8Y5LSB.L1-3 e recentemente da Relação do Porto 1056/21.8T9PVZ.P1, todos disponíveis in www.dgsi.pt), não vemos, salvo o devido respeito, que colha real e adequada sustentação o argumento da Recorrente no sentido de que (conclusões 41.ª a 43.ª) “a aplicação da causa de suspensão da contagem do prazo de prescrição por força da situação de emergência sanitária a processos em curso colide com o princípio da legalidade criminal - na vertente da proibição de aplicação retroativa da lei nova desfavorável ao arguido, princípio consagrado do artigo 29.º n.º 4 da Constituição as novas causas de suspensão da prescrição do procedimento, sendo prejudiciais ao arguido, por alargamento dos prazos de prescrição, apenas possam ser aplicados aos factos praticados na sua vigência, sob pena de se lhe conferir um efeito retroativo proibido, em violação do disposto no artigo 29.º, n.º 4, da Constituição da República Portuguesa (CRP)” – mais dizendo que “o artigo 19º n.º 6 CRP, expressamente estabelece que «[a] declaração do estado de sítio ou do estado de emergência em nenhum caso pode afetar […] a não retroatividade da lei criminal, o direito de defesa dos arguidos […]», tendo o mesmo ficado consagrado no n.º 1 do artigo 2.º da Lei n.º 44/86”.
Encurtando-se razões, desde já esclareceremos que o Tribunal Constitucional já foi chamado a pronunciar-se sobre a (in)constitucionalidade da norma resultante da conjugação do artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, e do artigo 6.º, n.º 2, da Lei n.º 4-A/2020, de 6 de abril, segundo a qual a causa de suspensão dos prazos de prescrição do procedimento contraordenacional estabelecida no sobredito artigo 7.º, n.º 3, é aplicável aos prazos (de prescrição) que, à data da entrada em vigor da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, se encontravam já em curso.
Ora, sendo tal entendimento direta e plenamente aplicável também às normas semelhantes constantes mais tarde da Lei nº 4-B/2021, considerou-se, então, que a suspensão do prazo prescricional aí prevista configura uma medida, entre outras, tomadas no âmbito da legislação de emergência, para fazer face à situação pandémica, que originou o estado de exceção constitucional – o período que mediou entre 9 de março (Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março) e 3 de junho de 2020 (Lei n.º 16/2020, de 29 de maio) foi tido como causa de suspensão do prazo prescricional de procedimentos criminais (e contraordenacionais), em grande medida como decorrência da paralisação da atividade judiciária lato sensu durante esse período.
Citando-se aqui o recente Acórdão deste Tribunal da Relação de 9 de março de 2022[2], que nesta parte seguiremos de perto, diremos também que «numa lógica de diferenciação entre tipos de retroatividade no domínio penal, distinguindo os conceitos de retroatividade direta ou de primeiro grau e “retrospetividade”, também conhecida por “retroatividade inautêntica”, (nesta última a norma não se aplica retractivamente – aplica-se para o futuro a processos crimes ainda pendentes, embora resultantes de crimes cometidos no passado), o Acórdão TC n.º 500/2021, de 9 de Junho de 2021, acompanhado pelos Ac.s TC nº660/2021, de 29 de julho, e Acórdão n.º 798/2021, de 21 de outubro, decidiu: “Não julgar inconstitucional o artigo 7.º, n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, interpretado no sentido de que a causa de suspensão do prazo de prescrição do procedimento contraordenacional aí prevista é aplicável aos processos a correr termos por factos cometidos antes do início da respetiva vigência”, cuja interpretação tem inteira aplicação, também, à prescrição do procedimento criminal, conforme referido no texto desse acórdão no seu ponto. Baseado na razão de ser desta causa de suspensão, derivada, única e exclusivamente, da situação imprevisível de emergência sanitária que originou o estancamento da atividade judiciária, por um determinado período, o Tribunal Constitucional entendeu que a intenção do legislador foi “a aplicação desta causa de suspensão da prescrição a processos em curso, aquando da sua entrada em vigor, isto é, a factos cometidos antes dessa data, por serem esses mesmos procedimentos que sofreram uma “torção” na sua tramitação com a sustação da respetiva tramitação (ac TC nº660/2021). Mais concluiu o TC que “a aplicação imediata desta causa de suspensão a processos em curso não colide com as garantias asseguradas pelo princípio da proibição da aplicação retroativa da lei penal, quando, como é o caso, no momento da sua entrada em vigor, o prazo de prescrição já se tinha iniciado e, apesar de se encontrar em curso, não se havia ainda extinto” (ac TC nº 660/2021), juízo de não inconstitucionalidade cujos argumentos são replicáveis para os procedimentos de natureza contraordenacional ” (ac TC 500/2021 e ac TC nº 660/2021) [7].(…)».
Deste modo, ainda por decorrência da citada jurisprudência do Tribunal Constitucional, sem que julguemos necessárias outras considerações suplementares, aqui afastamos, também, os argumentos em contrário invocados pela Recorrente, do que resulta, no que ao caso importa, ser de considerar, como se concluiu na sentença recorrida, os períodos de suspensão do presente procedimento contraordenacional, baseados na aplicação das invocadas e analisadas normas, a que se alude na sentença, de respetivamente 86 e 73 dias (num total, pois, de 159 dias de suspensão).
Aqui chegados, na busca da solução que o caso impõe, importa, no entanto, tanto mais que se trata de questão de conhecimento oficioso e enquanto tal submetida à nossa apreciação, verificar se, para além das causas de interrupção e de suspensão a que se alude na sentença (e no presente recurso), outras haverá que se nos imponham atender, tarefa a que nos dedicaremos de seguida.
