Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
28/02.6TAVFL.P1
Nº Convencional: JTRP00042558
Relator: MARIA DO CARMO SILVA DIAS
Descritores: LENOCÍNIO
VANTAGENS ILÍCITAS
PERDA A FAVOR DO ESTADO
Nº do Documento: RP2009051328/02.6TAVFL.P1
Data do Acordão: 05/13/2009
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE.
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO - LIVRO 579 - FLS 128.
Área Temática: .
Sumário: A liquidação do montante apurado como devendo ser perdido a favor do Estado (art. 8º, n.º 1 da Lei 5/2002) tal como a posterior (se for o caso) condenação a declarar o valor que deve ser perdido (art. 12º, n.º 1 da mesma lei) – que assenta num “juízo de prognose para o passado” – terá de ser feita com recurso a factos concretos e objectivos, descrevendo o respectivo património global do arguido, bem como o valor da parte que é congruente com o seu rendimento lícito, de modo a perceber-se que é a diferença entre um e outro (a diferença entre o valor do património global e o valor do património lícito) que se presume constituir a vantagem da actividade criminosa, ou seja, o tal património incongruente (art. 7º, n.º 1 da mesma lei).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: (proc. n º 28/02.6TAVFL.P1)
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Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
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I- RELATÓRIO
Nos autos de processo comum (Tribunal Colectivo) nº 28/02.6TAVFL a correr termos no Tribunal Judicial de Vila Flôr, foi proferido acórdão, em 16/07/2008 (fls. 1840 a 1882 do 7º volume), constando do dispositivo o seguinte:
“DISPOSITIVO
Nestes termos e nos melhores de direito, o Tribunal Colectivo julga provada e procedente a pronuncia e, em consequência:
1.º
Condena o arguido B………. pela comissão, como autor material e na forma consumada, de um crime de lenocínio, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 170.º, n.º 1, 14.º, n.º 1 e 26.º, todos do cód. penal, na pena de 3 (três) anos de prisão.
2.º
Condena o arguido B………. pela comissão, como autor material e na forma consumada, de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 134.º-A, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro, 14.º, n.º 1 e 26.º, estes do cód. penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
3.º
Condena o arguido B………. pela comissão, como autor material e na forma consumada, de um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 6.º, n.º1, da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho, 14.º, n.º 1 e 26.º, estes do cód. penal, na pena de 9 (nove) meses de prisão.
4.º
Em cúmulo jurídico das penas ora aplicadas, condena o arguido B………. na pena única de 4 (quatro) anos de prisão, cuja execução se suspende pelo período de 4 (quatro) anos.
5.º
Absolve o arguido C………. pela comissão, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de lenocínio, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 170.º, n.º 1, 14.º, n.º 1 e 26.º, todos do cód. penal;
Mas, condena-o pela comissão, como cúmplice e na forma consumada, de um crime de lenocínio, previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 170.º, n.º 1, 14.º, n.º 1 e 27.º, todos do cód. penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
6.º
Condena o arguido C………. pela comissão, como autor material e na forma consumada, de um crime de um crime de auxílio à imigração ilegal previsto e punido pelas disposições conjugadas dos artigos 134.º-A, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, com a redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro, 14.º, n.º 1 e 26.º, estes do cód. penal, na pena de 1 (um) ano e 6 (seis) meses de prisão.
7.º
Condena o arguido C………. pela comissão, como autor material, na forma consumada e em concurso real, de dois crimes de detenção ilegal de arma previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 6.º, n.º1, da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho, 14.º, n.º 1 e 26.º, estes do cód. penal, na pena, para cada um, de 10 (dez) meses de prisão.
8.º
Em cúmulo jurídico das penas ora aplicadas, condena o arguido C………. na pena única de 3 (três) anos de prisão, cuja execução se suspende pelo período de 3 (três) anos.
9.º
Julga-se parcialmente procedente o pedido de perdimento do valor obtido com a actividade delituosa e, nos termos do disposto nos artigos 1.º, n.º 1, al. i), 7.º e 12.º, da Lei n.º 5/02, de 11 de Novembro, declara-se perdido a favor do Estado o quantitativo de € 145.500,00 (cento e quarenta e cinco mil e quinhentos euros), e em consequência condena-se o arguido B………. no seu pagamento ao Estado.
10.º
Declaram-se perdidos a favor do Estado, ao abrigo do disposto no art. 109.º, do cód. penal, todos os objectos, valores e artigos apreendidos à ordem destes autos, designadamente:
- As armas - cfr. os autos de apreensão de fls. 113, 118, 122, 125,116, 544, 591;
- O dinheiro contabilizado em montante equivalente à quantia de € 13.290,74 (treze mil duzentos e noventa euros e setenta e quatro cêntimos) - cfr. os autos de apreensão de fls. 116, 117, 515, 533, 540, 543, 544;
- Os telemóveis - cfr. dos autos de apreensão de fls. 561 e 564;
- O imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º 540, composto de rés-do-chão, 1.º andar e logradouro, construído sobre o prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 1050, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Flor, sob o n.º 282/070296 - cfr. os autos de apreensão e selagem de fls. 585, 912;
- O estabelecimento comercial bar D………., constituído por todos os elementos corpóreos e existências que daquele fazem parte, descritos em auto de arrolamento - cfr. os autos de apreensão e selagem de fls. 585, 746 a 752.
11.º
Condena cada um dos arguidos no pagamento de cinco U.C. de taxa de justiça, a que acresce 1% - art. 13.º D.L. n.º 423/91 - e nas demais custas processuais devidas.
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Remeta, após trânsito, boletim à D.S.I.C..
(…)”
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Não se conformando com essa decisão, recorreu o arguido B………. (fls. 1885 a 1948), formulando as seguintes conclusões:
“1) O recorrente, porque discorda da forma como a prova produzida no presente processo foi avaliada pelo Tribunal a quo, impugna a matéria de facto dada como provada na decisão sob recurso.
2) Discorda, porque o Tribunal a quo deu factos como provados, sem ter existido sustento para tais conclusões.
3) Por outro lado, verifica-se existir erro notório na apreciação da prova, quando são determinadas médias de mulheres, por noite, na casa, bem como nos cálculos do lucro ilícito.
4) A expressão livre apreciação da prova terá de ser a antítese da ideia liminar e intuitiva que se tem quando se fala em íntima convicção. A liberdade de apreciação da prova não pode, por isso, estar mais longe das meras conjecturas e das impressões sensitivas injustificáveis e não objectiváveis. E o único modo de se garantir o respeito intocado por tais baias é a exigência de uma motivação clara, suficiente, objectiva e comunicável.
5) Face ao exposto, não pode manter-se parte da factologia dada como provada. Nomeadamente que,
a) O bar tenha funcionado, desde sempre, com mulheres contratadas para as profissões de prostituição e alterne.
b) O preço pago pela “subida” (relacionamento sexual) fosse, antes de Janeiro de 2005, de 35 € - sendo 25 € para a mulher e 10 € para a casa.
c) No prostíbulo “D……….” sempre tenha havido uma média de dez mulheres a exercer diariamente a actividade de alterne e prostituição.
d) Cada mulher mantinha, por dia e em média, pelo menos, uma relação paga com os clientes.
e) No período de Julho de 2002 a 15 de Julho de 2006, o lucro gerado com a actividade de prostituição tenha gerado para o estabelecimento um lucro de 3.000 € mensais.
f) A arma de fogo (de defesa) encontrada no veículo do arguido fosse dele.
6) Consequentemente, e com base nos fundamentos expostos, deverão ser dados como provados os seguintes factos:
a) Só a partir de Dezembro de 2002, a casa passou a ter a presença de mulheres contratadas para as funções de prostituição e alterne. Para além de rumores públicos nenhuma prova foi produzida capaz de garantir que a casa teve mulheres antes dessa data.
b) Nos relatórios de diligência externas, feitos pela GNR (cfr. fls. 38 e 39 dos autos) nunca foi referido o valor de 35 €, como preço da “ida ao quarto”, mas sim o de 32 €. Esses soldados isso mesmo disseram, aquando do depoimento prestado em audiência de julgamento.
c) A repartição inicial das percentagens entre casa e mulher era de 25 € para a mulher e 7 € para a casa. Só a partir de 2005, a percentagem para a casa aumentou por ter aumentado o valor das “idas aos quartos” (de 32 € passou para 35 €), passando a casa a receber 10 €.
d) Para além dos soldados da GNR que fizeram vigilâncias, a maioria das testemunhas, relativamente aos valores praticados nas “idas aos quartos” só conheciam o valor referente ao ano de 2006. Relativamente aos anteriores, nenhuma delas respondeu.
e) No relatório da GNR de 24 de Janeiro de 2003 (sexta feira) havia na casa seis mulheres; no dia 1 de Fevereiro de 2003 (sábado) havia na casa 8 mulheres – apesar de serem ambos valores obtidos no fim-de-semana, são bem inferiores à média referenciada pelo Tribunal (dez).
f) O frequentador habitual da casa, E………., explicitou que ao fim de semana poderá haver sete, oito ou nove, mas durante a semana não há mais de duas a quatro mulheres na casa.
g) O número a tomar como referencial médio não poderá ser superior a cinco mulheres por dia na casa.
h) Por tal motivo, o lucro ilícito auferido com o funcionamento da casa é bem menor do que o determinado no acórdão. Ele não poderá ultrapassar os 31.550 €; só este valor poderia ser o arguido condenado a pagar.
i) A arma encontrada na viatura aberta do arguido, viatura que estava estacionada na garagem também aberta, viatura raras vezes utilizada pelo arguido e facilmente utilizada por familiares e amigos dele, não lhe pertencia. O arguido não conhecia as características da arma e desde sempre manifestou não ter sido ele que aí a guardou nem a conhecer de parte alguma.
7) O arguido foi indevidamente condenado no crime de detenção ilegal de arma. Atendendo-se às circunstâncias em que a arma foi encontrada e ao paradeiro do arguido, nunca tal conclusão é possível extrair com certeza jurídica que leve à condenação por crime. Foram violados os artigos 6, nº 1, da Lei nº 22/97, de 27 de Junho; 14 nº 1, e 26 do CP; 379 e 410 nº 2 do CPP e, ainda, o artigo 32 nº 2 da CRP.
8) Relativamente à arma encontrada (existência da arma no veículo pertença do arguido) fica a dúvida razoável e notória se foi o arguido que aí a guardou (e para quê) ou se poderia ter sido qualquer outra pessoa a colocá-la naquele sítio, atendendo a que a viatura estava aberta, sem acesso vedado e raramente era utilizada pelo arguido (ele utilizava uma carrinha). Cabe, pois, aplicar o princípio in dubio pro reo e ser o arguido absolvido deste crime. A não ser assim, viola-se o princípio constitucional consagrado no art. 32 nº 2 da CRP.
9) A busca realizada a 10 de Julho de 2005 à garagem, ao edifício que existe na parte posterior ao estabelecimento D………., e à viatura, foi ilegal. Não foi ordenada a busca a esses espaços: anexos, garagem, viaturas ou domicílio de empregados (pelos menos o F………. dormia lá). Porém, a GNR tudo isso fez à revelia, muito para lá do ordenado no mandado judicial.
10) Ao contrário do mandado que ordenou a busca de 16 de Julho de 2006, este mandado de Julho de 2005, não era tão abrangente, nem ordenou as buscas que eram configuradas neste mandado de 2006. Violados foram os artigos 174º e seguintes do CPP; art. 126 do CPP; art. 2 da CRP.
11) Apurados os possíveis proveitos auferidos em virtude de actividade ilícita o arguido é obrigado a repô-los. Conforme melhor se demonstrou na impugnação da matéria de facto, o valor a pagar ao Estado não poderá exceder os 31.550 € (dos 47.550 € computados em bruto, há a retirar 16.000, sendo estes, 50 % dos encargos que a casa suportou com o empregado C.......... (empregado que foi igualmente condenado pela prática de lenocínio). Para além disso, não foram contabilizados os gastos com água, luz, limpezas e “pecks higiénicos”, sempre comprados e fornecidos gratuitamente “pela casa”. Não sendo assim, violado seria o art. 1 e 7 da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro.
12) Como é geralmente aceite pela doutrina e jurisprudência, a perda de instrumentos e produtos do crime regulada no artigo 109 nº 1 do Código Penal, não é uma pena, mesmo acessória, tendo uma finalidade meramente preventiva.
13) A relação instrumental com o facto e a maior ou menor facilitação não releva enquanto não se comportar em riscos específicos e perigosidade do próprio objecto. Por outro lado, o imóvel em causa, apenas por si, nas suas características próprias, não constitui um factor autónomo com especial apelação ou aptidão (“sério risco”) para a prática de novos factos ilícitos.
14) O imóvel foi inicialmente edificado para poder comportar a residencial. Não se destinou nem se destina à prática de prostituição. Em si, o imóvel não é produto do crime nem oferece sério risco de utilização para cometimento de novos crimes. Com efeito, um imóvel e dinheiro não são objectos que se mostrem especialmente vocacionados para a prática de lenocínio, nem existem no caso, elementos que permitam considerar existente um perigo de utilização para a prática de outros crimes.
15) O dinheiro que lhe foi retirado na busca de 16 de Julho de 2006 (3.485 €), e o imóvel onde estava a funcionar o “D……….” não podem ser dados como perdidos a favor do Estado, pois não estão verificados os pressupostos de que depende a aplicação do disposto no art. 109, nº 1 do CP. Por motivo consequente, deve a decisão nesta parte ser revogada e os bens entregues ao seu proprietário.
16) A medida da pena é desadequada. O sucesso da pretendida prevenção geral, não resulta prejudicada por o arguido ser aplicada pena mais baixa – designadamente nos limites mínimos da moldura penal.
17) Mesmo admitindo que o comportamento do arguido é passível de censura penal, sempre se dirá que em matéria de funções de prevenção, o recorrente entende, no seu próprio caso, estarem claramente atenuadas as respeitantes a prevenção especial.
18) Se utilizados fossem os fundamentos justificados das penas aplicadas (e confirmadas) por muitos dos Acórdãos mais recentes do STJ, chegava-se à conclusão certa de que a pena aplicada é desproporcional à medida da satisfação do sentimento jurídico da comunidade e às exigências de prevenção.
19) Não deve a pena por lenocínio ultrapassar os dois anos de prisão e a pena por auxílio à emigração ilegal os 9 meses, ambas perfazendo em cúmulo a pena única de dois anos e meio de prisão (máximo).
20) Disposições violadas: Lei nº 22/97, art. 6 nº 1; Lei nº 5/02, de 11 de Janeiro, art. 1 e 7; C. Processo Penal: art. 125, 126, 174, 374, 379, 410; Código Penal: art. 14, 26, 71 e 71, 109; CRP: 2, 32 e 29.
Termina, pedindo, a revogação da decisão recorrida, com consequente alteração da matéria de facto nos termos por si indicados (expurgados os vícios do art. 410 nº 2 do CPP), absolvição do crime de detenção ilegal de arma, não devendo ser perdidos a favor do Estado o dinheiro (985 € e cheque no valor de 2500 €) e imóvel apreendidos em 16/7/2006 e devendo ser apenas condenado a pagar ao Estado a quantia máxima de 31.550 €.
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Na 1ª instância, o Ministério Público respondeu ao recurso (fls. 1954 a 1997 do 7º volume), pugnando pelo seu não provimento.
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Nesta Relação, o Sr. Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer (fls. 2014 a 2016 do 7º volume), pronunciando-se igualmente pela improcedência do recurso.
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Foi cumprido o disposto no art. 417 nº 2 do CPP.
Colhidos os vistos legais, realizou-se a conferência.
Cumpre, assim, apreciar e decidir.
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No acórdão sob recurso foram considerados provados os seguintes factos:
“O arguido B………. é proprietário do imóvel situado em ………., freguesia de ………., concelho de Vila Flor, inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º 540, composto de rés-do-chão, 1.º andar e logradouro, construído sobre o prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo 1050, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Flor, sob o n.º 282/070296, tudo da mesma freguesia e aí instalou um estabelecimento comercial, licenciado para exploração de bar, das 08:00 horas até às 02:00 horas, de segunda-feira a domingo, pelo mesmo denominado de bar D………., que abriu ao público em 29 de Junho de 2002.
Além do bar, o arguido B………. instalou também no mesmo estabelecimento um prostíbulo que dirigiu por sua conta e para seu proveito, ininterruptamente desde o dia da abertura ao público até ao dia 16 de Julho de 2006.
Na execução do projecto assim iniciado, o arguido B………. contou com a colaboração de outras pessoas, designadamente do arguido C………. e de uma mulher conhecida no meio pelo nome de G………. .
No primeiro andar desse estabelecimento foi pelo arguido B………. equipado um bar, apetrechado com balcão e mobiliário adequado a receber e a acolher clientes, que abria ao público de segunda-feira a domingo, inclusive, das 22:00 horas às 03:00 horas, conforme por ele determinado. Nos espaços contíguos desse primeiro andar e no rés-do-chão, montou um total de doze quartos, que numerou, sete dos quais se situavam no primeiro andar e os demais no rés-do-chão, servidos cada um deles por uma casa de banho.
Os quartos, durante o horário de funcionamento da casa, destinavam-se em exclusivo a acolher a prática das relações sexuais. E fora desse horário albergavam algumas das mulheres que ficavam ali hospedadas.
Todos estes espaços estavam integrados no total da exploração do bar.
Para que no estabelecimento exercessem aquela actividade de prostíbulo, o arguido B………. foi contratando várias mulheres jovens, que iam rodando à medida que iam sendo conhecidas pelos homens que frequentavam o estabelecimento assim destinado.
E, de acordo com o que contratava, estas mulheres trajando vestes de corte curto e justo à sua silhueta, esperavam os homens no bar, abordavam-nos à medida que iam chegando e se acomodavam, posto o que, recorrendo a shows de strip-tease e em conversa entabulada, aliciavam-nos e sugeriam-lhes o consumo de bebidas que a casa tinha para vender, procurando levá-los a que as pedissem e na mesma conversa mais mostravam a sua disponibilidade para com eles terem trato sexual, nomeadamente de cópula completa, a troco de retribuição, sendo que as mulheres também acediam ao relacionamento sexual se a proposta partia do cliente.
Sempre de acordo com o contratado por aquele arguido, quando um qualquer cliente estava interessado em manter relacionamento sexual com qualquer das mulheres, esta solicitava no balcão do bar a chave de um dos quartos que estivesse disponível, que lhe era entregue, por vezes em conjunto com um pack contendo um lençol descartável e um preservativo; para aí se deslocava com o cliente e, durante um período de tempo que não excedia trinta minutos, ali mantinha com o mesmo relações sexuais, a troco de, pelo menos, € 35,00 (trinta e cinco euros) que aquele pagava previamente naquele balcão.
Ainda de acordo com o determinado pelo arguido B………., do preço estipulado e pago por cada relacionamento sexual, às mulheres era entregue após o fecho do estabelecimento, a percentagem correspondente, quantia equivalente a 25,00 euros, ficando o remanescente de € 10,00 (dez euros) para o arguido.
Os quantitativos monetários que lhes eram pagos a troco das relações sexuais bem como a percentagem equivalente a 50% do valor das bebidas que lograssem fazer consumir, constituíam os únicos valores que as mulheres contratadas recebiam.
O arguido B………., pretendendo resguardar-se da exposição que a gerência da casa implicava, contratou C………. para ali trabalhar, pagando-lhe em contrapartida uma retribuição de, pelo menos, € 1.000,00 (mil euros) mensais. O arguido C………. começou a trabalhar na casa no dia 4 de Outubro de 2003, e desde então passou a colaborar diariamente com o arguido B………. na exploração do estabelecimento nos moldes antecedentemente descritos, ininterruptamente até ao dia do seu encerramento.
No âmbito das suas atribuições o arguido C………. admitia a contratação das mulheres que acediam à casa, em consonância com o pré-estabelecido pelo arguido B……….; orientava-as para as demais mulheres já conhecedoras do giro da mesma que as acolhiam; vedava a contratação de algumas mulheres; admitia ou recusava as suas folgas e as justificações das suas faltas; e fazia face a qualquer incidente ao normal funcionamento da casa que surgisse.
Acumulava ainda as funções de preparar e servir ao balcão e às mesas os pedidos de bebidas que fossem ordenados pelas mulheres ou somente pelos clientes.
A determinada altura, não concretamente apurada, o arguido B………. pôde ainda contar com o contributo da G………. que, além do mais, exercia as funções de prestadora do serviço de trato sexual no estabelecimento.
O arguido B………. e H………. subscreveram um escrito denominado de “contrato de cessão de exploração” do estabelecimento “D……….”, no qual figuraram respectivamente com cedente e cessionária, datado de 15 de Fevereiro de 2005 e que aquele juntou ao presente processo no dia 18 de Julho de 2006. Não obstante a declaração escrita, o arguido B………. manteve a exploração do estabelecimento no mesmo molde de até aí.
O prostíbulo funcionou desde sempre com mulheres contratadas para as funções de prostituição e alterne. Estas funções foram exercidas designadamente pelas mulheres de nacionalidade brasileira que se encontravam no interior do estabelecimento nos dias em que foram realizaram as buscas ordenadas ou autorizadas por autoridade judiciária competente, e a seguir identificadas:
a) No dia 10 de Julho de 2005:
1. I……….;
2. H……….;
3. J……….;
4. K……….;
5. L……….;
6. M……….;
7. N……….;
8. O……….;
9. P……….;
10.Q……….;
11. S……….;
12. T……….;
13.U……….;
14.V……….;
15. W……….;
16.X……….;
17. Y……….;
18. Z……….;
19. AB……….;
20. AC………. .

b) no dia 16 de Julho de 2006:
21. AD……….;
22. AE……….;
23. AF……….;
24. AG……….;
25. AH……….;
26. AI……….;
27. AJ……….;
28. T……….;
29. AK……….;
30. AB………..;
31. AL………. .

No dia 16 de Julho de 2006, no período de funcionamento do estabelecimento, AD………., AE………. e AJ………. deslocaram-se, cada uma, para um dos quartos situados no primeiro andar e aí mantiveram trato sexual, previamente pago, respectivamente com os clientes AM……….., AN……….. e AO……….. .
Algumas das cidadãs brasileiras, concretamente as indicadas supra sob os números 3, 4, 5, 9 a 11, 12 a 17, 19, 20, 22 a 24, 28, 29, 31, tinham esgotado já, nas datas indicadas, o prazo durante o qual lhes era concedido que estivessem em território português e sem que lhes fosse concedido qualquer extensão de tal prazo,
Outras ainda, concretamente as cidadãs indicadas sob os números 1, 2, 6, 7, 8, 18, 21, 25, 26, 27, 30, não obstante se encontrarem dentro do prazo de 90 dias permitido pelos acordos entre Portugal e o Brasil para entrar e permanecer no território nacional sem visto, o certo é que lhes estava vedado o exercício de qualquer actividade profissional remunerada ou não, o que não tendo sido por elas respeitado, permaneciam, nas referidas datas, ilegalmente neste país.
No prostíbulo “D……….” sempre houve, em média, dez mulheres a exercer diariamente a actividade de alterne e prostituição, nas referenciadas condições. E cada um dessas mulheres mantinha por dia e em média, pelo menos, uma relação sexual paga com os clientes. Assim, no período de Julho de 2002 a 15 de Julho de 2006, a actividade da prostituição gerou para o estabelecimento D………. um rendimento médio mensal no valor de, pelo menos, € 3.000,00 (três mil euros), computando no total um rendimento de, pelo menos, € 145.500,00 (cento e quarenta e cinco mil e quinhentos euros).
Nos dias 10 de Julho de 2005 e 16 de Julho de 2006 – na sequência de mandados de busca legalmente emitidos e realizados quer no estabelecimento comercial em causa, quer nas residências dos arguidos B………. e C………. – foram encontrados e apreendidos num universo de objectos, valores e documentação, entre os quais se encontram preservativos, caixas contendo cartões de consumo e pack’s, cada um, com unidades de lençóis e toalhetes descartáveis e preservativos, rolos de papel de cozinha, diverso material informático e telemóveis, para além de tudo o mais, designadamente:
● na posse do arguido B………. foram encontradas, nos dias 10 e 16, guardadas na caixa registadora do estabelecimento, respectivamente, as quantias de € 2.338,00 (dois mil trezentos e trinta e oito euros) e de € 470,00 (quatrocentos e setenta euros); já guardado num escritório anexo ao estabelecimento, respectivamente, as quantias de: € 6.710,24 (seis mil setecentos e dez euros e vinte e quatro cêntimos) e de € 287,50 (duzentos e oitenta e sete euros e cinquenta cêntimos); no dia 16, trazia consigo, guardado na sua roupa a quantia de € 985,00 (novecentos e oitenta e cinco euros) e na sua residência um cheque no valor de € 2.500,00 euros emitido a favor do mesmo. Perfazendo tais quantitativos um total de € 13.290,74 (treze mil duzentos e noventa euros e setenta e quatro cêntimos).
● Também se procedeu à apreensão e selagem do imóvel onde está instalado o estabelecimento comercial em causa, e descrito no ponto 1 deste articulado, bem como do recheio deste último constituído por todos os elementos corpóreos que daquele fazem parte, descritos no auto de arrolamento que fazem os autos de fls. 746 a 752.

