Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3144/13.5TBMTS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS QUERIDO
Descritores: CONTRATO DE SEGURO DE GRUPO
CLÁUSULAS CONTRATUAIS
DEVER DE INFORMAÇÃO
LITISCONSÓRCIO NECESSÁRIO
Nº do Documento: RP201503233144/13.5TBMTS.P1
Data do Acordão: 03/23/2015
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Ao contrato de seguro de grupo celebrado em momento anterior a 01/01/2009 (data de entrada em vigor do DL 72/2008 de 16/04), aplica-se o regime previsto no DL 176/95, de 26/07.
II - No processo de formação do contrato de seguro de grupo destacam-se dois momentos sequenciais distintos: i) num primeiro momento, o contrato é celebrado entre a seguradora e o tomador do seguro (neste caso o Banco), estipulando-se a possibilidade de virem a aderir às suas cláusulas uma generalidade de pessoas - segurados (neste caso clientes do tomador do seguro), que beneficiarão da cobertura do seguro nos termos que foram estipulados entre a seguradora e o tomador; ii) num segundo momento, o tomador de seguro promove a adesão ao contrato junto dos membros do grupo.
III - Decorre do artigo 4.º do DL 176/95, de 26 de Julho, que compete ao tomador do seguro a obrigação de informação das cláusulas contratuais ao segurado, competindo-lhe ainda o ónus da prova do cumprimento desse dever.
IV - Constituem requisitos do litisconsórcio necessário: a unidade da relação jurídica material que se invoca como fundamento da acção; a existência de vários interessados nessa relação jurídica; e a necessidade de uma decisão uniforme para todos os interessados.
V - Invocando o autor o deficiente cumprimento dos deveres de informação, não se vislumbra a possibilidade de definir no âmbito da acção a responsabilidade contratual da (única) ré (seguradora), sem se discutir a questão da validade da comunicação das cláusulas contratuais, não sendo susceptível de discussão tal questão sem a presença da entidade responsável por esse dever de comunicação (Banco tomador do seguro).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3144/13.5TBMTS.P1

Sumário do acórdão:
I. Ao contrato de seguro de grupo celebrado em momento anterior a 01/01/2009 (data de entrada em vigor do DL 72/2008 de 16/04), aplica-se o regime previsto no DL 176/95, de 26/07.
II. No processo de formação do contrato de seguro de grupo destacam-se dois momentos sequenciais distintos: i) num primeiro momento, o contrato é celebrado entre a seguradora e o tomador do seguro (neste caso o Banco), estipulando-se a possibilidade de virem a aderir às suas cláusulas uma generalidade de pessoas - segurados (neste caso clientes do tomador do seguro), que beneficiarão da cobertura do seguro nos termos que foram estipulados entre a seguradora e o tomador; ii) num segundo momento, o tomador de seguro promove a adesão ao contrato junto dos membros do grupo.
III. Decorre do artigo 4.º do DL 176/95, de 26 de Julho, que compete ao tomador do seguro a obrigação de informação das cláusulas contratuais ao segurado, competindo-lhe ainda o ónus da prova do cumprimento desse dever.
IV. Constituem requisitos do litisconsórcio necessário: a unidade da relação jurídica material que se invoca como fundamento da acção; a existência de vários interessados nessa relação jurídica; e a necessidade de uma decisão uniforme para todos os interessados.
V. Invocando o autor o deficiente cumprimento dos deveres de informação, não se vislumbra a possibilidade de definir no âmbito da acção a responsabilidade contratual da (única) ré (seguradora), sem se discutir a questão da validade da comunicação das cláusulas contratuais, não sendo susceptível de discussão tal questão sem a presença da entidade responsável por esse dever de comunicação (Banco tomador do seguro).

