Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
83/15.9SFPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LILIANA DE PÁRIS DIAS
Descritores: SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA DE PRISÃO
REVOGAÇÃO DA SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO DA PENA
AUDIÇÃO PRESENCIAL DO CONDENADO
OMISSÃO
NULIDADE
Nº do Documento: RP2023011883/15.9SFPRT.P1
Data do Acordão: 01/18/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL (CONFERÊNCIA)
Decisão: DECLARADA A NULIDADE DO DESPACHO PROFERIDO EM 12/9/2022, QUE DETERMINOU A DISPENSA DE AUDIÇÃO PRESENCIAL PRÉVIA DO RECORRENTE E DE TODOS OS ACTOS SUBSQUENTES.
Indicações Eventuais: 4. ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Área Temática: 1
Sumário: I - A questão de saber se a revogação da suspensão da execução da pena de prisão deve ser antecedida, em qualquer caso, da audição presencial do condenado ou se basta a mera notificação ao defensor para se pronunciar sobre tal matéria não é pacífica, sendo disso exemplo a diversidade de respostas encontradas na jurisprudência.
II - Para quem entenda que a audição presencial do condenado, sendo possível, é obrigatória, a omissão de tal formalidade configura a nulidade insanável cominada no artigo 119.º, alínea c), do CPP, que deve ser declarada em qualquer fase do processo.
III - A nulidade do procedimento determina a nulidade dos atos posteriores, incluindo a do próprio despacho recorrido.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 83/15.9SFPRT.P1
Recurso Penal
Juízo Central Criminal do Porto – Juiz 14


Acordam, em conferência, na 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto.


I – Relatório

No processo comum supra identificado, por acórdão transitado em julgado em 23/1/2019, foi o arguido AA condenado na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova, pela prática de:
- um crime de tráfico, p. e p. pelo art.º 21.º do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 4 anos e 8 meses;
- um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al. d) do Regime Jurídico das armas e suas munições, na pena de 6 meses de prisão.
Por despacho de 30/9/2022, ao abrigo do disposto no artigo 56º, n.º 1, alínea b), do C. Penal, foi revogada a suspensão da execução da pena única de 5 anos de prisão a que AA havia sido condenado.
Notificado de tal despacho, e com ele não se conformando, veio o arguido recorrer da revogação da suspensão que, consequentemente, após trânsito, determinava o cumprimento da pena de prisão.
Baseia-se o recurso nos fundamentos descritos na respetiva motivação e contidos nas seguintes “conclusões”, que se transcrevem [1]:
“I. Há muito que a suspensão da execução de pena é vista como uma medida penal de conteúdo pedagógico e reeducativo que pressupõe uma relação de confiança entre o tribunal e os arguidos, estando na sua base um juízo de prognose social favorável aos condenados.
II. São finalidades de prevenção especial de socialização que estão na base da suspensão da execução da pena de prisão, designadamente, o afastamento dos delinquentes, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer correção.
III. Efetivamente o recorrente cometeu um outro crime de igual natureza durante o período da suspensão da execução da pena atenta a data do trânsito em julgado da decisão proferida nestes autos.
IV. Porém a revogação só deve equacionar-se como última ratio, como expediente in extremis, carecendo de um juízo fundado do julgador no sentido de estarem malogradas as finalidades subjacentes à suspensão da execução da pena de prisão, por se mostrar definitivamente infirmado o juízo de prognose favorável que a determinou.
V. Não basta que os arguidos cometam crime pelo qual venham a ser condenados, para que o Tribunal possa revogar a liberdade condicional.
VI. Sendo necessário que a instância logre comprovar que as finalidades que estiveram na base da aplicação de uma pena de prisão suspensa na sua execução ficaram manifestamente comprometidas.
VII. Por fim, é imperativo atender à natureza subsidiária da revogação da suspensão da execução da pena prisão que impõe a inevitabilidade do cumprimento da pena de prisão como única forma de restauração da paz jurídica e de ressocialização do agente.
VIII. Se fica patente no caso sub judice que o percurso do arguido após a condenação dos presentes autos não foi incólume e irrepreensível,
IX. Nem por isso este Tribunal pode ignorar a atual situação pessoal e social do arguido que conseguiu retirar das suas condenações a mais elementar conclusão de que o crime não compensa!
X. O recorrente conta com uma condenação posterior pela prática de crime de igual natureza (ainda que em data muito próxima do início do período da suspensão).
XI. Porém a revogação da suspensão não é um castigo, uma sanção, mas um meio de competir à reinserção social, que já está sendo alcançada com a colocação em liberdade da recorrente.
XII. O Tribunal a quo não ponderou as circunstâncias da prática do outro crime pelo recorrente, as condições em que foram os mesmos cometidos, a sua gravidade e a conduta global do arguido durante o período de suspensão e as penas aplicadas pelos novos crimes de modo a saber se as finalidades de suspensão estavam ou não a ser alcançadas.
XIII. Dúvidas não restam, como aliás é unânime na Doutrina e Jurisprudência, de que o cumprimento de penas relativamente curtas de prisão acarreta enormes prejuízos como seja o retrocesso de todo o processo de socialização dos arguidos e a inviabilização do seu processo de profissionalização.
XIV. Na verdade, revogar a suspensão da execução da pena ao arguido será apenas obstar ao cumprimento da função reintegradora das penas, sendo que tal só deve ser exercido quando outra medida não conseguir atingir aquele fim, como seja a medida de prorrogação do período da suspensão da execução da pena.
XV. Em face do exposto e por considerar que não estão irremediavelmente comprometidas as finalidades inerentes à suspensão da execução da pena, pelo que deveria a mesma ter sido declarada extinta.
PRINCÍPIOS E NORMAS VIOLADOS:
• Artigos 56.º n.º 1, alínea a) e n.º 2 do Código Penal;
Nestes termos e nos mais de direito, que V. Exas. Doutamente melhor suprirão, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via disso, ser alterada a, aliás, douta decisão recorrida, substituindo-a por outra que contemple as conclusões atrás aduzidas.
Decidindo deste modo, farão V. Exas., aliás como sempre, um ato de INTEIRA E SÃ JUSTIÇA.”.
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O recurso foi admitido para subir de imediato, em separado dos autos principais e com efeito suspensivo.
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O Magistrado do Ministério Público junto do Tribunal de 1ª instância apresentou resposta, defendendo a manutenção do despacho recorrido, com os fundamentos constantes do respetivo articulado (cujo teor aqui se dá por reproduzido).
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Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer, no qual, muito embora reconhecendo não assistir razão ao recorrente quanto à discordância expressa nos fundamentos do recurso, na medida em que se verificam os pressupostos formais e materiais da revogação da suspensão da execução da pena de prisão, pugnou pela declaração de nulidade do despacho que a determinou, pela circunstância de não ter sido precedido da audição presencial do arguido/recorrente, tratando-se esta de uma formalidade de natureza obrigatória.
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Cumprido o disposto no art.º 417.º, n.º 2, do Código do Processo Penal, não foi apresentada resposta pelo arguido/recorrente.
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Procedeu-se a exame preliminar e foram colhidos os vistos, após o que o processo foi à conferência, cumprindo apreciar e decidir.
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II - Fundamentação
É pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (art.º 412.º, n.º 1 e 417.º, n.º 3, do CPP), que se delimita o objeto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior, sem prejuízo das questões que devem ser conhecidas oficiosamente, como sucede com os vícios a que alude o art.º 410.º, n.º 2 ou o art.º 379.º, n.º 1, do CPP (cfr., por todos, os acórdãos do STJ de 11/4/2007 e de 11/7/2019, disponíveis em www.dgsi.pt).