No dia 10 de Julho de 2005, o arguido C………. trazia consigo, acomodado na roupa que trajava, um revólver de marca ………., …., de calibre ………., made in Brasil, classificada como arma de fogo de defesa, indocumentada, com um número irreconhecível, por se encontrar martelado, carregado com seis munições, bem como ainda 8 munições do mesmo calibre.
Também no dia 16 de Julho de 2006, o arguido C………. tinha em seu poder e guardada debaixo de uma cama da sua residência situada no ………., freguesia de ………., uma arma de calibre 12, de um cano, alma lisa, de marca …, modelo ……., com o n.º de série ….., de fabrico brasileiro, classificada como arma de fogo de caça e indocumentada e ainda 22 cartuchos do mesmo calibre.
O arguido C………., à data, não era detentor de licença de uso e porte quer de arma de fogo quer de arma de fogo de caça.
No dia 10 de Julho de 2005, o arguido B………. tinha em seu poder e acomodada no veículo de matrícula ..-..-TG, de marca BMW, sua pertença, estacionado na garagem do estabelecimento, uma arma de fogo classificada como de defesa, de marca ………., de calibre 7,65, made in France, com um número ….. e indocumentada.
O arguido B………. não era detentor de licença de uso e porte de arma de fogo.
O arguido B………. além da exploração do prostíbulo D………., no período do seu funcionamento, auxiliava pontualmente o seu irmão na construção civil. Já o arguido C………., no período em que ali exerceu funções, não exerceu qualquer outra actividade profissional.
O arguido B………. fez da exploração do prostíbulo, a funcionar nos moldes que se descreveram e durante o período de tempo referido, o seu modo principal de vida, gerindo a actividade em moldes empresariais, como se de vulgar actividade comercial se tratasse, encarando as mulheres que aí comerciavam relações sexuais como prestadoras de um serviço, consistente na cedência do próprio corpo para trato sexual, e os clientes que as procuravam e com elas se relacionavam sexualmente como meros consumidores desse serviço. E pretendeu retirar, tal como efectivamente retirou, da exploração da prostituição, lucros económicos, que se computam em, pelo menos, € 145.500,00 (cento e quarenta e cinco mil e quinhentos euros).
O arguido B………. sabia que ao levar a cabo tal conduta, aproveitando-se economicamente dos relacionamentos sexuais mantidos pelas mulheres, atentava contra a dignidade destas, enquanto pessoas humanas. Outrossim admitiu como possível que aquelas o faziam sem autorização ou visto de qualquer espécie que lhes permitisse trabalhar ou simplesmente permanecer em Portugal. Não obstante, não se coibiu de as admitir a praticar alterne e trato sexual no seu estabelecimento e fê-lo mesmo sabendo que elas o faziam com o fito de auferir proventos económicos com essas actividades e que assim, ao conferir-lhes o citado modo de auferir proventos, possibilitava a sua estadia em território português para além do que lhes era permitido e por tempo indeterminado, sempre e ainda com o fito de também ele explorar lucrativamente essa actividade.
O arguido C………. esteve sempre ciente da actividade de comércio sexual que no estabelecimento foi implementada pelo arguido B………. e sabia estar vedado por lei o exercício de tal actividade e, apesar de tal, não se coibiu de dar a sua colaboração àquele nos termos expostos, sempre sabedor de que a sua actuação facilitaria o desenvolvimento do negócio e era imprescindível para o seu sucesso.
Mais admitiu como possível a situação ilegal das mulheres das mulheres e de que, ao agir da forma descrita, possibilitava a sua permanência por tempo incerto em Portugal.
Não obstante, agiu pretendendo obter vantagem patrimonial, que efectivamente obteve, e que sabia provir, além do mais, das quantias monetárias pagas pelo trato sexual.
Os arguidos B………. e C………., que conheciam ainda as características das armas referidas, sabiam que não podiam ter em seu poder tais objectos nas circunstâncias descritas, por não estarem habilitados e apesar disso, cientes, tiveram consigo e acomodaram-nos, nas circunstâncias descritas.
Sabiam ainda os arguidos B………. e C………. que lhes estava vedada por lei a prática das condutas descritas e que as mesmas eram punidas; mesmo assim, agiram sempre de forma livre, voluntária e conscientemente.
O arguido B………. tem como habilitações literárias a 4.ª classe. Reside em casa própria. Tem três filhos maiores, que já não estão a seu cargo.
Actualmente trabalha na construção civil, auferindo um rendimento mensal de, pelo menos, € 1.000,00 (mil euros).
É considerado um homem bem-educado e respeitador.
Não tem antecedentes criminais.
O arguido C………. tem como habilitações literárias o 6.º ano de escolaridade.
Reside com uma companheira e um filho de três anos, ainda a seu cargo, numa casa cedida pelos pais.
Trabalha na agricultura e aufere mensalmente o quantitativo de, pelo menos, € 400,00 (quatrocentos euros).
É considerado um homem bem-educado e respeitador.
Tem antecedentes criminais.”

Quanto aos factos não provados, consignou-se o seguinte:
“Da prova produzida em audiência não resultaram provados quaisquer outros factos, maxime todos os que estejam em contradição com os supra enunciados e, designadamente, que:
- A arguida H………. colaborou com o arguido B………. na exploração do prostíbulo;
- Os quartos encontravam-se numerados de 1 a 14;
- As mulheres que trabalhavam no estabelecimento trajavam lingerie;
- O arguido C………. delineou um plano com o arguido B………. e começou a prestar a sua colaboração na exploração da casa pelo menos desde inícios do ano de 2004;
- O arguido C………., na ausência do arguido B………., superintendia toda a actividade que girava no estabelecimento durante o horário de funcionamento;
- O arguido C………. tinha a função de acolher no bar os clientes que demandassem o estabelecimento, ordenando as entradas e as saídas destes, indicando-lhes ainda o caminho a tomar para os quartos situados no 1.º andar, vedando também a entrada de outros sempre que assim fosse entendido de acordo com critérios acordados pelos arguidos;
- O arguido C………. actuou sempre com liberdade e autonomia nas decisões que tomava, por nele merecer sempre a absoluta confiança do arguido B………., pois este último sabia que podia sempre valer-se da sua eficaz capacidade de segurança da ‘casa’ e ainda dos conhecimentos que tinha nos meandros das ‘casas’ de exploração da prostituição, mais valias raras, sem as quais jamais levaria a cabo aquela exploração com sucesso, a não ser com um elevado factor de risco, que o mesmo jamais queria assumir;
- A partir do mês de Abril do ano de 2005, o arguido B………. pôde ainda contar, durante um período de cinco meses, no mínimo, com o contributo da arguida H………. que, para além do mais que se adiantará, sempre exerceu as funções de prestadora do serviço de trato sexual no estabelecimento em causa;
- Assim, naquele lapso de tempo, a arguida H………. que também usava o nome fictício de “G……….”, a pedido do arguido B………. foi não só exercendo as funções de preparar e servir ao balcão e às mesas os pedidos de bebidas que lhe fossem demandados, como ainda as de transmitir às mulheres recentemente contratadas as condições estabelecidas pelo proprietário da ‘casa’ e de controlar o movimento destas para a actividade ali desencadeada, no horário de funcionamento, dando ordens para abordar o cliente e contabilizando e escriturando as idas aos quartos para a prática do acto sexual;
- Também esta arguida o fez a troco de retribuição não concretamente apurada, encetado entre ambos, de iludir perante terceiros a gerência por aquele B………. desenvolvida, e com a total confiança daquele arguido, o que tornava o seu contributo imprescindível;
- O arguido B………. e a arguida H………. delinearam um plano em cuja execução celebraram formalmente o contrato de “Cessão de exploração” do estabelecimento “D……….”, no qual esta figuraria como cessionária.
- O arguido B………. agiu pensando que assim faria cessar o procedimento criminal que contra ele já corria nestes autos e de que o mesmo estava ciente, e que, em consequência de tal acordo formal, perante as autoridades policias e judiciárias, no âmbito de quaisquer diligências processuais que a arguida H………. fosse chamada a participar, assumisse a qualidade de exploradora/arrendatária da referida ‘casa’, ao que aquela anuiu sem reserva;
- Cada uma das mulheres mantinha em média por dia quatro relações sexuais pagas;
- Do preço estipulado e pago por cada relacionamento sexual, o arguido B………. recebia uma quantia de € 7,00 (sete euros);
- Só a partir do mês de Janeiro do ano de 2005 este arguido passou a receber € 10,00 (dez euros) do preço pago pelos clientes por cada relacionamento sexual;
- O rendimento médio mensal proveniente da prostituição, no período de Julho de 2002 a Dezembro de 2004, ascendeu a € 8.400,00 (oito mil e quatrocentos euros) mensais; e, no período de Janeiro de 2005 a Julho de 2006, a € 12.000,00 (doze mil euros) mensais; perfazendo, no total, um rendimento médio, naquele 1.º período de 252.000,00 (duzentos e cinquenta e dois mil euros) e no 2.º período de 222.000,00 (duzentos e vinte e dois mil euros), que somados equivale a € 474.000,00 (quatrocentos e setenta e quatro euros);
- O arguido B………. e o C………. estiveram sempre conscientes de que as mulheres permaneciam em Portugal sem autorização ou visto de qualquer espécie que lhes permitisse trabalhar ou simplesmente permanecer no país;
- O arguido B………. retirou da exploração lucros económicos, que se computam em € 474.000,00 (quatrocentos e setenta e quatro mil euros);
- A arguida D………. esteve sempre ciente da actividade de comércio sexual que no estabelecimento foi implementada pelo arguido B………. e sabia estar vedado por lei o exercício de tal actividade e, apesar de tal, não se coibiu de dar a sua colaboração àquele nos termos expostos, sempre sabedora de que a sua actuação facilitaria o desenvolvimento do negócio e era imprescindível para o seu sucesso; mais era conhecedora da situação ilegal das mulheres e de que, assim agindo, possibilitava a permanência das mesmas, no país, por tempo incerto;
- A arguida H………. agiu com a intenção de obter vantagem patrimonial não concretamente apurada, que obtiveram e que sabiam provir, ainda, das quantias monetárias pagas pelo trato sexual.
- A arguida H………. actuou ainda sempre ciente de que as declarações que prestava estavam a ser exaradas por escrito perante a referida autoridade policial com competência para a investigação deste inquérito por delegação da autoridade judiciária titular, qualidade que bem conhecia, bem como ciente de que o documento que subscrevera se destinava unicamente a ser junto ao mesmo inquérito para tentar sustentar a defesa do arguido B………. .
- Ao assumir nos termos descritos, a posição de exploradora/arrendatária do estabelecimento comercial em causa, realidade contrária à verdadeira, aliás conhecida por ela, actuou com consciência e propósito, porém não concretizado, de iludir a actividade preventiva e probatória por aquelas entidades desenvolvida e, dessa feita, eximir o arguido B………. à responsabilidade penal que lhe adviesse da sua conduta descrita neste despacho de acusação, que igualmente sabia ser proibida pela lei penal portuguesa e que à mesma correspondia a aplicação de pena;
- Sabia a arguida H………. que lhe estava vedada por lei a prática das condutas descritas e que as mesmas eram punidas, agindo sempre de forma livre, voluntária e conscientemente;
- Todos os arguidos agiam em conjugação de esforços e de vontades e em proveito deles.”

Da respectiva fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, consta o seguinte:
“O Tribunal fundou a sua convicção no conjunto da prova produzida em audiência de discussão e julgamento que valorou de forma crítica, fazendo apelo às regras da experiência comum e à normalidade do acontecer.
O arguido C………. optando por não prestar declarações, deixou por esclarecer na primeira pessoa as circunstâncias e a forma como colaborava no âmbito da actividade desenvolvida no prostíbulo D………. .
Já o arguido B………. admitiu esclarecer o tribunal sobre o funcionamento do (na sua versão) bar, que abriu ao público no dia 29 de Junho de 2002. E fê-lo longa e pormenorizadamente com o escopo primordial de infirmar a autoria da exploração da prostituição que o libelo acusatório lhe imputava. Não ousando negar que no estabelecimento que criou e denominou de D………. se praticava a prostituição – quiçá por não desconhecer que o acervo probatório carreado para os autos é de tal maneira persuasivo, que qualquer tentativa nesse sentido seria um malogro – remete a responsabilidade da sua exploração para outras pessoas.
Quanto à arma que foi apreendida no seu veículo automóvel, nega ser-lhe pertencente, alegando desconhecer que ali se encontrava e imputando a sua propriedade a uma das muitas pessoas a quem emprestava o BMW, cuja identidade não estabelece concretamente, tornando inexequível a comprovação concreta da sua defesa.
Consubstanciando a sua linha argumentativa, começa por dizer que o edifício onde veio a instalar o bar D………. foi construído como o desiderato de albergar uma residencial. A verdade porém é que nunca chegou a funcionar ali qualquer estabelecimento dessa natureza e não se vislumbra que algum dia esse tenha sido o propósito do arguido, não obstante o mesmo dizer que o projecto se encontrar na forja, trazendo a corroborar essa asserção o projecto de arquitectura, que juntou em audiência de julgamento. Que bem visto, traduz uma ampliação da estrutura actual, onde os mecanismos de entrada dissimulada de clientes nas zonas dos quartos se mantém, circunstância apenas entendível no contexto do negócio que sempre lá foi desenvolvido.
A percepção física do edifício – em decorrência da inspecção ao local realizada em sede de audiência de julgamento – aliada ao projecto de arquitectura que se encontra a fls. 30 do apenso de documentação, fornece a antítese cabal da intencionalidade do arguido. Não deixa de se reconhecer as boas condições habitacionais dos quartos – maxime quando comparados com outros existentes em alguns prostíbulos da região – e o quanto isso abona em favor do arguido, ao deixar descortinar a pretensão de uma maior dignidade no exercício da prostituição, contudo entra pelos olhos dentro que desde o momento primeiro aquele espaço foi minunciosamente pensado para albergar um bar antecâmara do negócio da prostituição, senão como entender um projecto de residencial sem espaço de recepção e sem cozinha apta (industrial) à confecção de refeições (mesmo só pequenos almoços) para um número considerável de utentes (atendido o número de quartos).
Esta não foi, estamos certos disso, a ideia que esteve na génese da construção do edifício. E os acontecimentos dos anos subsequentes trouxeram à evidência a intencionalidade do arguido B………., que era: criar um espaço onde pudesse, além do mais, explorar com proveito económico a prostituição de mulheres. E foi isso que fez desde que abriu ao público no dia 29 de Junho de 2002 e que pretenderia fazer enquanto não lhe fosse vedada a possibilidade, não logrando convencer a vontade de, agora sim, estabelecer a residencial, como pretendeu fazer crer ao tribunal com a junção do dossier de obra supra aludido.
Mas a versão do arguido é dissidente desta inferência.
Segundo ele, do projecto primeiro (de residencial) o negócio emergiu como um bar, onde no início apenas servia bebidas aos clientes (homens) que o frequentavam. Também é ele que diz que, nos seis meses subsequentes à sua abertura, não trabalharam no mesmo quaisquer mulheres. Só a partir do Natal desse ano passou a ser coadjuvado por duas ou três mulheres que, ali exercendo o alterne, promoviam o consumo de bebidas junto dos clientes e incrementavam os lucros.
Prossegue com esta actividade até meados do ano de 2003, data a partir da qual, e até ao encerramento, se desvincula da exploração do estabelecimento D………., cedendo-a a terceiros.
A primeira cessionária terá sido uma “tal de AP……….” (palavras do arguido) de nacionalidade brasileira que, em contrapartida lhe pagava € 1.000,00 mensais (valor este que nunca lhe chegou a entregar integralmente). Também esta tinha mulheres a trabalhar no bar: fazendo alterne e, já possivelmente, prostituição.
Em Agosto ou Setembro de 2004 apareceu a G………. (ou H……….) e foi esta quem passou a explorar o bar até ao dia do seu encerramento, nas mesmas circunstâncias da AP………., pagando-lhe em contrapartida o quantitativo de € 1.000,00.
Importa atentar que o arguido ampliou o número de quartos da casa – construindo mais cinco quartos – depois da saída da AP………. (como o próprio reconheceu). Ora, esta decisão que, a nosso ver, não se justifica no período de prejuízo que a exploração do bar atravessava – palavras dele -, só é entendível num contexto económico discordante do aludido e em consonância com a lógica de mercado: se o negócio é próspero e tem potencial para mais rentabilidade, impõe-se que seja incrementado.
Como facilmente se apreende, quis o arguido B………. fazer acreditar o tribunal que a sua conexão ao bar D………. se resumia ao facto de ser o proprietário do imóvel onde o mesmo funcionou. E na perspectiva de aduzir credibilidade à sua explicação, afirmou que a sua principal actividade profissional era a construção civil – quer como empreiteiro quer como empregado do seu irmão AQ………. (note-se que, no seu depoimento, este irmão assume não constar o arguido das suas folhas de empregados e não realizar qualquer desconto para a segurança social).
Por fim, no que concerne ao arguido C………., o B………. reconheceu-o como um mero empregado do balcão, cuja contratação foi realizada pela G………../H………. .
Toda esta tese defensional surge contraditada pelos demais meios probatórios produzidos em sede de audiência de discussão e julgamento.
Começando pelo fim, isto é, pela actividade do arguido C………. no D……….., resulta evidente que a sua contratação esteve a cargo do arguido B………. e não de qualquer outra pessoa. Isso mesmo o dizem o escrito constante de fls. 37 do apenso de documentos – “C………. começou a trabalhar dia 4 de Outubro de 2003 (…)” – e o próprio B………. no interrogatório judicial a que foi sujeito no dia 18 de Julho de 2006 (cfr. auto de fls. 655 – cuja leitura foi ordenada em sede de audiência de julgamento).
E se é incontroverso que o arguido C………. foi contratado para ser empregado de balcão e exerceu essa função durante os anos que se manteve ao serviço do bar – como expõe assertivamente os depoimentos da maioria das testemunhas inquiridas, maxime as mulheres que consigo trabalharam no D………. e que foram ouvidas para memória futura: AD………., AJ………., AE………., AF………. e T………. -; também não é menos verdade que este mesmo arguido avocou a si outras responsabilidades, que o elevaram à categoria de homem de confiança do B………., com quem colaborou na gestão da actividade do prostíbulo, especialmente na contratação de mulheres, respectiva acomodação e controle do seu trabalho. E outrossim na gestão de alguns problemas, como sejam a falta de cartões e desentendimentos entre as mulheres e o B………. .
Isso mesmo resulta à saciedade do teor das intercepções telefónicas transcritas no apenso I dos autos, com especial relevância das sessões números 16, 21, 35, 39, 42, 43, 55, 66, 67, 68, 80, 83, 86, 128, 136, 137, 138, 172ª, 189ª, 195, 217, 146, 233ª, 256ª, 276, 280, 281, 283, 295, 345, 347, 350, 364, 381, 469, 475, 616, 641, 702, 706, 755, 814, 824, 828, 568, 867, 869, 871, 874, 875, 888, 889, 896, 905, 978, 1015 e 1026.
Acresce que também se evidencia que a gestão do C………., mormente a liberdade que transparece ser-lhe imanente, foi sempre exercida sob a égide do arguido B………. e com o escopo de defesa dos interesses deste. Veja-se, neste conspecto, que no dia 5 de Março de 2006 (sessão n.º 23 do apenso I dos autos) o arguido C……….o reporta ao B………. a presença de uma AS………., respondendo-lhe este que “Tá, eu vou aí e e e se quiser trabalhar aí, pode trabalhar”. Outras conversações demonstram a ligação entre os dois arguidos, com ascendência do B………., na gestão quotidiana do prostíbulo – cfr. as sessões números 122, 143ª, 257ª (apenso I).
O conteúdo das intercepções telefónicas deixam também antever alguns dos contornos da acção do arguido B………., especialmente o quanto lhe era familiar a actividade diária do D………., a contratação de mulheres e definição das condições em que a prostituição era exercida – vide as sessões números 4, 557, 781 e 1003 do apenso III.
Corroborando a indicação de que o arguido B………. encabeçava a direcção do prostíbulo depuseram as mulheres que lá se prostituíram – ouvidas, como supra se aludiu, para memória futura – e que foram unânimes a reconhecê-lo como dono. Os seus depoimentos assumiram ainda particular relevância na caracterização de outros aspectos do funcionamento do estabelecimento, especialmente:
- Na definição da actividade da G………. (que o arguido identifica com a H……….). Que, na sua maioria, resulta da sua omissão; ou seja, não lhe fazendo a mínima referência, dando mostras da inexistência real da gestão que o arguido B………. invoca ter cedido desde 2004. A testemunha AF………. – que trabalhava no bar como caixa desde Abril de 2005 - constituiu a excepção, reconhecendo a G………. como a “menina que já trabalhava há muito tempo” e cujas “funções eram as mesmas que as das outras meninas”;
- Na determinação do preço cobrado aos clientes pelas relações sexuais (fixado em € 35,00), na repartição do mesmo em € 25,00 para a mulher e € 10,00 – valores que, face à homogeneidade da actividade, é razoável presumir inalterados e, sendo assim, se assumiram para todo o hiato do funcionamento da casa considerado neste processo;
- Na fixação da média da frequência diária das relações sexuais praticadas pelas mulheres abaixo da estabelecida no libelo acusatório, atento o esclarecimento de que havia algumas “noites em que não tinha subida” e outras em que subiam uma ou duas vezes.
Os depoimentos dos militares da G.N.R. AT………., AU………., AV………., AW………., AX………., AY………., AZ………., BA………., BB………., BC………., BD………., BE………., BF………., BG……., BH………., BI………., BJ………. elucidaram com fundamental importância como foram realizadas as diligências investigatórias – como sejam vigilâncias ao funcionamento da casa, buscas e apreensões – que levaram a cabo nos presentes autos.
Por seu intermédio alcançou-se igualmente o entendimento do conteúdo dos fotogramas constantes de fls. 163 a 171, 704 a 732 e 801 a 821 dos autos.
Na sua globalidade, mesmo com as lacunas inerentes à passagem do tempo, conseguiram descrever com pormenor o funcionamento da casa, deferindo a sua gestão ao arguido B………. – qualificando o arguido C………. de barman - e, remontando o início da actividade de prostituição ao momento da sua abertura ao público – aqui corroborados pelo depoimento da testemunha E……….[1], que afirmou ser frequentador assíduo do bar e que desde o início sempre lá houve mulheres -, logrando infirmar a versão do arguido B………. . Também se mostraram coerentes na descrição das circunstâncias em que as armas foram apreendidas, apontando a sua detenção aos arguidos.
A testemunha BK………. - Inspector do S.E.F. – explicou as circunstâncias em que a fiscalização da permanência das mulheres de nacionalidade brasileira foi realizada, assegurando que nenhuma das que foram encontradas a trabalhar no bar podia exercer qualquer profissão em Portugal. Deixando ainda claro que já não era a primeira vez que este género de fiscalização era levada a efeito no bar, sem contudo conseguir concretizar em termos temporais a sua ocorrência.
Os depoimentos de AN……….x, AM………. e AP………. – clientes do prostíbulo – comprovam a prática de relações sexuais pagas, de que beneficiaram. Confirmando que preço ascendia a € 35,00, sendo este valor pré-pago num balcão do bar. Outrossim descreveram o ambiente do bar e o comportamento sedutor das mulheres, em consonância com o avançado pelos agentes investigadores. Na mesma linha probatória surgiram os depoimentos de BL………., BM………. e BN………. que, por frequentarem também a casa, mostraram conhecer a sua dinâmica. De sublinhar que estes dois últimos clientes fixaram o preço do trato sexual entre os € 30,00 e € 40,00; o que no permite concluir pela variabilidade do valor efectivamente cobrado (em face do qual, o quantitativo de € 35,00 estabelecido, não se nos afigura uma média incongruente).
Estas pessoas, pela forma simples, clara, coerente e dotada de convicção com que depuseram, mostraram que os seus depoimentos eram credíveis, por serem espelho do que efectivamente tinham presenciado (e, como tal, foram atendidos e valorados).
A testemunha BO………. – empregado de mesa do D………. desde Janeiro de 2006 até Junho do mesmo ano – esclareceu ter sido contratado pelo arguido B………., que lhe pagava um ordenado de € 750,00 (depois aumentado para € 1.000,00). Descreveu também o modo de funcionamento da casa e a actividade (prostituição) que ali se desenvolvia; e fê-lo em harmonia com o sentido fixado pelas restantes testemunhas. Excepto quando se refere à G………. - que diz ser íntima do arguido B……….) – sobre quem reverte o poder de decisão quanto as mulheres (em frontal dissensão com o referido pelas próprias). Já quanto ao arguido C………., assevera não passar de um empregado do bar, cujo salário no valor de € 1.000,00 era pago pelo B………. .
A propósito da contratação desta testemunha, que o arguido B………. repudiou, foi ouvido BP………. – chefe da equipa de segurança da casa – que declarou ter pedido ao arguido B………. para arranjar emprego ao BQ………. e que este lhe disse para falar com a G……….. . Não logrando explicar porque, conhecendo a G………., não dirigiu a ela directamente o pedido, autoriza-nos a concluir que o endereçou a quem consabida ou publicamente tinha o poder decisório na matéria de contratação de empregados para o bar.
No que concerne à caracterização da personalidade e condição sócio-económica de cada um dos arguido foram tidas em consideração as declarações emitidas pelos próprios, que na sua globalidade foram corroboradas e complementadas pelos depoimentos das testemunhas AQ………. e BS………. – irmãos do B………. – BT………., BU………. e E………. – vizinhos e amigos do B………. – BV………. – irmão do C………. – BW………., BX………. e BY………. - amigos do C………. .
Sublinha-se que não nos mereceram total credibilidade as declarações dos irmãos do arguido B………. quando atinentes à sua actividade laboral, porque, afirmando (na mesma linha do arguido) ser a construção civil a sua única actividade, não lograram identificar (também à semelhança do próprio arguido) obras da sua autoria e construídas entre os anos de 2002 e 2006.
Considerou-se o teor dos documentos constantes de: fls. 18, 48 a 50, (informação da Câmara Municipal de ………. sobre o horário de funcionamento requerido pelo arguido B………. para o estabelecimento D……….), fls. 870 a 878 (informação da Câmara Municipal de ………. sobre a titularidade do contrato de fornecimento de água; titular do alvará de funcionamento do estabelecimento).
Foi ponderado, também, o conteúdo:
- dos autos de busca de fls. 113, 122, 514, 519, 526, 531, 539 e 589;
- dos autos de apreensão de fls. 116, 118, 125, 126, 152 a 154,v515, 528, 533, 542, 543 a 545, 561, 564, 567, 585 e 591;
- do auto de arrolamento de fls. 746 a 752;
- do aditamento ao auto de apreensão do imóvel de fls. 912;
- dos autos de exame directo de fls. 130, 753 a 755;
- da certidão do auto de detenção do proc. n.º 184/06.4TBVFL, junto a fls. 632;
- das listagens de tráfego de fls. 289 a 312, 435 a 444, II.º vol.;
- cópia de contrato de cedência de exploração junto a fls. 656;
- informações da D.G.I. de fls. 857 a 874.
Ressalta com particular relevo do acervo apreendido a existência de objectos associados à prática da prostituição, tal como a elevada quantidade de preservativos, pack’s higiénicos e rolos de papel de cozinha nas casas de banho dos quartos.
No apenso de documentação mostram-se compilados documentos elucidativos do exercício da actividade do D………. e particularmente da responsabilidade efectiva do arguido B………. na sua gestão. Sublinha-se a especial relevância:
- dos cartões de consumo e escritos de contabilidade apreendidos no balcão onde eram feitos os pagamentos das bebidas e das relações sexuais e no escritório do arguido B………., com a inscrição do nome de cada uma das mulheres e quantitativos atinentes à respectiva laboração – fls. 1 a 8, 10 a 13, 25, 32, 34, 35, 40;
- do talão de “fecho do dia total” referente ao dia 8 de Julho de 2005, com menção de B………. como titular do comércio – fls. 8;
- das facturas/recibo relativas ao consumo da água, referentes aos meses de Novembro e Dezembro de 2005 – fls. 15 -, da luz – fls. 17 – e do telefone – fls. 31 - emitidas em nome do B……….;
- da autorização concedida em nome do mesmo arguido pela Sociedade Portuguesa de Autores para o ano de 2006;
- da factura e do recibo relativos ao fornecimento e montagem de máquina de produção de cubos de gelo emitidos em Junho de 2006, em nome do arguido B………. – fls. 22;
- da factura demonstrativa da compra, em 7 de Julho de 2007[2], em nome do arguido B………. de vinte e cinco lençóis – fls. 26.
O cômputo destes elementos retira qualquer credibilidade aos documentos apresentados pelo arguido B………., demonstrativos da actividade comercial (com reflexo fiscal) da arguida H………., quando interpretados em mais que não seja no campo estritamente formal. Subentende-se que esta mulher apenas dava a cara para permitir maior descrição ao arguido, quem na verdade e materialmente (note-se que toda a documentação tem o endereço ou da residência pessoal do B………. ou do bar) é quem tinha a cargo a exploração do D………. .
Cumpre-nos, ainda neste contexto, afirmar a regularidade e legalidade das apreensões realizadas no escritório do arguido B………., por se entender esse espaço – onde comprovadamente se controlava em termos contabilísticos a actividade do prostíbulo (note-se o que a propósito referiu a testemunha AF……….) – se integra, se não mesmo no estabelecimento, pelo menos na área circundante contemplada nos mandados de busca e apreensão constantes de fls. 115 e emitidos em cumprimento do despacho judicial de fls. 100 dos autos.
Os antecedentes criminais foram comprovados pelo confronto dos C.R.C. dos arguidos juntos aos autos.
*
Neste contexto importa, ainda, acentuar que, em face da prova produzida em audiência de julgamento, o tribunal não ficou indubitavelmente convencido da autenticidade dos factos enunciados sob o ponto B) desta secção pelo que, em consonância com o princípio in dubio pro reo (em obediência do qual um non liquet na questão de prova tem de ser sempre valorado a favor do arguido) se impôs a sua qualificação como não provados.”