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
B… intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de regime processual civil experimental, contra C… - Companhia de Seguros, S.A., pedindo que esta seja condenada a pagar à D… a quantia de € 189.106,66, referente ao capital em dívida em 24/01/2012, data em que lhe foi atribuída a Incapacidade Permanente Global (I.P.G.) de 68%, por Junta Médica e que lhe pague a ele o remanescente do capital contratado de € 12.893,34, acrescido de juros de mora.
Alega em síntese o autor: que em 14/09/2007, ele e a mulher, E…, celebraram com a D…, S.A., agência de …, dois contratos de mútuo, num valor global de € 201.787,28, os quais tinham como finalidade a aquisição de uma habitação por parte de ambos; que em 30/08/2007, ele e a sua mulher celebraram um contrato de seguro, designado por “Vida Financiamento”, com a F… - Companhia de Seguros, S.A., cuja denominação social veio a ser alterada para “C.. - Companhia de Seguros, S.A.” (sociedade ré); que tal contrato de seguro encontra-se titulado pela apólice n.º 16008090, sendo o n.º de certificado …….., e que garantia o pagamento de um capital total de € 202.000,00; que as pessoas seguras eram ele e a sua mulher, sendo beneficiária a D…; que, aquando da subscrição da proposta e respectivo contrato de seguro de Vida lhe foi transmitido a si e à sua mulher, pela mediadora de seguros, que a apólice de seguro funcionaria e haveria lugar ao pagamento do capital contratado, desde que ocorressem dois pressupostos: que uma das pessoas seguros tivesse uma I.P.P. igual ou superior a 65% e que essa I.P.P. fosse comprovada por Atestado de Incapacidade atribuído por Junta Médica; que, em 04/05/2011, lhe foi fixado, pela Junta Médica da Sub-Região de Saúde do Porto uma Incapacidade Permanente Global de 68%; que, conforme as informações que lhe foram prestadas no momento da subscrição do contrato de seguro de vida, preenche as condições para o accionamento da apólice, estando a ré obrigada, por via do contrato de seguro, a liquidar o montante contratado na apólice, no valor global de € 202.000,00; que a ré recusa o pagamento da indemnização devida, alegando que “para ser activada a cobertura de invalidez é necessário que a Pessoa Segura se encontre reformada, o que, até ao momento não foi comprovado…” e invocando para o efeito as condições gerais da apólice de seguro; que, no entanto, a ré, só em 14/05/2012, depois da ocorrência do sinistro facultou umas Condições Gerais ao autor, as quais não correspondem ao Seguro de Vida contratado.
A ré veio contestar, aceitando a celebração e vigência dos invocados contratos de mútuo e de seguro, e alegando que foram entregues ao Autor as condições gerais e especiais do contrato de seguro em questão e que apurou agora existir uma situação de doença pré-existente à data da contratação do seguro, da qual decorre a nulidade da adesão subscrita e a verificação de exclusões à cobertura do seguro que constituem factos que impedem o efeito jurídico dos factos invocados pelo Autor. Mais alegou que, mesmo admitindo que o autor padece de uma incapacidade, a mesma não preenche os requisitos necessários para ser reconhecida como uma invalidez total e permanente por doença, segundo as condições da apólice, requerendo que a matéria de excepção deduzida seja julgada provada e procedente, com a sua absolvição do pedido.
O autor respondeu à matéria da excepção, alegando que “nunca em momento algum”, foi informado que a condição de reformado era um requisito de accionamento do contrato de seguro em causa, e que as condições gerais e especiais em vigor à data da celebração do contrato em causa não foram entregues ao autor na data da celebração do contrato.
Por despacho de 13.12.2013 (fls. 165 e seguintes) foi fixado o valor da acção (€ 202.000,00), o objecto do litígio e os temas da prova.
Em 24.10.2014 foi proferido o seguinte despacho:
«Sendo nossa intenção absolver a Ré da instância, com fundamento em preterição de litisconsórcio necessário activo (por falta de intervenção da mulher do Autor, interveniente quer no contrato de mútuo, quer no contrato de seguro dos autos) e passivo (por falta de intervenção da instituição bancária que concedeu os mútuos e a que o contrato de seguro é acessório), concede-se às partes o prazo de 10 dias para, querendo, se virem pronunciar.».