Ora, estando em causa a eventual prática de infrações pela arguida em 8 de julho de 2014, afirmando-se na sentença (sem desacordo da Recorrente) que ocorrendo uma causa de interrupção da prescrição em 21.06.2016, com a realização de diligências de prova (inquirição de testemunhas), iniciando-se assim de novo o prazo de cinco anos da prescrição previsto no artigo 53.º do RGCOL (artigo 121.º, n.º 2, do Código Penal (CP), aplicado subsidiariamente: “Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição”), a prescrição acorreria em 21.06.2021, sendo que, porém, descontados os períodos de suspensão a que se alude na sentença – como nessa se refere, “por força dos nºs 1 e 6, do artigo 7.º da Lei n.º 1-A/2020, de 19 de março, entre 9 de março de 2020 e 3 de junho de 2020 ou seja, 86 dias sendo que por força do artigo 6º-B, nº1, e artigo 6º-C, nº1, al.b), da Lei nº 4-B/2021, de 01/02, ocorreu nova suspensão no período temporal de 22/01/2021 a 05/04/2021 num total de 73 dias” –, que totalizariam 159 dias, os quais como vimos antes se nos impõe atender, a prescrição passaria a ocorrer, agora, em 27.11.2021 (21.6.2021 acrescido de 159 dias de suspensão). E, sendo assim, quer considerando que tal teria ocorrido em 27.10.2021, como dito na sentença, ou na data indicada pela Recorrente), verificou-se então uma nova causa de suspensão, neste caso aquela a que alude o artigo 53.º, n.º 1, alínea b), do RGCOL, que abrangeria, como antes afirmámos, não a duração de seis meses afirmada na sentença, e sim, apenas, o período que decorreu até 15.01.2022 (mais uma vez se considerada a data da notificação a que se alude na sentença) – porque a suspensão apenas suspende o decurso do prazo de prescrição que esteja em curso (nos termos do a artigo 120.º, n.º 6, do CP, mais uma vez de aplicação subsidiária), a partir dessa data volta a decorrer esse prazo, assim no caso o que faltava completar em 27.10.2021 por referência à data em que ocorreria a prescrição, ou seja em 27.11.2021, o que se traduz no máximo em apenas 32 dias (e não, pois, salvo o devido respeito, o período de seis meses que alude a sentença recorrida, pois que esses seis meses traduzem-se no máximo que essa suspensão pode operar, sendo que, no caso, como se viu, apenas o foi pelos referidos 32 dias, ou porventura, a considerarem-se os dados avançados pela Recorrente, de 24 dias, assim entre 3 e 27 de novembro de 2021) –, sendo que, ao ser assim, mesmo que se considerasse que esta nova suspensão tivesse tido a duração indicada pela Recorrente, assim de 85 dias, apenas haveria de acrescentar-se, a partir da data em que o período de prescrição voltou a decorrer, os referidos 32 dias (ou 24, se se atenderem aos dados da Recorrente).
Acontece, porém, que se verificou uma outra e nova causa de interrupção da prescrição, não mencionada na sentença, assim aquela a que se alude a alínea d) do n.º 1 do artigo 54.º do RGCOL (“decisão da autoridade administrativa competente que procede à aplicação da coima”), causa essa que, nos termos já antes ditos, tem como consequência que se iniciasse de novo a contagem do prazo de cinco anos da prescrição (artigo 121.º, n.º 2, do CP), pelo que importará sempre considerar, por decorrência, o regime que resulta do mesmo artigo – ou seja, que “A prescrição do procedimento tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tenha decorrido o prazo da prescrição acrescido de metade”.
Aplicando então o referido regime ao caso, praticada que teria sido a infração em 8.7.2014, sendo o prazo máximo da prescrição, agora não considerando os períodos de suspensão, de sete anos e seis meses, a prescrição ocorreria em 8.01.2022, sendo que, havendo então que descontar os períodos de suspensão a que antes aludimos – no caso, como antes dito, respetivamente de 159 dias e de 32 ou 24 dias (nas duas hipóteses), o que daria um total, respetivamente, de 191 dias ou 183 dias, a data da prescrição passou a ser a de 19 de julho de 2022 (ou, na outra hipótese, 11 de julho de 2022).
No entanto, como já se disse sem que tal tenha sido considerado na sentença, o que na nossa ótica se imporia, verificou-se afinal, antes de qualquer das referidas datas, através do despacho proferido em 1.ª instância em 4 de abril de 2022, uma nova causa de suspensão, neste caso aquela a que alude a alínea d) do n.º 1 do artigo 53.º do RGCOL (o processo “Esteja pendente a partir da notificação do despacho que procede ao exame preliminar do recurso da decisão da autoridade administrativa competente, até à decisão final do recurso”), causa essa que ainda decorre, no momento da prolação do presente acórdão, pois que não decorreram ainda até agora os seis meses, que apenas se completarão em 4.10.2022.
E, porque assim é, muito embora na parte antes afirmada com fundamentação não propriamente coincidente com a que consta da sentença recorrida, temos para nós que não ocorreu, nos termos antes expostos, a prescrição invocada pela Recorrente, razão pela qual nos resta concluir pela improcedência do presente recurso quanto a esta questão.

1.2. Questão prévia da não admissão parcial do recurso
O Exmo. Procurador-Geral Adjunto, no parecer que emitiu, defende que o recurso não deve ser admitido quanto às coimas aplicadas no valor, respetivamente, de €750,00 e €250,00.