No presente caso, o objeto do recurso prende-se com a aferição do despacho de revogação da suspensão da execução da pena de prisão aplicada ao arguido AA e pode ser condensado em duas sub-questões:
1) O despacho recorrido mostra-se ferido de invalidade, por não ter sido precedido da audição presencial prévia do arguido/recorrente?
2) Na hipótese negativa, verificam-se os pressupostos da revogação da suspensão da execução da pena de prisão?
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O despacho recorrido tem o seguinte teor:
“No âmbito do presente processo, AA foi em 12-07-2018 condenado na pena única de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova, pela prática de:
- 1 crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25.º, al. a), do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 1 ano e 9 meses;
- 1 crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al. d) do Regime Jurídico das armas e suas munições, na pena de 6 meses de prisão (cfr. ref.ª 394883143 de 12-07-2018).
Na sequência do recurso interposto, AA em 18-12-2018 foi condenado na pena única de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, com regime de prova, pela prática de:
- 1 crime de tráfico, p. e p. pelo art.º 21.º do Decreto-lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 4 anos e 8 meses;
- 1 crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art.º 86.º, n.º 1, al. d) do Regime Jurídico das armas e suas munições, na pena de 6 meses de prisão; tendo a respetiva decisão transitado em julgado em 23-01-2019 (cfr. ref.ªs 12355477 de 18-12-2018). Foi aí dada como provada a seguinte factualidade:
No dia 3 de novembro de 2015, por forma a não ser intercetado na posse de estupefacientes, o arguido AA decidiu juntamente com outra pessoa esconder um embrulho contendo estupefaciente, não concretamente apurado, mas seguramente heroína ou cocaína no interior de uma caixa de derivação de luz, existente na entrada ... do bloco ... do Bairro ..., dali retirando a quantidade necessária do estupefaciente para cada venda.
Assim, entre as 19h52min e as 20h06min, junto da referida entrada, os arguidos AA e o outro indivíduo venderam quantidade e qualidade não apurada de estupefaciente a três indivíduos cuja identidade não se logrou apurar por preço igualmente não apurado.
No dia 13 de novembro de 2015, entre as 21h13min e as 21h24min, junto à entrada ... do bloco ... do Bairro ..., o arguido AA vendeu quantidade e qualidade não apurada de estupefaciente a 3 indivíduos cuja identidade não se logrou apurar.
Nesse dia, sempre que era contactado pelos compradores, e após receber a quantia monetária devida, o arguido AA deslocava-se ao bloco ..., entrada ..., à casa ..., no Porto, onde se abastecia da quantidade necessária de estupefaciente para, de seguida, entregar ao respetivo comprador que o aguardava junto à entrada ... do bloco ....
No dia 25 de agosto de 2016, antes das 10h50min., o arguido AA deslocou-se no seu veículo de marca e modelo ..., com a matrícula ..-..-RH, à Rua ..., sita no Bairro ..., nesta cidade, onde o aguardava o arguido BB e a quem entregou um embrulho contendo vários pedaços de cocaína com o peso liquido de 7,281 gramas e 44 embalagens de heroína com o peso liquido de 7,041 gramas, para este vender.
Na posse do estupefaciente entregue pelo arguido AA, o arguido BB deslocou-se em direção às traseiras do bloco ... para ali esconder o produto estupefaciente, junto a umas escadas existentes no Largo ..., enquanto o arguido AA regressou para a sua residência, sita no bloco ..., entrada ..., casa ..., do Bairro ... – Porto.
Pelas 10h50 min. desse dia, o arguido BB foi abordado pelos agentes da PSP junto às traseiras do bloco ..., tendo sido encontrado e apreendido nas referidas escadas, existentes no Largo ..., os vários pedaços de cocaína com o peso liquido de 7,281 gramas, com um grau de pureza de 42% e as 44 embalagens de heroína com o peso liquido de 7,041 gramas, com um grau de pureza de 15,4 que lhe haviam sido momentos antes entregues pelo arguido AA e que destinavam à venda a terceiros.
No dia 4 de julho de 2017, pelas 8h35min., na residência do arguido AA, sita no Bairro ..., ... – Porto, foram encontrados e apreendidos:
Na sala:
Em cima de um armário a quantia monetária de 2 500 EUR, faseada em 2 notas de 50 EUR, 95 de 20 EUR e 50 notas de 10 EUR, distribuídas em três maços, dois de 1 000 EUR e um de 500 EUR.
Em cima de um armário, a quantia monetária de 165 EUR, faseada em 1 nota de 20 EUR, 14 notas de 10 EUR e 1 nota de 5 EUR.
De baixo do sofá, 10 cartuchos, próprios para uso de armas de fogo de alma lisa, calibre .12 GA de percussão central, constituídos por fulminante e carga propulsora e projéteis em chumbo.
As munições pertenciam ao arguido AA que não tinha licença de uso e porte de arma nem autorização para as deter.
O arguido AA agiu sempre de forma livre e consciente, sabendo quais eram as características, natureza e efeitos dos produtos estupefacientes que detinha, e que vendia, sempre com a intenção de obter contrapartida económica.
Sabia ainda que a posse, detenção, guarda, transporte, cedência e venda de tais produtos são proibidas por lei.
O arguido AA não era titular de licença de uso e porte de arma nem tinham autorização para deter as munições que lhe foram apreendidas e acima descritas.
Agiu de forma livre e consciente, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.
Veio o Tribunal de Execução das Penas do Porto informar de que AA havia sido condenado no âmbito do processo n.º 72/18.1SFPRT pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, cometido nos períodos que decorreram entre 21-09-2018 e 31-10-2018, 6 de fevereiro de 2019, 18, 19 e 21 de março de 2019 e 5 de abril de 2019 (cfr. ref.ª 32404131, de 30-05-2022).
Nenhum acórdão tinha sido até então atempadamente comunicado e do teor do CRC, no que concerne ao dito processo n.º 72/18.1SFPRT, resultava a data 21-09-2018 como sendo a da prática dos factos (cf. ref.ª 32985370, de 03-08-2022).
Contudo, do teor da certidão foi depois remetida por parte do referido processo, resulta que o condenado AA praticou atos de tráfico, pelo menos, nos dias 06-02-2019, 19-03-2019, 21-03-2019 e 05-04-2019, e veio a ser condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, na pena de 6 anos e 3 meses de prisão, por acórdão já transitado em julgado (cf. ref.ª 32792078, de 11-07-2022).
Foi aí dada como provada a seguinte factualidade:
O arguido AA vem-se dedicando à venda de estupefacientes desde, pelo menos, setembro de 2018, designadamente, junto ao Bairro ..., local onde habitualmente permanecem vários indivíduos ligados ao consumo daquela substância.
Em data não concretamente apurada, mas anterior a 21 de setembro de 2018 os arguidos AA, CC, DD e EE, acordaram entre si proceder à venda de produtos estupefacientes, fazendo-o em conjugação de esforços e repartição de tarefas e usando para a confeção, doseamento e guarda dos produtos estupefacientes, bem como dos objetos necessários à sua confeção, a casa de DD, sita na Estrada ..., ..., habitação ..., no Porto.
No dia 21 de setembro de 2018, pelas 23.25h, os arguidos AA e CC encontraram-se nas imediações do Bairro ..., mais concretamente junto ao estacionamento existente na Rua ... – Porto, transportando o AA, nas costas, uma mochila.
De seguida, os arguidos dirigiram-se apeados para o interior da habitação ..., sita na Estrada ..., ....
Poucos minutos depois, compareceram naquela habitação o arguido EE e outro indivíduo.