O autor respondeu, manifestando a sua discordância relativamente à intenção manifestada pela M.ª Juíza, alegando que a D… não tem qualquer interesse em contradizer, não requerendo a intervenção, quer da esposa, quer da D…[1].
Foi proferida decisão com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, e nos termos expostos, ao abrigo do disposto nos art. 30.º, 33.º, 278.º, n.º 1, alínea d), 576.º, 577.º, nº 1, alínea e), e 578.º todos do C.P.Civil, declara-se quer o Autor, quer a Ré, partes ilegítimas, por preterição de litisconsórcio necessário activo e passivo e, consequentemente, absolve-se a Ré “COMPANHIA DE SEGUROS G…, S.A.” da instância.
Custas a cargo do Autor - art. 527.º do C.P.Civil.»
Não se conformou o autor e interpôs o presente recurso de apelação, apresentando alegações, nas quais formula as seguintes conclusões:
I. O presente recurso recai sobre a sentença proferida nos presentes autos, com a referência 342645123, na qual o recorrente e a recorrida foram declarados partes ilegítimas, “por preterição de litisconsórcio necessário activo e passivo” e, consequentemente, a recorrida absolvida da instância.
II. Na sentença de que ora se recorre, o tribunal a quo, baseando-se no art. 33.º, n.º 2, do CPC, considerou que a “interposição da acção apenas pelo Autor-marido não permite a apreciação da causa de pedir, principalmente porque o pretendido pedido de pagamento do remanescente do capital contratado apenas poderia ser apreciado e decidido por referência a este e à sua mulher, por serem eles, em conjunto, as partes contratantes”.
III. Acontece que, as cláusulas constantes das condições gerais, do contrato de seguro em apreço, aplicam-se a cada pessoa segura individualmente, a qual tem aí a sua esfera jurídica própria.
IV. Por conseguinte, estando em análise um pressuposto de acionamento da apólice (invalidez) que está relacionado única e exclusivamente com o recorrente, entendemos, salvo o devido respeito, que a presente ação não teria de ser interposta (também) pela sua mulher.
V. Pelo exposto, o tribunal a quo, considerando que existe uma situação de ilegitimidade activa do recorrente, por preterição do litisconsórcio activo (mais precisamente por a presente acção não ter sido interposta também pela sua mulher), violou, designadamente, o disposto nos arts. 30.º e 33.º, n.º 2, do CPC.
VI. Com efeito, estes preceitos deviam ter sido interpretados e aplicados no sentido de considerar que não existe ilegitimidade activa do recorrente, por preterição do litisconsórcio activo, uma vez que a intervenção da mulher do recorrente não é necessária.
VII. Na sentença em análise, o tribunal a quo, considerando que o Banco “D…” é o tomador do contrato de seguro, entendeu que a presente acção deveria ter sido intentada igualmente contra este.
VIII. Sucede que o tomador do seguro do contrato sub iudice, não é a “D…, S.A.”, mas sim a própria recorrida (“F…”), atualmente “Companhia de Seguros G…, S.A.”. Conforme resulta, entre outros, do Certificado Individual de Seguro, junto com a petição inicial, como doc. n.º 3.
IX. Destarte, o dever de informação na fase de formação do contrato cujo incumprimento o recorrente alegou impende apenas sobre a própria recorrida, na qualidade de tomadora do seguro.
X. Por tudo isto, é inequívoco que o recorrente não tinha de demandar o Banco.
XI. Pelo exposto, o tribunal a quo, considerando que existe uma situação de ilegitimidade passiva, por preterição do litisconsórcio passivo (mais precisamente por a presente acção não ter sido interposta também contra a “D…, S.A.”), violou, designadamente, o disposto nos arts. 30.º e 33.º, do CPC e o art. 78.º, do DL n.º 72/2008, de 16 de abril.
