Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
733/19.8GAMAI.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ELSA PAIXÃO
Descritores: FURTO
COMBUSTIVEL
VEÍCULO
QUALIFICATIVA
Nº do Documento: RP20200122733/19.8GAMAI.P1
Data do Acordão: 01/22/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Da sistemática do artigo 204º do C. Penal decorre, com segurança, que a protecção das coisas móveis colocadas ou transportadas em veículos está toda ela contida na alínea b) do n.º 1.
II - O combustível existente no depósito de um veículo é coisa imprescindível ao funcionamento do veículo, que não goza de autonomia relativamente a este, não podendo ser considerado como uma coisa “colocada ou transportada” em veículo, para efeitos do preenchimento da qualificativa legal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 733/19.8GAMAI.P1
Juízo Local Criminal da Maia (juiz 2) do Tribunal Judicial da Comarca do Porto
Acordam, em Conferência, os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto:
I – RELATÓRIO
No Juízo Local Criminal da Maia (juiz 2) do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, no processo sumário nº 733/19.8GAMAI, foram submetidos a julgamento os arguidos B… e C…, tendo sido proferida decisão com o seguinte dispositivo:
Em face do exposto, o Tribunal julga a acusação pública totalmente procedente, por provada e, em conformidade, decide:
a) Condenar o arguido, B…, pela prática no dia 04/07/2019, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203º, 204º, nº 1, al. b) e 26º, todos do Código Penal, na pena de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa à taxa diária de €6,00 (seis euros), o que perfaz o total de €2.100,00 (dois mil e cem euros);
b) Condenar o arguido, C…, pela prática no dia 04/07/2019, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelo artigo 203º, 204º, nº 1, al. b) e 26º, todos do Código Penal, na pena de 450 (quatrocentos e cinquenta) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros), o que perfaz o total de €2.250,00 (dois mil duzentos e cinquenta euros);
c) Condenar, cada arguido, nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC. -
Após trânsito:-
Remeta boletins ao registo criminal. -
Notifique e deposite (art.º 372.º, n.º 5 do C. P. Penal). -
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Inconformados com a sentença, os arguidos vieram interpor recurso, terminando a motivação com as seguintes conclusões (transcrição):
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O recurso foi admitido (cfr. despacho de fls. 89).
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O Ministério Público respondeu, defendendo que “o recurso dos arguidos não merece provimento em nenhuma das suas vertentes, devendo manter-se a douta decisão recorrida”.
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Nesta Relação, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto, defendendo que “estando dado como provado que os arguidos se apropriaram de 200 litros de gasóleo que se encontravam nos depósitos das máquinas industriais identificadas, para o que partiram as respetivas tampas, parece-nos seguro concluir, à luz do acima exposto, que os mesmos se constituíram coautores materiais de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos artigos 203º, nº 1, e 204º, nº 1, al. e), do C. Penal”, e que “no que respeita ao questionado quantum das penas, tendo em conta o grau da ilicitude das condutas (desvalor da ação e desvalor do resultado), a intensidade dolosa (dolo direto), a moldura penal e os demais parâmetros legais em que assenta a sua determinação – tudo devidamente ponderado em 1ª instância – é nossa convicção que as penas aplicadas se revelam razoáveis, justas e adequadas à satisfação das finalidades das sanções penais”, emitiu parecer no sentido de que “alterada a qualificação jurídica como acima referido – será de confirmar, no mais, a decisão recorrida”.
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Cumpriu-se o disposto no artigo 417º, nº 2 do Código de Processo Penal, não tendo sido apresentada resposta.
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Efetuado exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência.
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II - FUNDAMENTAÇÃO
Passemos agora ao conhecimento das questões alegadas nos recursos interpostos da decisão final proferida pelo tribunal singular.
Para tanto, vejamos, antes de mais, o conteúdo da decisão recorrida.
O Tribunal a quo considerou provados os seguintes factos:
1. No dia 04.07.2019, pela 1h00, os arguidos B… e C…, na execução de um plano previamente delineado entre ambos, dirigiram-se à Rua, na Maia, com o intuito de se apropriarem do combustível que encontrassem no interior dos veículos que se encontravam parqueados naquele local.
