Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
108/17.3T8VCD-G.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOÃO DIOGO RODRIGUES
Descritores: COMPETÊNCIA
JUÍZO DE FAMÍLIA E MENORES
CONSERVATÓRIA DE REGISTO CIVIL
Nº do Documento: RP20200324108/17.3T8VCD-G.P1
Data do Acordão: 03/24/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Tendo havido decisão judicial a fixar alimentos a menores, ainda que por sentença homologatória de acordo relativo às responsabilidades parentais, a subsequente ação de alimentos a maior, na qual se peçam também alimentos provisórios, é da competência do Juízo de Família e Menores e não da Conservatória do Registo Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 108/17.3T8VCD-G.P1
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Sumário:
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Acordam no Tribunal da Relação do Porto:

I- Relatório
1- No processo para alteração das responsabilidades parentais que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo de Família e Menores de Vila do Conde - Juiz 1- foi homologado judicialmente o acordo aí obtido entre B… e C…, relativamente ao exercício daquelas responsabilidades em relação à filha de ambos, D…, nascida no dia 06/01/2001.
Nos termos desse acordo, esta filha, então menor, ficou a residir com o pai, pagando a mãe, a título de alimentos, 120,00€ mensais.
2- Posteriormente, no dia 03/10/2019, por apenso àquele processo, veio a referida C…, pedir que o pai da sua dita filha seja condenado a pagar a esta última quantia mensal não inferior a 650,00€ e, provisoriamente, 500,00€. Isto porque, em síntese, essa mesma filha atingiu a maioridade, já não reside com o pai, como fora estabelecido no processo primeiramente referido, porque aquele a expulsou de casa, e passou a habitar na residência da mãe desde Setembro de 2019, encontrando-se a concluir o seu processo académico e formativo, sem meios financeiros para o fazer, só com a ajuda da mãe, pois que o pai nada lhe paga, a título de alimentos.
3- Este pedido, no entanto, não foi apreciado por o tribunal se ter julgado materialmente incompetente, pois competente seria a Conservatória do Registo Civil, onde previamente se devia aferir a possibilidade de entendimento entre Requerente e Requerido.
4- Inconformada com esta decisão, dela recorre a Requerente, terminando as suas alegações com as seguintes conclusões:
“1. No requerimento inicial do pedido de alteração das responsabilidades parentais, relativamente ao Requerido, a Recorrente requereu, tendo em conta a urgência da situação em que se acha a sua filha maior, D…, a adopção de uma medida provisória ou cautelar, relativamente à única questão colocada no processo, que é a questão da fixação de uma prestação alimentar a cargo do seu pai, o recorrido, o que fez nos termos do disposto no artigo 28º da Lei 141/2015 de 8 de Setembro.
2. Peticionou a recorrente a tal propósito a imediata condenação do Recorrido no pagamento de uma prestação alimentar provisória.
3. Ora, a sentença, como dela se vê, limitou-se a aferir a competência material do tribunal, relativamente ao pedido principal, de condenação do Requerido no pagamento de uma prestação de alimentos á sua filha D…, sem nada referir a propósito do pedido de fixação pelo tribunal de uma pensão provisória, seja para dizer que também para ele se julgava o tribunal materialmente incompetente, seja para dizer deferir ou indeferir tal pedido.
4. Ou seja, comportando o Requerimento inicial dois pedidos, um relativo à fixação de uma prestação alimentar a cargo do pai da D…, e outro relativo à fixação de uma pensão de alimentos provisória, destinada a vigorar durante a lide, a sentença apenas se debruçou sobre os critérios legais de competência aplicáveis em função do primeiro de tais pedidos, omitindo qualquer pronuncia, sequer quanto à questão da competência do tribunal, quanto ao segundo, o que leva a que a sentença seja nula, nessa medida, atento o disposto no artigo 615º nº 1 alínea d) do CPC.
5. Porém, caso se entenda que o tribunal no seu juízo de competência, incluiu o pedido de condenação do requerido numa pensão provisória, então, forçoso é concluir que nesse particular a sentença sempre seria completamente ilegal, porquanto em lei alguma se estatuiu que as conservatórias do registo civil são competentes para julgarem pedidos de fixação de pensões de alimentos provisórias, de que sejam credores filhos maiores.