XII. Com efeito, estes preceitos deviam ter sido interpretados e aplicados no sentido de considerar que não existe ilegitimidade passiva, por preterição do litisconsórcio passivo, uma vez que a intervenção da “D…, S.A.”, na qualidade de Ré, não é necessária.
A ré apresentou resposta às alegações de recurso do autor, na qual conclui pela sua improcedência.

II. Do mérito do recurso
1. Definição do objecto do recurso
O objecto do recurso delimitado pelos recorrentes nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 608º, nº 2, in fine), consubstancia-se numa única questão: saber se ocorre a preterição do litisconsórcio necessário.

2. Fundamentos de facto
A factualidade provada relevante é a que se encontra descrita no relatório que antecede.

3. Fundamentos de direito
3.1. A natureza jurídica do contrato
O contrato de seguro define-se como a convenção por virtude da qual uma das partes (segurador) se obriga, mediante retribuição (prémio) paga pela outra parte (segurado), a assumir um risco ou conjunto de riscos e, caso a situação de risco se concretize, a satisfazer ao segurado ou a terceiro uma indemnização pelos prejuízos sofridos ou um determinado montante previamente estipulado[2].
Por via de regra, o seguro configura-se como um contrato bilateral[3] ou sinalagmático [por dele emergirem obrigações para ambas as partes], oneroso [por implicar vantagens para ambas as partes], e de execução continuada.
Na maioria dos casos assume-se como um contrato de adesão, pois a vinculação do segurado faz-se através da subscrição de um esquema contratual preestabelecido pelo segurador, consubstanciado nas condições gerais da apólice[4].
Há quem questione se os contratos de adesão representam verdadeiros contratos, considerando o facto de se traduzirem num inegável enfraquecimento da soberania do querer individual, já que o predisponente actua dentro da órbita da sua actividade específica, como um verdadeiro legislador, titular de um lawmaking power, órgão legiferante ou centro de irradiação de normas, a cujo império ou força cogente os destinatários não têm outro remédio senão render-se como súbditos[5].
No entanto, a doutrina vem considerando os contratos de adesão como genuínos contratos, dado que, apesar de neles se encontrar suprimida a liberdade de estipulação (como está em todos os contratos que possuem um conteúdo legalmente prefixado) não se encontra suprimida a liberdade de celebração, pelo menos como liberdade jurídica, na medida em que o destinatário das cláusulas gerais tem sempre de manifestar a sua vontade, sob forma de verdadeira declaração - ou declaração expressa ou declaração tácita, nos termos previstos, quanto a esta última, no artigo 234.º do nosso Código Civil[6].
Perante a situação de fragilidade contratual do aderente, introduziu-se no nosso ordenamento jurídico um regime de fiscalização judicial das cláusulas contratuais gerais[7], que se traduzem em modelos negociais a que pessoas indeterminadas se limitam a aderir, sem possibilidade de discussão ou de introdução de modificações[8].
Decorre do exposto que na apreciação dos litígios que tenham por objecto contratos de adesão, deverá o Tribunal dar particular atenção à averiguação sobre se foram ou não integralmente cumpridos os ditames legais que visam equilibrar as posições das partes, face à ausência de paridade em termos de força contratual, que define este tipo de contratos.
O contrato sub judice foi celebrado em 30/08/2007, na vigência do Decreto-Lei n.º 176/95, de 26 de Julho, alterado pelos DL n.º 60/2004, de 22 de Março, e 357-A/2007, de 31 de Outubro, sendo-lhe aplicável o regime previsto no referido diploma legal, dado que o regime actual, aprovado pelo DL 72/2008 de 16/4[9], só entrou em vigor em 01/01/2009.