2. chegados, os arguidos B… e C…, em comunhão de esforços e intentos, partiram as tampas do depósito de combustível e, para tanto utilizando uma mangueira, retiraram o gasóleo existente nos depósitos dos seguintes veículos, utilizados pela sociedade ofendida D…, SA:
- 1 (uma) máquina industrial, de marca Dumper, modelo…;
- 1 (uma) máquina industrial, de marca Caterpillar, modelo;
- 1 (uma) máquina industrial, de marca John Deer, modelo;
3. Após, colocaram tal combustível, na quantidade global de 200 litros, dentro de 10 bidões que, para o efeito, transportaram consigo.
4. Cada litro de gasóleo tem o valor de 1,41€ por litro.
5. Entretanto, quando se preparavam para abandonar o local na posse dos aludidos bidões, foram os arguidos interceptados e detidos pelos militares da GNR.
6. Os arguidos actuaram, em comunhão de esforços e de intentos, com o propósito comum de fazer seu o aludido combustível, bem sabendo que não lhes pertencia e que ao retirarem o mesmo do interior dos veículos, onde se encontrava depositado, agiam contra a vontade, sem autorização e em prejuízo do respectivo proprietário.
7. Actuaram de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
8. O arguido B… vive com a esposa e tem filho de 6 anos de idade. Ganha 600 euros, a esposa também ganha 600€, vivem em casa arrendada, pagando 250€ de renda. Tem despesas de água, luz, alimentação, telefone de cerca de 500/600€. Tem o 11º ano de escolaridade. Não tem antecedentes criminais conhecidos.
9. O arguido C… está desempregado, não aufere subsídio de desemprego, já tem perspectivas de trabalho, vive com a companheira e os sogros e tem 2 filhos de cinco e dois anos e meio de idade. A companheira trabalha num armazém e aufere o ordenado mínimo. Pagam as despesas a meias com os sogros, tem despesas no valor de 450/500€. Tem o 7º ano de escolaridade. Tem antecedentes criminais, tendo sido condenado em 11,06.2012 pela prática de um crime de receptação, numa pena de multa já declarada extinta.
O Tribunal a quo motivou a sua decisão, nos seguintes termos:
«Os arguidos não prestaram declarações. Mas apesar do seu silencio, atendendo à prova produzida, sobretudo à prova produzida pelos agentes da GNR, ficou cabalmente provados os factos constantes da acusação, porque os mesmos assim o afirmaram, cujas declarações foram consideradas absolutamente credíveis e sinceras, para além de que agiram no desenvolvimento da sua actividade de segurança pública.
Tais agentes descreveram os factos de forma muito clara, que não levanta qualquer dúvida ao tribunal de que foram os arguidos que retiraram a gasolina das máquinas em questão, estes foram encontrados no local, não estava mais ninguém, estavam lá bidões de gasolina na altura que não estavam lá quando os agentes tinham passado por volta das 11.30horas do dia 3, os arguidos cheiravam a gasolina, pelo que não há qualquer dúvida de que só poderiam ter sido os arguidos a cometer o furto em questão.
Sendo assim, verificam-se integralmente preenchidos os elementos constitutivos do crime pelo qual os mesmos estão acusados.
Considerando efectivamente que (….) portanto, estava eu a dizer que considero cabalmente preenchidos todos os elementos constitutivos do crime pelo qual os senhores estão acusados e considerando que de facto integra a prática do crime qualificado, previsto e punível no art.º 204, n.º 1, alínea b), porque de facto, considero que se enquadra nesta alínea, na medida em que não deixa de ser algo que esteja colocado em veículo.
E nessa medida, julgo que estarão preenchidos estes, estas alíneas, e os elementos constitutivos, objectivo e subjectivo, que os arguidos não podiam desconhecer que estavam a fazer, a praticar, um crime, que estavam a retirar algo que não lhes pertencia.
Este crime é punido com pena de prisão até 5 anos ou com pena de multa até 600 dias, portanto importa se será de aplicar ou condenar os arguidos numa pena de prisão ou numa pena de multa.
Para isso ponderam-se as necessidades de prevenção especial e as necessidades de prevenção geral.
No que diz respeito às necessidades de prevenção especial, as mesmas consideram-se moderadas relativamente ao senhor B…, o mesmo não tem antecedentes criminais conhecidos, está familiar e profissionalmente integrado, e no que diz respeito aqui ao senhor C…, apesar de o mesmo ter antecedentes criminais, o quemitiga um pouco a moderação das necessidades de prevenção especial, o facto é que se trata de um crime cometido em 2012, e o mesmo encontra-se familiar e socialmente integrado.