De acordo com a decisão da Autoridade Administrativa (confirmada pela sentença proferida em sede de impugnação judicial), foram aplicadas à aqui Recorrente as coimas de, respetivamente: €20.500,00, pela prática da infração prevista e punida nos termos conjugados dos artigos 11º n.º 1, 39º E alínea a) do D.L. 64/2007 na versão republicada em anexo ao DL 33/2004, de 04.03 (funcionamento de estabelecimento que não se encontrava licenciado); € 750,00, pela prática da infração prevista e punida nos termos da d) do art 39º B do D.L. n.º 64/2007, de 14.03, na versão republicada em anexo ao DL n.º 33/2014, de 4.3 (impedimento da ação de fiscalização a desenvolver pelos serviços do ISS, IP); € 250,00, pela prática da infração prevista no n.º 1 do art. 28º do DL 64/2004, na versão republicada em anexo ao DL 33/2004, de 04.03, e na alínea a) do n.º 1 do art. 3º do DL n.º 156/2005, de 15/09, com a redação dada pelo DL N.º 317/2007, de 6.11 e punida nos termos da alínea a) do art. 9º do mesmo diploma (inexistência do livro de reclamações).
Nos termos do artigo 49.º, n.º 1, al. a), do RGCOL, que aprovou o regime jurídico do procedimento aplicável às contraordenações laborais, é admissível “recurso para o Tribunal da Relação da sentença ou do despacho judicial proferidos nos termos do artigo 39.º, quando for aplicada ao arguido uma coima superior a 25 UC ou valor equivalente”. O nº 3 do mesmo preceito acrescenta que «se a sentença ou o despacho recorrido são relativos a várias infracções ou a vários arguidos e se apenas quanto a alguma das infracções ou a algum dos arguidos se verificam os pressupostos necessários, o recurso sobe com esses limites».
Ora, no caso presente, apenas a coima aplicada no valor de €20.500,00 é superior a 25 UC, sendo que, diversamente, tal não se verifica com as demais, assim de respetivamente €750,00 e €250,00, não se verificando, pois, quanto a estas os pressupostos necessários à admissão do recurso – sendo que, diga-se ainda, não foi invocado qualquer dos pressupostos previstos no nº 2 do citado artigo 49º.
Por decorrência do exposto, apesar de o recurso ter sido admitido na 1ª instância, porque tal decisão não vincula esta Relação (artigo 414º, nº 3 do CPP), não sendo a decisão recorrível como se viu nessa parte, não se admite o recurso no que concerne às aludidas contraordenações em que foi aplicada coima não superior a 25 UCs.
Daí que na apreciação do recurso, ao prosseguir com tal limitação, se não atenda ao invocado nas conclusões na parte afetada, assim desde logo as conclusões 1.ª a 11.ª.

2. Conhecimento do recurso na parte admissível

2.1. Nulidades invocadas
2.1.1. Dos vícios a que alude o artigo 410.º do CPP
Dispõe o artigo 410.º, n.ºs 2 e 3 do CPP o seguinte:
“2- Mesmo nos casos em que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, o recurso pode ter como fundamentos, desde que o vício resulte do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada;
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão;
c) Erro notório na apreciação da prova.
3- O recurso pode ainda ter como fundamento, mesmo que a lei restrinja a cognição do tribunal de recurso a matéria de direito, a inobservância de requisito cominado sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada.”
De acordo com o disposto no artigo 51º, nº 1 da Lei nº 107/2009, de 14/09, se o contrário não resultar da mencionada lei, em matéria contraordenacional laboral, o Tribunal da Relação apenas conhece da matéria de direito[3], aspeto esse que importa pois atender. Centrando pois a análise, a apreciação nesse âmbito a realizar em sede de recurso terá de cingir-se, necessariamente, porque ressalvada da regra de conhecimento limitado à matéria de direito, aos vícios enunciados no artigo 410.º, nºs 2 e 3 do CPP, aplicável ex-vi dos artigos 41.º, n.º 1 e 74.º, nº 4 do DL 433/82, de 27/10, na redação do DL 244/95, de 14/9 – cfr. acórdão do STJ de 19/10/95, Processo nº 46580, publicado no DR, I série-A, nº 298, de 28/12/95, que fixou jurisprudência obrigatória no sentido de que é oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2 do CPP, mesmo que o objeto do recurso se encontre limitado à matéria de direito.
É o que ocorre com o pretendido nesta sede pela Recorrente, assim nas conclusões 11.ª a 24.ª, em que invoca a ocorrência de “erro notório na apreciação da prova, relativamente ao local em que se encontrava a estrutura residencial para idosos aqui em causa”.
Defendendo o Ministério Público que não assiste razão à Recorrente, cumprindo-nos decidir, é também nosso entendimento que não ocorre o invocado vício, como veremos de seguida.
Pretendendo evidenciar a ocorrência do invocado vício quanto ao que se fez constar do ponto 1.º da factualidade provada, na parte em que nesse se refere que o estabelecimento (“...”) se situava “na Rua ... em Matosinhos”, limita-se a Recorrente a argumentar que constará de “todo o processado dos autos” “que a sua residência se situa no n.º ..., da sobredita artéria” – referindo, nomeadamente: “assim, resulta, para além do mais, da prova documental que se enumera: 3- Auto da Segurança Social (fls. 4 a 7), as infracções foram praticadas no ..., mas a residência da arguida é no ... (fls. 3). 4- Auto da GNR (fls. 8 a 10), local dos factos no ... (Casa de Repouso) e local de residência no ... (Casa de morada de família)”; que essa “questão foi aflorada em sede de audiência, mas não ficou plasmada na decisão recorrida, parecendo fazer crer que no n.º ... se encontrava a residência da arguida e a tal estrutura residencial para idosos, não tendo o tribunal a quo dirimido esta questão, para que não subsistissem dúvidas, quanto ao local de exploração”; que “a questão reside, então, em saber se não se encontrando plasmado, na decisão recorrida, se a estrutura residencial para idosos funcionaria no n.º ... ou no n.º ... da Rua ..., onde estará integrada a residência da arguida”, “não foi possível apurar em que numero de polícia funcionariam as duas unidades (residência da arguida e estrutura para idosos), eventualmente numa só, apuramento esse capaz de fundar um juízo de certeza, para além de toda a dúvida razoável, e não de mera probabilidade” –, para concluir que, “em suma, o Instituto da Segurança Social configurou este processo de contraordenação, através da imputação à Recorrente, de factos relacionados com a exploração de uma estrutura residencial para idosos, na sua própria residência”, mas que, “porém, afirma que a arguida reside no n.º ... e que a estrutura residencial se encontra no n.º ..., da Rua ..., na freguesia ..., concelho de Matosinhos”, sendo que, diz, “não existindo prova documental que suporte o tipo de imóveis em questão, bem como a que se destinam, a dúvida que a esse respeito se suscita não pode prejudicar a arguida, pelo que se verifica mais um erro notório na apreciação da prova, que expressamente se invoca”.