A alínea g) do artigo 1.º do DL 176/95, de 26 de Julho, define “seguro de grupo” nestes termos: “seguro de um conjunto de pessoas ligadas entre si e ao tomador do seguro por um vínculo ou interesse comum”.
No processo de formação do contrato de seguro de grupo destacam-se dois momentos sequenciais distintos: i) num primeiro, o contrato é celebrado entre a seguradora e o tomador do seguro (neste caso o Banco), estipulando-se a possibilidade de virem a aderir às suas cláusulas uma generalidade de pessoas (segurados), neste caso clientes do tomador do seguro, que beneficiarão da cobertura do seguro nos termos que foram estipulados entre a seguradora e o tomador; ii) num segundo momento, o tomador de seguro promove a adesão ao contrato junto dos membros do grupo[10].
3.2. O dever de informação e o listisconsórcio necessário passivo
Face à factualidade provada (alegada pelo autor e não impugnada pela ré), o contrato em discussão nos autos define-se como contrato de seguro de grupo, sendo-lhe aplicável o disposto no artigo 4.º do citado DL 176/95, de 26 de Julho, que preceitua:
1 - Nos seguros de grupo, o tomador do seguro deve obrigatoriamente informar os segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito, em conformidade com um espécimen elaborado pela seguradora.
2 - O ónus da prova de ter fornecido as informações referidas no número anterior compete ao tomador do seguro.
3 - Nos seguros de grupo contributivos, o incumprimento do referido no n.° 1 implica para o tomador do seguro a obrigação de suportar de sua conta a parte do prémio correspondente ao segurado, sem perda de garantias por parte deste, até que se mostre cumprida a obrigação.
4 - O contrato poderá prever que a obrigação de informar os segurados referida no n.° 1 seja assumida pela seguradora.
5 - Nos seguros de grupo a seguradora deve facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato.
Parece-nos unívoca a intenção do legislador, expressa no n.º 1 do normativo transcrito, no sentido de responsabilizar o tomador do seguro de grupo (Banco), pela informação a prestar aos segurados[11].
Nesse sentido, veja-se a anotação ao artigo 78.º do actual regime jurídico do contrato de seguro, aprovado pelo DL 72/2008, de 16 de Abril[12], onde se refere a circunstância de o dever de informar no contrato de seguro de grupo respeitar a sujeitos diversos “em vista das relações que se estabelecem entre o tomador e os segurados e não já, como no seguro individual, apenas entre o segurador e o tomador do seguro”
No mesmo sentido, vai a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, na esteira do acórdão de 13.01.2011 (Proc. 1443/04.6TBGDM.P1.S1, acessível no site da DGSI), parcialmente sumariado nos termos que se transcrevem: «1. Existindo norma especial sobre o dever de informação nos contratos de seguro de grupo e respectivo ónus de prova (art. 4.º do DL 176/95, de 26 de Junho) é a ela que nos teremos de ater para se poder ou não opor à seguradora a sua violação. 2. Incumbindo ao tomador do seguro tal dever de informação, não pode ser imputada à seguradora (de quem o tomador não é um mero intermediário), nem ser-lhe oposta, a violação do dever de comunicação (a não ser se o contrato previa que a obrigação de informar fosse assumido pela seguradora). Não podendo a mesma ser responsabilizada por um acto ilícito cometido pelo tomador do seguro.»[13].
Faz todo o sentido o entendimento que se consignou, dado que na celebração do contrato de seguro em apreço, entre o tomador do seguro (Banco) e os seus clientes (autor e esposa) não está presente a seguradora.
Como se referiu, esta intervém directamente apenas na celebração do primeiro contrato [outorgado pela seguradora e pelo tomador do seguro (Banco)], no qual se estipulou a possibilidade de virem a aderir às suas cláusulas uma generalidade de pessoas (segurados), clientes do tomador do seguro, que beneficiarão da cobertura do seguro nos termos que foram estipulados entre a seguradora e o tomador, havendo depois um segundo momento, em que a seguradora está ausente, no qual o tomador do seguro promove a adesão ao contrato junto dos membros do grupo (in casu, o autor e a esposa).