Da fundamentação de direito, consta o seguinte:
“(I) O crime de lenocínio
Os arguidos B………. e C………. vêm acusados de haver cometido em co-autoria material, um crime de lenocínio.
(…)
Revertento para o caso sub judicio e analisando o quadro factual assente, vemos que no mesmo se revela que:
- O arguido B………. é o dono do estabelecimento D………. que explorou com intenção lucrativa desde a data da sua abertura em Junho de 2002 até ao seu encerramento em Julho de 2006;
- Neste bar, sob as suas ordens directas ou indirectas (mandando ou orientando por meio de outras pessoas), mulheres que ali trabalhavam, aliciavam os clientes para a prática de relações sexuais, para o que os mesmos pagavam um quantitativo de € 35,00 e que tinham lugar nos quartos contíguos e inferiores ao espaço do bar;
- algumas mulheres também faziam strip-tease;
- O arguido B………., por intermédio de pessoa sua subordinada, controlava as “subidas” de cada uma das mulheres e cobrava dinheiro aos clientes para elas e para si;
Daqui se conclui que o arguido B………. com a sua conduta, não apenas encorajou, como promoveu e favoreceu a prática da prostituição no bar “D……….”. E, fazendo disso o seu modo principal de vida, exerceu essa actividade de forma profissional.
Assim sendo se comprova o preenchimento da facttispecie objectiva do lenocínio.
Semelhante inferência se valida aqui no que concerne ao nexo de imputação subjectivo, pois é, para nós, axiomático que a conduta do arguido foi presidida por dolo directo, na medida em que agiu com a intenção de criar condições para o exercício da actividade de prostituição ou da prática de actos sexuais de relevo, para dessa forma obter proventos económicos, como efectivamente veio a conseguir; tendo-se conformado com o (inerente) desvalor da acção e do resultado.
Relativamente ao arguido C………. comprova-se que:
- foi contratado pelo arguido B………. e começou a trabalhar no prostíbulo em 4 de Outubro de 2003, recebendo uma remuneração de, pelo menos, € 1.000,00;
- além de exercer as funções de empregado de bar, decidia quanto à contratação das mulheres para a prática da prostituição, admitindo-as e recebendo-as para trabalharem no bar, em consonância com as condições previamente estabelecidas pelo arguido B……….;
- e passou também a gerir de facto a actividade das mulheres: coordenava as suas folgas, recebia as justificações pelas suas faltas (aceitando-as ou rejeitando-as) e providenciava pela sua deslocação e alojamento nas instalações do D………. .
De todo o excurso afigura-se-nos que a acção do arguido C………. se encontra subordinada ao poder do arguido B………., para quem era um homem de confiança, essencial para a gestão de facto de alguns dos aspectos do funcionamento da casa. E dizemos alguns, porque se sabe que, por exemplo, o C………. nunca teve acesso ou o poder de controlar o dinheiro que gerava a prostituição e o alterne (domínio assumido em exclusividade pelo B……….).
Em consonância, concluímos que os contornos da acção deste arguido configuram a sua participação no crime na qualidade de cúmplice, nos termos do estabelecido no art. 27.º, n.º 1, do cód. penal. Pois que ele, conhecendo a ilicitude da prática do lenocínio, quis auxiliar o arguido B……….. a concretizar e desenvolver essa actividade no aludido bar. Isto deixa também patente que a sua acção foi presidida por dolo directo.
Mostram-se preenchidos os elementos típicos objectivos e subjectivos do crime de lenocínio, inexistindo qualquer causa que exclua a ilicitude ou a culpa da conduta de cada um dos arguidos.
Imporá ainda neste âmbito sublinhar que, não obstante a vicissitude legislativa operada pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, em cuja decorrência o ilícito sub judicio passou a ser estatuído no artigo. 169.º, n.º 1, do cód. penal, permaneceram inalterados quer os seus elementos típico-constitutivos quer a sua moldura penal. Destarte, não haverá lugar ao cumprimento da imposição estabelecida no artigo. 2.º, n.º 4, do cód. penal, que impõe a determinação do regime sancionatório concretamente mais favorável ao arguido.
(II) O crime de auxílio à imigração ilegal
Os arguidos B………. e C………. encontram-se também acusados da prática de um crime de auxílio à imigração ilegal, previsto e punido pelo art. 134.º-A, números 1 e 2, do Dec. Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto, com a redacção introduzida pelo Dec. Lei n.º 34/2003, de 25 de Fevereiro (cujo início de vigência se deu em 10 de Março de 2003).
(…)
Do elenco dos factos provados resulta que, aquando das buscas efectuadas no estabelecimento, algumas das mulheres que exerciam a prostituição, faziam strip-tease e faziam alterne no bar “D………..” eram de nacionalidade Brasileira e algumas encontravam-se há mais de 90 dias em Portugal sem visto e outras, não obstante de não estarem há tanto tempo, exerciam actividade remunerada (alterne), sem estarem devidamente autorizadas. Estas residiam por algum tempo nos quartos adjacentes ao espaço do bar, onde aliciavam os clientes a pagarem-lhes bebidas (de cujo preço recebiam uma percentagem) e a manterem relações sexuais a troco de dinheiro.
Quer o arguido B………. quer o arguido C………. providenciaram pelo alojamento dessas mulheres no estabelecimento.
Nos dias 10 de Julho de 2005 e no dia 16 de Julho de 2006 aquando das buscas efectuadas pela autoridade policial ao D………. encontravam-se ali a trabalhar, nas circunstâncias descritas, as seguintes cidadãs brasileiras:
(…)
Algumas destas mulheres, concretamente as indicadas supra sob os números 3, 4, 5, 9 a 11, 12 a 17, 19, 20, 22 a 24, 28, 29, 31, tinham esgotado já, nas datas indicadas, o prazo durante o qual lhes era concedido que estivessem em território português e sem que lhes fosse concedido qualquer extensão de tal prazo. Outras ainda, concretamente as indicadas sob os números 1, 2, 6, 7, 8, 18, 21, 25, 26, 27, 30, não obstante se encontrarem dentro do prazo de 90 dias permitido pelos acordos entre Portugal e o Brasil para entrar e permanecer no território nacional sem visto, o certo é que lhes estava vedado o exercício de qualquer actividade profissional remunerada ou não, o que não tendo sido por elas respeitado, permaneciam, nas referidas datas, ilegalmente neste país.
Face a isto, dúvidas não temos que os arguidos B………. e C………. receberam estas mulheres no bar D………., garantiam o seu alojamento e proporcionavam-lhes condições para o exercício da prostituição e alterne. Assim agindo movidos pelo intuito lucrativo, porquanto obtinham proventos gerados por essas actividades: o B………. beneficiando directamente de parte do preço cobrado e o C………. recebendo a remuneração de € 1.000,00 que aquele lhe pagava.
As acções delineadas supra bastam ao preenchimento dos elementos objectivos constituintes do tipo legal de crime de auxilio à emigração ilegal.
Afirmando-se também que os arguidos admitiram a possibilidade destas mulheres não terem nacionalidade Portuguesa, nem autorização de residência, de permanência ou visto de trabalho - art. 136.º, conjugado com os artigos 9.º, 10.º, 12.º e 13.º, e n.º 1 e 2, do art. 25.º, do Dec. Lei n.º 244/98, de 8 de Agosto), dúvidas não restam sobre o preenchimento do tipo-de-ilícito subjectivo - cuja natureza é também dolosa – ao nível do dolo eventual.
Inexistindo qualquer causa que exclua a ilicitude ou a culpa, conclui-se que os arguidos, ao agirem livres, conscientes e voluntariamente, se constituiram autores do crime de auxílio à imigração ilegal.
Também no âmbito deste ilícito ocorreu uma vicissitude legislativa operada pela Lei n.º 23/2007, de 4 de Julho, passando o mesmo a ser estatuído no art. 183.º, n.º 2, desse diploma legal; contudo permaneceram inalterados quer os seus elementos típico-constitutivos quer a sua moldura penal. Destarte, não haverá lugar ao cumprimento da imposição estabelecida no artigo. 2.º, n.º 4, do cód. penal, que impõe a determinação do regime sancionatório concretamente mais favorável ao arguido.
(III) O crime de detenção ilegal de arma
Os arguidos vêm, ainda, imputada a comissão de crimes de detenção ilegal de arma, normativamente tipificados no artigo. 6.º, n.º 1, da Lei n.º 22/97, de 27 de Junho.
(…)
Em decorrência do quadro fáctico apurado infere-se que o comportamento de cada um dos arguidos se subsume integralmente neste tipo-de-ilícito. Senão vejamos.
O arguido B………. tinha na sua posse (guardada num compartimento do seu carro) a arma de fogo de marca ………., de calibre 7,65, made in France, com um número ….. e indocumentada. E não era detentor de licença de uso e porte de arma de fogo.
Por sua vez, o arguido C………., no dia 10 de Julho de 2005, detinha na sua posse pessoal (cuja detecção foi realizada na sequência de uma revista) um revólver de marca ……….., de calibre 32 S.8.long, made in Brasil, com o número rasurado, por se encontrar martelado, de cor preta, com a coronha em madeira de cor castanha, com o comprimento de cano de 5,5 cm, carregado com seis munições.
Outrossim no dia 16 de Julho de 2006 foi encontrada ao mesmo arguido, acomodada debaixo de uma das camas da sua residência, uma arma de calibre 12, de um cano, alma lisa, com marca ……, modelo ……, com o número de série ….. de fabrico brasileiro, e ainda 22 cartuchos do mesmo calibre.
O arguido não é titular das licenças de uso e porte do revólver e da arma sub judicio, que também não se encontravam registadas em seu nome.
Face ao predito, classificando-se as duas primeiras armas como de armas de defesa e a derradeira como arma de fogo de caça e não possuindo os arguidos as respectivas licenças de uso e porte, inexistem quaisquer dúvidas sobre a consubstanciação objectiva dos três ilícitos que lhes são imputados no libelo acusatório.
No que concerne ao elemento subjectivo pressuposto neste crime, de carácter doloso, é exequível a asserção da sua existência porquanto todo o circunstancialismo comprovado inculca que ambos os arguidos actuaram com dolo directo (art. 14.º, n.º 1, do cód. penal), pois não obstante conhecerem as características das armas em questão e saberem que não as podiam deter (ou sequer trazer consigo) naquelas condições, não se abstiveram, querendo ao invés concretizar, da sua detenção.
Em conformidade, nada mais nos resta que afirmar a ilicitude do comportamento dos arguidos e, em consonância, concluir que os mesmos cometeram cada um dos crimes em questão.
Hodiernamente os três crimes imputados aos arguidos encontram-se contemplados pelo art. 86.º, n.º 1, al. c) – por referência ao estatuído no art. 2.º, n.º 1, alíneas c) e am) -, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro. Ao nível da estatuição do tipo-de-ilícito, verifica-se uma continuidade normativa, que prevê a manutenção da criminalização das condutas nos termos preditos. A alteração revela-se ao nível da dosimetria penal, estabelecendo a lei actualmente em vigor uma moldura penal divergente da fixada na Lei n.º 22/97, de 27 de Junho.
Infra se apurará qual o regime concretamente mais favorável aos arguidos e, por conseguinte, o neste âmbito aplicável ao abrigo do comando estabelecido no art. 2.º, n.º 4, do cód. penal.”

Na fundamentação da medida da pena escreveu-se:
“(…)
In casu, cumpre considerar logo em primeiro lugar as exigências de prevenção geral, que nesta região se revelam algo acentuadas, dado o elevado número de bares da mesma etiologia do D………. que se encontram em funcionamento na região. Também se sublinha a frequência alarmante com que nesta região se possuem armas ilegalmente, com potencialidade lesiva da segurança das pessoas, porquanto a sua utilização está na origem de grande parte dos ilícitos cometidos quer contra a integridade física quer contra a vida.
Em desfavor de ambos os arguidos pesa também o dolo intenso (directo) e persistente com que actuaram ao longo dos anos de funcionamento do bar.
O desvalor da acção do arguido B………. – tendo em conta que foi ele quem criou a estrutura talhada para a prática de prostituição e alguns anos depois chegou mesmo a amplia-la ao nível do número de quartos - é muito elevado e, se bem vemos, surge mesmo exasperado pelo desvalor do resultado, quando considerados os proventos auferidos com a exploração do negócio. Neste conspecto, a ilicitude da conduta do arguido C………. afirma-se menos significante, na medida em que ele se limitou a aderir a um negócio já formado e a remuneração da sua contribuição tinha um valor fixo.
Também se valora negativamente o facto do arguido C………. já possuir antecedentes criminais.
Por fim, mas não menos relevante, pondera-se a circunstância do arguido B………. não ter interiorizado verdadeiramente a gravidade a sua conduta – quando perspectivada no campo das suas consequências – e não evidenciar qualquer arrependimento. O arguido C………. também não demonstrou qualquer arrependimento pelo comportamento imputado.
Valora-se positivamente o facto do arguido B………. ser primário, possuir uma inserção social e familiar regular e ser considerado e respeitado socialmente.
O arguido C………. tem família constituída, trabalha regularmente e mostra-se inserido socialmente.
Nestes termos, somos de parecer que a premência de prevenção geral surge mitigada pelo menor grau de culpabilidade dos arguidos e pelas poucos significativas exigências de prevenção especial de ambos os arguidos.
*
O crime de lenocínio é punível com pena de prisão de 6 meses a 5 anos – importando considerar que para o arguido C………. a moldura especialmente atenuada (cfr. artigos 27.º, n.º 2 e 73.º, do cód. penal) se fixa em pena de prisão de 1 mês a 3 anos e 4 meses.
O crime de auxílio à emigração ilegal é punível com pena de prisão de 1 ano a 4 anos.
O crime de detenção ilegal de arma é punido com as penas de multa até 240 dias ou até 2 anos de prisão – sendo que a moldura hodierna é de pena de prisão até 3 anos ou com pena de multa até 360 dias.
*
Sopesando todo o quadro fáctico supra plasmado, as condições pessoais e a personalidade de cada um dos arguido e considerando que o arguido C………. já não é primário, afigura-se-nos que a mera sanção pecuniária se mostra insuficiente para reprovar os crimes de detenção ilegal de arma e para assegurar a sua ressocialização de forma eficiente.
Assim, e à luz do estatuído nos artigos 70.º e 40.º, n.º 1, do cód. penal, entendemos ser justo, adequado e equitativo condenar os arguidos nas seguintes penas parcelares:
1. O arguido B……….:
- pela prática de um crime de lenocínio, na pena de 3 anos de prisão;
- pela prática de um crime de auxílio à imigração ilegal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão;
- pela prática de um crime de detenção ilegal de arma, na pena de 9 meses de prisão; ou, ao abrigo da Lei actualmente em vigor, 1 ano e 4 meses de prisão. Merecendo aplicabilidade aquela primeira pena, porque concretamente mais favorável ao arguido.

2. O arguido C……….:
- pela prática de um crime de lenocínio, na pena de 1 ano e 6 meses;
- pela prática de um crime de auxílio à imigração ilegal, na pena de 1 ano e 6 meses;
- pela prática de dois crimes de detenção ilegal de arma, na pena de 10 meses para cada um dos crimes; ou, ao abrigo da Lei actualmente em vigor, 1 ano e 6 meses de prisão. Merecendo aplicabilidade aquela primeira pena, porque concretamente mais favorável ao arguido.
*
Os crimes ora em apreço estão entre si numa relação de concurso, razão pela qual se procederá à aplicação de uma pena única – art. 77.º, do cód. penal – tendo em conta os critérios legais, traduzidos na apreciação global dos factos e da personalidade dos arguidos neles reveladas.
Assim, reflectindo, uma outra vez, sobre a gravidade dos factos e o quanto eles revelam as personalidades dos arguidos, afigura-se-nos equilibrado e equitativo fixar a pena única do arguido B………. em 4 (quatro) anos de prisão e a pena única do arguido C………. em 3 (três) anos de prisão. Sanções que não nos parecem tão longas nem tão breves, que possam pôr em causa a finalidade jurídico-criminal de restauração da validade das normas jurídicas violadas, fazer perigar o valor da reinserção dos arguidos na comunidade, ou, de algum modo, fazer com que se dilua a indelével culpa que os mesmos efectivamente têm.
*
Em face do disposto no artigo 50.º, do cód. penal (na sua actual redacção), atendendo a que as penas únicas de prisão irrogadas a cada um dos arguidos não são superiores a cinco anos, cumpre ponderar a possibilidade de suspensão da respectiva execução.
Não se olvida a vincada necessidade de reprovação que no caso se faz sentir, tendo em atenção a natureza dos crimes cometidos e as exigências de prevenção geral, como se mencionou supra. Considerando, contudo, o comportamento anterior e posterior dos arguidos, o facto de trabalharem com estabilidade, as suas idades e a inserção familiar e social de que beneficiam, afigura-se-nos ser possível fazer um juízo de prognose favorável e concluir que a simples censura dos factos e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidade da punição, pelo que se decretará a suspensão das penas de prisão oras determinadas.”