Em face de tal invocação, importa porém ter presente, como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17 de Março de 2016[4], por apelo ao que se disse no Acórdão desse mesmo Tribunal de 8 de Novembro de 2006[5], que os vícios elencados no citado n.º 2 do artigo 410.º, em que se inclui o que aqui se analisa, “pertinem à matéria de facto; são anomalias decisórias ao nível da confecção da sentença, circunscritos à matéria de facto, apreensíveis pelo seu simples texto, sem recurso a quaisquer outros elementos a ela estranhos, impeditivos de bem se decidir tanto ao nível da matéria de facto como de direito.(...) Na verdade, os factos relevantes para a decisão da causa são necessariamente factos que importam consequências jurídicas, e por isso, em tal âmbito, a matéria de facto é sempre juridicamente relevante.”
Discorrendo sobre a matéria, pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 2010[6] (transcrição):
“No primeiro caso estamos perante a arguição dos vícios decisórios previstos nas alíneas a), b) e c) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, cuja indagação, como resulta do preceito, apenas se poderá fazer através da leitura do texto da decisão recorrida, circunscrevendo-se a apreciação da matéria de facto ao que consta desse texto, por si só considerado ou em conjugação com as regras da experiência comum, sem possibilidade de apelo a outros elementos estranhos ao texto, mesmo que constem do processo.
Nesta forma de impugnação, as anomalias, os vícios da decisão elencados no n.º 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal têm de emergir, resultar do próprio texto, da peça escrita, por si só considerada ou conjugada com as regras da experiência comum, o que significa que os mesmos têm de ser intrínsecos à própria decisão, como peça autónoma.
A possibilidade de introdução do Tribunal ad quem no domínio da facticidade sempre será parcial, restrita, limitada e indirecta, consistindo numa fórmula mitigada de reapreciação da matéria de facto, para utilizar a expressão contida na alínea a) do n.º 15 da aludida Exposição de Motivos; tratando-se de vícios inerentes à decisão, à sua estrutura interna (e não de erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida), de vícios emergentes da decisão documentados no texto, a sua indagação não pode ir além do suporte textual, sem possibilidade de recurso a elementos estranhos àquela peça escrita.
Daí que, conforme jurisprudência uniforme e já remota deste Supremo Tribunal, se entenda que os vícios têm de resultar da própria decisão recorrida, encarada por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, analisada na sua globalidade, mas sem recurso a quaisquer elementos estranhos à peça decisória, que lhe sejam externos, constando do processo em outros locais, como documentos juntos ou depoimentos colhidos ao longo do processo - acórdãos do STJ de 29-11-1989, processo n.º 40255/89-3ª; de 19-12-1990, processo n.º 41327/90-3ª, in BMJ n.º 402, pág. 232; de 31-05-1991, in BMJ n.º 407, pág. 77; de 03-07-1991, Colectânea de Jurisprudência 1991, tomo 4, pág. 12; de 16-10-1991, in BMJ n.º 410, pág. 10; de 13-02-1992, in BMJ n.º 414, pág. 389; de 22-09-1993, CJSTJ 1993, tomo 3, pág. 210; de 09-11-1994, CJSTJ 1994, tomo 3, pág. 245; de 20-03-1995, BMJ n.º 445, pág. 335 (não é inconstitucional e não viola o princípio do duplo grau de jurisdição em matéria de facto, a norma do n.º 2 do artigo 410º CPP, ao exigir que os vícios tenham de resultar do texto da decisão recorrida); de 18-09-1996, BMJ n.º 459, pág. 283; de 25-09-1996, BMJ n.º 459, pág. 304; de 17-10-1996, BMJ n.º 460, pág. 399; de 15-10-1997, processo n.º 582/97; de 19-11-1997, processo n.º 873/97-3ª; de 20-11-1997, processo n.º 1242/97-3ª; de 11-03-1998, BMJ n.º 475, pág. 480; de 28-10-1998 e de 29-10-1998, in BMJ, n.º 480, págs. 83 e 292.

E mais recentemente: de 15-02-2007, processo n.º 3174/06 - 5.ª; de 14-03-2007, processo n.º 617/07 - 3.ª; de 17-05-2007, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 197; de 23-05-2007, processo n.º 1405/07 - 3.ª; de 11-07-2007, processo n.º 1416/07 - 3.ª, de 27-07-2007, processo n.º 2057/07-3.ª; de 24-10-2007, processo n.º 3338/07-3ª; de 17-01-2008, CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 206; de 05-03-2008, processo n.º 3259/07-3.ª; de 12-06-2008, processo n.º 4375/07-3ª; de 19-06-2008, processo n.º 122/08-5ª (por conseguinte, não será lícito recorrer à prova produzida para se surpreender qualquer dos referidos vícios, exactamente porque não se pode confundir aqueles, enquanto afectam, de forma patente, a estruturação fáctica interna, em que há-de ter apoio a decisão de direito, com erro de julgamento); de 16-10-2008, processo n.º 2851/08-5ª; de 22-10-2008, processo n.º 215/08-3ª; de 04-12-2008, processo n.º 2486/08-5ª; de 14-05-2009, processo n.º 1182/06.3PAALM.S1-3.ª (Veja-se ainda o acórdão n.º 573/98, de 13-10-1998, publicado no DR – II Série, n.º 263, de 13-11-1998).