Pela 1.55h, os arguidos abandonaram aquele local e deslocaram-se para o Bairro ..., levando o arguido AA a mochila.
No dia 29 de setembro de 2018, pelas 21.45h, os arguidos AA e CC deslocaram-se para a habitação ..., sita na Estrada ..., ..., onde entraram, transportando o arguido CC, debaixo do braço, vários sacos transparentes.
Os arguidos AA e CC permaneceram cerca de três horas e meia no interior da habitação em apreço, tendo-a abandonado pela 1.18h.
De seguida os arguidos deslocaram-se, apeados em direção à Estrada ..., transportando o arguido AA, às costas, uma mochila.
No dia 5 de outubro de 2018, pelas 22.15h, os arguidos AA, CC e EE deslocaram-se à habitação ..., sita na Estrada ..., ....
Pela 1.20h, os arguidos abandonaram aquele local e deslocaram-se, apeados, em direção à Estrada ....
No dia 15 de outubro de 2018, pelas 21.20h, o arguido AA deslocou-se à habitação ..., sita na Estrada ..., ..., tendo o arguido CC ali chegado pelas 22.08h.
Os arguidos permaneceram na habitação até às 23.30h, altura em que abandonaram aquele local e deslocaram-se apeados em direção à Estrada ....
As descritas deslocações dos arguidos AA, CC e EE, à casa sita na Estrada ..., ..., habitação ..., no Porto, e a permanência nesse local destinaram-se à execução de tarefas relacionadas com a atividade de venda de produtos estupefacientes a que se dedicavam
No dia 30 de outubro de 2018, pelas 21.25h, os arguidos AA, CC e EE deslocaram-se à habitação ..., sita na Estrada ..., ..., a fim de ali prepararem o estupefaciente que destinavam à venda, onde já se encontravam os arguidos FF, DD e GG.
Nessa habitação encontravam-se ainda HH e II.
Pelas 22.10h, no interior da habitação ..., sita na Estrada ..., ..., Porto, durante uma busca realizada, foram encontrados na sala de estar, sentados em volta de uma mesa ali existente, a manusear e dosear o produto estupefaciente e a contabilizar o dinheiro proveniente das vendas, os arguidos AA, CC, EE, FF e DD, encontrando-se o GG no corredor. Em cima da mesa encontrava-se:
- uma embalagem contendo vários pedaços de cocaína (ester metílico), com o peso líquido de 44,34grms;
- uma embalagem contendo vários pedaços de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 79,23grms;
- uma embalagem contendo vários pedaços de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 99,10grms;
- uma embalagem contendo vários pedaços de cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 29,75grms;
- um saco plástico contendo no seu interior €1.172,35 em notas e moedas do BCE;
- um rolo de sacos plásticos transparentes, usados para acondicionar estupefaciente;
- uma balança de precisão sem marca, de cor cinza, contendo resíduos de cocaína/heroína, que estava junto ao produto estupefaciente.
Em cima de uma cadeira, no interior de um saco plástico, encontrava-se:
- uma balança de precisão, de marca Tristar, utilizada na pesagem/doseamento do estupefaciente que destinavam à venda.
Numa estante, dentro de uma caixa em madeira de cor vermelha encontravam-se:
- vários papéis, em formato A4, manuscritos, com inscrições de indicações/registo de vendas e/ou entregas de produto estupefaciente;
- várias lâminas de barbear, uma tesoura, dois cartões (STCP e Modelo), com resíduos de cocaína/heroína, utilizados na preparação e doseamento daquele produto, e alguns plásticos utilizados no acondicionamento do mesmo;
- três rolos de sacos plásticos, próprios para acondicionar estupefacientes.
Num quarto, onde se encontravam HH e II, encontrava-se:
- a quantia monetária de 1 390 EUR que se encontrava debaixo da cama, no interior de uma luva
Em cima da mesa de cabeceira encontrava-se:
- uma balança de precisão de marca NS00013, que se encontrava no interior de uma caixa de cor vermelha, ambas com resíduos de cocaína/heroína. Na cozinha, junto ao lava loiça, encontrava-se:
- duas colheres de sopa em metal, contendo resíduos de cocaína; - um tacho em metal;
- uma colher própria para tirar a sopa com resíduos de cocaína, que se encontrava no interior de um recipiente de acondicionamento do pão.
Na casa de banho encontrava-se:
- um moinho de marca Qlive, contendo resíduos de heroína.
Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar os arguidos tinham na sua posse:
- AA: a quantia monetária de 162, 21 EUR e um telemóvel de marca Samsung, modelo Galaxy S9, com o IMEI ..., cartão SIM da operadora W... com o n.º ...;
- CC: a quantia de 145 EUR e um telemóvel da marca Samsung, modelo Galaxy S8+, com o IMEI ...;
- EE: a quantia monetária de 70 EUR e no interior do casaco, um saco plástico contendo vários pedaços de cocaína (éster metílico), com o peso líquido de 3,78 gramas;
- GG: a quantia monetária de 230 EUR e um telemóvel de marca Samsung, modelo Galaxy S7, com o IMEI: ..., com o cartão microSDHC 8 Gb, de marca Kingston e um cartão SIM, com o número ....
- DD: um telemóvel de marca Alcatel, modelo 2008G, com a respectiva bateria, cartão microSD, e cartão Sim da operadora NOS com o n: ....
- FF: um telemóvel de marca Samsung, modelo Galaxy S8, com o IMEI: ..., com o cartão SIM da operadora Lycamobile, com o n: ......
Todos os objetos acima mencionados (balanças, lâminas, tesouras, cartões, sacos em plástico, tachos, colheres, moinho) encontrados na residência eram utilizados na preparação, doseamento e embalamento do estupefaciente estava destinado à venda.
O dinheiro encontrado era proveniente das vendas de estupefaciente antes de 20-10-2018.
O produto estupefaciente encontrado era destinado à venda pelos arguidos AA, CC, EE, FF, DD e GG, fazendo-o em conjugação de esforços e repartição de tarefas.
No decurso da diligência de busca, aproximou-se da residência acima referida e para onde se dirigia, o arguido JJ que havia saído do veículo com a matrícula ..-VO-.., transportando um saco plástico transparente na mão, contendo fenacetina com o peso bruto de 1.004,08 gramas.
No dia 31 de outubro de 2018, pelas 00h45min., no interior da residência do arguido AA, sita no Bairro ..., ..., Porto, foram encontrados:
Na cozinha e sala
- no interior de uma gaveta do armário da cozinha, dentro de um saco de plástico: a quantia monetária de 396, 23 EUR, dividida em 9 notas de cinco euros; 8 notas de dez euros; 9 notas de vinte euros; 8 moedas de dois euros; 51 moedas de um euro; 39 moedas de cinquenta cêntimos; 16 moedas de vinte cêntimos; 12 moedas de dez cêntimos; 6 moedas de cinco cêntimos; 1 moeda de dois cêntimos e 1 moeda de um cêntimo.
O dinheiro encontrado pertencia ao arguido AA e era proveniente das vendas de estupefaciente a que o mesmo se vinha dedicando em conjugação de esforços e repartição de tarefas.
Também nesse dia 31 de Outubro de 2018, pelas 00h45., na residência do arguido EE, sita no Bairro ..., ..., Porto, foram encontrados e apreendidos:
Na Sala/Cozinha:
- a quantia monetária de 330 EUR; - a quantia monetária de 70 EUR;
- um aviso/recibo da Domus Social-Empresa de Habitação e Manutenção do Município do Porto, EM, emitida em nome de KK, com data de 1/10/2018.