Na fundamentação relativa a “Objectos apreendidos” escreveu-se:
“O Ministério Público o pagamento ao Estado do valor liquidado no libelo acusatório a título de vantagem patrimonial ilícita auferida pelo arguido B………. e que ascende a € 474.000,00. Quantitativo que entende dever ser o arguido condenado a pagar ao Estado.
A Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, faz o tratamento dos quantitativos auferidos em consequência do exercício de uma actividade ilícita. Em consonância com o estabelecido no seu art. 7.º, a vantagem económica auferida com a actividade criminosa computa-se na diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seria congruente com os seus rendimentos lícitos.
No caso vertente apenas é exequível o perdimento da vantagem económica auferida pelo arguido em decorrência do lenocínio - cf. art. 1.º, n.º 1, al. i), da citada Lei. Considerando assim o rendimento médio auferido pelo arguido, nos termos que se lograram apurar, no período compreendido entre 29 de Junho de 2002 e 15 de Julho de 2006 (data em que o estabelecimento foi encerrado), alcança-se a quantia global de € 145.500,00 (cento e quarenta e cinco mil e quinhentos euros).
Impondo-se declarar este montante perdido a favor do Estado, incumbe ao arguido B………. a obrigação de proceder ao seu pagamento.
*
Nos termos do disposto no art. 109.º, do cód. penal, e porque são objectos e bens que estiveram adstritos à prática dos crimes ou produto dos mesmos, cumpre declarar perdidos a favor do Estado, todos os objectos, valores e artigos apreendidos à ordem destes autos, designadamente:
- As armas (cfr. dos autos de apreensão de fls. 113, 118, 122, 125,116, 544, 591);
- Todo o dinheiro contabilizado em montante equivalente à quantia de € 13.290,74 (treze mil duzentos e noventa euros e setenta e quatro cêntimos) (cfr. dos autos de apreensão de fls. 116, 117, 515, 533, 540, 543, 544);
- Os telemóveis (cfr. dos autos de apreensão de fls. 561 e 564);
- O imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º 540, composto de rés-do-chão, 1.º andar e logradouro, construído sobre o prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 1050, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Flor, sob o n.º 282/070296 (cfr. dos autos de apreensão e selagem de fls. 585, 912); e
- O estabelecimento comercial bar D………., constituído por todos os elementos corpóreos e existências que daquele fazem parte, descritos em auto de arrolamento (cfr. dos autos de apreensão e selagem de fls. 585, 746 a 752).”

II- FUNDAMENTAÇÃO
O objecto do recurso aqui em apreço, demarcado pelo teor das respectivas conclusões (art. 412 nº 1 do CPP), incide sobre as seguintes questões:
1ª - Analisar a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto dada como provada, averiguando ainda se foi violado o princípio in dubio pro reo ou mesmo se foram violadas as garantias de defesa, se foi utilizada prova proibida (relativamente à busca efectuada em 10/7/2005) e se ocorrem os vícios da insuficiência para a decisão da matéria de facto e do erro notório na apreciação da prova;
2ª - Verificar se ocorre erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito (quanto ao crime de detenção ilegal de arma; quanto ao montante que foi condenado a pagar relativo a vantagens ilícitas; quanto à declaração de perda da quantia de € 985 e do valor titulado no cheque no montante de € 2.500, apreendidos em 16/7/2006; bem como quanto ao perdimento do imóvel);
3ª - Ponderar se as penas (individuais e única) aplicadas ao recorrente foram excessivas.
Passemos então a apreciar cada uma das questões colocadas no recurso aqui em apreço.

1ª Questão
Como se verifica dos autos, procedeu-se à documentação das declarações prestadas oralmente em audiência, por meio de gravação.
Lendo a motivação apresentada no recurso aqui em apreço, verifica-se que o arguido/recorrente impugna a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos moldes que especificou, indicando provas que, na sua perspectiva, foram incorrectamente apreciadas pelo tribunal a quo, concluindo, assim, pela modificação da matéria de facto dada como provada nos termos por si apontados.
Consideramos, pois, que o recorrente cumpriu os ónus de impugnação da decisão da matéria de facto, indicados no art. 412 nº 3 e 4 do CPP.
Atentos os poderes de cognição das Relações (art. 428 do CPP), uma vez que a prova produzida em audiência de 1ª instância foi gravada, pode este tribunal conhecer da decisão proferida sobre a matéria de facto.
Mas, convém aqui lembrar que “o recurso de facto para a Relação não é um novo julgamento em que a 2ª instância aprecia toda a prova produzida e documentada em 1ª instância, como se o julgamento ali realizado não existisse; antes se deve afirmar que os recursos, mesmo em matéria de facto, são remédios jurídicos destinados a colmatar erros de julgamento, que devem ser indicados precisamente com menção das provas que demonstram esses erros.”[3]
Ou seja, a gravação das provas funciona como uma “válvula de escape” para o tribunal superior poder sindicar situações insustentáveis, situações limite de erros de julgamento sobre a matéria de facto[4].
Assim, não obstante os poderes de sindicância quanto à matéria de facto do Tribunal da Relação, a verdade é que não podemos esquecer a percepção e convicção criada pelo julgador (neste caso pelo Colectivo) na 1ª instância, decorrente da oralidade da audiência e da imediação das provas.
O juízo feito pelo Tribunal da Relação é sempre um juízo distanciado, que não é «colhido directamente e ao vivo», como sucede com o juízo formado pelo julgador da 1ª instância.
Importa, assim, apurar “se existe ou não sustentabilidade na prova produzida para a factualidade dada como assente, e que é impugnada, sendo que tal sustentabilidade há-de ser aferida através da verificação da existência de prova vinculada, da verificação da existência de erros sobre a identificação da prova relevante e da constatação da inconsistência mínima de certo facto perante uma revelada fonte que o suporta”[5].
E, claro, há que ter presente que, com as provas “pretende-se comprovar a realidade dos factos”, ou seja, pretende-se “comprovar a verdade ou a falsidade de uma proposição concreta ou fáctica”[6], criar no juiz um determinado convencimento.
Produzidas as provas em audiência de julgamento, o julgador (neste caso o Colectivo) terá de as apreciar, com vista à sua valoração, desencadeando dois tipos de juízos ou operações que estão intimamente relacionados entre si: o primeiro tem a ver com a interpretação das provas e, o segundo com a valoração propriamente dita dessas mesmas provas[7].
O que implica um exercício de comparação (entre, por um lado, os factos alegados pela acusação e pela defesa e, por outro, as afirmações instrumentais, decorrentes das provas produzidas, que se reputaram como certas e reais) que irá conduzir a uma necessária dedução de factos (dedução de um facto a partir de outro ou outros factos que se deram previamente como provados através do referido exercício de comparação)[8].
Quando procede à apreciação das provas, o julgador está sujeito a determinados limites que tem de respeitar, nomeadamente, decorrentes da vinculação temática e do funcionamento do princípio da livre apreciação da prova (art. 127 do CPP), bem como das respectivas “excepções” ou limitações.
A decisão sobre a matéria de facto há-de ser, pois, “o resultado de todas as operações intelectuais, integradoras de todas as provas oferecidas e que tenham merecido a confiança do Juiz”[9].
Posto isto, vejamos então a matéria de facto dada como provada, que foi impugnada pelo recorrente e a respectiva motivação de facto, que também consta de decisão sob recurso.

a) Quanto à matéria de facto relacionada com o início da actividade do estabelecimento D………. com mulheres contratadas para exercício de funções de prostituição e alterne
Consta da matéria de facto provada, além do mais, que desde que abriu ao público (desde 29/6/2002) até 16/7/2006, no estabelecimento D………. sempre houve mulheres contratadas que exerceram a actividade de alterne e prostituição.
O recorrente impugna essa matéria porque entende que, em julgamento, só foi produzida prova de que essa actividade com mulheres apenas começou a ser desenvolvida a partir de Dezembro de 2002, tal como o declarara em julgamento, no seu interrogatório.
Para tanto, argumenta ainda que a testemunha de defesa E………. estava emigrado quando o bar abriu e que as informações da GNR anteriores ao início da investigação (que só começou depois de 26/1/2003) se baseavam apenas em rumores.
Ouvindo as declarações prestadas pelo arguido B………. em julgamento é certo que este alega que até aproximadamente ao Natal de 2002 nunca lá teve mulheres e, desde então (na sequência de conversas que teve com uma tal AP………., que teria passado a explorar o bar até Agosto/Setembro de 2004, altura esta a partir da qual o mesmo bar passara a ser explorado pela “G……….”, que é a arguida H……….), passou a ter uma ou duas raparigas no bar para atrair a clientela, sendo a média das que lá “trabalhavam” (no alterne e “subida aos quartos”, sendo esta última situação para a prática de acto sexual com o cliente), enquanto o bar foi explorado pela AP………., de 3/5 mulheres de nacionalidade brasileira.
É verdade que as vigilâncias feitas pela GNR ao local ocorreram a partir de Janeiro de 2003, tendo a testemunha AT………. (que então era comandante do NIC da GNR de ……….) se pronunciado sobre deslocações que fez ao referido estabelecimento D………., com outros elementos da GNR (formando duas equipas: uma que entrou no estabelecimento e outra que ficou no exterior) em 24/1/2003 e em 1/2/2003 (consoante relatórios de diligência externa juntos aos autos, invocados pelo recorrente).
Mas, do depoimento da testemunha E………. resulta (ao contrário do que é afirmado pelo recorrente) que, o mesmo começou a frequentar a casa D………. desde que abriu e que sempre que lá foi (o que fazia com regularidade, chegando a ir 2, 3 ou 4 vezes por semana) havia mulheres que se dedicavam ao alterne e à prostituição.
Ou seja, ao contrário do que afirma o recorrente, perante a prova produzida em julgamento, indicada na motivação de facto do acórdão sob recurso, o tribunal da 1ª instância podia dar como provado que desde a abertura ao público (em 29/6/2002) do estabelecimento D………. até ao seu encerramento (em 16/7/2006) sempre houve mulheres contratadas que lá exerciam o alterne e a prostituição.
Improcede, pois, a pretensão do recorrente quando sustenta o contrário, querendo impor a sua apreciação subjectiva e parcial da prova produzida em julgamento, esquecendo que é ao tribunal que incumbe apreciar a prova.

b) Quanto à matéria de facto relacionada com o valor (preço) pago pela prática do acto (relação) sexual e sua repartição
Invoca o recorrente que antes de 2005 o preço cobrado pelo acto sexual em relação a cada cliente (que também era chamado de “subida ao quarto”, local este onde ocorriam as relações sexuais remuneradas) era de 32 € e, a partir de 2005 até ao encerramento (em 16/7/2006, na sequência da busca então efectuada), era a média de 35 €, pretendendo que esses factos sejam dados como provados.
Para tanto invoca que o tribunal da 1ª instância para dar como provado que o preço do acto sexual era de pelo menos 35 € se baseou nas declarações das testemunhas ouvidas para memória futura, esquecendo que as mesmas se pronunciaram sobre a actividade que exerceram no D………. durante o ano de 2006 (referindo que nenhuma dessas testemunhas – AD………., AJ………., AE………., AF………. e T………. - esteve na casa em data anterior a 2006).
Apela, ainda, ao que consta dos relatórios de diligência externa (feitos pela GNR) de fls. 38 e 39 (onde é mencionado o preço de 32 €), ao teor de fls. 42 (que é uma denúncia anónima), ao teor da própria peça acusatória (no mesmo sentido) e aos depoimentos das testemunhas AV………., AN………., AM………., AO………., BL………., BM………. e BN………. .
Como é evidente, o conteúdo da denúncia anónima não tem qualquer valor probatório.
Igualmente o teor da peça acusatória não é argumento, visto que a mesma contém matéria de facto a provar em julgamento e não matéria já provada.
Quanto ao que consta dos relatórios de diligência externa (feitos pela GNR), a testemunha AT………. (GNR) referiu que a menção ao preço de 32€ pelo acto sexual terá sido obtida através de informações que colheu junto de clientes, não sendo esse facto do seu conhecimento directo.
Já a testemunha AV………. (cabo da GNR), que chegou a fazer vigilâncias, indo pelo menos 3 vezes ao D………., por volta de 2003, 2004, referiu que em conversa com uma das mulheres que o abordou, quando estava lá dentro sentado num sofá, ficou a saber que o preço do acto sexual, portanto, por cliente, era mais ou menos de 30 € pelo que se recordava.
Lendo a transcrição das declarações para memória futura das referidas testemunhas (que foram ouvidas em 17/7/2006, todas cidadãs brasileiras), verifica-se que, efectivamente, a AJ………. (que estava em Portugal há cerca de 2 meses antes de 17/7/2006), reportando-se à noite de 16/7/2006 (primeiro dia em que lá estava), diz que a “subida ao quarto” (para a prática do acto sexual com cliente, sendo o limite de tempo de meia hora) era de 35 € (sendo 25 € para a mulher e 10 € para a casa), preço e repartição essa que é confirmado pela AF………. (que veio para Portugal em Março de 2005, tendo trabalhado em Lisboa e só mais tarde é que foi trabalhar no caixa do D………., ganhando 500 €/mês) e pela T………. (que estava em Portugal desde há cerca de 4 meses antes de 17/7/2006, mas que já anteriormente havia trabalhado no mesmo estabelecimento); no entanto, a AE………., que também referiu o preço de 35 €, esclareceu que já trabalhara no D………. no final de 2004, durante cerca de 2 meses (regressando ao Brasil em Janeiro de 2005), voltando depois para o mesmo estabelecimento em Março de 2005, aí ficando até àquela noite de 16/7/2006.
Portanto, a AE………. que já tinha trabalhado no referido bar em final de 2004 (nos últimos dois meses), não fez qualquer distinção de preços, o que significa que pelo menos nos últimos 2 meses de 2004 já se praticava aquele preço de 35 € pelo acto sexual com cada cliente.
Quanto à AD………. (que estava na casa há cerca de 15 dias antes de 17/7/2006, vinda de Andorra), apenas admitiu que fazia alterne (dizendo que pagava 10 € por dia pela sua estadia na casa, com dormida e alimentação), não indicando o preço do acto sexual.
Por sua vez, enquanto a testemunha AN………. (que chegou a ir ao D………., mas só até 7/3/2005 - data esta em que o arguido B……….s lhe disse que não entrava lá mais e lhe deu um tiro - referiu ter a ideia que a “subida ao quarto era 30 €”) se reporta ao preço de 30 € por acto sexual com cada cliente, o BN………. (que frequentou o estabelecimento desde finais de 2003 até Março de 2005 - até à altura em que o primo, AN………., levou o tiro – referiu que pela “ida ao quarto” pagou 30 ou 40 euros no balcão, umas vezes ao arguido C………., outras ao arguido B……….) indica ter pago 30 ou 40 euros quando ia ao quarto, no período em que frequentou a casa e, AN………. (que foi encontrado no quarto, na noite em que foi feita a segunda busca, mencionou que pagou 35 €), AM………. (que estava a fumar antes de começar a segunda busca, já tinha pago 35 €) e AO………. (que também pagou 35 € pelo acto sexual na noite em que foi feita a segunda busca) que foram surpreendidos quando se realizou a busca em 16 de Julho de 2006, mencionaram ter pago 35 € pela “ida ao quarto” (ou seja, pelo acto sexual).
A testemunha BL………. (aposentado da PSP, que se havia deslocado ao D………. com o AN………., relatando o que recordava do episódio ocorrido em 7/3/2005), que também frequentou aquele estabelecimento, apenas referiu preços de bebidas.
Dessa prova resulta que o recorrente tem alguma razão quando invoca que o preço do acto sexual não foi sempre o mesmo (de 35 €), uma vez que há testemunhas (acima indicadas) que chegam a avançar valores inferiores a 35 €.
Articulando o depoimento da testemunha AV………. com os relatos de diligência externa em que participou, de 24/1/2003 e de 1/2/2003 (quando se deslocou ao estabelecimento D………., em missão de vigilância) - estando pelo menos numa dessas vezes no interior daquele estabelecimento a conversar com uma mulher (que ali exercia o alterne e prostituição) e a perguntar-lhe o preço do acto sexual - podemos aceitar que quando o mesmo referiu o preço de € 30 por acto sexual se queria referir ao ali escrito como sendo de 32 € (o que está de acordo com o que o próprio recorrente admite, embora refira que só a partir de 2005 é que passou a ser praticado o preço de 35 €).
Daí que, perante a prova produzida em julgamento (particularmente os aludidos depoimentos das testemunhas AV………. e AE……….), o tribunal da 1ª instância deveria ter distinguido que, desde a abertura ao público do estabelecimento D………. até pelo menos Outubro de 2004, o preço por acto sexual cobrado a cada cliente era de 32 € (25 euros para a mulher e 7 euros para a casa) e, posteriormente, ou seja, a partir de Novembro de 2004 até ao encerramento do mesmo estabelecimento, passou a ser de 35 € (25 euros para a mulher e 10 euros para a casa).
Por isso, modifica-se a matéria de facto dada como provada nessa conformidade, dando-se aqui parcial razão ao recorrente.

c) Quanto à matéria de facto relacionada com o número médio diário de mulheres que no “D……….” exerciam alterne e prostituição e com o valor dos lucros obtidos pelo arguido B………. (portanto relacionado também com o cálculo das vantagens ilícitas por ele obtidas)
Invoca o recorrente que o número médio diário de mulheres a ter em conta não poderá exceder as cinco mulheres por dia na casa (entre dias da semana, fins de semana, meses de verão, festas e feriados).
Para sustentar essa sua alegação invoca de novo os relatos de diligência externa de 24/1/2003 (onde foram encontradas 6 mulheres no alterne) e de 1/2/2003 (onde foram encontradas 8 mulheres no alterne) - respectivamente uma sexta e um sábado, dias sempre de maior movimento neste tipo de casas - mencionando que nos dias em que foram realizadas as buscas em 10/7/2005 (onde teriam sido identificadas mulheres em número superior a 20) e em 16/7/2006 (onde teriam sido identificadas mulheres em número superior a 10) – no verão, respectivamente a um domingo e no dia da festa de ……… – eram de excepcional movimento, pelo que esses indicadores seriam falíveis para determinar a média diária das mulheres que foram exercendo o alterne e a prostituição no D……….. .
Para além disso, invoca alguns extractos dos depoimentos das testemunhas BE……… (GNR) e E………. (cliente da casa), fazendo depois as respectivas contas para determinar o lucro ilícito da casa (admitindo apenas o valor máximo de 47.550 €).
Vejamos então.
Ouvindo os depoimentos prestados pelos elementos da GNR acima identificados, os referidos AT……… e AV………. (que, nas vigilâncias que efectuaram chegaram a entrar no estabelecimento D………., tendo o AV………. afirmado em julgamento, que mesmo em 16/1/2004 - altura em que fez diligências para cumprir mandados de busca e detenção que acabaram por ser devolvidos sem cumprimento - a actividade mantinha-se nas mesmas circunstâncias relatadas em 24/1/2003 e 1/2/2003), dir-se-ia que até pelo menos Janeiro de 2004 a média diária de mulheres que desenvolviam a actividade de alterne e prostituição no D………. seria de 5 como alega o recorrente.
No entanto, a prova não se resumiu a esses depoimentos.
Igualmente a testemunha AX………. (GNR, do NIC em ………) também descreveu duas vigilâncias que fez (uma em 2004 - antes da busca de 10/7/2005, em que esteve com o colega AV………., admitindo que pudesse ter sido feita em Janeiro - e outra próximo da altura em que foi feita a 2ª busca, em que esteve com colega AU……….), ocasiões essas em que entrou no D………., descrevendo o tipo de movimentação que havia, recordando que estariam lá a “trabalhar” cerca de 10 a 12 mulheres e tendo-se apercebido de 3 ou 4 homens a saírem (ocasiões em que mulheres saíram também, mas pelo interior) e depois, passado cerca de 20/25 minutos, a voltarem ao bar.
Nos dias das buscas (ainda que de mais movimento), ocorridas em 10/7/2005 e em 16/7/2006, foram encontradas no interior do estabelecimento respectivamente 20 e 11 mulheres e, entre essas duas datas (10/7/2005 e 16/7/2006), o arguido B………. até aumentou o número de quartos (aos 7 quartos com que a casa abriu, acrescentou depois de 10/7/2005 mais 5 quartos, o que mostra como o negócio se desenvolveu), sendo certo que em 4/3/2006 já estava a providenciar pelo respectivo mobiliário (ver orçamento de fls. 14 do apenso de documentos), o que significa que o referido “negócio” estava a prosperar e a evoluir de tal forma (conferir também o depoimento da testemunha BO………. – empregado de mesa desde Janeiro de 2006 até Junho do mesmo ano – quanto ao salário e aumento que recebeu e quanto ao salário que seria pago ao arguido C……….) que lhe permitiu ampliar a “casa” para o mesmo fim (como resulta dos depoimentos das testemunhas cidadãs brasileiras).
Igualmente importa analisar o teor da documentação apreendido, designadamente, dos diferentes cartões usados no estabelecimento D………. (onde também há referências a “saídas” para a prática de actos sexuais e a nomes de mulheres), dos documentos relativos quer a gastos, quer a apuros em diferentes dias (quer para a casa, quer para mulheres, v.g. como sucede com fls. 8 do apenso da documentação) e descrição do imóvel ainda em 23/7/2004 (fls. 19, de onde resulta que o rés do chão do prédio onde funcionava o D………. era composto apenas por “uma só divisão ampla”).
Para além disso há que atender aos depoimentos das testemunhas AD………. (que enquanto esteve no D………. referiu que lá trabalhariam umas 10/12 mulheres), AF………. (que referiu que numa “noite má” a mulher podia não ganhar nada, mas numa “noite boa” podia ganhar 250, 270, 400 €), AE………. (que referiu que chegou a ter noites em que ia 3 a 4 vezes ao quarto, para a prática de actos sexuais), T………. (que também referiu que por noite, dependendo, podia ir ao quarto 1 ou 2 vezes, para a prática de actos sexuais), E……… (frequentador assíduo da casa desde que abriu, referindo ver ao fim de semana mais mulheres, entre 7 e 10 e aos dias da semana menos, entre 2 e 4) e BN………. (que também era frequentador regular da casa, desde finais de 2003 até Março de 2005, mencionando ver uma média de 10 mulheres quando lá ia).
Perante todos esses elementos, avaliados de forma conjugada (mesmo considerando que haveria maior afluência de clientela aos fins de semana do que durante a semana, mas de qualquer modo – como bem lembra o Ministério Publico na resposta ao recurso – clientela que justificava que o D………. continuasse aberto inclusive durante a semana, sem fechar qualquer dia, mantendo sempre o mesmo horário nocturno), pode-se concluir que existiam elementos seguros que permitiam ao tribunal concluir que, pelo menos a partir de Janeiro de 2005 (pouco depois do aumento do preço do acto sexual, ocorrido em Novembro de 2004, o que também revela, de acordo com as regras de experiência comum, que havia clientela para acompanhar aquele aumento de preço, sendo certo que, nessa altura, ainda não tinha havido a ampliação do número de quartos e o estabelecimento funcionava diariamente) até ao encerramento do D………. a média de mulheres que se dedicavam ao alterne e à prostituição era de 10 (sendo anteriormente a 2005 a média diária de 5 mulheres), considerando que teriam, também, em média 1 (um) relacionamento sexual por dia.
Obviamente que as referências que o recorrente faz a extractos de depoimentos das testemunhas BE………. (que juntamente com colegas[10], entrou no referido estabelecimento antes do início da busca efectuada em 16/7/2006, tendo sido um colega, seu superior, que avisou para avançarem e darem início à execução da busca, não sabendo indicar o que motivou a ordem de avançar; a referência que também fez à actuação de cantor é irrelevante, tanto mais que na segunda busca até foram encontradas menos mulheres estrangeiras do que na efectuada em 10/7/2005) e E………. (frequentador da casa, já acima referido) não contrariam essa conclusão, considerando a demais prova apreciada pelo Colectivo.
Procedendo aos respectivos cálculos relativos a vantagens ilícitas obtidas pelo recorrente (ou seja, os lucros obtidos), encontramos o total de pelo menos 86.750 € (em termos redondos - contando e somando - de 1/7/2002 até Outubro inclusive de 2004, considerando uma média diária de 5 mulheres e uma relação sexual, revertendo para a casa 7 €/dia, temos: 5 Mulheres x 7 € x 30 dias x 27 meses = 28.350 €; de Novembro e Dezembro de 2004, em que reverteu para a casa 10 €/dia, temos: 5 Mulheres x 10 € x 30 dias x 2 meses = 3.000 €; de 1/1/2005 até 1/1/2006, em que houve uma média diária de 10 mulheres e uma relação sexual, revertendo para a casa 10 €/dia, temos: 10 Mulheres x 10 € x 30 dias x 12 meses = 36.000 €; de 1/2/2006 até 1/7/2006, temos: 10 Mulheres x 10 € x 30 dias x 6 meses = 18.000 €; e, ainda 14 dias em Julho de 2006 que dão = 10 Mulheres x 10 € x 14 dias = 1.400 €).
Nessa medida, procede parcialmente nesta parte a argumentação do recorrente, impondo-se a modificação da matéria de facto em conformidade com o supra exposto.