Aqui chegados, resta-nos concluir que, invocando o autor a falta de informação contratual relevante, pela qual é directamente responsável o tomador do seguro (D…), deveria a mesma ser convocada para a presente acção.
Permitimo-nos, com o devido respeito, estranhar a conduta processual do autor, que apesar de notificado do despacho da M.ª Juíza onde se expressa a intenção de absolver a ré da instância, com fundamento na preterição do listisconsórcio necessário passivo, não supriu de imediato a excepção dilatória em apreço, através do mecanismo processual previsto no n.º 1 do artigo 316.º do Código de Processo Civil.
Acontece que, contrariamente ao que defende o autor/recorrente, ocorre efectivamente a preterição do litisconsórcio necessário passivo, como bem refere a M.ª Juíza na sentença recorrida:
«Ora, nos presentes autos, o Autor, apesar de ter invocado deficiente cumprimento dos deveres de informação na fase de formação do contrato, "apenas" demandou a seguradora interveniente no contrato de seguro.
Como ficou dito, era sobre a ‘D…’, tomadora do seguro, que impendia o dever de comunicar ao Autor e sua mulher as coberturas contratadas e as exclusões presentes. Assim sendo, nunca se poderia responsabilizar a aqui Ré pelo eventual incumprimento do dever de informação, uma vez que esse dever não lhe incumbia.».[14]
Vejamos porquê.
Dispõe o artigo 33.º do Código de Processo Civil:
1 - Se, porém, a lei ou o negócio exigir a intervenção dos vários interessados na relação controvertida, a falta de qualquer deles é motivo de ilegitimidade.
2 - É igualmente necessária a intervenção de todos os interessados quando, pela própria natureza da relação jurídica, ela seja necessária para que a decisão a obter produza o seu efeito útil normal.
3 - A decisão produz o seu efeito útil normal sempre que, não vinculando embora os restantes interessados, possa regular definitivamente a situação concreta das partes relativamente ao pedido formulado.
Como refere o Professor Adelino da Palma Carlos[15], constituem requisitos do litisconsórcio necessário: a unidade da relação jurídica material que se invoca como fundamento da acção; a existência de vários interessados nessa relação jurídica; e a necessidade de uma decisão uniforme para todos os interessados.
O insigne Professor citado refere situações que «tornam indivisível o interesse em litígio para efeitos da sua definição judicial» e conclui que «Não basta que a sentença a obter produza qualquer efeito útil; é necessário que produza o seu efeito útil normal, de ‘declarar o direito de modo definitivo, formando caso julgado material. Se esse resultado não puder conseguir-se sem que estejam em juízo todos os interessados, está-se em presença dum caso de litisconsórcio necessário, emanado da própria natureza da relação jurídica’»[16].
É, manifestamente, o caso que se nos depara: não podemos definir no âmbito desta acção a responsabilidade contratual da ré, sem discutirmos a questão da válida comunicação das cláusulas contratuais; e não podemos discutir tal questão sem a presença da entidade responsável por esse dever de comunicação (tomador do seguro – D…).
Com o devido respeito, afigura-se-nos transparente a preterição do litisconsórcio necessário passivo e, em consequência, a improcedência do recurso neste segmento.
3.3. O listisconsórcio necessário activo
Apesar de notificado do despacho da M.ª Juíza onde se expressa a intenção de absolver a ré da instância, com fundamento na preterição do listisconsórcio necessário activo, o autor/recorrente não requereu a intervenção da esposa.
Também quanto a esta situação se coloca a questão do “efeito útil da acção”.
O autor e a esposa celebraram um único contrato de seguro de grupo, sendo ambos titulares (e ambos beneficiários) das relações jurídicas emergentes, daí resultando que qualquer deles, verificados os respectivos requisitos, tem o direito a obter a prestação da seguradora.