Como se extrai dos acórdãos do STJ de 11-12-1996, in BMJ n.º 462, pág. 207 e de 12-11-1997, processo n.º 32507, característica comum a todos os vícios previstos no n.º 2 do artigo 410.º, do Código de Processo Penal, a fim de fundamentarem o reenvio do processo para novo julgamento, quando insanáveis no tribunal de recurso, é que resultem do texto da decisão recorrida, sem influência de elementos exteriores àquela, a não ser as regras da experiência comum.
Trata-se de vícios de lógica jurídica ao nível da matéria de facto, que tornam impossível uma decisão logicamente correcta e conforme à lei. Vícios da decisão, não do julgamento, como se exprime Maria João Antunes (Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Janeiro-Março de 1994, pág. 121).
Na análise a efectuar para detecção do vício há que ter em conta que a fixação da matéria de facto teve na sua base uma apreciação da prova, segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador, nos termos do artigo 127.º do Código de Processo Penal.
Os vícios previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, nomeadamente, o erro notório na apreciação da prova, não podem ser confundidos com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida ou com a divergência entre a convicção pessoal do recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o tribunal firme sobre os factos, questões do âmbito da livre apreciação da prova, princípio inscrito no citado normativo - artigo 127.º do CPP.
Não podendo, neste tipo de análise, prevalecer-se de prova documentada, nem se encontrando perante prova legal ou tarifada, não pode o tribunal superior sindicar a boa ou má valoração daquela, e querer discutir, nessas condições, a valoração da prova produzida é afinal querer impugnar a convicção do tribunal, olvidando a citada regra.
Neste aspecto, o que releva, necessariamente, é essa convicção formada pelo tribunal, sendo irrelevante, no âmbito da ponderação exigida pela função de controlo ínsita na identificação dos vícios do artigo 410.º, n.º 2, do CPP, a convicção pessoalmente alcançada pelo recorrente sobre os factos.
Para avaliar se a convicção formada pelo tribunal padece dos aludidos vícios há, que apreciar, por um lado, a fundamentação da decisão quanto à matéria de facto (os fundamentos da convicção) e, por outro, a natureza das provas produzidas e os processos intelectuais que o conduziram a determinadas conclusões.
O erro-vício não se confunde com errada apreciação e valoração das provas, com o erro de julgamento relativamente à apreciação e valoração da prova produzida. Tendo como denominador comum a sindicância da matéria de facto, são muito diferentes na sua estrutura, alcance e consequências. Aquele examina-se, indaga-se, através da análise do texto; esta, porque se reconduz a erro de julgamento da matéria de facto, analisa-se em momento anterior à produção do texto, na ponderação conjugada e exame crítico das provas produzidas do que resulta a formulação de um juízo, que conduz à fixação de uma determinada verdade histórica que é vertida no texto; daí que a exigência de notoriedade do erro se não estenda ao processo cognoscitivo/valorativo, cujo resultado vem a ser inscrito no texto, só este sendo susceptível de apreciação.”[7]
Ora, no caso, na apreciação da previsão da alínea c) que se analisa, referente a erro notório na apreciação da prova, a verdade é que sequer se pode dizer, como aqui se exigiria, diversamente do que o considera a Recorrente (que de resto faz afinal apelo a elementos que diz constarem dos autos e não, pois, que se evidencie da decisão recorrida), que do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência comum, resulte evidente uma conclusão sobre o significado da prova contrária àquela a que o tribunal chegou a respeito de factos relevantes para a decisão de direito, no caso o ponto 1.º da factualidade provada.
Aliás, em bom rigor, em face do que se fez constar do ponto 1.º em análise – “1. Em 2014 /07/08 uma equipa de fiscalização dos serviços do Instituto da Segurança Social dirigiu-se ao estabelecimento “...” sito na Rua ... em Matosinhos propriedade da arguida, AA” – sequer resultam demonstrados, o que se exigiria, os pressupostos de que a mesma Recorrente parte, desde logo que no analisado ponto se tenha afirmado que a sua residência fosse efetivamente no n.º ... da Rua ... (como ainda também que o não fosse), sendo que, esclareça-se, apenas se deu como provado, mas no ponto 3.º, que “não foi autorizado o acesso aos espaços dos pisos superiores (1º e 2º pisos) do edifício, com ligação interna, por alegadamente se tratar da residência da arguida”.
Neste contexto, pois que a Recorrente a tal não atendeu quando deveria, importa esclarecer que não se pode confundir o vício em análise com a insuficiência de prova para a decisão de facto proferida ou com a divergência entre a convicção pessoal da Recorrente sobre a prova produzida em audiência e a convicção que o Tribunal firmou sobre os factos, questões essas do âmbito da livre apreciação da prova – princípio inscrito no artigo 127.º do CPP –, até porque, não podendo nesta análise este Tribunal da Relação prevalecer-se de prova documentada, nem se encontrando perante prova legal, não pode sindicar a boa ou má valoração dessa prova, razão pela qual, querer discutir nessas condições a valoração da prova produzida, se traduziria em querer impugnar a convicção do tribunal esquecendo a citada regra.