d) Quanto à matéria de facto relacionada com a detenção ilegal da arma apreendida no interior do BMW de matrícula ..-..-TG
Invoca o recorrente que não há prova que confirme que era ele que detinha a arma apreendida na busca efectuada em 10/7/2005, pelas 7 horas (quando a busca ao estabelecimento se iniciou à 1h45), no interior do seu BMW (aberto) de matrícula ..-..-TG, que se encontrava estacionado na “garagem” que fica por baixo do estabelecimento D………. (mas que com este não terá qualquer comunicação), sem qualquer porta que vedasse o seu acesso (o que tornava aquela viatura acessível a qualquer pessoa que se quisesse “livrar” da referida arma, nomeadamente, durante a busca ou que quisesse incriminar o recorrente).
Apela a extractos de depoimentos prestados pelas testemunhas AU………. (GNR), AW………. (GNR), AV………. (GNR), AQ………. (irmão do recorrente), BS………. (irmã do recorrente) e BZ………. (vizinho do arguido B……….) que transcreve, especulando que alguém podia ter colocado aquela arma na sua viatura automóvel, sustentando que desconhecia a sua existência.
No entanto, não assiste razão ao recorrente.
O referido BMW que, efectivamente estava aberto (segundo o depoimento prestado pela testemunha AW……….) estava recolhido não na “garagem” (que não existia), mas no rés-do-chão do imóvel (que nessa parte então não tinha portas, segundo a mesma testemunha AW……….) onde se situava o referido estabelecimento D………. (situando-se, na época, a parte relativa ao bar e a quartos no 1º andar).
A ausência de “garagem” resulta desde logo de fls. 19 do apenso de documentação (de onde se extrai que no prédio urbano onde funcionava o D……….., o primeiro andar era composto por oito assoalhadas, uma cozinha, nove casas de banho, dois corredores e uma varanda, enquanto o rés-do-chão era então composto apenas por “uma só divisão ampla”) e, bem assim, de fls. 1581 a 1589 do processo principal (decorrendo de fls. 1583 e 1584 que o prédio misto ali descrito - cuja propriedade está registada em nome do recorrente, embora onerada com hipoteca voluntária - é composto por um edifício, de rés-do-chão e primeiro andar e por um logradouro; resultando de fls. 1585 – certidão do teor do prédio urbano – a descrição do prédio, onde se refere que não tem divisão susceptível de utilização independente, estando o prédio afecto ao comércio).
E, não é pelo facto dos elementos da GNR que executaram a busca rotularem os espaços por onde andaram como “edifícios autónomos” ou como “garagem” (por sua iniciativa ou induzidos por perguntas colocadas em julgamento) que então essa classificação passa a impor-se ao tribunal (curioso que alguns dos elementos da GNR - v.g. AU………. - que participaram naquela busca de 10/7/2005 quando se referiam ao dito rés-do-chão mencionavam os “baixos” do estabelecimento).
Impõe-se, por isso, corrigir a matéria de facto dada como provada quando refere que o dito BMW se encontrava estacionado na “garagem” do estabelecimento (uma vez que apenas se pode afirmar que tal veículo estava recolhido no rés-do-chão do edifício onde se encontrava instalado o referido estabelecimento D………., rés-do-chão esse que na altura era composto por uma só divisão ampla).
A circunstância de a busca ao estabelecimento D………. se ter iniciado pelas 1h45m, tendo ocorrido a apreensão da arma no interior da viatura automóvel (já na presença do arguido B………., como o próprio admitiu nas declarações que prestou em julgamento) pelas 7 horas, não significa (como pretende o recorrente) que nesse intervalo de tempo alguém poderia ter ido colocar aquela arma apreendida no BMW em questão.
Com efeito, como decorre dos depoimentos das testemunhas que participaram nas equipas da busca feita em 10/7/2005 (v.g. depoimentos das testemunhas AU………, AV………. e AW……….), tudo foi feito de forma organizada e controlada, tendo sido identificados alguns clientes e mulheres brasileiras que lá se encontravam, havendo equipas de segurança no exterior.
Portanto, essa hipótese que o recorrente coloca não passa de conjectura (mera especulação gratuita) que não encontra um mínimo de apoio na prova produzida em julgamento.
A circunstância de, eventualmente, na altura não existirem escadas interiores do 1º andar para o rés-do-chão daquele edifício (o que não foi confirmado pela testemunha AW………., o qual apenas tinha certeza da existência de escadas exteriores) não interfere com o facto de naquele BMW ter sido apreendida a referida arma no interior do porta-luvas do lado do passageiro.
Esse espaço onde estava o BMW, mesmo que inexistissem escadas interiores, era o rés-do-chão do edifício onde, na época, no 1º andar funcionava o bar e onde então existiam quartos destinados à prática dos actos sexuais, com ocupações temporárias (para esse efeito e por cliente durante meia hora).
O facto de diversas testemunhas verem o arguido B………. andar com uma carrinha de caixa aberta (como sucedeu com AV………., AQ………., BS………. e BZ……….) não significa que o mesmo não utilizasse o BMW, ainda que ocasionalmente o pudesse emprestar a outras pessoas.
Como bem diz o Ministério Público na resposta ao recurso, apelando às regras da experiência comum e a propósito do depoimento da testemunha AQ………., certamente que o arguido B………. não teria comprado o BMW para o emprestar mais do que para ele próprio o utilizar.
De resto, não basta verbalizar que emprestava o BMW para logo se criar a dúvida que a arma apreendida poderia ser de terceiro.
Nenhuma testemunha apareceu em julgamento a “reivindicar” a posse daquela arma apreendida indocumentada, razão pela qual nem se percebe como é que o tribunal a quo poderia ficar com dúvidas (como sugere de forma interessada o recorrente).
O arguido B………. alegou, nas declarações que prestou em julgamento, que emprestou aquele BMW à irmã (além de o ter emprestado também a um filho para ir à praia e a um advogado), mas nem a irmã BS………. assumiu que a arma apreendida fosse dela ou que a tivesse deixado esquecida lá dentro de qualquer porta-luvas (fosse o do lado do condutor - como chegou a ser questionado - fosse o do lado do passageiro, como confirmou a testemunha AW……….).
E, convenhamos: quem tem arma de fogo (7,65mm, mas classificada de defesa) indocumentada não se esquece dela assim tão facilmente, como pretende fazer crer o recorrente; o que dizem as regras da experiência comum é que a pessoa que detém uma arma indocumentada (principalmente carregada, como aquela estava, com duas munições e, portanto, pronta a disparar – cf. auto de apreensão de fls. 125 e teor do exame de fls. 130) procura guardá-la em local que supostamente a não incrimine (daí que não se possam retirar as ilações que o recorrente pretende, do facto do BMW - estrategicamente ou não - ter as portas não fechadas à chave e estar recolhido naquele rés-do-chão do dito edifício, sem portas exteriores).
Isto para dizer que, os excertos dos depoimentos indicados pelo recorrente não infirmam a restante prova em que o tribunal da 1ª instância se apoiou (tendo em atenção também as regras da experiência comum) para dar como provados aqueles factos relativos à detenção pelo arguido B………. daquela arma que foi apreendido no interior do seu referido BMW, apesar de este estar sem as portas fechadas à chave e aquele rés-do-chão onde se encontrava acolhido então não ter portas exteriores.
Inclusivamente o arguido B………. já havia usado uma arma caçadeira quando disparou contra o BM………. (cf. o depoimento dessa testemunha e ainda o da testemunha BL………., ambos acima referidos), naquela noite em que o mesmo se preparava para subir as escadas que davam acesso à entrada principal do bar D………., o que mostra que (como é, aliás, comum) naquele tipo de estabelecimentos muitas vezes são utilizadas armas (mesmo que só para serem exibidas), designadamente, para prevenir e dissuadir desacatos (mas, obviamente, independentemente do local em questão, qualquer arma que seja utilizada ou que alguém tenha na sua posse tem que estar devidamente legalizada sob pena de incorrer na prática de crime).
De tudo o que se disse percebe-se que o tribunal de 1ª instância não tivesse ficado com dúvidas sobre a posse pelo arguido daquela arma que foi apreendida no interior do seu BMW.
Esqueceu o recorrente que o que é relevante é a convicção que o tribunal forme perante as provas produzidas em audiência, e não a sua (do recorrente) convicção pessoal[11].
O que sucede, portanto, é que o recorrente quer substituir-se ao tribunal, quando pretende impor a sua própria apreciação (subjectiva e parcial) de parte da prova produzida em julgamento.
Isto é, o recorrente esqueceu o teor do art. 127 do CPP, sendo a sua divergência pessoal e subjectiva, carecida de relevância jurídica e, como tal, inconsequente.
Ao contrário do que afirma, nem sequer foi violado o princípio in dubio pro reo (princípio este que se destina «a dar solução a um problema muito preciso – o da falta de convicção suficiente do julgador relativamente à matéria de facto, objecto da prova»[12]), visto que o tribunal a quo conseguiu obter a certeza dos factos que deu como provados relativos à referida arma, como se verifica do texto da respectiva fundamentação da decisão recorrida.
E, uma vez que, nessa parte - quanto à referida arma de fogo - a decisão proferida pela 1ª instância se mostra sustentada na prova acima indicada, produzida em julgamento (tendo o Colectivo obtido, por essa via, a certeza dos factos dados como provados, tal como se verifica do texto da decisão sob recurso), apenas se pode concluir que também não foi afrontado o princípio da presunção de inocência, nem foram violadas as garantias de defesa do arguido/recorrente (como de forma abstracta e genérica o recorrente alega na motivação de recurso).
Há, por isso, matéria de facto apurada que sustenta a respectiva conclusão de direito (quanto ao enquadramento penal daquela detenção da referida arma indocumentada), improcedendo a argumentação do recorrente nesta parte.

e) Quanto à alegação de ter sido utilizada prova proibida (por referência à busca efectuada em 10/7/2005)
Invoca, ainda, o recorrente que deve ser considerada ilegal a busca efectuada em 10/7/2005 e, como tal, nula a prova que através dela foi obtida.
Para tanto argumenta que, ao contrário do que sucedeu com a busca efectuada em 16/7/2006, o mandado de busca emitido pelo tribunal em 7/7/2005 não permitia que a mesma fosse realizada nos anexos e na garagem e, nessa medida, não seriam válidas (e, como tal, não podiam ser utilizadas como prova) as apreensões feitas nesses espaços autónomos e independentes, entre os quais na edificação existente nas traseiras do estabelecimento, utilizada como domicílio (habitação do F………., filho da H………. e, ocasionalmente, segunda habitação do arguido B……….).
No entanto, não lhe assiste razão.
Comparando (como o faz o recorrente) os mandados de busca emitidos quer pelo Juiz de Instrução, quer pelo Ministério Público em 7/7/2005 (fls. 124 e 115 respectivamente, que foram executados em 10/7/2005), com os que foram emitidos em 7/7/2006 (fls. 517, 530 e 535 respectivamente, que foram executados em 16/7/2006), nota-se que, efectivamente, os emitidos em 2006 são mais pormenorizados do que os de 2005.
Não se poderá, porém, esquecer que os específicos e concretos espaços indicados nos mandados de busca de 2006 já são o resultado do estado mais avançado em que se encontrava a investigação em curso (o que permitia, por isso, melhor concretizar os espaços a buscar, como foi feito).
Mas, isso não significa que a conclusão a retirar seja a de que, então, os mandados de busca emitidos em 7/7/2005 são inválidos, como pretende o recorrente.
Convém lembrar que, precisamente por poderem estar em causa lugares reservados ou espaços não livremente acessíveis ao público (que não residências no sentido tradicional - como sucedeu com a do arguido B………. sita na ………., em ………. - tanto mais que o prédio urbano em questão estava afecto ao comércio, como resulta da certidão do teor do prédio urbano que consta de fls. 1585) que fossem usados como “habitação” (até porque se investigavam crimes de lenocínio, sequestro, auxílio à emigração ilegal, angariação de mão-de-obra ilegal, tal como resulta da promoção de fls. 96 a 98), é que o Ministério Público promoveu ao Sr. Juiz de Instrução a emissão de mandados de busca e apreensão, da sua competência (art. 269 nº 1-a) do CPP na versão então vigente), o qual os mandou emitir nos termos da sua decisão que consta de fls. 99 e 100 (da qual resulta que autorizou a busca domiciliária, ao abrigo do disposto no art. 177 do CPP, além do mais - isto é, além de autorizar busca domiciliária à residência em ………. do arguido B………. - para o 1º andar do estabelecimento comercial, onde existiriam quartos e, também, para toda a área circundante).
A menção, nos mandados de busca emitidos pelo Juiz de Instrução, a “toda a área circundante” ao estabelecimento denominado “D……….”, teve precisamente em vista abranger lugares reservados fora daquele 1º andar do edifício indicado, mas que pudessem ser utilizados como “habitações precárias”, obviamente de suspeitos dos crimes que se investigavam.
O Ministério Público, enquanto titular do inquérito, autorizou igualmente (como era da sua competência) a busca no estabelecimento comercial situado no referido prédio urbano, onde estava instalado o D………., bem como a toda a área circundante, busca essa (que abrangendo outros locais reservados ou não livremente acessíveis ao público existentes nas imediações do referido prédio, o que incluía os “anexos” ao mesmo) não domiciliária.
Em execução desse mandado emitido pelo Ministério Público, é que foram buscados quer o bar instalado no 1º andar, quer o rés-do-chão do dito prédio urbano, então composto por uma só divisão ampla.
Nessa medida, nada impedia que a busca incidisse também no dito BMW que se encontrava aberto recolhido naquele mesmo rés-do-chão (que na altura, em 10/7/2005, como já referido, não funcionava como habitação de ninguém), tanto mais que estava devidamente autorizada pela autoridade judiciária competente (nesse aspecto, por se tratar de busca não domiciliária, autorizado pelo Ministério Público).
Daí que fosse perfeitamente lícita a busca efectuada no interior do mencionado BMW recolhido naquele rés-do-chão (espaço reservado, para onde havia mandado emitido pela autoridade competente, o Ministério Público, de acordo com o disposto no art. 174 nº 3 do CPP), sendo válida a apreensão da arma que ali foi feita, a qual, de resto, foi expressamente validada pelo Ministério Público (fls. 131).
E, não sendo aquele veículo utilizado como “habitação”, não se justificava a intervenção do juiz de instrução.
Como se verifica do auto de apreensão de fls. 116 e 117, os bens aí descritos foram apreendidos no interior do estabelecimento comercial e no denominado “escritório” existente no anexo.
Ora, esse denominado “escritório” (onde foram apreendidos os bens descritos a fls. 116v e 117, entre eles, diversa documentação, quantias em dinheiro, cofre, computador etc.) é um compartimento, diferente de um quarto, resultando dos autos que funcionaria em anexo do estabelecimento em questão e não em anexo de habitação.
Como já foi dito, aquela propriedade do arguido B………. era composta, além de logradouro, apenas pelo referido prédio urbano onde funcionava o estabelecimento comercial e onde existiam quartos, pelo que existindo qualquer outra edificação, a mesma não integrava qualquer prédio autónomo, mas antes um anexo do dito estabelecimento.
E, nesse aspecto, veja-se o material que foi apreendido nesse compartimento (escritório), que mostra claramente o seu destino ou utilização na altura da busca efectuada em 10/7/2005.
Da própria documentação junta pelo recorrente a fls. 1829 a 1834, decorre que o que ali existiria em 1996, era um armazém destinado a recolha de alfaias agrícolas, o que não se pode confundir com edificação independente e autónoma destinada a habitação ou utilizada como residência.
A busca nos quartos (situados no 1º andar do acima mencionado prédio urbano onde se situava também o bar do D………., utilizados não só para a prática de actos sexuais como também para algumas cidadãs brasileiras ali dormirem) que foi realizada (ver auto de apreensão de fls. 126) era lícita por estar autorizada judicialmente, como já se referiu.
O próprio arguido B………., nas declarações que prestou em julgamento, quando interrogado pela Srª. Juiz Presidente do Colectivo, alegou que ia àquela sua propriedade para ir ao “estaleiro” e para dar de comer a animais (tinha lá “perdizes” - referência esta que fez, quando foi confrontado com conversa transcrita relativa a chamada telefónica realizada em 6/5/2006, onde falaram de “perdizes” e, ao mesmo tempo, de “mulheres”, começando, a pessoa que ligou, por perguntar: “aceitas para aí uma mulher porreira?”).
O próprio arguido alegou (entre outras declarações que fez, quando interrogado pela Srª. Juiz Presidente do Colectivo) que o “quarto” onde dormia quando calhava, era num “anexo que está nas traseiras da casa”.
E, quando se referiu à construção que lá fez (a tal “casa”), antes de abrir ao público o bar (altura em que lhe foi exibida a planta de fls. 30 do apenso de documentação e sobre a qual também se pronunciou) mencionou a sua intenção de aplicar aquela edificação (precisamente o prédio de rés-do-chão e 1º andar onde estava instalado o D………. e onde existiam os quartos utilizados para a prática de actos sexuais e também para habitação de algumas cidadãs brasileiras), em residencial.
Portanto, ao contrário do que afirma o recorrente, não foi feita busca a qualquer “garagem” (que não existia) e o dito “anexo” onde se situava o denominado “escritório” (ou compartimento onde foram apreendidos os respectivos bens descritos no auto de fls. 116 e 117 – cf. também fotos de fls. 169 a 171) estava abrangido nas buscas ordenadas quer pelo Sr. Juiz de Instrução, quer pelo Ministério Público.
O mesmo se diga em relação à viatura que se encontrava no interior daquele rés-do-chão do edifício onde estava instalado o D………. .
Mesmo como espaço vedado ao público, a busca ao BMW estava sempre coberta pela ordem de busca emitida pelo Ministério Público (que além de abranger todo o edifício, também abrangia “toda a área circundante” ao estabelecimento D………, sendo irrelevante que não tivessem sido buscados veículos de clientes/frequentadores, estacionados no respectivo parque de estacionamento, uma vez que estes não eram suspeitos da prática dos crimes em investigação).
Por outro lado, caso naquele anexo do estabelecimento (que não anexo de habitação) existisse algum compartimento que fosse utilizado como quarto (v.g. por esse tal F……….), o certo é que não consta dos autos que tivesse sido buscado, nem tão pouco que lá tivesse sido feita qualquer apreensão (nada foi apreendido em locais diferentes dos acima mencionados, que constam dos autos de apreensão).
De qualquer modo, se tivesse sido buscado um compartimento do dito anexo que fosse usado pelo dito F………. ou por qualquer outro empregado para dormir (apesar de sempre se poder dizer que a busca que lá fosse efectuada estava abrangida pela autorização de busca domiciliária autorizada pelo Sr. Juiz de Instrução, por se incluir na área circundante ao 1º andar do edifício em questão), só esse F………. ou qualquer outro empregado que o utilizassem para dormir - e não o arguido - é que tinha legitimidade (interesse) para arguir a nulidade da busca.
Como é evidente não basta a alegação e verbalização, em julgamento, pelo arguido B………., no sentido dormir ocasionalmente naquele compartimento classificado como “escritório” (onde estava o computador e respectivos bens apreendidos, conforme o auto de fls. 116 e 117), para essa sua versão interessada se impor ao tribunal, tanto mais que o mesmo até tinha residência na ………., em ………. .
Não colhe, por isso, a tese do recorrente, nem a interpretação restritiva que faz do teor daqueles mandados de busca emitidos pelas autoridades judiciárias competentes, executados em 10/7/2005.
Por isso, uma vez que todos os espaços buscados estavam cobertos pelas autorizações dadas para o efeito pelas autoridades judiciárias competentes, improcede a invocada nulidade das buscas efectuadas em 10/7/2005.
Decai, pois, nesta parte a argumentação do recorrente quando invoca que as buscas em questão eram ilegais.
Nessa medida, é lícita a prova obtida através das referidas buscas (domiciliárias e não domiciliárias) executadas em 10/7/2005.
Assim:
Visto o que acima se referiu e o disposto nos arts. 428 e 431-a) e b) do CPP, porque se dispõe de todos os elementos necessários para o efeito, impõe-se alterar a decisão proferida quanto à matéria de facto nas partes acima assinaladas.
Deste modo, modifica-se a decisão proferida sobre a matéria de facto, nos seguintes pontos que iremos especificar (de acordo com o que já acima foi exposto):
A. Factos provados:
“(…)
Sempre de acordo com o contratado por aquele arguido, quando um qualquer cliente estava interessado em manter relacionamento sexual com qualquer das mulheres, esta solicitava no balcão do bar a chave de um dos quartos que estivesse disponível, que lhe era entregue, por vezes em conjunto com um pack contendo um lençol descartável e um preservativo; para aí se deslocava com o cliente e, durante um período de tempo que não excedia trinta minutos, ali mantinha com o mesmo relações sexuais, a troco de quantia em dinheiro que aquele pagava previamente naquele balcão, quantia essa que foi de € 32,00 (trinta e dois euros) no período que decorreu entre a abertura ao público do estabelecimento D………. até Outubro inclusive de 2004 e que foi de € 35,00 (trinta e cinco euros) a partir de Novembro de 2004 até ao encerramento daquele mesmo estabelecimento.
Ainda de acordo com o determinado pelo arguido B………., do preço estipulado e pago por cada relacionamento sexual, às mulheres era entregue após o fecho do estabelecimento, a percentagem correspondente, quantia equivalente a 25,00 euros, ficando o remanescente para o arguido, que era de 7,00 € (sete euros) no período que decorreu entre a abertura ao público do estabelecimento D………. até Outubro inclusive de 2004 e de 10,00 € (dez euros) a partir de Novembro de 2004 até ao encerramento daquele mesmo estabelecimento.
(…)
No prostíbulo “D……….” sempre houve mulheres a exercer diariamente a actividade de alterne e prostituição, nas referenciadas condições, sendo a média, entre Julho de 2002 e Dezembro inclusive de 2004, de cinco mulheres e a partir de Janeiro de 2005 até 15 de Julho de 2006 de dez mulheres. E cada um dessas mulheres mantinha por dia e em média, pelo menos, uma relação sexual paga com os clientes.
Assim, no período de Julho de 2002 a 15 de Julho de 2006, a actividade da prostituição gerou para o estabelecimento D………. um rendimento médio mensal variável, sendo de 1050,00 € (mil e cinquenta euros) no período entre Julho de 2002 e Outubro inclusive de 2004, de 1500,00 € (mil e quinhentos euros) nos meses de Novembro e Dezembro de 2004 e de € 3.000,00 (três mil euros), a partir de Janeiro inclusive de 2005 até 15 de Julho de 2006, computando no total um rendimento de, pelo menos, € 86.750,00 (oitenta e seis mil setecentos e cinquenta euros).
(…)
No dia 10 de Julho de 2005, o arguido B………. tinha em seu poder e acomodada no veículo de matrícula ..-..-TG, de marca BMW, sua pertença, recolhido no rés-do-chão do edifício onde se encontrava instalado o referido estabelecimento D………. (rés-do-chão esse então composto por uma só divisão ampla) uma arma de fogo classificada como de defesa, de marca ………., de calibre 7,65, made in France, com um número ….. e indocumentada.
(…)
O arguido B………. fez da exploração do prostíbulo, a funcionar nos moldes que se descreveram e durante o período de tempo referido, o seu modo principal de vida, gerindo a actividade em moldes empresariais, como se de vulgar actividade comercial se tratasse, encarando as mulheres que aí comerciavam relações sexuais como prestadoras de um serviço, consistente na cedência do próprio corpo para trato sexual, e os clientes que as procuravam e com elas se relacionavam sexualmente como meros consumidores desse serviço. E pretendeu retirar, tal como efectivamente retirou, da exploração da prostituição, lucros económicos, que se computam em, pelo menos, € 86.750,00 (oitenta e seis mil setecentos e cinquenta euros).
(…)
B. Factos não provados:
Altera-se o seguinte facto dado como não provado - “Do preço estipulado e pago por cada relacionamento sexual, o arguido B………. recebia uma quantia de € 7,00” - para:
“Do preço estipulado e pago por cada relacionamento sexual, o arguido B………. recebesse quantias diferentes das dadas como provadas.”