Quanto às necessidades de prevenção geral, as mesmas são muito elevadas, os crimes contra o património avultam no nosso país, e urge tomar medidas para reprimir esta situação e sensação de alarme social que tanto temos quanto ao crime contra o património.
Tudo isto visto, dito e, mais uma vez repito, ponderado, considero que a aplicação de uma pena de multa ainda será suficiente para satisfazer as finalidades punitivas.
E, nessa medida, considerando que os arguidos agiram com dolo directo, considerando o desvalor do resultado, considerando as necessidades de prevenção geral e especial que referi pouco, considerando a vossa situação pessoal e económica, eu condeno o arguido B… numa pena de 350 dias de multa à taxa diária de €6,00, e condeno o arguido C… numa pena de 450 dias de multa à taxa diária de €5,00.
O que é que aqui muda, se, à partida, os comportamentos foram iguais?
O senhor C… teve uma condenação e portanto isso tem de ponderar na determinação da medida concreta da pena.
Por outro lado, a sua situação económica verifica-se mais precária do que a do senhor B… e daí a diferença da taxa legal.
que descontar a estes dias de multa 1 dia relativamente a cada 1 dos arguidos, quanto ao art.º 80.º, n.º 2 do Código Penal, em virtude da detenção».
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Enunciação das questões a decidir no recurso em apreciação.
O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões extraídas pelos recorrentes da respetiva motivação, sendo apenas as questões aí sumariadas as que o tribunal de recurso tem de apreciar, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, designadamente os vícios indicados no art. 410º nº 2 do Código de Processo Penal [cfr. Germano Marques da Silva, “Curso de Processo Penal” III, 3ª ed., pág. 347 e jurisprudência uniforme do STJ (Ac. STJ de 28.04.99, CJ/STJ, ano de 1999, p. 196 e jurisprudência ali citada e Ac. STJ para fixação de jurisprudência nº 7/95, de 19/10/95, publicado no DR, série I-A de 28/12/95)].
Assim, face às conclusões apresentadas pelos arguidos, importa decidir as seguintes questões:
- Qualificação jurídica dos factos;
- Determinação da medida concreta da pena de multa.
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Decidindo.
Questionam os recorrentes a qualificação jurídica dos factos e como sua decorrência a medida da pena, defendendo que “Os factos julgados provados não preenchem a norma qualificativa constante da al. b) do n.º 1 do artigo 204.º CP e, nessa medida, não permitem a condenação dos Arguidos pelo crime de furto qualificado”, mas “integram apenas o tipo de ilícito do furto simples simples, p. e p. no artigo 203.º, n.º 1 CP e, nessa medida, só podem fundamentar uma condenação por esse crime”.
Para tal avançam que “A subtração do combustível que se encontra nos depósitos dos veículos não configura a subtracção de uma coisa móvel alheia colocada ou transportada em veículo, uma vez que o combustível não é coisa transportada ou colocada no veículo para efeito de ser transportada ou guardada, antes sendo uma substância inerente e essencial ao funcionamento do veículo”.
Vejamos.
O tribunal a quo enquadrou a conduta dos arguidos na alínea b) do nº 1 o artigo 204º do Código de Processo Penal e condenou os mesmos pela prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de furto qualificado, por entender que a subtração do combustível do depósito dos veículos em causa “não deixa de ser algo que esteja colocado em veículo”.
Os recorrentes entendem que o gasóleo não é transportado, ou colocado no veículo, mas é inerente ao seu funcionamento.
Em abono desse entendimento, os recorrentes convocam o acórdão da Relação de Coimbra, de 4 de maio de 2016, proferido no Proc. 61/12.0GBMGR.C1, disponível em www.dgsi.pt, segundo o qual a previsão típica da alínea b) do nº 1 do artigo 204º “não abrange o combustível existente no depósito de veículo, porquanto não é coisa naquele colocada, sendo, isso sim, substância estritamente necessária ao funcionamento da viatura”.
Vejamos.
Dispõe o artigo 204º, nº 1 do Código Penal:
1 - Quem furtar coisa móvel alheia: (…)
b) Colocada ou transportada em veículo ou colocada em lugar destinado ao depósito de objectos ou transportada por passageiros utentes de transporte colectivo, mesmo que a subtracção tenha lugar na estação, gare ou cais; (…)
e) Fechada em gaveta, cofre ou outro receptáculo equipados com fechadura ou outro dispositivo especialmente destinado à sua segurança;
f) Introduzindo-se ilegitimamente em habitação, ainda que móvel, estabelecimento comercial ou industrial ou espaço fechado, ou aí permanecendo escondido com intenção de furtar; (…) é punido com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.