6. A sentença recorrida é, para além disso, ilegal, porquanto se trata de decisão assente numa questão relativamente à qual nem a Requerente, nem o Requerido– que sequer foi ainda citado ou notificado para os termos da causa – foram chamados a pronunciar-se, e que a Requerente não havia abordado de forma sequer indirecta ou implícita no Requerimento Inicial, o que constitui violação clara do disposto no artigo 3º nº 3 do CPC.
7. Na verdade, não tendo o Requerido sequer chegado a intervir nos autos, e nunca tendo a Requerente abordado a questão da competência ou incompetência material do tribunal, a decisão recorrida, tendo sido tomada unicamente com base nesse fundamento, não deixará de constituir para a recorrente uma verdadeira decisão surpresa.
8. Ou seja, a sentença recorrida, julgou o tribunal materialmente incompetente, sem que nenhuma das partes tivesse sido ouvida sobre a questão, o que constitui flagrante violação do disposto no artigo 3.º (Necessidade do pedido e da contradição) nº 3 do CPC, segundo o qual, não é lícito ao tribunal, ”salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.”
9. O carácter basilar, para o moderno processo civil português, desta regra processual, é tal, que, inclusivamente, o estado português foi já condenado pela sua violação, pelos tribunais portugueses, pelo Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, como sucedeu na decisão deste último tribunal, de 17/5/2016, proferida no processo 4687/11, que condenou o Estado Português, por o Supremo Tribunal de Justiça ter apreciado num determinado processo, uma questão relativamente à qual não concedeu às partes o direito de sobre ela se pronunciarem previamente.
10. A sentença julgou materialmente incompetente o juízo de família e menores de Vila do Conde, com base no disposto no art. 5º, nº 1, al. a), do DL nº 272/01, de 13/10, segundo o qual, os pedidos de alimentos a filhos maiores ou emancipados correm os seus termos perante Conservador do Registo Civil territorialmente competente, tratando-se por isso de uma matéria subtraída aos Tribunais, pelo menos na sua fase inicial, só assim não sendo quando o Requerido deduzir oposição e as partes não se entenderem sob a solução a adoptar para o diferendo, como se alcança do disposto no artigo 8.º (Remessa do processo) do mesmo diploma.
11. Porém, a sobredita norma acha-se revogada, já desde 2015, altura em que foram publicadas e entraram em vigor, a Lei 141/2015, foi publicada a Lei n.º 122/2015, de 01 de Setembro – e a Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro – que instituiu o REGIME GERAL DO PROCESSO TUTELAR CÍVEL.
12. A primeira alterou o artigo 989º (Alimentos a filhos maiores ou emancipados) do CPC, de cujo nº 1 passou a constar que ”Quando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos dos artigos 1880.º e 1905.º do Código Civil, segue-se, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores.”, enquanto que o artigo 6.º (Competência principal das secções de famílias e menores), nº 1 alínea d), do segundo daqueles diplomas, passou a estatuir ”Compete às secções de família e menores da instância central do tribunal de comarca em matéria tutelar cível, ... fixar os alimentos devidos à criança e aos filhos maiores ou emancipados a que se refere o artigo 1880.º do Código Civil.”
13. Ou seja, sem qualquer distinção entre ambos, quer os alimentos devidos a filhos menores, quer os alimentos elativos a filhos maiores, passaram a estar incluídos na mesma norma de competência - que a atribuiu aos tribunais para tal especializados -, e obrigados a seguir a mesmíssima tramitação, do que resulta que a sentença recorrida aplicou lei revogada, quando decidiu que o Juízo de Família e Menores de Vila do Conde é materialmente incompetente.
14. A decisão ignorou igualmente uma outra circunstância, qual seja a de que nos autos principais, de que os presentes são mero apenso, foram no passado reguladas as responsabilidades parentais da recorrente e do recorrido, relativamente à sua filha D…, então ainda menor.
15. Ora, dispõe o nº 1 do artigo 42.º (Alteração de regime) da Lei 141/2015, que “... quando circunstâncias supervenientes tornem necessário alterar o que estiver estabelecido, qualquer um daqueles ou o Ministério Público podem requerer ao tribunal, que no momento for territorialmente competente, nova regulação do exercício das responsabilidades parentais.”,
16. Enquanto que a alínea b) do nº 2 do mesmo artigo, estatui que “Se o regime tiver sido fixado pelo tribunal, o requerimento é autuado por apenso ao processo onde se realizou o acordo ou foi proferida decisão final, para o que será requisitado ao respectivo tribunal, se, segundo as regras da competência, for outro o tribunal competente para conhecer da nova ação.”