Assinale-se, finalmente, que compulsado o texto da decisão recorrida (sem prejuízo das pontuais alterações que introduzimos), por si ou conjugado com as regras da experiência comum, este Tribunal da Relação não detecta qualquer dos vícios enunciados no art. 410 nº 2 do CPP.
A decisão sob recurso, nesse aspecto, sendo de evidente clareza, mostra coerência lógica entre factos provados e não provados, não enfermando de qualquer contradição entre a motivação e a decisão de condenação e não patenteando qualquer erro de que o homem médio facilmente se desse conta.
Com efeito, para além dos factos apurados permitirem ao tribunal proferir uma decisão (o que mostra a sua suficiência), não se detecta qualquer contradição entre a fundamentação e a decisão (nem sequer foi exposto qualquer raciocínio ilógico ou contraditório na fundamentação que apontasse para decisão contrária à da condenação), sendo certo que a apreciação feita pelo julgador (neste caso pelo Tribunal Colectivo) não contraria as regras da experiência comum e tão pouco evidencia qualquer erro de que o homem médio facilmente se desse conta.
Sem prejuízo das alterações que introduzimos na decisão proferida sobre a matéria de facto, todas as provas produzidas apreciadas em conjunto, permitiam ao Tribunal Colectivo, segundo as normais regras da experiência comum, formar a sua convicção no sentido dos factos apurados.
Improcedem, pois, nesta parte (quanto aos vícios previstos no art. 410 nº 2 do CPP e sem prejuízo das alterações acima introduzidas à decisão sobre a matéria de facto), os argumentos do recorrente.
Igualmente não se verifica qualquer nulidade prevista no art. 379 do CPP, preceito este invocado - juntamente como o disposto no art. 374 do mesmo código - de forma abstracta pelo recorrente, quando indicou as disposições que entendia terem sido violadas.
De qualquer modo, cumpre esclarecer que, lendo o exame crítico da prova, que consta da motivação de facto do acórdão sob recurso, verifica-se que foi exposto, de forma transparente e clara, o processo lógico e racional que o Colectivo seguiu na apreciação que fez da prova produzida e examinada em julgamento (explicando a razão pela qual a convicção do tribunal se formou no sentido que indicou).
O tribunal explicou o processo lógico e racional que seguiu na apreciação da prova que fez (é transparente e percebe-se o juízo decisório que fez e quais as provas em que se baseou e o convenceram) e, a forma como fundamentou a sua convicção, satisfaz a exigência que decorre do n.º 2 do artigo 374.º do CPP, razão pela qual não ocorre sequer a nulidade prevista no art. 379 nº 1-a) do mesmo código.
Posto isto, não se verificando qualquer dos vícios aludidos no art. 410 nº 2 do CPP, nem ocorrendo qualquer nulidade de conhecimento oficioso, fica definitivamente fixada a decisão proferida sobre a matéria de facto, nela incluindo as modificações introduzidas por este Tribunal da Relação.

2ª Questão
Importa, agora, verificar se ocorre erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito quanto ao crime de detenção ilegal de arma, quanto ao montante que o recorrente foi condenado a pagar relativo a vantagens ilícitas, quanto à declaração de perda da quantia de € 985 e do valor do cheque no montante de € 2.500, apreendidos em 16/7/2006, bem como quanto ao perdimento do imóvel.

a) Crime de “detenção ilegal de arma” (hoje designado de “detenção de arma proibida”)
Invocava o recorrente que não existia matéria de facto apurada (havendo nessa parte erro de julgamento) para chegar à conclusão que cometeu o crime de detenção ilegal de arma pelo qual foi condenado.
Porém, como já se viu, não logrou nessa parte obter a alteração dos factos dados como provados.
Ora, resulta dos factos dados como provados que, em 10/7/2005, o arguido B………. tinha em seu poder, acomodada no veículo de matrícula ..-..-TG, de marca BMW, sua pertença, uma arma de fogo classificada como de defesa, de marca ………., de calibre 7,65, made in France, com um número ….., a qual estava indocumentada, conhecendo as características da referida arma, sabendo que não a podia deter naquelas circunstâncias, por não estar habilitado para esse efeito, tendo conhecimento que essa conduta era proibida e punida por lei.
Perante tais factos dados como provados, não há dúvidas (como se explica na decisão sob recurso), que cometeu, em autoria material, um crime de detenção ilegal de arma, previsto e punido à data dos factos no artigo 6.º, n.º1, da Lei n.º 22/97, de 27/6, na redacção da Lei nº 98/2001, de 25/8 e actualmente, ou seja, data em que é proferido este acórdão (denominado “detenção de arma proibida”) p. e p. art. 86 nº 1-c) e nº 2 da Lei nº 5/2006, de 23/2, com referência aos arts. 2 nº 1-p) e as) e 3º nº 3 do mesmo diploma legal.

b) Condenação relativa a vantagens ilícitas
Insurge-se o recorrente com a quantia que foi condenado a pagar (145.500 €), como valor ilícito obtido com a sua actividade delituosa.
Invoca, por um lado, que nunca obteve tal montante e, por outro lado, que apesar dos cálculos feitos pelo tribunal da 1ª instância estarem errados, deveria ter sido levado em conta que o lucro que obteve correspondia a um “valor bruto”, ao qual deve ser deduzida uma percentagem de pelo menos 50% do valor pago ao empregado C………. (que o auxiliava nessa actividade), no valor de 16.000 €, concluindo que, mesmo através do art. 7 da Lei nº 5/2002, de 11/2, não deverá ser declarado perdido a favor do Estado quantia superior a 31.550 €.
Vejamos então.
Resulta da modificação introduzida por esta Relação à decisão proferida sobre a matéria de facto que “no período de Julho de 2002 a 15 de Julho de 2006, a actividade da prostituição gerou para o estabelecimento D………. um rendimento médio mensal variável, sendo de 1050,00 € (mil e cinquenta euros) no período entre Julho de 2002 e Outubro inclusive de 2004, de 1500,00 € (mil e quinhentos euros) nos meses de Novembro e Dezembro de 2004 e de € 3.000,00 (três mil euros), a partir de Janeiro inclusive de 2005 até 15 de Julho de 2006, computando no total um rendimento de, pelo menos, € 86.750,00 (oitenta e seis mil setecentos e cinquenta euros).”
Como tal (e tendo em atenção os cálculos acima efectuados), os lucros obtidos pelo arguido B……… reduziram-se ao valor total de € 86.750,00.
Invoca o recorrente que nesse valor deve ser deduzido a tal percentagem de pelo menos 50% do valor pago ao empregado C………. (que o auxiliava nessa actividade), no total de 16.000 €.
É certo que resulta dos factos dados como provados que o arguido C………. tinha determinadas tarefas, que desenvolvia nos moldes e circunstâncias apuradas, razão pela qual foi condenado pela prática, em cumplicidade, de um crime de lenocínio p. e p. à data dos factos no art. 170 nº 1 do CP (actualmente p. e p. no art. 169 nº 1 do CP na versão alterada pela Lei nº 59/2007, de 4/9).
Também se apurou que tendo sido contratado pelo arguido B……… para trabalhar no estabelecimento em questão, desde 4/10/2003, auferindo uma remuneração mensal de pelo menos 1.000 €, a verdade é que exercia, entre outras tarefas, a de empregado de bar.
Assim, a pretensão do recorrente não encontra apoio nos factos dados como provados, uma vez que deles não se extrai que qualquer percentagem daquele ordenado de 1.000 € - que era fixo - fosse entregue pelo recorrente ao arguido C………. a título de compensação pelo auxílio que lhe prestava na prática dos factos que integram o crime de lenocínio.
De resto, o tipo legal de lenocínio, tendo em atenção a incriminação prevista no artigo 169 nº 1 do CP, na versão actual, nesse aspecto mais favorável aos arguidos, restringe-se à conduta de “quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição”.
As alterações introduzidas pela Lei nº 59/2007 ao crime de lenocínio, se por um lado (quanto aos meios de execução que qualificam o crime) alargam a área de tutela típica, por outro, acabam por o restringir.
Essa restrição ocorre na medida em que desapareceu a referência, contida no anterior nº 1 do artigo 170 do CP, “à prática de actos sexuais de relevo”, pelo que, nesse aspecto, houve uma descriminalização parcial (que se estende também ao nº 2 do artigo 169).
Significará isto que actividades como o “Striptease”[13] (matéria de facto que também foi dada como provada), não serão punidas pelo crime de lenocínio ainda que se verifiquem todos os demais elementos do tipo, quer do seu nº 1, quer do seu nº 2?
Se considerarmos o “exercício de prostituição” (mesmo como actividade não livre, no sentido apontado por Ângeles Jareño Leal[14]) como a prática de actos sexuais de relevo (prestação de serviços sexuais, que por regra consistem em contactos sexuais) a troco de uma compensação (preço), concluímos que tais actividades podem não integrar essa definição clássica de “prostituição”[15].
Nesses casos então a punição da conduta só é possível se se verificarem os elementos típicos do crime de tráfico de pessoas (artigo 160 do CP) e/ou do crime de coacção sexual (artigo 163 do CP) por exemplo (o que não é o caso dos autos).
Nessa perspectiva, se, por exemplo, o agente profissionalmente fomentar a prática por outra pessoa de Striptease, sem utilizar qualquer meio de coacção ou equiparado (nem oferecer qualquer contrapartida ao sujeito passivo), essa conduta deixou de ser punida face à apontada restrição do crime de lenocínio[16].
Por isso, tendo em atenção o âmbito da incriminação do lenocínio neste caso, sempre se pode sustentar que o ordenado pago ao arguido C………. - que era fixo e não variável - respeitava a todas as outras tarefas que desenvolvia e que não se incluíam no referido tipo legal (v.g. a própria actividade de alterne exercida pelas mulheres nos moldes dados como provados - que não integra o crime de lenocínio em qualquer dos regimes de punição - e mesmo os referidos shows de striptease - que estão excluídos do tipo de lenocínio na versão actual - incrementa o consumo de bebidas, exigindo uma actividade mais intensa por parte de quem também exerce funções de empregado de bar, estando, por isso, perfeitamente justificado o ordenado fixo que recebia).
Portanto, não se pode deduzir qualquer valor que tivesse sido pago como salário ao arguido C………., uma vez que dos factos dados como provados não resulta que esse salário tivesse qualquer relação com a actividade integradora do crime de lenocínio.
Porém, ao mencionado valor total de € 86.750,00, haverá que deduzir as quantias em dinheiro apreendidas nas buscas efectuadas ao estabelecimento em questão, incluindo montantes apreendidos no escritório anexo a esse mesmo estabelecimento, por estas corresponderem (atentas as circunstâncias em que foram apreendidas, o que se depreende dos factos dados como provados) a lucros ilícitos obtidos com a prática de factos integradores do crime de lenocínio, cujo perdimento a favor do Estado se justifica pelo disposto no art. 111 do CP.
Portanto, haverá que deduzir o total de 9.805,74 € (=2.338,00 € + 470 € + 6.710,24 € + 287,50 €), restando a importância de 76.944,26 € (= € 86.750,00 – € 9.805,74)
Impõe-se, assim, nos termos do art. 111 nºs 1, 2 e 4 do CP (e não do art. 7 da Lei nº 5/2002, de 11/1) reduzir a condenação de perda a favor do Estado ao montante total de 76.944,26 € (setenta e seis mil novecentos e quarenta e quatro euros e vinte e seis cêntimos), correspondente à perda de vantagens retiradas do crime, que não podem ser apropriados em espécie.
Como dissemos, neste caso, essa condenação decorre do disposto no art. 111 nºs 1, 2 e 4 do CP e não do art. 7 da Lei nº 5/2002, de 11/1.
Com efeito, há que distinguir a aplicação de um ou outro dispositivo legal.
A questão que se coloca em primeiro lugar é a de que na acusação, o Ministério Público não cumpriu o disposto no art. 8 da Lei nº 5/2002, de 11/1[17], quando fundamentou do modo que dela consta (operações que foram dados como não provadas) os valores que considerou deverem ser declarados perdidos a favor do Estado (invocando para tanto o disposto no art. 7 da mesma Lei nº 5/2002).
Ou seja: aquela alegação que constava da peça acusatória não pode ser considerada como “liquidação do montante apurado como devendo ser perdido a favor do Estado”, para efeitos do art. 8 nº 1 da citada Lei nº 5/2002.
Como sabido, a Lei nº 5/2002 “estabelece um regime especial de recolha de prova, quebra do segredo profissional e perda de bens a favor do Estado” (o que decorre desde logo do nº 1 do seu art.1), relativamente a um “catálogo de crimes” que indica, sendo um deles (alínea m) do nº 1 do mesmo artigo 1) o de lenocínio, mas neste caso (tal como os restantes indicados nas alíneas j) a m) do referido art. 1), se o crime for praticado “de forma organizada”.
Ou seja: não basta a simples prática do crime de lenocínio para se aplicar o referido regime especial, sendo antes necessário que se prove que o mesmo foi praticado de forma organizada.
E, neste caso, nem sequer foi alegado que o dito crime tivesse sido praticado de forma organizada, não se podendo confundir essa exigência legal com a actuação profissional, elemento típico do crime de lenocínio.
Mas, ainda que assim não fosse, quanto à perda de bens a favor do Estado esse regime especial está regulamentado no capítulo IV da mesma lei, mais concretamente nos seus arts. 7 a 12.
Em termos de enquadramento jurídico dessa sanção (que decorre desse regime especial de “perda de bens”[18]), José Damião da Cunha[19] defende que se trata de “uma medida de carácter não penal (no sentido de que nada tem a ver com um crime), de carácter análogo a uma medida de segurança (uma sanção de suspeita, condicionada à prova de um crime)”.
A novidade desse regime sancionatório especial (que vai coexistindo com as normas previstas nos artigos 109º a 112º do CP, embora delas se diferenciando e autonomizando quando estabelece a presunção contida no art. 7 da Lei nº 5/2002, ficando a sua ilisão a cargo do arguido) assenta, como diz Damião da Cunha[20], “em dois pontos essenciais:
a) por um lado, e do ponto de vista substantivo, o facto de ser uma sanção que visa reprimir vantagens presumidas de uma actividade criminosa, baseada num juízo de (in)congruência entre o património do arguido e o rendimento lícito do mesmo (art. 7º);
[b)] por outro lado, e agora de um ponto de vista processual, o reconhecimento de uma regra de inversão de ónus da prova (art. 9º), impondo-se ao arguido a prova da licitude dos seus rendimentos.”
Ou, na síntese de Jorge A. Godinho[21], “no essencial, o regime consiste na presunção iuris tantum da origem ilícita dos bens de pessoas condenadas pela prática de certos crimes (descritos no art. 1º), com vista a proporcionar o confisco das presumidas vantagens de suposta actividade criminosa anterior. Trata-se sem dúvida de uma verdadeira e própria presunção, pela qual certo facto, desconhecido e não comprovado (a ilicitude da origem de certo património), é inferido de outros factos, conhecidos e comprovados. A presunção dispensa a probatio diabólica da origem ilícita, que normalmente caberia à acusação, distribuindo ao arguido o ónus de provar o contrário.”
O que mais tem alarmado (com razão) a doutrina quando olha para este regime especial é a possível inconstitucionalidade das normas que “invertem o ónus da prova” (arts. 7 e 9 da Lei nº 5/2002), impondo ao arguido a prova da “congruência” do seu património (a prova da licitude dos seus bens e rendimentos que, o Ministério Público indicou na liquidação que tiver feito, seja na acusação, seja em requerimento autónomo até ao 30º dia anterior à data designada para a realização da primeira audiência de discussão e julgamento), o que sempre constitui um atentado ao basilar privilégio de que goza, em processo penal, de não ter de contribuir para a sua incriminação, para além de também ofender outros princípios básicos, como por exemplo o da presunção de inocência e o do in dubio pro reo.
De qualquer modo (independentemente dessa questão crucial da inconstitucionalidade de tais normas) sempre terá que ser assegurado um processo equitativo, no sentido de a dita “liquidação” feita pelo Ministério Público, permitir ao arguido exercer o seu direito de defesa e o contraditório (tanto mais que sobre ele recaí um ónus de prova, apesar da sua duvidosa constitucionalidade).
Isto significa que, a liquidação do montante apurado como devendo ser perdido a favor do Estado (art. 8 nº 1 da Lei nº 5/2002) - tal como a posterior (se for o caso) condenação a declarar o valor que deve ser perdido (art. 12 nº 1 da mesma lei) - que assenta num “juízo de prognose para o passado”[22], terá de ser feita com recurso a factos concretos e objectivos, descrevendo o respectivo património global do arguido, bem como o valor da parte que é congruente com o seu rendimento lícito, de modo a perceber-se que é a diferença entre um e outro (a diferença entre o valor do património global e o valor do património lícito) que se presume constituir vantagem da actividade criminosa, ou seja, o tal património incongruente (art. 7 nº 1 da mesma lei).
Isso mesmo decorre, também, do próprio nº 3 do art. 7 da Lei nº 5/2002 quando refere que se consideram “sempre como vantagens de actividade criminosa, os juros, lucros e outros benefícios obtidos com bens que estejam nas condições previstas no artigo 111º do Código Penal”.
Quer a liquidação, quer a condenação não podem ser feitas de forma arbitrária, sem indicação de todo o património do arguido, sob pena de não se assegurar o direito a um processo justo e equitativo, nem as próprias garantias de defesa do arguido, incluindo o direito ao contraditório[23] (e, por essa via, poder contribuir, participando de forma constitutiva, “na declaração do direito ao caso concreto”), o que sempre constituiria frontal violação do disposto nos arts. 20 nº 4[24] e 32 nº 1 e 5 da CRP.
Ou seja: aquela presunção contida no art. 7 nº 1 da Lei nº 5/2002 apenas “exonera o MP de demonstrar que os bens (ou certos bens) têm uma fonte criminosa, ainda que meramente provável”[25], mas não o dispensa de alegar os factos concretos pertinentes que integram a dita presunção e que constituem a referida “liquidação”.
E, porque a sanção se traduz no tal “confisco” do valor do património incongruente do condenado, impõe-se previamente descriminar o seu património global, de modo a ser definido claramente o objecto do pedido.
Por isso, Damião da Cunha[26] chama à atenção que «o que o MP liquida na acusação é todo o património do arguido (condenado), porque, tanto nas regras da prova, mas sobretudo na Exposição de motivos, o que se presume é que, de facto, todo o património tem origem criminosa - e é com base nesta presunção que o MP tem que operar para efeitos de liquidação. O que verdadeiramente cabe ao arguido (condenado) é obstar, resistir, a uma execução “excessiva”.(…)
Tal significa para o MP, o dever de apresentar, na liquidação, todo o património do arguido, e o excesso depende da contraprova do arguido.»
A própria definição de património contida no art. 7 nº 2 da Lei nº 5/2002 (como diz o mesmo Autor) aponta que, para efeitos de cálculo da sanção (e, portanto, para efeitos de liquidação), há que confrontar o património global do arguido, que é “constituído por todos os bens que estejam aí referidos” (por todos os bens que estejam referidos no art. 7 nº 2 citado).
Também Jorge Godinho[27] assinala que “pressuposto de índole fáctica é desde logo a titularidade ou disponibilidade de bens: se a acusação não identificar quaisquer bens susceptíveis de confisco, a medida não tem aplicação prática, por falta de objecto.”
Pese embora “o confisco incida sobre o valor «incongruente», não justificado” (…), a “base de cálculo é o «valor do património do arguido» - em princípio todo o património está sujeito a confisco. (…) Desta forma, bastará ao Ministério Público elencar, e.g. os imóveis, contas bancárias, automóveis, embarcações, títulos, etc. (…)”[28].
Feitas estas considerações de ordem geral, voltando a olhar para o que consta da acusação, temos de concluir que nela não existe matéria susceptível de poder ser classificada como “liquidação” para efeitos dos arts. 7 e 8 nº 1 da Lei nº 5/2002.
No entanto, apesar de não ser aqui aplicável a Lei nº 5/2002, aquela condenação de perda a favor do Estado das vantagens retiradas do crime apoia-se no disposto no art. 111 do CP.
E, aqui chegados, importa distinguir o regime previsto no art. 109 do CP do previsto no art. 111 do mesmo código.
Enquanto o regime previsto no art. 109 nº 1 do CP (perda de instrumentos e produtos) respeita à perda de instrumentos ou objectos que “tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas, ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos”, já na situação prevista no art. 111 do CP (perda de vantagens), o que está em causa é a perda de vantagens, entendida esta “em sentido amplo que abrange tanto a recompensa dada ou prometida aos agentes, como todo e qualquer benefício patrimonial que resulte do crime ou através dele tenha sido alcançado”[29] (estando, portanto, aqui em causa a “prevenção da criminalidade em globo, ligada à ideia (…) de que «o “crime” não compensa»)”[30].
É, assim, essencial, distinguir as duas situações, pois, só no caso previsto no art. 111 do CP é que o tribunal pode substituir a perda da “recompensa, direitos, coisas ou vantagens” que não puderem ser apropriados em espécie, pelo pagamento ao Estado do respectivo valor (ver seu nº 4 expressamente remetendo para os números anteriores do mesmo artigo 111).
Conclui-se, pois, que houve erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito, impondo-se modificar nessa parte a decisão do Tribunal da 1ª instância, nos termos acima indicados, isto é, condenando o recorrente, ao abrigo do disposto no art. 111 nºs 1, 2 e 4 do CP, a pagar ao Estado, o montante total de €76.944,26 € (setenta e seis mil novecentos e quarenta e quatro euros e vinte e seis cêntimos), correspondente à perda de vantagens retiradas do crime, que não podem ser apropriados em espécie.

c) Condenação relativa à perda a favor do Estado da quantia de € 985 e do valor do cheque no montante de € 2.500, apreendidos em 16/7/2006
Alega o recorrente que a quantia de € 985 (que trazia consigo no bolso e que lhe foi apreendida - fls. 543) e o valor do cheque no montante de € 2.500 (que se encontrava em cima da banca da cozinha da sua residência - fls. 514 e 515), apreendidos no dia das buscas feitas em 16/7/2006, eram provenientes da sua actividade na construção civil.
Tem razão o recorrente quando alega que não se provou que essas importâncias fossem provenientes da sua actividade criminosa.
Efectivamente, nem na acusação era alegado que tais quantias eram provenientes da sua actividade criminosa, nem tal resulta dos factos dados como provados na decisão sob recurso.
Nessa medida (independentemente não se ter provado - como alegava o recorrente - que tais importâncias fossem produto da sua actividade na construção civil), impõe-se revogar a decisão quanto à referida declaração de perda de tais importâncias (quer monetária, quer titulada no dito cheque).