O dinheiro encontrado era proveniente das vendas de estupefaciente a que o arguido se vinha dedicando, em conjugação de esforços e repartição de tarefas.
No prosseguimento da atividade de venda de estupefaciente que o arguido AA vinha desenvolvendo e encontrando-se sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação, com vigilância eletrónica – decretada nos presentes autos em 31/10/2018 -, o mesmo acordou com os arguidos LL e EE levar a cabo tal atividade nas imediações da sua residência, no Bairro ..., nesta Cidade, local onde habitualmente se encontram diversos indivíduos ligados ao consumo destas substâncias.
Para o efeito e tendo em conta a situação coativa do arguido AA que o impossibilitava de sair da sua residência, este arguido mantinha-se no interior daquela, a partir de onde vigiava – do patamar de acesso à porta da entrada - as vendas efetuadas pelos arguidos LL e EE, deles recebendo o dinheiro obtido nas mesmas, bem como o local, face a uma eventual aproximação policial.
Assim, na prossecução do plano gizado, entre as 14h45 e as 16h25 do dia 6 de fevereiro de 2019, os arguidos EE e LL venderam quantidade não apurada de estupefaciente a 9 indivíduos cuja identidade se desconhece, por preço não apurado.
Pelas 15h59, desse dia, no decurso das vendas que realizaram, o arguido LL deslocou-se à residência do arguido AA, sita na casa ... da entrada ... do bloco ... do Bairro ..., onde lhe entregou uma quantia indeterminada de dinheiro proveniente das vendas que já tinham efetuado.
Pelas 16h15, o arguido LL deslocou-se novamente à residência do arguido AA onde voltou a contactar com este.
Pelas 16h30, o arguido EE apercebeu-se da presença dos agentes da PSP e de imediato gritou “água” por forma a alertar o arguido LL da presença daqueles.
Os arguidos LL e EE encetaram logo fuga, vindo a ser intercetados pelos agentes da PSP.
Nas referidas circunstâncias de tempo e lugar foi encontrado na posse do arguido LL, no bolso do casaco:
- um saco contendo vários pedaços de cocaína com o peso liquido de 24,101 gramas;
- 93 embalagens de heroína com o peso liquido de 11,49 gramas; - a quantia monetária de €118,02 em notas e moedas do BCE;
- um telemóvel da marca Huawei e outro telemóvel marca “one Plus”, adquiridos com os proventos das vendas de estupefacientes e utilizados para contactar com os demais arguidos bem como com os compradores daqueles produtos.
Por sua vez o arguido EE tinha na sua posse um saco em papel que continha: - vários pedaços de cocaína com o peso líquido de 32,442 gramas.
Os produtos estupefacientes acima indicados pertenciam aos arguidos AA, LL e EE que os destinavam, em conjugação de esforços e repartição de tarefas, na sua totalidade à venda a terceiros, mediante contrapartida económica.
O dinheiro apreendido era proveniente das vendas de estupefaciente que vinham fazendo. Não obstante as diversas detenções, o arguido AA continuou a dedicar-se à venda de estupefaciente, apesar de se encontrar sujeito à medida de coação de obrigação de permanência na habitação, fazendo-o com a colaboração dos arguidos MM, NN e OO.
Para melhor desenvolverem esta atividade, os arguidos AA, MM, NN e OO acordaram utilizar a residência do MM, sita na Rua ..., Porto, para ali prepararem e dosearem o estupefaciente que depois era transportado pelo arguido NN para o local de vendas, mais concretamente para a Rua ..., ..., sob a vigilância do MM.
Cabia aos arguidos NN e OO proceder à venda direta do estupefaciente, entregando depois o dinheiro proveniente das vendas ao MM o qual por sua vez se deslocava à residência do AA para lhe entregar aquele montante.
Cabia também ao arguido MM encaminhar para junto do arguido NN os diversos indivíduos que procuravam adquirir estupefaciente bem como vigiar o local de uma eventual ação policial.
Assim e em execução do plano por todos traçado:
No dia 18 de março de 2019, após se ter abastecido de estupefaciente no local acordado, em casa do MM, o arguido NN deslocou-se para o local de vendas, onde, entre as 15h30 e as 17h05, vendeu, quantidade não apurada de estupefaciente, a 17 indivíduos cujas identidades não se lograram apurar.
Com o propósito de não ser detido na posse do estupefaciente, o NN previamente dissimulou o mesmo numas ervas existentes nas traseiras do bloco ... do Bairro ... para onde se deslocou e se abasteceu sempre que efetuou uma transação.
No dia 19 de março de 2019, após se ter abastecido de estupefaciente na residência do arguido MM, o arguido NN deslocou- se para o local de venda – traseiras do bloco ... do Bairro ..., sob a vigilância do arguido AA que se encontrava no patamar da sua residência, onde, entre as 17h05 e as 18h05, vendeu quantidade não apurada de estupefaciente a 15 indivíduos cujas identidades não se lograram apurar.
Com o propósito de não ser detido na posse do estupefaciente, o NN previamente dissimulou o mesmo junto ao pneu de uma roulotte estacionada nas traseiras do bloco ... do Bairro ... para onde se deslocou e se abasteceu sempre que efetuou uma transação.
No dia 21 de março de 2019, após se ter abastecido de estupefaciente na residência do arguido MM, conforme acordado com o arguido AA, o arguido NN vendeu, entre as 13h14min. e as 13h57min, junto ao Largo ..., ... do Bairro ..., a pelo menos 22 indivíduos, quantidades não apuradas de estupefaciente que trazia numa bolsa preta.
Por alguém ter avistado a PSP e gritado “água”, os arguidos NN e MM puseram-se em fuga, deixando no local, no Bairro ..., a bolsa de cor preta de onde o NN retirava o estupefaciente que vendia e onde guardava o dinheiro obtido nas vendas.
No interior da referida bolsa que de imediato foi recuperada, foram encontrados, a quantia monetária de 156 EUR em notas e moedas do Banco Central Europeu, e 2 cantos de saco plástico transparente, contendo 150 embalagens de heroína com o peso líquido de 9,666 gramas e vários pedaços de cocaína com o peso líquido de 36,893 gramas.
Este estupefaciente pertencia aos arguidos AA, NN e MM que o destinavam à venda a terceiros.
O dinheiro apreendido pertencia aos arguidos AA, NN e MM e era proveniente das vendas de estupefaciente efetuadas, em conjugação de esforços e repartição de tarefas entre si.
No dia 5 de abril de 2019, pelas 13h30, conforme acordado com o arguido AA, os arguidos NN, OO e MM deslocaram-se para junto do Largo ..., no Bairro ..., com o propósito de ali iniciarem as vendas de estupefaciente.
Para melhor desenvolverem esta atividade, os arguidos tinham funções pré-definidas.
Assim, cabia ao arguido OO a venda direta do estupefaciente aos diversos consumidores que a ele se dirigiam, e que eram encaminhados pelo arguido NN, que também tinha a tarefa de vigiar o local de uma eventual ação policial.
Por sua vez ao arguido MM cabia vigiar o local de uma eventual ação policial bem como recolher o dinheiro obtido nas vendas do estupefaciente e posteriormente o entregar ao arguido AA, deslocando-se para o efeito à residência deste.
Assim,
Entre as 13h35 e as 13h47, o arguido OO vendeu quantidade não apurada de estupefaciente a 9 indivíduos cujas identidades não se lograram apurar.