Sendo assim, sem necessidade de outras considerações, improcede o recurso quanto a esta questão.

2.1.2. Da invocada violação do disposto no artigo 357.º do CPP.
Nas conclusões 46.ª a 48.ª invoca a Recorrente que “o tribunal a quo, em sede de motivação, valorou as declarações da arguida, através da exibição do auto dessas declarações à testemunha, o que contraria as mais elementares regras de processo penal, violando o disposto no art.º 357º do Código de Processo Penal, que às declarações de arguido diz respeito”, o que tem como consequência, diz, “conjugados os art.ºs 357º n.º 3 e 356º n.º 9 do Código de Processo penal”, a nulidade, o que expressamente invoca.
Na resposta que apresentou, sustenta o Ministério Público que, “dado que na audiência de julgamento não se reproduziu nem foram lidas as declarações prestadas pela arguida na fase administrativa do processo, não foi violado o disposto no art.º 357º do Código de Processo Penal”.
Apreciando, diremos o seguinte:
Da motivação sobre a matéria de facto constante da sentença, a propósito do depoimento prestado pela testemunha II, resulta que a essa foi, ainda, exibido “o auto de declarações de fls. 11 a 13 que confirmou serem as declarações prestadas no dia da ação inspetiva pela arguida”, sendo que, porém, nada constando da ata de audiência sobre uma qualquer eventual leitura de declarações da arguida nessa audiência, não obstante aquela afirmação que se fez na motivação, nada nos permite dizer, salvo o devido respeito, diversamente do que refere a Recorrente no presente recurso, que o Tribunal recorrido tenha afirmado na referida motivação que efetivamente valorou tais declarações da arguida. Diversamente, com recurso ao que consta dessa motivação, apenas dessa se extrai a afirmação de que os factos considerados provados se fundaram, em termos de prova, nos depoimentos prestados pelas testemunhas que aí se identificam, muito embora conjugados com os elementos documentais juntos aos autos, fazendo-se apenas menção ao auto de noticia de fls. 3 a 7 e ao documento de fls.17 e ss. denominado “... – de fls. 27 e ss elaborado pela Segurança Social e que contém inclusive imagens do estabelecimento”, acrescentando-se de seguida “no essencial coincidentes quanto aos factos considerados na decisão da matéria de facto”.
Sendo assim, improcede o presente recurso também quanto a esta questão.

2.1.3. Da eventual omissão de pronúncia
Na conclusão 51.ª refere a Recorrente que a sua situação económica não foi analisada, “pelo que poderá ter tido lugar uma omissão de pronúncia, nos termos do art.º 379º c) do Código de processo Penal”.
Pronunciando-se o Ministério Público pela não verificação do imputado vício, cumprindo-nos apreciar, diremos o seguinte:
Numa primeira nota para relembrarmos que o vício imputado, que agora se analisa, tem, como é reconhecido, diretamente a ver com o objeto e limites da atividade de conhecimento por parte do tribunal – a que se alude, do mesmo modo, também no Código de Processo Civil, assim no seu artigo 608.º, n.º 2. Trata-se, como se afirma no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de outubro de 2012[8], “de anomia atinente aos deveres e limitações do decisor em matéria de cognição da causa, ou seja, relativa ao poderes/deveres de cognição do julgador”.
Socorrendo-nos do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de novembro de 2014[9], por merecer a nossa plena concordância, diremos também (citando) que “constitui princípio geral do direito processual que o tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, como decorre da primeira parte do n.º 2 do artigo 660.º do Código de Processo Civil (actualmente, artigo 608.º, mantendo-se inalterada a redacção do n.º 2 antigo), aplicável ex vi do artigo 4.º do Código de Processo Penal”, sendo que, “omitindo o tribunal este dever de julgamento, quando o juiz/tribunal deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar, a respectiva decisão é nula – artigo 668.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil [actualmente, artigo 615.º, mantendo a alínea d) a redacção da antiga alínea)] e artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal.” Como também se assinala no mesmo Acórdão, “a omissão de pronúncia significa, na sua essência, ausência de posição ou de decisão do tribunal em caso ou sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa sobre questões que lhe sejam submetidas, ou que o juiz oficiosamente deve apreciar.”[10] No entanto, o que nos importa também esclarecer, sendo as questões impostas à apreciação do julgador “as suscitadas pelos sujeitos processuais, ou as de conhecimento oficioso, juridicamente relevantes, no âmbito dos poderes de cognição do tribunal de recurso” – como se escreve no Acórdão, do mesmo Tribunal, mas de 19 de junho de 2019[11] –, citando-se o Acórdão de 6 de Julho de 2017[12], entende-se “por questões os problemas concretos a decidir e não os simples argumentos, opiniões ou doutrinas expendidos pelas partes na defesa das teses em presença, tal como se julgou no acórdão de 11-10-2007 – Proc. 3330/07.”[13] A que acresce, importa dizê-lo também, que, no caso particular de estar em causa uma pronúncia de um tribunal superior em sede de recurso, como aliás ocorre no caso em apreciação, há então que ter-se presente, ainda, qual foi o objeto da sua intervenção, ou seja, o objeto do recurso, na consideração das questões que nesse expressamente se tenham levantado e, ainda, no que ao caso importa também, que o Tribunal da Relação conhece, neste âmbito, apenas da matéria de direito, como resulta do artigo 51.º do RJCOL, mas sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, assim nomeadamente deteção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto (emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum) previstos no artigo 410.º, n.º 2, do CPP, bem como verificação de invalidades que não devam considerar-se sanadas.