d) Condenação relativa à perda a favor do Estado do imóvel
Alega o recorrente que o imóvel (inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º 540, composto de rés-do-chão, 1.º andar e logradouro, construído sobre o prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 1050, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Flor, sob o n.º 282/070296) não podia ser declarado perdido a favor do Estado uma vez que não se verificam os pressupostos do art. 109 do CP, tanto mais que perspectivava vir a utilizar o edifício como residencial, de acordo com projectos que foram aprovados na Câmara dias depois do estabelecimento fechar.
Como sabido, tem-se defendido que sustentar a privação de um direito de natureza civil, como é o caso do direito de propriedade sobre um imóvel, como decorrência automática do cometimento de um crime e independentemente da formulação de um concreto juízo jurisdicional de ponderação das circunstâncias do caso ou de perigosidade do objecto em causa, carece de suporte constitucional[31].
A declaração de perdimento de objectos (no sentido de coisas ou instrumentos utilizados como meio para realizar o crime), como diz Figueiredo Dias[32], é “uma providência sancionatória de natureza análoga à da medida de segurança” (embora no caso do art. 109 nº 2 CP esteja mais próxima de “uma medida de polícia administrativa”).
Essa analogia advém da circunstância de estar em causa a prevenção da perigosidade do objecto (o que assume uma finalidade “exclusivamente preventiva”).
A referida perigosidade deve ser avaliada do ponto de vista objectivo (e não do ponto de vista subjectivo, ou seja, da perigosidade da pessoa que o detém), devendo olhar-se à natureza do instrumento ou objecto em questão.
Um imóvel, considerado em si mesmo, atenta a sua utilidade social, não pode ser classificado como «instrumento perigoso».
Mesmo olhando para a sua natureza não se pode retirar objectivamente qualquer perigosidade (sendo certo que esta é avaliada em relação ao objecto e não em relação ao arguido - enquanto seu proprietário - no sentido de perigosidade de o vir a utilizar para a prática de crimes).
No entanto, importa também apurar se a sua utilização facilitou ou se foi ou não essencial na prática do crime, tal como este foi executado.
Há, assim, que atender às circunstâncias do caso concreto e ponderar igualmente as exigências de proporcionalidade (ou adequação) entre valor do bem, gravidade do facto ilícito típico cometido e perigosidade do objecto.
Por isso, se tem dito que “a jurisprudência tem definido a necessidade de se verificarem determinados pressupostos para o decretamento da perda, desde a essencialidade da utilização do instrumento para o cometimento da infracção, passando pelo estabelecimento de uma relação de causalidade entre o uso do instrumento do crime e a prática deste e a atenção devida nessa apreciação ao princípio da proporcionalidade.”[33]
Neste caso, o prédio em questão foi utilizado para o funcionamento do estabelecimento D………., onde foram cometidos (além do mais) os crimes de lenocínio e de auxílio à imigração ilegal.
Considerando o modus operandi do recorrente, tal como se extrai dos factos dados como provados, verifica-se que a forma como utilizou aquele imóvel era essencial e indispensável para a concretização dos referidos crimes, nos moldes em que os executou (sendo certo que essa actividade criminosa se desenvolveu desde 29/6/2002 até 16/7/2006).
Ou seja, aquele prédio - que não o imóvel considerado no seu conjunto - dada a utilização que lhe foi dada, foi essencial para aquela actividade criminosa que o recorrente desenvolveu, atenta a forma como a executava.
Porém, se não fosse naquele prédio, sempre o recorrente podia desenvolver a sua actividade criminosa noutro qualquer edifício ou edifícios.
O que mostra que não é a natureza do prédio em questão ou a forma como foi concebido que propicia a prática de crimes, designadamente, os aqui em apreço.
Daí que, embora o recorrente tivesse utilizado àquele prédio na prática dos ditos crimes, tal como foram sendo executados (até as autoridades encerrarem o referido estabelecimento, o que apenas fizeram na altura das segundas buscas), nem por isso daí decorre a perigosidade a que alude o art. 109 nº 1 do CP.
Para além disso, não é proporcional (adequada) a medida do seu perdimento a favor do Estado com a gravidade dos factos cometidos.
Não se pode concluir que exista proporcionalidade (ou adequação) entre o valor do bem em questão (onerado com hipoteca, cujo montante máximo assegurado era de 25.591.100,00 escudos - conforme ap. 3 de 31/10/2001, constante de fls. 1584, que integra a certidão emitida pela CRP de Vila Flor) que foi avaliado (como resulta de fls. 1066 e 1067 do 4º volume) no total de 356.863,00 € e a gravidade do facto ilícito típico cometido (até considerando o valor das vantagens ilícitas obtidas, acima indicado, que atingiu o total de € 86.750,00, sem a dedução efectuada no valor de 9.805,74 €).
E, nada se tendo provado quanto aos projectos do arguido, no sentido de dar outro destino e utilização àquele edifício, não faz sentido (por não encontrar apoio na matéria de facto dada como provada) especular sobre a adequação ou inadequação desses projectos que foram apresentados na Câmara Municipal (não obstante o parecer favorável do Município de Vila Flor, para a «instalação e funcionamento de unidade de pensão residencial de 2ª categoria “CA……….”», comunicado ao recorrente através de oficio datado de 23/8/2006 – como resulta de fls. 1812 a 1815, sendo que o projecto de arquitectura havia sido feito em Abril de 2006, segundo o documento de fls. 1815 – parecer e processo de licenciamento ou autorização de obra que apenas podem ser impugnados pelas vias legais competentes, que não neste processo penal) para, dessa forma, argumentar que há o perigo de o arguido ali continuar a sua actividade criminosa.
Igualmente dos factos dados como provados não decorre que haja sério risco daquele imóvel vir a ser utilizado no cometimento de crimes.
Em conclusão: apesar de o referido imóvel ter sido utilizado na prática dos crimes em questão, o certo é que, por um lado, da sua natureza não decorre perigo para a segurança de pessoa, da moral ou da ordem pública, nem oferece sérios riscos de ser utilizado para o cometimento de novos factos ilícitos típicos e, por outro lado, não se mostra proporcional à gravidade dos factos cometidos, a declaração da sua perda a favor do Estado.
Assim, houve erro de interpretação na subsunção dos factos ao direito, impondo-se revogar nessa parte (quanto ao perdimento a favor do Estado do referido imóvel) a decisão do Tribunal da 1ª instância, por não se verificar o condicionalismo previsto no art. 109 nº 1 do CP.

3ª Questão
Resta, agora, ponderar se as penas (individuais e única) aplicadas ao recorrente foram excessivas.
Antes de mais, importa ter em atenção que, as finalidades da pena são, nos termos do artigo 40 do Código Penal, a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade[34].
Na determinação da pena, o juiz começa por determinar a moldura penal abstracta e, dentro dessa moldura, determina depois a medida concreta da pena que vai aplicar, para, de seguida, escolher a espécie da pena que efectivamente deve ser cumprida[35].
No que respeita à escolha da espécie das penas alternativas abstractas previstas para o crime em questão (alternativa da pena de prisão ou da pena de multa) o tribunal apenas pode utilizar o critério da prevenção, como determina o art. 70 do CP.
Com efeito, ao momento da escolha da pena alternativa são alheias considerações relativas à culpa. Esta (a culpa) apenas funciona como limite (e não como fundamento) no momento da determinação da medida concreta da pena já escolhida[36].
Por sua vez, nos termos do artigo 71º, nºs 1 e 2, do Código Penal, a determinação da medida da pena, dentro dos limites fixados na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo-se, em cada caso concreto, a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a seu favor ou contra ele.
Diz Figueiredo Dias[37], que “só finalidades relativas de prevenção, geral e especial, não finalidades absolutas de retribuição e expiação, podem justificar a intervenção do sistema penal e conferir fundamento e sentido às suas reacções específicas. (...) Prevenção geral, porém, não como prevenção geral negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva ou de reintegração, isto é, de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida.”
Mais à frente[38], esclarece que “culpa e prevenção são os dois termos do binómio com o auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena em sentido estrito”.
Acrescenta, também, o mesmo Autor[39] que, “tomando como base a ideia de prevenção geral positiva como fundamento de aplicação da pena, a institucionalidade desta reflecte-se ainda na capacidade para abranger, sem contradição, o essencial do pensamento da prevenção especial, maxime da prevenção especial de socialização. Esta (…) não mais pode conceber-se como socialização «forçada», mas tem de surgir como dever estadual de proporcionar ao delinquente as melhores condições possíveis para alcançar voluntariamente a sua própria socialização (ou a sua própria metanoia); o que, de resto, supõe que seja feito o possível para que a pena seja «aceite» pelo seu destinatário - o que, por seu turno, só será viável se a pena for uma pena suportada pela culpa pessoal e, nesta acepção, um pena «justa». (…) A pena orientada pela prevenção geral positiva, se tem como máximo possível o limite determinado pela culpa, tem como mínimo possível o limite comunitariamente indispensável de tutela da ordem jurídica. É dentro destes limites que podem e devem actuar pontos de vista de prevenção especial - nomeadamente de prevenção especial de socialização - os quais, deste modo, acabarão por fornecer, em último termo, a medida da pena. (…) E é ainda, em último termo, uma certa concepção sobre a ordem de legitimação e a função da intervenção penal que torna tudo isto possível: parte-se da função de tutela de bens jurídicos; atinge-se uma pena cuja aplicação é feita em nome da estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada; limita-se em seguida esta função pela culpa pessoal do agente; para se procurar atingir a socialização do delinquente como forma de excelência de realizar eficazmente a protecção dos bens jurídicos”.
Uma vez determinada a pena concreta a aplicar por cada um dos crimes cometidos, há que proceder a cúmulo jurídico e, sendo a pena única aplicada de prisão, consoante o seu quantum, impõe-se ao tribunal determinar se é caso de a substituir por uma pena não detentiva ou por uma pena detentiva prevista na lei.
Com efeito, as penas de substituição “podendo substituir qualquer uma das penas principais concretamente determinadas (…) se não são, em sentido estrito, penas principais (porque o legislador não as previu expressamente nos tipos de crime) …[são] penas que são aplicadas e executadas em vez de uma pena principal (penas de substituição)”[40].
Ora, considerando a moldura abstracta prevista para os respectivos crimes que cometeu (no crime de lenocínio p. e p. à data dos factos no art. 170 nº 1 do CP e actualmente no art. 169 nº 1 do mesmo CP na versão revista, pena de prisão de 6 meses a 5 anos; no crime de auxílio à imigração ilegal p. e p. à data dos factos no art. 134-A nºs 1 e 2 do DL nº 244/98, de 8/8 e actualmente no art. 183 nº 1 e nº 2 da Lei nº 23/2007, de 4/7, pena de prisão de 1 a 4 anos; no crime de detenção ilegal de arma p. e p. à data dos factos no art. 6 nº 1 da Lei nº 22/97, de 27/5, pena de multa de 10 dias até 240 dias ou pena de prisão de 1 mês até 2 anos e, actualmente, p. e p. no art. 86 nº 1-c) da Lei nº 5/2006, de 23/2, pena de multa 10 dias até 600 dias ou pena de prisão de 1 mês até 5 anos e não como por lapso se referiu com pena de multa até 360 dias ou pena de prisão até 3 anos), verifica-se que o arguido B………. foi condenado nas seguintes penas:
- 3 anos de prisão pela autoria do crime de lenocínio;
- 1 ano e 6 meses de prisão pela autoria do crime de auxílio à imigração ilegal;
- 9 meses de prisão pelo crime de detenção ilegal de arma pelo regime penal em vigor à data dos factos e a pena de 1 ano e 4 meses de prisão pelo regime penal actual, optando pela aplicação do regime em vigor à data dos factos (portanto pela primeira pena) por ser mais favorável ao arguido;
- em cúmulo jurídico, a pena única de 4 anos de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 4 anos.
Assim.
No domínio da 1ª operação, quanto à escolha da espécie das penas alternativas abstractas previstas em relação ao crime de detenção ilegal de arma, hoje designado crime de detenção de arma proibida, haveria que ponderar se a alternativa da moldura da pena principal de multa deveria ou não preferir em relação à moldura da pena de prisão, em qualquer dos regimes de punição.
O Colectivo afastou a possibilidade de determinar a pena concreta no âmbito da moldura da pena alternativa de multa.
Considerando os factos assentes neste caso concreto, compreende-se o afastamento em relação ao referido crime de detenção ilegal de arma, hoje designado crime de detenção de arma proibida, da alternativa da moldura da pena principal de multa e preferência manifestada pela moldura da pena de prisão.
De facto, atentas as particularidades do caso concreto ressaltam prementes razões de prevenção geral positiva (suficiente advertência) e mesmo de prevenção especial (carência de socialização do arguido B………. nesta área), mostrando-se mais conveniente e adequada às finalidades da punição a opção pela moldura abstracta da pena de prisão em detrimento da alternativa da pena de multa.
Importando restabelecer a confiança na validade da norma violada (“reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida”), no caso em análise (quanto ao mencionado crime de detenção ilegal de arma, hoje designado de detenção de arma proibida) a mesma não se satisfaz apenas com a pena de multa, desde logo, tendo em atenção por um lado a necessidade de uma eficaz protecção e tutela dos bens jurídicos violados e, por outro, a própria reinserção social do arguido/recorrente.
É, pois, manifesto que razões de prevenção impõem a preferência pela moldura abstracta da pena de prisão.
Passando, agora, à 2ª operação, impunha-se ao tribunal da 1ª instância fundamentar de modo concreto o quantum da pena a aplicar por cada um dos crimes cometidos pelo arguido B………. .
Para fundamentar o quantum das penas de prisão aplicadas individualmente por cada um dos crimes cometidos, o tribunal da 1ª instância ponderou a premência de prevenção geral, embora mitigada pelo menor grau de culpa do arguido B………. e pelas poucas significativas exigências de prevenção especial, o modo de execução dos crimes, o desvalor da acção (aqui olhando para a ampliação a nível do número de quartos) e do resultado (aqui ponderando os proventos auferidos com a exploração do negócio), a ilicitude mais significativa do arguido B………., o dolo intenso (directo) e persistente com que actuou ao longo dos anos de funcionamento do bar, a personalidade do arguido B………. (que denotava a não interiorização da gravidade da conduta, não evidenciando arrependimento), a ausência de antecedentes criminais, a sua inserção social e familiar regular e o facto de ser considerado e respeitado socialmente.
De notar (até para se perceber a diferença das penas aplicadas a um e outro arguido) que, em relação ao arguido C………. (que não recorreu), pesaram os seus antecedentes criminais (duas condenações, sendo uma em 29/4/1998, por crime de homicídio tentado, tendo cumprido a pena de 2 anos e 3 meses de prisão, sendo-lhe concedida a liberdade condicional em 12/11/1999 e, a outra, em Março de 2001, por crime de ofensas à integridade física, tendo sido condenado em prisão substituída por multa, a qual posteriormente foi extinta pelo pagamento, como melhor resulta do seu CRC de fls. 605 a 607), a falta de qualquer arrependimento, tendo sido ponderado, em relação à sua cumplicidade no crime de lenocínio, a menor ilicitude da sua conduta.
Argumenta, o recorrente, nesta matéria, por um lado, com alguns factos que não podem ser atendidos por esta Relação por não resultarem da decisão proferida sobre a matéria de facto, já acima fixada e, por outro lado, que as necessidades de prevenção geral que prevalecem não são assim tão elevadas, sendo atenuadas as razões de prevenção especial, o que tudo deveria conduzir à a aplicação de penas mais próximas dos limites mínimos das respectivas molduras abstractas (sendo que quanto ao crime de auxílio à imigração ilegal apenas agiu com dolo eventual e não com dolo directo como se dá a entender na decisão sob recurso), indicando como mais adequadas e proporcionadas as penas de 2 anos de prisão pelo crime de lenocínio, de 9 meses de prisão pelo auxílio à imigração ilegal e, em cúmulo jurídico, a pena única de 2 anos e 6 meses de prisão, sempre suspensa na sua execução, como decidido pelo Colectivo.
Vejamos então.
Perante os factos dados como provados, havia que considerar que o recorrente agiu com dolo directo quanto aos crimes de lenocínio e de detenção ilegal de arma, hoje designado de detenção de arma proibida e com dolo eventual quanto ao crime de auxílio à imigração ilegal (distinção esta, a nível do dolo, que o Colectivo não teve em atenção, como devia) e, bem assim, com consciência da ilicitude da respectiva conduta.
A ilicitude dos factos apurados é mais elevada em relação aos crimes de lenocínio e de auxílio à imigração ilegal (mesmo considerando que quanto a este crime foi cometido com dolo eventual), do que em relação ao de detenção ilegal de arma, hoje designado de detenção de arma proibida (tanto mais que nem se provou que essa arma tivesse sido alguma vez efectivamente utilizada pelo recorrente, desconhecendo-se o período de tempo em que a deteve, o que o não pode prejudicar).
Por outro lado, importa atender ao modo de actuação do arguido B.………., tendo presente a respectiva acção concreta relativamente a cada um dos respectivos crimes que cometeu (até comparando-a com a do arguido C………., pese embora este não tivesse recorrido), período de tempo e forma como foi desenvolvendo a sua actividade criminosa em relação aos crimes de lenocínio e auxílio à imigração ilegal (entre 29/6/2002 e 16/7/2006, não se podendo ao mesmo tempo esquecer que, sendo censurável a sua actuação, o que é certo é que as próprias autoridades, particularmente as administrativas[41], nunca antes de 16/7/2006 encerraram o estabelecimento, o que mostra que de duas uma: ou por motivos que se desconhecem não actuaram, isto é, não exerceram as suas funções ou havia uma certa “tolerância” quanto à actividade ali desenvolvida) e às consequências da sua conduta (vantagens ilícitas que obteve, de acordo com a modificação dos factos introduzidos por esta Relação, que são bem inferiores aos considerados pelo Tribunal da 1ª instância).
De notar, ainda, que apesar de tudo, o modo de execução dos crimes cometidos, insere-se dentro do que é habitual nesse tipo de crimes.
Também são elevadas as razões de prevenção geral positiva que se fazem sentir, tendo em atenção o bem jurídico primordial violado em cada um dos crimes cometidos (no entanto, em relação ao crime de lenocínio[42], não são tão elevadas e acentuadas como foi salientado pelo Colectivo, uma vez que o facto considerado relevante para essa conclusão - “elevado número de bares da mesma etiologia do D………. que se encontram em funcionamento na região” - não resulta do que foi dado como provado, nada indiciando que o seu número ali fosse superior em relação ao que existe em qualquer outra região do território português, sendo importante não confundir a censura penal ou com qualquer censura moral[43]).
Importa ainda ter em atenção, embora tendo como limite a medida da culpa do arguido B………., a necessidade de prevenir a prática de futuros crimes.
Para esse feito, não se pode esquecer que é primário, ou seja, não tem antecedentes criminais (o que viabiliza um juízo de prognose favorável à probabilidade da sua reinserção social).
Não obstante serem “prementes” as razões de prevenção geral (devendo este tipo de criminalidade ser combatido de forma proporcional à danosidade que causa e tendo em atenção as particulares circunstâncias de cada caso), as razões de prevenção especial e a necessidade de ressocialização mostram-se diminuídas uma vez que o recorrente está inserido social e familiarmente, sendo considerado e respeitado, estando igualmente integrado profissionalmente (trabalhando na construção civil, auferindo um rendimento mensal de pelo menos € 1.000,00).
Goza, por isso, o recorrente de condições para alcançar a sua socialização (apesar de, analisando os factos apurados, não se evidenciar arrependimento), tendo em atenção a sua situação pessoal, social e económica que, apesar de tudo (e, por outro lado), revela alguma sensibilidade positiva à pena a aplicar, com reflexo favorável no juízo de prognose sobre a necessidade e a probabilidade da sua reinserção social.
Igualmente se deverá atender à sua idade (o arguido B……… nasceu em 28/7/1953, consoante resulta da sua identificação constante do relatório do acórdão sob recurso) - quer à data do cometimento dos crimes em questão, quer actualmente (56 anos de idade) - e ao efeito previsível da pena sobre o seu comportamento futuro.
Também há que ter presente que os factos em questão (cuja prática terminou em 16/7/2006) já ocorreram há cerca de 2 anos e 10 meses, o que atenua de alguma forma a necessidade de penas individuais mais severas.
Tudo ponderado, olhando à imagem global dos factos apurados e tendo presente o limite máximo consentido pelo grau de culpa do arguido B………., bem como os princípios político-criminais da necessidade e da proporcionalidade, julgam-se adequadas e ajustadas:
- pela autoria de um crime de lenocínio a pena de 2 anos e 6 meses de prisão em qualquer dos regimes de punição;
- pela autoria de um crime de auxílio à imigração ilegal a pena de 1 ano e 4 meses de prisão em relação a qualquer dos regimes de punição;
- pela autoria de um crime de detenção ilegal de arma, hoje designado de detenção de arma proibida a pena de 7 meses de prisão considerando o regime penal em vigor à data dos factos em questão e, a pena de 1 ano de prisão, considerando o regime penal em vigor actualmente.
Na perspectiva do direito penal preventivo, é claro que as penas individuais aplicadas pela 1ª instância ao arguido B………., para além de serem claramente excessivas (traduzindo uma retribuição da culpa não consentida, tendo presente que esta – a culpa – funciona como limite da medida da pena e não como seu fundamento) são, também, manifestamente desproporcionadas (tendo ainda presente que a pena deve encontrar suporte nos factos dados como provados, não podendo ser determinada em função de considerações subjectivas não alicerçadas na matéria apurada) em relação à gravidade dos factos concretos cometidos (continuando a justificar-se a distinção feita em relação ao arguido C………., que já tinha antecedentes criminais, revelando uma personalidade mais desconforme ao direito), razão pela qual são reduzidas nos moldes acima indicados.
Penas superiores àquelas que aqui fixamos em relação ao recorrente violavam claramente o princípio da proibição do excesso.
Tendo em vista o disposto no art. 2 nº 1 e 4 primeira parte do CP, quanto ao crime de detenção ilegal de arma, hoje designado de detenção de arma proibida, opta-se pela pena aplicada ao arguido B………. no domínio da lei vigente à data do momento da prática do facto, por ser a mais favorável; quanto às restantes penas, cujas molduras abstractas eram as mesmas, aplica-se o regime vigente no momento da prática dos factos.
Agora, como 3ª operação, impõe-se a realização de cúmulo jurídico das penas aplicadas ao recorrente, nos termos do art. 77 do CP.
De esclarecer que a 1ª instância explicou muito genericamente a forma como determinou a pena única.
Resulta do art. 77 do CP que, em caso de concurso efectivo de crimes, existe um regime especial de punição, que consiste na condenação final numa única pena, considerando-se, “na medida da pena, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”.
A justificação para este regime especial de punição radica nas finalidades da pena, exigindo uma ponderação da culpa e das razões de prevenção (prevenção geral positiva e prevenção especial), no conjunto dos factos incluídos no concurso, tendo presente a personalidade do agente[44].
A pena aplicável (a moldura abstracta do concurso de penas) tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos três crimes em concurso (ou seja, 4 anos e 5 meses de prisão) e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos mesmos crimes em concurso (ou seja, 2 anos e 6 meses de prisão).
Na determinação da pena única a aplicar, há que fazer uma nova reflexão sobre os factos em conjunto com a personalidade do arguido/recorrente, pois só dessa forma se abandonará um caminho puramente aritmético da medida da pena para se procurar antes adequá-la à personalidade unitária que nos factos se revelou.
Esta pena única é o resultado da aplicação dos “critérios especiais” estabelecidos no mesmo art. 77 nº 2 – tendo em atenção os limites consignados no seu nº 3 – não esquecendo, ainda, os “critérios gerais” do art. 71 do C[45].
Assim, atendendo aos respectivos factos no conjunto (conexão entre os crimes cometidos e gravidade do “ilícito global” cometido) e à sua personalidade (perfeitamente recuperável uma vez que não se surpreende da matéria apurada qualquer “tendência criminosa”), bem como a tudo o mais que acima já referimos quando foi determinada a medida concreta da pena aplicada por cada um dos respectivos crimes cometidos (a culpa pessoal, as exigências de prevenção geral e especial, as condições de vida, a sua idade, a ausência de antecedentes criminais e o tempo entretanto decorrido desde a prática dos factos em questão), julga-se ajustada e adequada a pena unitária de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão.
Era, de facto, excessiva a pena única imposta ao recorrente, a qual não ponderou devidamente a conexão dos crimes cometidos e a sua personalidade unitária, esquecendo as menores exigências de prevenção especial.
Tendo ainda em vista o disposto no art. 2 nº 4 do CP, importa, agora, ponderar se essa pena única de prisão encontrada deve ou não ser suspensa na sua execução face ao disposto no art. 50 do CP na versão da Lei nº 59/2007, de 4/9[46], regime claramente mais favorável (sendo certo que, no regime penal vigente à data dos factos era manifesto - visto o disposto no art. 50 do CP na versão então vigente - que aquela pena única de prisão não podia ser substituída por outra).
Como sabido, as penas de substituição radicam “tanto histórica como teleologicamente, no (…) movimento político-criminal de luta contra a aplicação de penas privativas de liberdade”[47].
Considerações relativas à culpa não podem ser ponderadas para justificar a não aplicação de uma pena de substituição[48].
E, também não se pode esquecer que a pena de prisão é encarada como a ultima ratio, sendo preocupação do legislador e, obrigação do Estado, contribuir para a própria socialização do arguido.
Na suspensão da execução da pena de prisão, esta, embora efectivamente pronunciada pelo tribunal, não chega a ser cumprida, por se entender que a simples censura do facto e a ameaça da pena bastarão para realizar as finalidades da punição.
Para esse efeito, o tribunal deverá efectuar um juízo de prognose favorável em relação ao arguido, tendo em atenção a sua personalidade, as condições da sua vida, a sua conduta anterior e posterior ao crime e as circunstâncias deste (art. 50 nº 1 do CP).
Sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, o julgador tem o dever (trata-se de um poder-dever vinculado) de suspender a execução da pena de prisão, suspensão essa que, como pena autónoma é uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico[49], devendo ser ponderada no momento da decisão.
Este juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido, terá de assentar numa expectativa razoável de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição e, consequentemente, dessa forma será viável conseguir a sua ressocialização em liberdade, funcionando a condenação como uma advertência para evitar a prática de futuros crimes.
Em termos abstractos, a pena única de prisão aqui aplicada pode actualmente ser suspensa na sua execução por igual período de tempo, com a sujeição a regime de prova, com acompanhamento pelos serviços de reinserção social (art. 53 nº 3 do CP na versão actual), como forma de melhor garantir a sua ressocialização.
No caso dos autos, perante os factos dados como provados, dando particular relevância ao seu comportamento anterior e posterior, ao facto de trabalhar com estabilidade, à sua idade e à inserção social, familiar e social, o tribunal da 1ª instância conseguiu formular um juízo de prognose favorável relativamente ao comportamento futuro do arguido/recorrente (e igualmente em relação ao arguido C………., apesar dos seus antecedentes criminais), concluindo que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizavam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (ou seja, na ponderação que fez, o Colectivo criou a expectativa razoável de que seria viável conseguir a ressocialização dos arguidos em liberdade, funcionando a condenação como uma advertência para evitar a prática de futuros crimes).
Em face disso, o tribunal da 1ª instância suspendeu a execução da pena única de prisão que aplicou, mas esqueceu-se de impor o regime de prova previsto no art. 53 nº 3 do CP na versão actual.
Pese embora, face à suspensão da execução da pena única de prisão que aplicou, superior a 3 anos (nos termos do art. 53 nº 3 do CP na versão actual), o Tribunal Colectivo devesse ter ordenada a sujeição ao regime de prova (individualizando o respectivo plano de reinserção social, e direccionando-o para esta ou aquela vertente consoante as necessidades do arguido B……….), o certo é que o Ministério Público não recorreu.
As considerações feitas pelo Colectivo quanto ao juízo de prognose favorável à suspensão da execução da pena de prisão não merecem censura, tanto mais que o arguido B………. não tem antecedentes criminais e mostra ter uma personalidade perfeitamente recuperável.
Razões de prevenção especial justificam a substituição da pena de prisão, na medida em que essa substituição é ainda suportada comunitariamente.
Assim, não obstante a pena única de 3 anos e 4 meses de prisão aqui (nesta decisão) aplicada ser suspensa na sua execução, por igual período de tempo (aplicando o regime mais favorável, tendo em vista o disposto no art. 2 nº 4 do CP), está este Tribunal da Relação impedido de subordinar essa suspensão ao regime de prova (tal como o determina o art. 53 nº 3 do CP na versão actual), visto que o Ministério Público não recorreu e a imposição dessa obrigação sempre implicaria um agravamento da pena de substituição aplicada pela 1ª instância.
Em conclusão: procede parcialmente o recurso uma vez que se altera a decisão da 1ª instância nos termos supra indicados.
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III- DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação, em conceder parcial provimento ao recurso, nos termos acima expostos, decidindo:
A)- modificar a decisão proferida sobre a matéria de facto nos termos acima apontados;
B)- alterar o acórdão sob recurso, conforme foi acima definido, e consequentemente, tendo em vista o disposto no art. 2 nº 1 e 4 do CP, condenar o arguido B……….:
- como autor de um crime de lenocínio p. e p. à data dos factos no art. 170 nº 1 do CP e actualmente p. e p. no art. 169 nº 1 do mesmo código, na pena de 2 (dois) anos e 6 (seis) meses de prisão;
- como autor de um crime de auxílio à imigração ilegal p. e p. à data dos factos no art. 134-A nºs 1 e 2 do DL nº 244/98, de 8/8 (actualmente p. e p. no no art. 183 nº 1 e nº 2 da Lei nº 23/2007, de 4/7), na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão;
- como autor de crime de detenção ilegal de arma p. e p. à data dos factos no art. 6 nº 1 da Lei nº 22/97, de 27/5 (actualmente designado de detenção de arma proibida p. e p. no art. 86 nº 1-c) da Lei nº 5/2006, de 23/2), na pena de 7 (sete) meses de prisão (mais favorável ao arguido);
- em cúmulo jurídico, na pena única de 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período de tempo (tendo em vista o disposto nos artigos 2 nº 4 e 50 do CP, não se impondo a sujeição ao regime de prova por tal estar vedado a este Tribunal da Relação, pelos motivos acima indicados);
C)- alterar ainda o acórdão sob recurso, como acima foi indicado e, consequentemente, condenar o recorrente, nos termos do art. 111 nºs 1, 2 e 4 do CP, a pagar ao Estado, o montante total de 76.944,26 € (setenta e seis mil novecentos e quarenta e quatro euros e vinte e seis cêntimos), correspondente à perda de vantagens retiradas do crime, que não podem ser apropriados em espécie (sendo, nessa medida, alterada a decisão de condenação em diferente montante, proferida ao abrigo da Lei nº 5/2002, de 11/1);
D)- revogar parcialmente o acórdão sob recurso quanto:
- à decisão de declaração de perda a favor do Estado da quantia de € 985 (novecentos e oitenta e cinco euros) e do valor do cheque no montante de € 2.500 (dois mil e quinhentos euros), apreendidos em 16/7/2006;
- à decisão de declaração de perda a favor do Estado do imóvel inscrito na matriz predial urbana sob o artigo n.º 540, composto de rés-do-chão, 1.º andar e logradouro, construído sobre o prédio rústico inscrito na matriz predial sob o artigo n.º 1050, descrito na Conservatória do Registo Predial de Vila Flor, sob o n.º 282/070296;
E)- no mais (e sem prejuízo do que abaixo se determinará), negar provimento ao recurso em apreço.
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Pelo decaimento vai o recorrente condenado nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 4 UCs.
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A 1ª instância providenciará pela execução desta decisão, designadamente, quanto aos bens supra identificados, cujo perdimento a favor do Estado foi revogado (não esquecendo as alterações das condenações acima indicadas).
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(Processado em computador e revisto pela 1ª signatária – art. 94 nº 2 do CPP)
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Porto, 13/5/2009
Maria do Carmo Saraiva de Menezes da Silva Dias
Jaime Paulo Tavares Valério