17. Ou seja, mesmo que se julgasse nesta instância de recurso ajuizada a decisão da sentença, de aplicar a referida legislação revogada, ainda assim seria a mesma sentença, ilegal, porquanto, tendo corrido pelo tribunal a decisão que em último lugar e ainda na menoridade da D…, fixou os termos das responsabilidades de ambos os progenitores, designadamente no que respeita aos alimentos de que é credora, é de novo esse tribunal o competente para alterar ou fixar de novo tais alimentos, por apenso aos autos em que isso sucedeu previamente, apesar do filho se ter tornado entretanto maior, achando-se invariavelmente sufragado por diversas decisões judiciais dos tribunais superiores, tal entendimento.
18. Por último cumpre referir que a sentença sequer foi capaz de interpretar e aplicar correctamente a legislação revogada que optou por aplicar.
19. Na verdade, segundo tal legislação, segundo o confessado pelo próprio legislador, da lei de 2001, a transferência de competência dos tribunais para as conservatórias do registo civil, em matéria de alimentos devidos a filhos maiores, só ocorreria, ”na estrita medida em que se verifique ser a vontade das partes conciliável e sendo efectuada a remessa para efeitos de decisão judicial sempre que constate existir oposição de qualquer interessado.”
20. Partindo desse pensamento legislativo, diz a sentença que ”da análise do petitório não se vislumbra que quanto a este concreto pedido exista conflito entre requerente e requerido (cfr. Ponto 9º do petitório). Apenas é dito que com desde que passou a residir com a mãe frequenta estabelecimento de ensino, o que sucede desde que reside com a mãe é esta que o sustenta em exclusivo. E repare-se que aquando da data em que a D… atingiu a maioridade residia com o progenitor e este não estava vinculado ao pagamento da pensão de alimentos.”
21. Salvo o devido respeito, neste particular, a decisão revela-se completamente alheada da realidade processual, e do que a Recorrente, em nome da D…, alegou nos presentes autos.
22. Na verdade, a Recorrente alegou, entre outras coisas, que o pai da D… a pôs fora de casa (artigos 2. e 3. do articulado inicial), sem que nada permitisse supor que o iria fazer (artigo 11. do articulado inicial).
23. Alegou ainda que, por essa razão, a D… teve receio de se encontrar com o pai que se recusou a dizer-lhe em que local se poderiam encontrar (artigos 5. a 10. do articulado inicial), disponibilizando-se, apenas para falar com ela, em local para o qual a levaria, mas que não quis revelar qual seria, tendo a D… recusado essa possibilidade (artigo 11. do articulado inicial).
24. Desde então, disse a Recorrente na data em que deu entrada do seu pedido, nada o Requerido pagou à sua filha, vive ela, recorrente, a D…, e outro filho dela e do Recorrido, com os parcos rendimentos da mãe, e a pensão de alimentos que a recorrente recebe do Requerido, destinada ao seu filho E….
25. Vistos estes factos alegados pela recorrente, só por castigo se pode perceber que alguém haja entendido que se não “vislumbra que quanto a este concreto pedido exista conflito entre requerente e requerido”.
26. Na verdade, da matéria de facto alegada, a que a sentença não contrapôs quaisquer outros factos, decorre com assinalável clareza, não só a urgência da Requerente – que a sentença olimpicamente ignorou! - como ainda que a D… e o seu progenitor estão claramente desavindos e em conflito, pois é isso nada mais o que se pode intuir do comportamento de um pai que põe a filha, acabada de atingir a maioridade, e que tem em curso a sua formação académica fora de casa”.
Termina pedindo que seja revogada a decisão recorrida e se julgue materialmente competente o Tribunal recorrido.
5- Citado o Requerido, respondeu sustentando, em suma, que a instância recorrida decidiu acertadamente.
6- Recebido o recurso e preparada a deliberação, importa tomá-la:
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II- Mérito do recurso
1- Inexistindo questões de conhecimento oficioso, o objeto deste recurso, delimitado, como é regra, pelas conclusões das alegações da Recorrente, é constituído pelas seguintes questões:
a) Em primeiro lugar, saber se a decisão recorrida é nula pelas razões invocadas pela Apelante;
b) E, depois, decidir se a instância recorrida é materialmente competente para apreciar os pedidos por aquela formulados.
2- Baseando-nos nos factos descritos no relatório supra exarado -que são os únicos relevantes para o efeito -, vejamos, então, como solucionar estas questões:
Comecemos pela alegada invalidade formal da decisão recorrida. E, mais concretamente, pela violação do direito ao contraditório, de que se queixa a Apelante.