Numa segunda nota, em termos de enquadramento prévio da questão que nos é colocada, como aliás o temos expressamente defendido em outros Arestos, aqui voltamos a salientar a existência de uma nítida autonomia entre o direito de mera ordenação social e o direito penal, seja numa perspetiva da censura ético-penal, seja mesmo do bem jurídico protegido – mais precisamente da sua existência ou inexistência, a que se segue a gravidade das reações sancionadoras, através da aplicação de uma coima, no primeiro caso, ou de uma pena de prisão, no segundo [14] –, como ainda, também, para além da natureza distinta dos órgãos que são competentes para proferir a decisão (autoridades administrativas num caso e, no outro, os tribunais), a propósito das exigências procedimentais ou de processo, sendo que, a respeito da questão de saber da direta aplicabilidade ou não do regime previsto no CPP em processo contraordenacional laboral, importando necessariamente ter presente as normas que regulam tal matéria, teremos de ter presente, para o efeito, que, consagrando-se no RJCOL fases processuais distintas, assim uma de incidência administrativa em que se insere a decisão administrativa (artigo 25.º) e outra de incidência judicial (artigos 32.º e seguinte)[15] – aí se encontrando a justificação para que seja por vezes referenciado o processo como tendo uma natureza mista –, em face dessa distinção, estabelecida pois pelo legislador, sujeitando-se a primeira fase em tudo o que não contenha disposição especial aos princípios fundamentais de direito e ao processo administrativo, enquanto a segunda fase por sua vez se encontra sujeita aos princípios processuais penais e ao correspondente procedimento[16], porém, no que diz respeito a esta última fase, a referida aplicabilidade não ocorre em geral, pois que, e desde logo, teremos de ressalvar, até por decorrência da autonomia a que se aludiu supra, que tal aplicação apenas deve ocorrer nos casos em que o RJCOL em primeira linha e o RJCO em segunda linha não sejam bastantes – já que é para este último, de acordo como o artigo 60.º do RJCOL, que primeiramente se remete subsidiariamente. De resto,
a propósito da ocorrência de vícios, teremos também que distinguir, no âmbito do processo de contraordenação, as decisões administrativas das decisões judiciais, sem embargo de se reconhecer que o RJCOL e o RGCO (para onde aquele remete) não estabelecem qualquer disciplina para a infração ou inexecução dos atos processuais contraordenacionais, mas impondo-se sempre a sua sujeição ao princípio da legalidade (artigo 43.º do segundo, ex vi artigo 60.º do primeiro) – que de resto tem justificado a afirmação de que tanto o seu procedimento como os seus vícios devem resultar da lei, incluindo a transposição para a sua regulação do princípio da legalidade dos atos processuais e da tipicidade dos seus vícios que se encontra consagrado no artigo 118.º do CPP[17]. Ainda demonstrando a antes evidenciada diversidade de regimes, teremos de ter também em consideração, ainda a respeito do dever de fundamentação, que, à semelhança do que se estabelece no n.º 1 do artigo 62.º do RGCO, se dispõe no art. 37.º do RGCOL que “O Ministério Público torna sempre presentes os autos ao juiz, com indicação dos respectivos elementos de prova, valendo este acto como acusação”.
Depois destas considerações, voltando ao caso, importa deixar claro que a Recorrente só agora, perante esta Relação, levanta a questão da omissão de pronúncia, assim a respeito de qualquer eventual não averiguação de factos, pois que o não fez perante o Tribunal recorrido, a que acresce, importa também tê-lo presente, que nem sequer tal invoca de modo expresso, já que apenas fala, mesmo socorrendo-nos do corpo das alegações, da ocorrência de uma eventual omissão de pronúncia. Dito de outro modo, a ser sua intenção que este Tribunal superior se pronunciasse nesse âmbito, importaria que tivesse invocado expressamente a ocorrência desse vício, apresentando os argumentos, de facto e de direito, que permitissem sustentar tal invocação.
Não obstante, até em face da moldura concreta da coima aplicada, assim de €20.500, muito próxima do limite mínimo da moldura abstrata aplicável, com base nos elementos disponíveis, não consideramos que assuma relevância efetiva a eventual falta de pronúncia a que alude a Recorrente.
Por todas as razões antes expostas, improcede o recurso também nesta parte.

2.2. Demais questões
Em face do que resulta das suas conclusões 49.ª a 52.ª, sustenta a Recorrente que se verificam os pressupostos da atenuação especial da coima – referindo acima de tudo a questão do período temporal da conduta, dada como provada, que decorreu já há 8 anos, não havendo notícia de qualquer infração posterior, bem como que quanto à culpa haverá mais que considerar que a arguida atuou aqui com negligência, e que não foi dado como provado qualquer benefício económico concreto, de que a arguida tivesse beneficiado – sustentando que foi violado o disposto nos art.º 18º do DL n.º 433/82, de 17 de Outubro.
Apreciando, assim a respeito do regime da atenuação especial da coima, imposta deixar claro que se trata de questão sobre a qual este Tribunal é chamado a pronunciar-se sem que tenha ocorrido pronúncia pelo tribunal recorrido – como é consabido, os recursos ordinários são em principio meios de impugnação e de correção de decisões judiciais e não de obter decisões novas.
Não obstante, no entendimento de que está no âmbito dos poderes de conhecimento por parte desta Relação, que resultam da alínea a) do n.º 2 do artigo 51.º, do RGCOL, diremos então o seguinte:
O artigo 18.º, n.º 3, do RGCO preceitua que “quando houver lugar à atenuação especial da punição por contra-ordenação, os limites máximo e mínimo da coima são reduzidos a metade”.
Quanto à atenuação especial da pena, dispõe-se no artigo 72.º do Código Penal que o Tribunal atenua especialmente a pena, para além dos casos expressamente previstos na lei, quando existirem circunstâncias anteriores ou posteriores ao crime, ou contemporâneas dele, que diminuam por forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena (n.º 1) – enumerando depois o n.º 2 diversas dessas circunstâncias.