Após estas vendas, o OO entregou ao arguido MM a quantia monetária proveniente das vendas efetuadas o qual a guardou dentro de uma bolsa preta que escondeu num buraco existente no muro junto ao solo, no bloco ..., e ao arguido NN entregou um canto de saco plástico contendo estupefaciente para que este prosseguisse as vendas, enquanto se dirigiu para a residência do arguido AA de onde saiu pelas 13h59 na posse de uma lata de cor vermelha, própria para acondicionar batatas fritas, com os dizeres “Pringles Original”, contendo mais estupefaciente para venderem que colocou no solo junto a um dos portões ali existentes.
Entre as 13h52 e as 13h55, arguido NN vendeu quantidade não apurada de estupefaciente a 4 indivíduos cujas identidades não se lograram apurar.
Pelas 14h03, o arguido NN encaminhou 5 indivíduos cujas identidades não se lograram apurar para junto do arguido OO que lhes entregou quantidade não apurada de estupefaciente que previamente retirou da referida lata.
De seguida, o OO dirigiu-se para junto do MM a quem entregou a quantia monetária obtida nas vendas efetuadas, o qual a guardou na bolsa preta que voltou a colocar no referido buraco existente no muro.
Pelas 14h10, junto ao portão que dá acesso às arrecadações da C.M. Porto, no Largo ..., ... do Bairro ..., onde se encontravam os arguidos NN, MM e OO, foi encontrado dentro de uma lata de cor vermelha, própria para acondicionar batatas fritas, com os dizeres “Pringles Original”, 108 embalagens de heroína, com o peso líquido de 9,666 gramas e vários pedaços de cocaína, com o peso líquido de 27,550 gramas, que o arguido OO ali havia colocado momentos antes.
Nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar, foi encontrada na posse do arguido OO a quantia monetária de 27 EUR.
Também naquelas circunstâncias de tempo e lugar, foi encontrado no buraco existente no muro uma bolsa de cor preta, contendo no seu interior a quantia monetária de 186, 80 EUR em notas e moedas do banco Central Europeu que o arguido MM ali tinha dissimulado.
Ao arguido NN foi encontrado pelas 14h20, na sua posse, um pedaço de canabis (resina), com o peso líquido de 0,495 gramas.
O estupefaciente pertencia aos arguidos AA, NN, OO e MM que o destinavam à venda a terceiros.
O dinheiro apreendido pertencia aos arguidos AA, NN, OO e MM e era proveniente das vendas de estupefacientes efetuadas em conjugação de esforços e repartição de tarefas.
Nesse dia – 5 de abril de 2019 -, pelas 14h20, na residência do arguido NN, sita no Bairro ..., entrada ..., casa ..., Porto, foi encontrado:
Na Sala:
- A quantia monetária de 105 EUR, fracionada em 21 notas de 5 EUR do BCE, proveniente das vendas de estupefaciente que vinha fazendo em conjugação de esforços e repartição de tarefas com os demais arguidos (AA, MM e OO).
Os arguidos AA, CC, EE, DD, FF (no que se refere a 30-10-2018), GG (no que se refere a 30-10-2018), LL, MM, OO e NN agiram sabendo quais eram as características, natureza e efeitos dos produtos estupefacientes que detinham, preparavam, guardavam, destinavam à venda e vendiam, tendo atuado sempre com intenção de obter contrapartida económica, e sabendo ainda que a posse, detenção, guarda e venda de tais produtos é proibida e punida por lei.
No dia 30 de outubro de 2018 o arguido AA agiu de comum acordo e em conjugação de esforços com os arguidos CC, EE, DD, FF (no que se refere a 30-10-2018), GG (no que se refere a 30-10-2018), destinando o produto estupefaciente que detinham e manuseavam à venda.
No dia 6 de fevereiro o arguido AA agiu de comum acordo e em conjugação de esforços com os arguidos LL e EE.
Entre 18 de Março de 2019 e 5 de abril de 2019 o arguido AA agiu de comum acordo e em conjugação de esforço com os arguidos, MM, OO e NN.
Apesar de saberem que essas atividades eram proibidas, os arguidos não se coibiram de deter e vender as referidas quantidades de estupefaciente, obtendo os lucros dessa atividade.
Agiram os arguidos sempre de forma livre, deliberada e consciente, cientes da censurabilidade e punibilidade das suas condutas.
Do certificado do registo criminal junto (cf. ref.ª 32985370 de 03-08-2022) consta que:
No âmbito do processo sumário n.º 207/11.5GBETR.1GBETR do juízo de instância criminal de Estarreja, AA foi em 26-06-2011 condenado na pena de 250 dias de multa à taxa diária de 6 EUR, pela prática em 28-05-2011 de um crime de furto qualificado, na forma tentada, p. e p. pelos arts. 22.º, 23.º e 204.º do C.P., tendo a respetiva decisão transitado em julgado em 13-09-2011.
A dita pena de multa foi substituída por dias de trabalho que cumpriu até 30-11-2012.
No âmbito do Processo abreviado n.º 277/15.7SLPRT, do juízo de pequena criminalidade do Porto (juiz 1), o AA foi em 21-01-2016 condenado na pena de admoestação, pela prática em 27-04-2015 de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de janeiro, tendo a respetiva decisão transitado em julgado em 21-01-2016.
Não lhe são conhecidas outras condenações, nem a pendência de qualquer outro processo por crime que possa determinar a revogação da suspensão da pena de prisão aqui aplicada (cfr. ref.ª 33406200 de 29-09-2022).
O tribunal formou a sua convicção sobre a factualidade provada e não provada com base na análise crítica e ponderada da prova produzida, nomeadamente, na decisão aqui proferida, nas certidões referentes ao mencionado processo e no CRC do condenado e na pesquisa efetuada, elementos atrás assinalados.
Digna Magistrada do Ministério Público teve vista nos autos e pugnou pela revogação da suspensão da execução da pena única de prisão aqui aplicada (cfr. ref.ª 439601496 de 06-09-2022).
O condenado, por seu turno, pugnou pela não revogação da suspensão da execução da pena única de prisão aqui aplicada (cf. ref.ª 33362017 de 26-09-2022).
Cumpre decidir.
“A suspensão da execução da pena de prisão é revogada sempre que, no seu decurso o condenado cometer crime pelo qual venha a ser condenado e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas” (cfr. art.º 56.º, n.º 1, al. b), do C.P.).
A aplicação da pena de suspensão da execução da pena de prisão pressupõe que seja formulado, em face da personalidade do arguido, das condições da sua vida, da sua conduta anterior e posterior ao crime e das próprias circunstâncias deste, um prognóstico favorável relativamente ao seu comportamento futuro que permita concluir que a simples censura do facto praticado e a ameaça da pena bastarão para o afastar, no futuro, da prática de novos crimes, ainda permitindo a reafirmação da validade e vigência da norma violada e, assim, a tutela dos bens jurídicos violados (cfr. art.º 50.º, n.º 1, do C.P.).
Sendo a finalidade da suspensão da execução da pena de prisão a de afastar o condenado da criminalidade, é natural que entre as condições de suspensão de execução da pena de prisão avulte, naturalmente, a de o condenado não cometer qualquer crime durante o período da suspensão.
Na verdade, o cometimento de um crime durante o período de suspensão é a circunstância que mais claramente pode pôr em causa o prognóstico favorável em que assenta a aplicação da pena de suspensão.
In casu, verifica-se que na pendência ainda deste processo AA iniciou a pratica de novo crime de tráfico de estupefaciente que só terminou no período de suspensão da pena única de prisão aqui aplicada.
Não só tal crime posterior é da mesma natureza, como a ilicitude do mesmo é até mais elevada, atento o objeto em causa, o período de tempo em que levou a cabo, de forma reiterada, a concreta atividade demonstrada, sendo grave o modo de execução, tendo sido cometido de forma dolosa, tendo-lhe sido aplicada uma pena detentiva.