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[1] Nos termos do art. 380 nº 1-b) e nº 2 do CPP corrige-se o lapso de escrita quanto ao último apelido da testemunha E………., que é E1………. e não E2………. .
[2] Nos termos do art. 380 nº 1-b) e nº 2 do CPP, corrige-se o lapso de escrita quanto ao ano da referida factura de fls. 26 do apenso que é de 2006 (portanto 7/7/2006) e não 2007.
[3] Cf. Ac. do STJ de 15/12/2005, proferido no proc. nº 2951/05 e Ac. STJ de 9/3/2006, proferido no proc. nº 461/06, relatados por Simas Santos (consultado no site do ITIJ – Bases Jurídicas Documentais). Aliás, como se diz no Ac. do STJ de 21/1/2003, proferido no proc. nº 02A4324, relatado por Afonso Correia (consultado no mesmo site), a admissibilidade da alteração da matéria de facto por parte do Tribunal da Relação “mesmo quando exista prova gravada, funcionará assim, apenas, nos casos para os quais não exista qualquer sustentabilidade face à compatibilidade da resposta com a respectiva fundamentação.
Assim, por exemplo:
a) apoiar-se a prova em depoimentos de testemunhas, quando a prova só pudesse ocorrer através de outro sistema de prova vinculada;
b) apoiar-se exclusivamente em depoimento(s) de testemunha(s) que não depôs(useram) à matéria em causa ou que teve(tiveram) expressão de sinal contrário daquele que foi considerado como provado;
c) apoiar-se a prova exclusivamente em depoimentos que não sejam minimamente consistentes, ou em elementos ou documentos referidos na fundamentação, que nada tenham a ver com o conteúdo das respostas dadas.”
[4] Assim, cit. Ac. do STJ de 21/1/2003.
[5] Assim, Ac. do TRG proferido no recurso nº 1016/2005, relatado por Nazaré Saraiva.
[6] Carlos Climent Durán, La Prueba Penal, tomo I, 2ª ed., Valência: tirant lo blanch, 2005, p. 65. Mais à frente, o mesmo Autor, ob. cit., p. 78, nota 64, citando K. Engisch, diz que “o objectivo da actividade probatória é «criar no juiz o convencimento da existência de certos factos»”. No mesmo sentido, Antunes Varela, J. Miguel Bezerra, e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed. Revista e actualizada de acordo com o DL 242/85, Coimbra: Coimbra Editora, Limitada, 1985, pp. 435-436, quando afirmam que “a prova visa apenas, de acordo com os critérios de razoabilidade essenciais à aplicação prática do Direito, criar no espírito do julgador um estado de convicção assente na certeza relativa do facto. (…) É o juiz da causa ou o tribunal colectivo, consoante as circunstâncias, que há-de convencer-se da realidade do facto, para que este se considere provado e se lhe possa aplicar a estatuição da norma que o tem como pressuposto”. Também Jeremias Bentham, Tratado de las Pruebas Judiciales (obra compilada dos manuscritos do Autor por E. Dumont, trad. de Manuel Ossorio Florit), Granada: Comares, 2001, p. 22, refere que a prova é «um meio que se utiliza para estabelecer a verdade de um facto, meio que pode ser bom ou mau, completo ou incompleto».
[7] Carlos Climent Durán, ob. cit., p. 91. Citando Jiménez Conde, F. (La apreciación de la prueba legal, cit., p. 122), refere, na nota 81, que este Autor, a propósito da apreciação das provas, observa que não se podem confundir os dois tipos de juízos que lhe estão subjacentes: «1º a averiguação dos dados fácticos ou juízos de facto particulares que são trazidos pelas provas produzidas, independentemente da sua verdade ou falsidade; 2º a fixação do concreto valor que se há-de conceder a esses mesmos meios de prova, ou, o que é igual, a decisão quanto à credibilidade dos resultados fácticos por eles produzidos, ou juízo sobre o grau de correspondência desses resultados fácticos com a realidade histórica objectiva do facto questionado. A primeira dessas operações constitui, como alguns autores lhe chamam, a interpretação das provas, enquanto a segunda se refere mais propriamente à sua valoração. E ambas se integram no conceito de apreciação das provas, como actividade complexa que as abarca».
[8] Neste sentido, Carlos Climent Durán, ob. cit., p. 94.
[9] Assim, Ac. do STJ de 21/1/2003, proferido no proc. nº 02A4324, relatado por Afonso Correia (consultado no mesmo site), chamando à atenção para o que se escreveu em Ac. de 8/2/99, em recurso de apelação do proc. nº 1/99 do Tribunal de Círculo de Chaves.
[10] Cf. também depoimentos das testemunhas BD………., BH………., BI………. e BJ……… (todos elementos da GNR), que participaram em duas equipas que entraram no D………. antes do início da busca efectuada em 16/7/2006.
[11] Aliás, como tem vindo a ser decidido por esta Relação, “o recurso da matéria de facto não se destina a postergar o princípio da livre apreciação (…) e também não pode destinar-se a substituir a convicção formada pelo tribunal recorrido, objectivamente motivada, plausível segundo as regras da lógica, da experiência da vida e do senso comum e coerente com o sentido das provas produzidas” (assim, Ac. proferido no proc. nº 4133/05-1, relatado por Guerra Banha, citando outra jurisprudência).
[12] Cristina Líbano Monteiro, Perigosidade de Inimputáveis e «In Dubio Pro Reo», Coimbra: Coimbra Editora, 1997, p. 65.
[13] RODRIGUES, Anabela, Comentário Conimbricense, tomo I, p. 514, embora a propósito do crime de tráfico de pessoas.
[14] LEAL, Ángeles Jareño, “la política criminal en relación con la prostituición: ¿abolicionismo o legalización?”, in Prostitución y Trata. Marco jurídico y régimen de derechos, Valencia: tirant lo blanch, 2007, p. 82, admitindo a conclusão de que o Estado não deve intervir quando não há coacção, estando em causa adultos que decidem “livremente” exercer a prostituição, questiona, todavia, se «podemos dizer que é “livre” o exercício da prostituição quando não há coacção ou intimidação”.
[15] Ver o artigo 174 (recurso à prostituição de menores) do CP, onde prostituição é definida como prática de acto sexual de relevo mediante pagamento ou outra contrapartida.
[16] Maria do Carmo Silva Dias, “Repercussões da Lei nº 59/2007, de 4/9 nos crimes contra a liberdade sexual”, Revista do CEJ, 1º semestre 2008, nº 8 (especial) pp. 249 a 252.
[17] Lei nº 5/2002, de 11/1 (estabelece medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira) que, entretanto, já foi alterada (embora sem implicações neste caso concreto) pela Lei nº 19/2008, de 21/4.
[18] Jorge A. F. Godinho, “Brandos Costumes? O confisco penal com base na inversão do ónus da prova (Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro, artigos 1º e 7º a 12º), in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, p. 1316, no que respeita a esse regime especial de “«perda de bens» a favor do Estado prefere chamar-lhe “confisco”, recordando que a Lei nº 5/2002 “introduziu no ordenamento jurídico português, para efeito de confisco penal, uma presunção de origem ilícita de certos bens identificados pela acusação e, em consequência, atribui ao arguido o ónus da prova do contrário. As razões invocadas pelo legislador para a consagração desta solução partem da constatação da dificuldade, sentida em muitos casos, de provar a origem dos bens que o Estado pretende confiscar.”
[19] José Damião da Cunha, “Perda de bens a favor do Estado - artigos 7-12 da Lei nº 5/2002, de 11 de Janeiro (Medidas de combate à criminalidade organizada e económico-financeira), in Medidas de Combate à Criminalidade Organizada e Económico-Financeira, Coimbra Editora, 2004, p. 134.
[20] José Damião da Cunha, ob. cit., p. 123.
[21] Jorge Godinho, ob. cit., p. 1318.
[22] Damião da Cunha, ob. cit., p. 129, nota 3.
[23] Como diz Figueiredo Dias, Direito Processual Penal (lições do Prof. Doutor Jorge de Figueiredo Dias, coligidas por Maria João Antunes), p. 111, “a necessidade de dar maior fixidez e concretização ao princípio do contraditório, autonomizando-o decididamente do princípio da verdade material e do direito de defesa do arguido, leva à sua concepção como princípio ou direito de audiência; como (…) oportunidade conferida a todo o participante processual de influir, através da sua audição pelo tribunal, no decurso do processo”.
[24] Ver, ainda, art. 6 § 1 da Convenção Europeia dos Direitos Homem, quando estabelece que “qualquer pessoa tem direito a que a sua causa seja examinada equitativa e publicamente, num prazo razoável por um tribunal independente e imparcial, estabelecido pela lei (…)”.
[25] Ibidem. Acrescentando o Autor na mesma nota que o «ónus de contestação não implica forçosamente uma inversão do ónus da prova em termos decisórios. O ónus da prova – é apenas um critério para o caso de o tribunal ficar em dúvida sobre a “licitude” dos bens. (…) Basta compreender que, nesta interpretação, se o MP não convencer o tribunal da presumível actividade criminosa ou da “incongruência” dos bens, ao condenado nada é exigido, em termos de ónus. Assim, não se pode confundir entre exigências probatórias para a condenação penal e exigências probatórias para outras questões.»
[26] Damião da Cunha, ob. cit., p. 143, acrescentando que a sanção «se baseia numa regra de cálculo, puramente matemático, e por isso é uma sanção de carácter puramente objectivo (quase fiscal) que não tem qualquer elemento de “pessoalidade”.»
[27] Jorge Godinho, ob. cit., p. 1342.
[28] Jorge Godinho, ob. cit., p. 1345.
[29] Assim, Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, p. 632.
[30] Ibidem.
[31] Assim, acórdãos do TC nº 202/2000 e nº 176/2000.
[32] Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, pp. 620 e 628, que seguiremos de perto.
[33] Assim, Ac. do STJ de 28/5/2008, proferido no processo nº 583/08, relatado por Raul Borges (consultado no site do ITIJ), citando diversa jurisprudência, nomeadamente, Ac. do STJ, de 21/10/2004, CJ Ac. STJ 2004, III, 205, dando conta das posições do STJ nesta matéria, apontando-se “para a exigência de que a relação do objecto com a prática do crime se revista de um carácter significativo, com recurso à causalidade adequada para aferição do nexo de instrumentalidade entre a utilização do objecto e a prática do crime, com convocação do princípio da proporcionalidade, no sentido de que a perda do instrumentum sceleris terá de ser equacionada com esse princípio relativamente à importância do facto, de forma a não se ultrapassar a justa medida.”
[34] Anabela Rodrigues, «O modelo da prevenção na determinação da medida concreta da pena», in RPCC ano 12º, fasc. 2º (Abril-Junho de 2002), p. 155, refere que o art. 40 CP condensa “em três proposições fundamentais, o programa político-criminal - a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos; de que a culpa é tão só um limite da pena, mas não seu fundamento; e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena”.
[35] Neste sentido, v.g. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime, Editorial Noticias, 1993, p.198.
[36] Anabela Rodrigues, «Pena de prisão substituída por pena de prestação de trabalho a favor da comunidade (prática de um crime de receptação dolosa) Sentença do Tribunal de Círculo da Comarca da Figueira da Foz de 29 de Maio de 1998», in RPCC ano 9º, fasc. 4º (Outubro-Dezembro de 1999), p. 644, a propósito da aplicação em alternativa de duas penas principais, esclarece que “(…) a opção pela aplicação de uma ou outra pena à disposição do tribunal não envolve um juízo, feito em função das exigências preventivas, sobre a necessidade da execução de pena de prisão efectiva – que o juiz sempre terá que demonstrar para fundamentar a aplicação da pena de prisão -, mas sim um juízo de maior ou menor conveniência ou adequação de uma das penas em relação à outra, em nome da realização das referidas finalidades preventivas.”
[37] Figueiredo Dias, ob. cit., p. 72.
[38] Figueiredo Dias, ob. cit., p. 214.
[39] Jorge Figueiredo Dias, "Sobre o estado actual da doutrina do crime”, RPCC, ano 1º, fasc. 1º (Janeiro-Março de 1991), p. 29.
[40] Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte geral II, As consequências jurídicas do crime, p. 91.
[41] Não vamos aqui fazer referência à ausência de implementação no terreno de um plano nacional específico direccionado para a protecção (por meios não penais) real e eficaz de quem se dedica à prostituição (não desconhecemos v.g. o I Plano Nacional Contra o Tráfico de Seres Humanos 2007-2010, aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros nº 81/2007, DR I Série de 22/6/2007 e o estatuído no DL nº 229/2008, de 27/11, que cria o Observatório do Tráfico de Seres Humanos). Nem sequer iremos entrar na querela de saber se haverá limites (ou se terão ou deverão ser impostos) para a pessoa (adulto) que quer converter o seu corpo em mercadoria e, tão pouco nos iremos pronunciar (por não ser este o local adequado) sobre a crítica, que permanece válida (defendida por Anabela Rodrigues, Comentário Conimbricense, tomo I, pp. 519 e 520), no sentido de a conduta descrita no nº 1 do artigo 169 do CP (tal como se mostra configurada) dever ser descriminalizada por continuar a ser “um crime sem vítima”, onde se protege um bem transpessoal na medida em que na sua descrição não há qualquer forma de pressão sobre a pessoa, não há qualquer acto de coacção ou equiparado, ao contrário do que sucede no nº 2 do mesmo preceito legal.
[42] Mesmo em relação ao crime previsto no artigo 170 (lenocínio), veja-se a anotação de Anabela Rodrigues, Comentário Conimbricense, tomo I, p. 525, quando refere que «fomentando a prática de actos sexuais de relevo, o agente “colabora no processo de decisão” e, favorecendo ou facilitando a prática dos referidos actos, o agente colabora no “processo de execução”. O que quer dizer que o agente, em qualquer dos casos, apenas colabora no encaminhamento da vítima para a prostituição ou para a prática de actos sexuais de relevo, mas não determina a sua vontade para a prática dos referidos actos (não a leva à prática dos referidos actos)», concluindo não haver aqui qualquer “coacção” por parte do sujeito activo. Também não se pode esquecer que a exigência da clara definição do bem jurídico a proteger nos crimes sexuais, leva a conceber a liberdade e a autodeterminação da expressão sexual, como um dos vectores em que se analisa a liberdade da pessoa humana, enquanto concretização da «liberdade geral de acção» ou do «direito ao livre desenvolvimento da personalidade», sempre liberdades e direitos fundamentais constitucionalmente reconhecidos, que se fundam no valor supremo da dignidade humana (assim, Maria do Carmo Silva Dias, ob. cit., p. 220).
[43] O «pecado» e a «imoralidade» sempre estiveram indissoluvelmente ligados e sempre foram associados à sexualidade exercida fora das regras permitidas, isto é, fora do casamento, tendo justificado ao longo dos tempos uma sagrada, rigorosa e máxima - hoje podemos dizer «irracional» - tutela penal. Como diz Lüttger (Apud. Costa Andrade, “Direito Penal e modernas técnicas biomédicas”, Revista de Direito e Economia, ano XII, 1986, p. 102) «o direito penal tem de deixar de valer como instância moral do cidadão ou de representar qualquer mínimo ético». Importa, por isso, ter presente que o direito penal é um instrumento de tutela subsidiária de bens jurídicos (e não de castigo da imoralidade, como nunca é demais repetir). Aliás, o sistema penal deve ter o cuidado de não restringir mais a liberdade sexual da pessoa do que o próprio sistema social (neste sentido, Maria do Carmo Silva Dias, Crimes sexuais com adolescentes. Particularidades dos artigos 174 e 175 do Código Penal Português, Coimbra, Almedina, 2006, p.203, 211, 241).
[44] Neste sentido, Germano Marques da Silva, Direito Penal Português, Parte Geral, III, Teoria das Penas e das Medidas de Segurança, Editorial Verbo, 1999, p. 167 e Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, II, As consequências jurídicas do crime, p. 291. Acrescenta este último Autor que “tudo se deve passar como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão só, a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
[45] Ver Jorge Figueiredo Dias, ob. cit., p. 291.
[46] Ver, ainda, a Declaração de Rectificação nº 102/2007 de 31/10.
[47] Jorge Figueiredo Dias, Direito Penal Português, as consequências jurídicas do crime, p. 91.
[48] Anabela Rodrigues, ob. cit., p. 256.
[49] Neste sentido, entre outros, Ac. do STJ de 27/6/1996; CJ 1996, II, 204.