Para Figueiredo Dias, a atenuação especial da pena tem subjacente a necessidade de uma «válvula de segurança» do sistema para responder a situações especiais em que «existam circunstâncias que diminuam por forma acentuada as exigências de punição do facto, deixando aparecer a sua imagem global especialmente atenuada, relativamente ao “complexo” normal de casos»[18], sendo que o «princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena, e, portanto, das exigências de prevenção».[19]’[20]
Ora, por referência ao citado regime, não se pode no caso concluir pela atenuação especial.
É que, importando recordar que para o efeito só poderá relevar a factualidade provada (e não pois elementos não provados), dessa factualidade, assim da visão global da conduta da arguida, não transparece que a gravidade da conduta seja de tal forma diminuída que possa razoavelmente supor-se que o legislador não pensou em tal hipótese quando estatuiu os limites normais da moldura abstracta da coima – não se verificam circunstâncias que diminuam de forma acentuada a ilicitude do facto, a culpa do agente ou a necessidade da pena –, sendo que, diversamente, não obstante a negligência da conduta da recorrente, da análise da matéria de facto provada não ressaltam elementos que permitem o recurso a tal medida. Assim, perante o quadro fáctico apurado, sem esquecermos que a aplicação do instituto da atenuação especial funciona apenas em casos excecionais, entendemos que a moldura abstrata prevista é manifestamente adequada e o efeito preventivo que o caso requer só pode ser alcançado com a coima aplicada, na medida concreta em que o foi.
Em face de todo o exposto, sem necessidade de outras considerações, carece assim de fundamento a pretensão da Recorrente, do que resulta a improcedência do presente recurso.
Perante a antes afirmada improcedência, a Recorrente é responsável pelas custas, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs (artigos 513.º, n.º 1 do CPP, ex vi do artigo 74.º, n.º 4 do RGCO e 59.º e 60.º, ambos da Lei nº 107/2009, de 14 de setembro e 8.º, n.º 4 e 5 e Tabela III do RCP).
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Sumário:
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IV. Decisão
Por decorrência do exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação do Porto, não o admitindo parcialmente, em considerar, na parte admitida, não provido o recurso interposto, mantendo por decorrência a decisão recorrida.
Custas pela Recorrente/arguida, fixando-se a taxa de justiça em 3 UCs.

Porto, 12 de setembro de 2022
(acórdão assinado digitalmente)
Nelson Fernandes
Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
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[1] Que aprovou o regime jurídico do procedimento aplicável às contraordenações laborais
[2] Relator Desembargador João Pedro Pereira Cardoso, in www.dgsi.pt.
[3] Já o mesmo resulta do regime geral das contraordenações (artigo 75º, nº 1 do DL nº 4332, de 27/12).
[4] www.dgsi.pt.
[5] proc. n.º 3102/06, da 3ª Secção
[6] Processo 427/08.OTBSTB.E1.S1,www.dgsi.pt.
[7] Pronunciando-se também sobre cada um dos analisados vícios, veja-se o Ac. STJ de 24 de Fevereiro de 2016, processo 502/08.0GEALR.E1.S1,www.dgsi.pt
[8] Relator Conselheiro Oliveira Mendes, in www.dgsi.pt.
[9] Relator Conselheiro Raul Borges, in www.dgsi.pt.
[10] Mais se acrescentando que “O Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou pela verificação de nulidade de acórdão da Relação por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), aplicável por força do artigo 425.º, n.º 4, do Código de Processo Penal. Havendo norma específica no CPP, não há necessidade de invocar a nulidade prevista no artigo 668.º do CPC (...)”
[11] Relator Conselheiro Pires da Graça, in www.dgsi.pt.
[12] Relator Conselheiro Arménio Sottomayor, in www.dgsi.pt.
[13] De facto, recorrendo-se aos ensinamentos de Alberto dos Reis, que ainda hoje temos por plenamente válidos, “uma coisa é o tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção”, pois que “são, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte” – Código de Processo Civil Anotado, cit., 5º, pág. 143. No mesmo sentido, Lebre de Freitas -“A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil” de 2013, 3ª Edição, Coimbra Editora, pág. 320 –, ao referir que “Resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação’ não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias vias, à partida plausíveis, de solução do pleito, as partes tenham deduzido ou o próprio juiz possa inicialmente ter admitido” (ainda, Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, III, Alm. Coimbra, 1982 – Págs. 142,143).
[14] O Supremo Tribunal de Justiça desde há muito que afirma essa autonomia, da qual, do mesmo modo, faz também eco o Tribunal Constitucional, quando afirma a “diferente natureza do ilícito, da censura e das sanções”, na consideração, assim, de que os princípios e as regras do direito penal não se aplicam automaticamente ao direito de mera ordenação social – entre outros, os Acs. 537/2011 e 85/2012.
[15] À semelhança do que resulta do Decreto-Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro – revisto e actualizado (doravante RGCO) – assim uma fase de incidência administrativa (artigos 48.º a 58.º) e outra de incidência judicial (artigos 59.º a 75.º).
[16] Ac. TC 62/2003
[17] Assim, de acordo com o seu n.º 1 “A violação ou inobservância das leis do processo penal só determina a nulidade do acto quando esta for expressamente cominada na lei”, acrescentando-se no n.º 2 que “Nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acto ilegal é irregular”.
[18] Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial de Notícias, 1993, pág. 302
[19] Idem, pág. 303
[20] Também a Jurisprudência, na mesma linha da Doutrina, tem evidenciado a excecionalidade da aplicação do instituto, citando-se a título meramente exemplificativo o Ac. STJ de de 15 Julho de 2015, in www.dgsi.pt;