Ora, sendo a acção instaurada apenas por um dos cônjuges, a decisão não seria susceptível de produzir o seu efeito útil normal, não resolvendo definitivamente o litígio entre as partes, na medida em que não seria oponível à contraente (beneficiária) ausente da lide.
Acresce que o autor pede a condenação da ré no pagamento do “remanescente do capital contratado no montante de € 12.893,34 (doze mil oitocentos e noventa e três euros e trinta e quatro cêntimos), acrescido de juros de mora…”, sendo certo que tal valor, a ser devido seria pertença do casal e não exclusivamente de um dos cônjuges[17].
Também quanto a esta questão, com o devido respeito, permitimo-nos manifestar perplexidade pelo facto de o autor/recorrente não ter requerido a intervenção da esposa na sequência da notificação do despacho em que a M.ª Juíza anunciava a intenção de absolver a ré da instância com fundamento na preterição do listisconsórcio necessário activo.
Revela-se manifestamente improcedente o recurso, também quanto a este segmento.

4. Dispositivo
Com fundamento no exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar totalmente improcedente o recurso e, em consequência, em manter na íntegra a decisão recorrida.
Custas do recurso pelo recorrente.
*
O presente acórdão compõe-se de catorze páginas e foi elaborado em processador de texto pelo relator, primeiro signatário.

Porto, 23 de Março de 2015
Carlos Querido
Soares de Oliveira
Alberto Ruço
__________
[1] Nos termos previstos no n.º 1 do artigo 316.º do CPC: “Ocorrendo preterição de litisconsórcio necessário, qualquer das partes pode chamar a juízo o interessado com legitimidade para intervir na causa, seja como seu associado, seja como associado da parte contrária.”.
[2] Na aproximação à questão jurídica em debate, no que concerne à natureza jurídica do contrato seguimos de perto o que escrevemos no acórdão 1560/11.6TJPRT.P1, da Relação do Porto, de 19.11.2012, subscrito pelo mesmo relator e publicado no site da DGSI.
[3] Este contrato pode assumir a natureza de contrato a favor de terceiro, na medida em que dele resulte a atribuição de um direito a pessoa ou pessoas estranhas à celebração do contrato, como ocorre in casu.
[4] Mário Júlio Almeida Costa, Revista de Legislação e de Jurisprudência, Ano 129.º, 1996-1997, n.º 3862, Coimbra Editora, pág. 20 e seguintes
[5] Inocêncio Galvão Telles, Manual dos Contratos em Geral, Refundido e Actualizado, Coimbra Editora, 4.ª Edição, 2002, pág. 311 e seguintes.
[6] Inocêncio Galvão Telles, ob. cit., pág. 332.
[7] Introdução feita pelo DL 446/85 de 25/10, sucessivamente alterado pelos Decretos-Lei n.º 220/95, de 31/08, n.º 249/99, de 07/07, e n.º 323/2001, de 17/12.
[8] Daí que, como se refere no preâmbulo do citado DL 446/85 de 25/10: “a liberdade contratual se cinja, de facto, ao dilema da aceitação ou rejeição desses esquemas predispostos unilateralmente por entidades sem autoridade pública, mas que desempenham na vida dos particulares um papel do maior relevo”.
[9] O artigo 6.º, n.º 2 do respectivo diploma preambular, na alínea e), revogou os artigos 1.º a 5.º, 8.º e 25.º do DL 176/95, de 26/7, normas onde se encontrava sedeado o “seguro de grupo”.
[10] Vide acórdão do STJ, de 29.05.2012, proferido no Processo n.º 7615/06.1TBVNG.P1.S1, acessível em http://www.dgsi.pt.