No sentido de resolver o dissídio em causa, também, nos parece não ser de configurar o combustível introduzido no interior do respetivo depósito como uma coisa «colocada ou transportada» em veículo.
Na exposição de motivos da proposta de Lei 98/X consta que: «em sede de qualificação do furto, equipara-se a colocação no interior de veículo ao transporte da coisa, por se tratar de condutas identicamente graves e censuráveis» e que «tal solução remove dificuldades de prova quase insuperáveis».
Maia Gonçalves, aludindo à alínea b) do n.º 1 do artigo 204.º do Código Penal considera «abrange o transporte em quaisquer veículos, motorizados ou não, ainda que não estejam em movimento, como é o caso do furto de um fato de dentro de um automóvel estacionado na via pública". Acrescenta o mesmo autor que "a questão sobre a colocação em veículos que não se encontrem em movimento suscitou algumas dúvidas, mas acabou por ser resolvida, no sentido que sempre defendemos, através do aditamento introduzido na aludida alínea b) de «colocada ou» pela Lei [n.º 59/2007]»
Por sua vez, Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2ª Ed., pag. 637 refere: «Estão incluídas no âmbito da tipicidade três situações de facto: a subtração da coisa que é transportada dentro ou sobre um veículo; a subtração da coisa que se encontra dentro ou sobre um veículo com vista a ser transportada, encontrando-se o veículo parado; a subtração de coisa que foi colocada dentro ou sobre um veículo, não para transporte, mas para utilização (como, por exemplo, o GPS, o auto-rádio, os estofos, o triângulo de pré-sinalização ou o emblema da marca do veículo)».
Afigura-se-nos, em consonância com o decidido no aludido Acórdão do TRC de 04.05.2016 “que a extensão, introduzida pela Lei n.º 59/2007, do âmbito de aplicação da norma à coisa «colocada» em veículo deverá ser encarada como a manifestação do propósito de conferir proteção acrescida a todas as coisas que se encontrem em veículo, isto é a coisas móveis alheias nele deixadas”.
E como se refere na fundamentação do mesmo acórdão o combustível existente no depósito de um veículo constitui uma “coisa imprescindível ao funcionamento do veículo (…) que não goza de perfeita «autonomia» relativamente ao veículo, ou seja, sem a qual o mesmo não é capaz de desempenhar a sua função”, pelo que não pode ser considerado como uma coisa “colocada ou transportada” em veículo, para efeitos do preenchimento da referida previsão legal.
Neste entendimento, que tendemos a propugnar e que não está isento de dúvida, o combustível existente no depósito de um veículo não é uma coisa por ele ou nele “transportada”, mas também não pode ser considerado uma coisa “colocada” no veículo.
Como decorre ainda do citado acórdão, esta interpretação é confortada pela própria letra do preceito que concorre no sentido dessa interpretação, “designadamente enquanto, por duas vezes, utiliza a expressão colocada, a segunda das quais colocada em lugar destinado ao depósito de objetos, circunstância que induz a ideia de reportar-se à coisa deixada, não se vendo motivo para no âmbito do mesmo preceito conceder uma diferente abrangência à expressão colocada, em primeiro lugar usada”.
Em conformidade com o entendimento expendido e, aliás em consonância com a tese defendida pelos recorrentes, fixada que está, definitivamente, a matéria de facto, consideramos que a conduta dos arguidos não é enquadrável na previsão da alínea b) do nº 1 do artigo 204º do Código Penal.
Por outro lado e, revertendo para a factualidade definitivamente assente, consideramos que a conduta dos arguidos não é enquadrável na previsão da alínea e) do nº 1 do artigo 204º do Código Penal, conforme propugna o Sr. Procurador-Geral Adjunto no seu parecer (desde logo, para o preenchimento da qualificativa em causa o que o agente tem de representar e querer é apropriar-se de coisa que está fechada em gaveta, cofre ou outro receptáculo).