Atenta a data em que se iniciou e cessou a conduta em causa no referido processo posterior e a data do trânsito em julgado da decisão aqui proferida, constata-se que esta foi, por parte de AA, facilmente esquecida, não obstante estar perfeitamente ciente do que a pena única de prisão aqui aplicada significava e implicava.
Por outro lado, a condenação aqui em causa e o facto de grande parte das condutas desse crime posterior terem sido cometidos no período da suspensão da execução da pena única de prisão aqui aplicada foi determinante da aplicação, a título principal, de uma pena de prisão efetiva.
O condenado revela, de forma inequívoca uma propensão para delinquir, no que se reporta aos crimes em causa.
Assim, a meu ver, o comportamento de AA que demandou a condenação posterior referida demostra que não foi possível obter a socialização do condenado em liberdade, tendo este demonstrado um total desprezo pela pena única de prisão aqui aplicada, adotando voluntária e intencionalmente um comportamento que inviabilizava e contrariava as finalidades supostas por aquela, não tendo pois cumprido, de forma dolosa, as expectativas que motivaram a concessão daquela suspensão da execução da pena de prisão.
Assim, impõe-se a revogação da suspensão da execução da pena única de prisão aqui aplicada, sob pena de se defraudarem as expectativas da comunidade na validade das normas violadas pelo condenado.
Pelo exposto e ao abrigo dos citados preceitos decido revogar a suspensão aplicada e, em consequência, determinar o cumprimento por parte de AA da pena única de prisão fixada no acórdão.
Remeta boletim (cfr. art.º 6.º, al. a), da lei 37/2015, de 5 de maio). Dê conhecimento aos serviços de reinserção social.
Comunique nos termos e para os efeitos do disposto nos arts. 477.º, n.º 1, do C.P.P. e 35.º, da Portaria n.º 280/2013, de 26 de agosto.
Tendo também em conta a Deliberação de 15-01-2013 do CSM (Circular n.º 3/2013), comunique o acórdão condenatório, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto e do presente despacho, com nota de trânsito em julgado, ao estabelecimento prisional onde o condenado se encontra.
Dê conhecimento ao processo n.º 72/18.1SFPRT à ordem do qual o condenado se encontra privado de liberdade, que interessa a privação de liberdade do mesmo à ordem destes autos.
Consigno que no referido processo n.º 72/18.1SFPRT a data prevista para o condenado atingir os 2/3 da pena que aí cumpre é 18 de outubro de 2022, a data prevista para os 5/6 é 02 de novembro de 2023 e a data do termo é 17 de novembro de 2024 (cfr. ref.ª 32792078, de 11-07-2022).”.
*
Síntese dos dados processuais relevantes para a decisão da questão prévia suscitada no presente recurso:
1) Por despacho proferido em 12/9/2022, o tribunal de primeira instância determinou a notificação do arguido para se pronunciar quanto à possibilidade de revogação da suspensão da execução da pena de prisão previamente determinada, constatando-se que, durante o referido período de suspensão, cometeu um crime doloso pelo qual veio a ser condenado, também em pena de prisão.
2) O arguido pronunciou-se, por escrito, contra a promovida revogação, por requerimento subscrito pelo advogado constituído, de 26.9.2022 (referência 43367097), nele pedindo expressamente a sua audição pessoal e presencial, além da elaboração de um relatório social, pretensão que o juiz a quo, no despacho revogatório, indeferiu, por se tratar de questão já antes decidida, a relativa à audição pessoal, e por desnecessidade, quanto ao relatório social.
3) O despacho a determinar a revogação da suspensão da execução da pena de prisão está datado de 30/9/2022, tendo dele sido interposto recurso pelo arguido, contendo as conclusões atrás transcritas.
Narrados os elementos e atos processuais fundamentais para compreensão do despacho recorrido [2], analisemos, em primeiro lugar, a questão da nulidade do despacho antecedente suscitada pelo Exmo. Sr. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, dado que tem natureza prejudicial relativamente à apreciação dos fundamentos do recurso.
Defende o Exmo. Procurador-Geral Adjunto que, independentemente das razões subjacentes à ponderação da revogação da suspensão, a interpretação aplicativa do artigo 495º, n.º 2, do CPP conforme à CRP, nomeadamente em função das garantias de defesa que o processo penal deve proporcionar aos arguidos/condenados e do inerente princípio do contraditório, consagrados no seu artigo 32º, n.ºs 1 e 5, impõe a consideração de que a audição pessoal e presencial do condenado, com a presença do defensor, é obrigatória, sob pena de nulidade, salvo situações em que, tendo-lhe sido dado essa oportunidade, o próprio ou circunstâncias a ele imputáveis impeçam a sua audição - na linha da corrente jurisprudencial que reputa de maioritária, dado o forte impacto que, no caso, aquela decisão pode ter sobre a privação da liberdade do condenado, valor fundamental que implica reforçada exigência do contraditório, para poder considerar-se o seu exercício válido e substantivo.
Vejamos, então.
O artigo 495.º, n.º 2, do CPP, sob a epígrafe “Falta de cumprimento das condições de suspensão”, dispõe:
«2 – O tribunal decide por despacho, depois de recolhida a prova, obtido parecer do Ministério Público e ouvido o condenado na presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão, bem como, sempre que necessário, ouvida a vítima, mesmo que não se tenha constituído assistente.»
Sendo inquestionável que, atualmente, a revogação da suspensão da pena nunca é uma consequência automática, exigindo sempre um juízo de ponderação negativo, no sentido da constatação de que se frustraram as finalidades que estiveram na base da suspensão, impõe-se sempre, independentemente do(s) motivo(s) da eventual revogação, a prévia audição do condenado.
Com efeito, a revogação da suspensão configura uma alteração da sentença condenatória, já que, sendo a suspensão da execução da pena uma verdadeira pena (uma pena de substituição), a sua revogação traduz-se sempre no cumprimento pelo condenado de outra pena – a pena de prisão. A revogação é um ato decisório que contende com a liberdade do arguido, que o atinge na sua esfera jurídica, o que implica o reconhecimento legal do direito constitucional de contraditório e de audiência.
Por isso, a jurisprudência mais recente tem, reiterada e uniformemente, considerado que a audição do condenado é obrigatória e que a sua falta constitui uma nulidade insanável, nos termos do art.º 119.º, alínea c), do Cód. Proc. Penal.
Contudo, e como é observado no acórdão do TC n.º 491/2021, de 8/7 [3], logo se suscitaram dúvidas sobre a interpretação a dar àquele preceito, designadamente no que respeita a saber se a audição do arguido para efeitos de revogação da suspensão da pena tem de ser pessoal e presencial apenas quando a suspensão foi sujeita a regime de prova, imposição de deveres e/ou regras de conduta, designadamente para apuramento das razões para a falta de cumprimento das condições de suspensão – solução acolhida no despacho proferido no presente processo; ou, em alternativa, se é de aplicar em todos os casos, portanto também nas situações em que a revogação se deve à prática de crime durante o período de suspensão, sem que tenha havido lugar à definição de qualquer condição específica para a suspensão da execução da pena de prisão e sem que a suspensão tenha sido acompanhada de regime de prova.
Tendo em conta essas dúvidas, a jurisprudência dividiu-se.