[11] A mesma intenção transparece no actual regime jurídico do contrato de seguro, aprovado pelo DL 72/2008, de 16 de Abril, que estipula no artigo 78.º:
1 - Sem prejuízo do disposto nos artigos 18.º a 21.º, que são aplicáveis com as necessárias adaptações, o tomador do seguro deve informar os segurados sobre as coberturas contratadas e as suas exclusões, as obrigações e os direitos em caso de sinistro, bem como sobre as alterações ao contrato, em conformidade com um espécimen elaborado pelo segurador.
2 - No seguro de pessoas, o tomador do seguro deve ainda informar as pessoas seguras do regime de designação e alteração do beneficiário.
3 - Compete ao tomador do seguro provar que forneceu as informações referidas nos números anteriores.
4 - O segurador deve facultar, a pedido dos segurados, todas as informações necessárias para a efectiva compreensão do contrato.
5 - O contrato de seguro pode prever que o dever de informar referido nos n.ºs 1 e 2 seja assumido pelo segurador.
Face ao teor dos normativos transcritos, ressalvado todo o respeito devido, não podemos concordar com a conclusão expressa no acórdão desta Relação, de 1.02.2010, proferido no Proc. 3405/06.0TBVCD.P1, acessível no site da DGSI.
[12] Pedro Romano Martinez e outros, Lei do Contrato de Seguro Anotada, 2.ª edição, 2011, Almedina, pág. 328.
[13] Vejam-se, no mesmo sentido, os seguintes acórdãos do STJ, acessíveis no site da DGSI:
1) O acórdão de 25.06.2013, 24/10.0TBVNG.P1.S1, assim sumariado:
«1. Num seguro de grupo, não está vedado à seguradora, única demandada na lide, opor ao aderente certa cláusula de exclusão do risco, por a omissão do dever de informação e esclarecimento ser exclusivamente imputável ao tomador de seguro, não se comunicando ou transmitindo os efeitos de tal omissão culposa à própria seguradora, em termos de amputar o contrato da cláusula não devidamente informada ao aderente.
2. Na verdade, não se mostrando legalmente prevista a comunicabilidade à esfera jurídica da seguradora dos efeitos do incumprimento dos deveres legais de informação colocados a cargo do tomador de seguro - e não podendo o tomador de seguro considerar-se juridicamente como intermediário, auxiliar ou comissário da seguradora no momento da concreta adesão das pessoas seguradas - carece de fundamento normativo a pretensão de responsabilização objectiva da seguradora por um comportamento negligente exclusivamente imputável ao outro contraente, não demandado pela interessado/aderente».
2) O acórdão de 18.09.2014, 2334/10.7TBGDM.P1.S1, cujo sumário se transcreve parcialmente:
«IV - Tratando-se de um seguro de grupo, é ao tomador do seguro que incumbe o ónus de informação – e respectiva prova – aos segurados sobre as coberturas e exclusões contratadas, as obrigações e direitos em caso de sinistro e as alterações posteriores que ocorram neste âmbito.
V - O incumprimento do dever de informar o segurado implica para o tomador do seguro a obrigação de suportar de sua conta a parte do prémio correspondente ao segurado, sem perda de garantias por parte deste, até que se mostre cumprida a obrigação».
[14] A M.ª Juíza cita, entre outros, o acórdão do STJ, de 17/06/2010, proferido no Processo n.º 651/04.4TBETR.P1.S1, onde se conclui: «… não é a Seguradora, mas o Banco tomador, como parte no contrato de seguro e não como intermediário ou representante da seguradora, quem tem intervenção na abertura à adesão e na admissão dos aderentes, utilizando as cláusulas contratuais gerais, constantes duma apólice, que reflecte o resultado das negociações entre duas empresas do ramo financeiro e segurador.».
[15] Ensaio Sobre o Litisconsórcio, Centro Tip. Colonial, Lisboa, 1956, pág. 155.
[16] Obra citada, pág. 160 e 162.
[17] O pagamento das prestações do empréstimo para aquisição de habitação e do prémio do seguro é da responsabilidade de ambos.