Da sistemática do artigo 204º parece decorrer, com segurança, que a protecção das coisas móveis colocadas ou transportadas em veículos está toda ela contida na alínea b) do nº 1, e a alínea e) reporta-se necessariamente a espaços “autónomos”, ou seja, espaços que não estão integrados em objectos em relação aos quais têm uma função meramente instrumental, cuja finalidade e função é guardar e estão fechados, com mecanismo que dificulta a sua abertura, sem a chave ou dispositivos próprios.
Refere Faria Costa, in Comentário Conimbricense do Código Penal, tomo II, Coimbra Editora, 1999, pag. 66 “um automóvel não é, não pode ser um receptáculo”. E o depósito de combustível não é um receptáculo, mas sim uma parte componente do veículo, pensamos nós.
Por conseguinte, face a todo o exposto, procede, assim, nesta parte o recurso, pois a conduta dos arguidos preenche apenas a previsão do crime de furto simples, previsto e punível pelo artigo 203º, nº 1 do Código Penal.
Por via desta alteração do crime, pugnam os arguidos pela “aplicação de uma pena de multa mais próxima do terço inferior da moldura penal aplicável, o mesmo é dizer dos 120 dias de multa, às taxas concretamente aplicadas pelo Tribunal a quo”.
O arguido B… foi condenado na pena de 350 (trezentos e cinquenta) dias de multa à taxa diária de €6,00 (seis euros) e o arguido, C… Na pena de 450 (quatrocentos e cinquenta) dias de multa à taxa diária de €5,00 (cinco euros), pelo crime qualificado, cuja pena abstracta é de 2 a 8 anos, pelo que em face da nova moldura penal, prisão até 3 anos ou pena de multa (que, nos termos do artigo 47.º do Código Penal tem o limite mínimo de 10 dias e o limite máximo de 360 dias), se impõe a alteração da pena.
Esta é apenas questionada no seu quantitativo, sendo que os arguidos não questionam a opção do tribunal a quo pela aplicação da pena de multa, em face do que dispõe o artigo 70º do Código Penal.
Assim sendo, cumpre atentar nos factos provados e a ponderar nos termos do artigo 71º do Código Penal.
Consideramos ser relevante considerar a este nível, no que às exigências de prevenção geral diz respeito, a frequência com que este tipo de crimes vem sendo praticado, e o alarme social daí decorrente.
No plano da prevenção especial, afigura-se-nos que as mesmas se situarão a um grau mais elevado relativamente ao arguido C…, que possui uma anterior condenação, aliada à personalidade evidenciada por ambos os arguidos.
A favor dos mesmos há que ponderar que se encontram, ao que tudo indica, social e familiarmente bem inseridos, sendo que o arguido B… também está profissionalmente integrado.
Na esteira do supra enunciado, e apreciando os critérios do artigo 71°, n° 2 do Código Penal, que influenciam a pena pela via da culpa, sendo certo que a ilicitude também releva por essa via, deve considerar-se:
- a ilicitude é alta, tendo que o crime foi executado por duas pessoas, à noite, com consequências para o lesado, considerando o valor do combustível;
- o dolo é directo e por isso intenso;
- o arguido C… tem antecedentes criminais e o arguido B… não tem; encontram-se ambos social e familiarmente inseridos, e o arguido B… está integrado a nível profissional.
Assim, sopesadas, todas as circunstâncias supra enunciadas e a que alude o artigo 71º do Código Penal, a factualidade assente, a moldura penal abstracta aplicável ao crime de furto simples (punível com pena de 10 a 360 dias de multa - cfr. artigo 203º, nº 1, do Código Penal, às exigências de prevenção geral e especial e do limite imposto pela culpa, tudo ponderado, afigura-se-nos justo e adequado condenar o arguido B…, na pena de 200 (duzentos) dias de multa e condenar o arguido, C… na pena de 250 (duzentos) dias de multa, à taxa diária fixada pelo tribunal a quo.
Procede, assim, parcialmente o recurso dos arguidos.
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III – DECISÃO
Pelo exposto, acordam os juízes da 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder parcial provimento ao recurso interpostos pelos arguidos e, em consequência, revogando a sentença recorrida, como autores de um crime de furto simples, previsto e punível pelo artigo 203º, nº 1 do Código Penal, condenam o arguido B… na pena de 200 (duzentos) dias de multa e condenam o arguido C… na pena de 250 (duzentos e cinquenta) dias de multa.
Sem custas pelos recorrentes.
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Porto, 22 de janeiro de 2020
Elsa Paixão
Maria dos Prazeres Silva