Um segmento da jurisprudência entende que a necessidade de audição pessoal do condenado apenas é legalmente imposta quando esteja em causa a revogação da suspensão com fundamento na falta de cumprimento das condições de suspensão. O preceito em referência respeitaria, assim, apenas às situações aludidas na sua epígrafe (“Falta de cumprimento das condições de suspensão”), circunscrevendo-se, portanto, aos casos de suspensão da execução da pena com regime de prova ou acompanhada da imposição de condições cuja observância deva ser apoiada e fiscalizada pelos serviços de reinserção social. Sustenta-se também esta posição no teor do artigo 495.º, n.º 2, do CPP, designadamente quando este alude à presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições de suspensão. Vai nesse sentido, por exemplo, o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 26 de junho de 2013, Proc. n.º 45/09.5PTVRL.P1. Assim, a audição «na presença do técnico», impor-se-ia, apenas, nos casos de suspensão acompanhada de regime de prova.
Na lógica argumentativa que sustenta esta interpretação do preceito, constituindo o sentido útil da audição do condenado o de poder contraditar informação que lhe possa ser desfavorável, uma tal situação só ocorre nos casos em que houve lugar à imposição ao condenado de deveres, regras de conduta ou outras obrigações. Neste sentido, se pronunciaram, entre outos, o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 9 de janeiro de 2017, Proc. n.º 2/12.4PEBRG.G2, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28 de Fevereiro de 2012, Proc. n.º 565/04.8TAOER.L1-5, e os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 4 de novembro de 2015, Proc. n.º 9/05.8GALSA.C1, de 30 de outubro de 2013, Proc. n.º 707/08.4PBAVR.C1, de 2 de abril de 2014, Proc. n.º 883/07.3TACBR.C1, e de 4 de novembro de 2015, Proc. n.º 9/05.8GALSA.C1.
De acordo com esta interpretação, o artigo 495.º, n.º 2, do CPP não se aplica às situações em que a revogação da suspensão se deve à prática de crime durante o período de suspensão, não tendo havido lugar à definição de qualquer condição específica para a suspensão da execução da pena de prisão. De acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 7 de abril de 2016, no Proc. n.º 26/13.7GCTND.C1, não há razão legal «para na situação prevista no art.º 56.º, n.º 1, alínea b), do Código Penal se exigir que o arguido se tenha de explicar, presencialmente, perante o Juiz sobre as razões pelas quais praticou um crime no período de suspensão, como forma de decidir se o quadro em que o condenado voltou a delinquir e o seu impacto negativo na obtenção das finalidades que justificaram a suspensão da pena, podem ou não ainda ser alcançadas». Estando em causa o fundamento de revogação previsto no artigo 56.º, n.º 1, alínea b), do CP, o contraditório é plenamente assegurado através de notificação, para o efeito, do condenado. Não obstante, o tribunal pode determinar a audiência presencial quando considerar que se mostra necessária, mesmo neste caso.
Outra parte da jurisprudência entende existir obrigatoriedade de presença do arguido sempre que esteja em causa a revogação da suspensão da execução da pena de prisão. De acordo com essa posição, a audição pessoal e presencial prevista no citado preceito impõe-se em todas as situações. Deve ocorrer quando o fundamento da revogação respeite à falta de cumprimento das condições da suspensão, prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal, independentemente de tais condições terem sido sujeitas a apoio e fiscalização por determinadas autoridades ou serviços (artigos 51.º, n.º 4, e 52.º, n.º 4, ambos do Código Penal), mormente de reinserção social, com ou sem regime de prova (artigos 53.º e 54.º do Código Penal). E deve igualmente ocorrer quando o fundamento da revogação consista na condenação de crime cometido durante o período da suspensão, em que se revele que as finalidades que estavam na sua base não puderam, por meio dela, ser alcançadas, nos temos previstos na alínea b) do n.º 1 artigo 56.º.
Assim, de acordo com esta posição, a referência, no citado artigo 495.º, n.º 2, à «presença do técnico que apoia e fiscaliza o cumprimento das condições da suspensão», tem em vista regular a participação (necessária) do aludido técnico no ato de audição do condenado e não restringir a realização desta diligência essencial ao direito de defesa do arguido apenas aos casos em que a suspensão da execução da pena tiver sido sujeita a condições apoiadas e fiscalizadas por entidades (acompanhada, ou não, de regime de prova), como referido, por exemplo, no Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 6 de fevereiro de 2019, Proc. n.º 221/14.9SBGRD-A.C1. Em conformidade com o disposto no artigo 61.º, n.º 1, alínea b), do CPP, considera-se indubitável que o arguido tem o direito de ser ouvido pelo tribunal sempre que este deva tomar qualquer decisão que pessoalmente o afete – conforme também o preceituado no artigo 495.º, n.º 2, do CPP, quanto à matéria em apreço (Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 11 de fevereiro de 2019, Proc. n.º 663/09.1JAPRT.G1).
De acordo com esta visão, a audição do condenado tem de ser presencial, até por poder estar em causa decisão que o pode vir afetar nos seus direitos, mormente no seu direito à liberdade. Só assim não sucederá quando, de todo em todo, se não logre a sua comparência em juízo, por exemplo, por o arguido se ter ausentado da residência constante do termo de identidade e residência e não se conseguir apurar o seu paradeiro (Acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 5 de junho de 2018, Proc. n.º 175/99.0GACTX.E1). Na base deste entendimento está a consideração de que esta «solução de impor que o condenado se pronuncie pessoalmente na presença do juiz, e não por meio de alegação escrita do defensor, traduz um especial acautelamento do contraditório, que, relevando do interesse em jogo – a liberdade –, tem, em coerência, de estender-se à notificação da decisão, na medida em que só o conhecimento do seu conteúdo lhe possibilita a defesa» […]» (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 27 de março de 2019, Proc. n.º 811/09.1PAESP-B.P1, in www.dgsi.pt).
O princípio do contraditório, expressamente consagrado no artigo 32.º, n.º 5, da Constituição, integra o «núcleo principioloìgico estruturante do processo penal inserido na Constituição, vinculativo de todo o procedimento de atuação jurisdicional para assegurar a concretização dos direitos fundamentais, [que] assenta num modelo de estrutura acusatória integrado pelo princípio da investigação baseado numa ideia de participação constitutiva dos sujeitos processuais na definição do direito a aplicar ao caso concreto, assumindo particular relevo o “contraditório como valor permanente do processo”» (Cfr. José Manuel Damião da Cunha, O Caso Julgado Parcial, Questão da Culpabilidade e Questão da Sanção num Processo de Estrutura Acusatória, UCP, 2002, pp. 281 a 290).
Como o Tribunal Constitucional sintetizou no Acórdão n.º 372/2000, da 3.ª Secção, ponto 8.1., “o conteúdo essencial do princípio do contraditório consiste «em que nenhuma prova deve ser aceite na audiência, nem nenhuma decisão (mesmo interlocutória) deve ser tomada pelo juiz, sem que previamente tenha sido dada ampla e efetiva possibilidade ao sujeito processual contra o qual é dirigida de a discutir, de a contestar e de a valorar», e de que a extensão processual desse princípio abarca a audiência de julgamento e «os atos instrutórios que a lei determinar».
Por isso, mesmo que os autos forneçam toda a informação relevante para decidir sobre revogação da suspensão da execução da pena de prisão imposta ao condenado, ainda assim não pode ser dispensada a audição do arguido para este efeito. Trata-se de assegurar que o condenado apresente perante o juiz as suas “razões” e contradiga os elementos de prova ou simplesmente os argumentos ou dados de facto trazidos ao processo que afetem a sua posição.
É claro que, como observa Henriques Gaspar (Código de Processo Penal Comentado, Almedina, 2014, p. 212), «O direito do arguido a ser ouvido significa direito a pronunciar-se antes de ser tomada uma decisão que direta e pessoalmente o afete; não tem de consistir sempre numa audição ou audiência pessoal e oral; a possibilidade de se pronunciar por escrito através de intervenção processual do defensor satisfaz, por regra, o direito a ser ouvido para exercer o contraditório.»
Não decorre do artigo 32.º, n.º 1, da Constituição que o exercício do contraditório tenha de contar, necessariamente, com a audição presencial do arguido condenado. O contraditório pode ser exercido através do defensor, a quem deve ser dada a oportunidade de, em momento prévio ao despacho de revogação, se pronunciar quanto à promoção do Ministério Público.
Porém, e como é observado no acórdão do TC n.º 491/2021, que aqui seguimos de perto, tal não significa que seja indiferente que o arguido esteja presente no ato processual em causa, nomeadamente para efeito da concretização do princípio do contraditório, em especial quando esteja em causa a afetação dos seus direitos. A presença do arguido em audiência permite a sua identificação e audição direta pelo juiz, garantindo que este tem a possibilidade de apresentar, se entender, em tribunal, as razões e motivações das suas ações e omissões. É em concretização deste princípio que o Código Processo Penal prevê, no artigo 61.º, n.º 1, alíneas a) e g), que o arguido goza, em especial, em qualquer fase do processo e, salvas as exceções da lei, do direito de estar presente aos atos processuais que diretamente lhe disserem respeito e do direito de intervir no inquérito e na instrução, oferecendo provas e requerendo as diligências que se lhe afigurarem necessárias.
A respeito do direito de defesa em processo penal, e quanto às manifestações concretas da cláusula geral consagrada no referido artigo 32.º, n.º 1 da CRP, escreveu-se o seguinte, no Acórdão do TC n.º 314/2007, da 2.ª Secção, na respetiva fundamentação:
«O direito de defesa do arguido em processo penal, constitucionalmente proclamado, é uma cláusula geral que inclui não só todas as garantias explicitadas nos diversos números do artigo 32.º da C.R.P., mas também todas as demais que decorram da necessidade de efetiva defesa do arguido. Este preceito deve ser interpretado à luz do denominado processo penal equitativo e leal, no qual o Estado, ao fazer valer o seu jus puniendi, deve atuar com respeito pela pessoa do arguido, considerando-o um sujeito processual a quem devem ser asseguradas todas as possibilidades de contrariar a acusação, de ser julgado por um tribunal independente e do processo decorrer com lealdade de procedimentos, considerando-se ilegítimas quaisquer disposições, ou suas interpretações, que impliquem uma diminuição inadmissível das possibilidades de defesa do arguido.»
Como se observa no acórdão do TC n.º 491/2021, decorre da jurisprudência do Tribunal Constitucional a visão de que a garantia de um processo justo e equitativo se aplica plenamente no domínio penal, com especial cuidado com a salvaguarda dos direitos de defesa do arguido, nomeadamente no que diz respeito à possibilidade de este apresentar uma argumentação contrária face à perspetiva de uma decisão que afete os seus direitos fundamentais.
Ora, na análise a empreender nesse contexto sobressai, desde logo, uma razão de similitude entre a decisão de revogação da suspensão da pena de prisão e a sentença penal condenatória a implicar grau de exigência idêntico no estabelecimento do contraditório ao nível do iter decisório e dos objetivos que são prosseguidos.
Desde logo, porque a suspensão da execução da pena de prisão tem a natureza de uma pena de substituição, constituindo uma verdadeira pena autónoma (Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, §494 e §508). Como salienta André Lamas Leite, (As penas de substituição e figuras afins, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 30, n.º 2, maio-agosto 2020, separata, p. 331) «as penas substitutivas surgem logo determinadas na decisão judicial e são de aplicação imediata, apenas sendo revogadas aberto um incidente processual de incumprimento».
Ao determinar a execução da pena efetiva de prisão, o despacho decisório modifica a estrutura exequível da pena, transformando a pena autónoma de suspensão em pena concreta, ou efetiva, de prisão. Esta transformação representa uma modificação in pejus da pena substitutiva, não detentiva, aplicada na sentença. Por conseguinte o despacho decisório que revoga a pena substitutiva de suspensão da execução da pena de prisão, ao aplicar, por sua vez, a pena efetiva de prisão, equivale, em termos práticos e de relevância jurídica, à determinação de uma sentença.
A revogação traduz-se num ato decisório que contende com a liberdade do condenado, já que tem como consequência o cumprimento da pena de prisão substituída, o que justifica que o direito constitucional de contraditório e de audiência subjacente ao respetivo procedimento seja sempre e em qualquer caso assegurado pela forma prevista no artigo 495.º, n.º 2 do CPP, mediante a audição pessoal e presencial do arguido, como é salientado no acórdão do TRC de 6/2/2019 [4].
Deste modo, a revogação da suspensão que se processe sem ter sido dada a oportunidade de o condenado se pronunciar pessoal e presencialmente nos termos do artigo 495.º n.º 2 do CPP, revela-se atentatória das apontadas garantias de defesa constitucionalmente consagradas, pelo que a preterição do direito de audição prévia com as características estabelecidas no citado normativo constitui nulidade insanável cominada no artigo 119.º, alínea c), do CPP.
No presente caso, foi preterido o direito à audição pessoal e presencial previsto no citado artigo 495.º, n.º 2, o que configura a nulidade insanável cominada no artigo 119.º, alínea c), do CPP, que deve ser declarada em qualquer fase do processo.
A nulidade do procedimento determina a nulidade dos atos posteriores, incluindo a do próprio despacho recorrido.
Impõe-se, por conseguinte, declarar a nulidade do despacho datado de 12/9/2022 (ref. n.º 439750593) e, consequentemente, do despacho recorrido e determinar que o arguido, ora recorrente, seja ouvido pessoal e presencialmente sobre as razões que fundamentam a revogação da suspensão, nos termos previstos na alínea b) do artigo 56.º, n.º 1 do Código Penal.
Após será proferida nova decisão sobre a revogação (caso se conclua no sentido de que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas), ou não, da suspensão da execução da pena de prisão que foi imposta ao recorrente.
Em consequência, fica prejudicado o conhecimento das questões suscitadas pelo arguido no presente recurso.
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III - Dispositivo.
Pelo exposto, acordam os juízes da segunda secção criminal do Tribunal da Relação do Porto em declarar a nulidade do despacho proferido em 12/9/2022, que determinou a dispensa de audição presencial prévia do recorrente e de todos os atos subsequentes, designadamente do despacho recorrido, devendo ser proferido novo despacho a designar data para a audição presencial do condenado, seguido de prolação de nova decisão sobre a revogação (caso se conclua no sentido de que as finalidades que estiveram na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas), ou não, da suspensão da execução da pena de prisão que foi imposta ao recorrente.

Sem custas do presente recurso.

Notifique.
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(Elaborado e revisto pela relatora – art.º 94º, nº 2, do CPP)
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Porto, 18 de janeiro de 2022.
Liliana de Páris Dias
Cláudia Rodrigues
João Pedro Pereira Cardoso
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[1] Mantendo-se a ortografia original do texto, sem prejuízo da correção de manifestos erros de escrita, caso existam.
[2] Através da análise dos elementos constantes da certidão expedida para instruir o recurso.
[3] Proferido no processo n.º 224/2020, relatado pela Conselheira Maria de Fátima Mata-Mouros e consultável no sítio http://www.tribunalconstitucional.pt/tc/acordaos/20210491.html.
[4] Relatado pela Desembargadora Helena Bolieiro e disponível para consulta em www.dgsi.pt.