Sustenta ela, no fundo, que a dita decisão constituiu para si uma verdadeira surpresa, uma vez que nunca, antes, tinha sido ouvida sobre a questão da incompetência material.
E tem razão. Percorrendo o histórico eletrónico deste processo, facilmente se verifica que nunca à Apelante, antes da decisão recorrida, foi facultada a possibilidade de se pronunciar sobre a exceção de incompetência conhecida nessa decisão.
Assim, é manifesto que foi violado o seu direito ao contraditório.
Efetivamente, como é sabido, esse direito tem não só consagração legal, mas também constitucional. O princípio do contraditório emana de um outro princípio que se traduz na exigência constitucional de que o direito de ação, ou direito de agir em juízo, seja assegurado através de um processo equitativo (artigo 20.º da CRP). E, na noção de processo equitativo estão incluídas diversas dimensões às quais não é alheia a própria conformação do processo, de modo a que, através dele, se obtenha uma tutela judicial efetiva, em termos materialmente adequados.
Ora, uma das formas de alcançar esse resultado, no âmbito estritamente civil, é conferindo àqueles que são afetados pelas decisões judiciais o direito ao contraditório; ou seja, o direito de invocarem as pertinentes razões de facto e de direito que sejam necessárias para a defesa das suas posições processuais, o direito a oferecer as próprias provas, a controlar aquelas que são apresentadas pela parte contrária e ainda o direito de se pronunciarem sobre o valor probatório de todas elas.
Estes direitos estão legalmente consagrados, mas dedica-lhe particular atenção o artigo 3º do CPC.
Segundo este preceito, “[o] tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição” (n.º 1).
“Só nos casos excecionais previstos na lei se podem tomar providências contra determinada pessoa sem que esta seja previamente ouvida” (n.º 2).
E, como regra, “[o] juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem” (n.º 3).
De modo que, para um exercício efetivo do direito ao contraditório, o juiz não pode deixar de ouvir as partes sobre as questões que lhe cumpre resolver; sejam elas de conhecimento oficioso ou não. E, por regra, previamente à tomada de decisão.
Ora, como vimos, não foi isso que sucedeu em relação à exceção de incompetência material conhecida na decisão recorrida.
De modo que essa decisão não pode deixar de ter-se por nula, uma vez que incorreu em excesso de pronúncia (artigo 615.º, n.º 1, al. d), do CPC).
Por dois motivos:
“- O primeiro é o de que, até haver o proferimento da decisão-surpresa, não há nenhum vício processual contra o qual a parte possa reagir; a parte pode suspeitar de que o tribunal vai aplicar um regime não discutido no processo e de que vai proferir uma decisão-surpresa; todavia, é apenas no momento do proferimento desta decisão que o vício se manifesta e se constitui”;
O segundo “é o de que o vício que afecta uma decisão-surpresa é um vício que respeita ao conteúdo da decisão proferida; a decisão só é surpreendente porque se pronuncia sobre algo de que não podia conhecer antes de ouvir as partes sobre a matéria; a decisão padece de um vício de conteúdo e, por isso, é nula por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), CPC); estranho seria, aliás, que o vício que afecta a decisão-surpresa, sendo um vício de conteúdo, não tivesse o mesmo tratamento e não originasse as mesmas consequências dos demais vícios de conteúdo que, segundo o disposto no art. 615.º, n.º 1, CPC, conduzem à nulidade da sentença”[1].
Daí que se verifique a apontada nulidade.
De resto, a decisão em causa também já seria nula por omissão de pronúncia quanto aos alimentos provisórios, uma vez que, como refere a Apelante, nada foi decidido a esse respeito, sendo que essa era igualmente uma questão essencial a solucionar.
Assim, seja por uma razão, seja por outra, é linear, face ao que se dispõe nos artigos 608.º, n.º 2, e 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, que a decisão recorrida é nula.
E, sendo nula, uma vez que a Apelante já teve oportunidade de esgrimir as suas razões em sede de recurso, incumbe a esta instância suprir essa nulidade, nos termos do artigo 665.º, n.º 1, do CPC, conhecendo do outro fundamento do recurso; isto é, da questão da competência.
Pois bem, a solução desta questão começa por estar dependente daquilo que a Requerente pretende através da presente ação.
E, nesse âmbito, como já vimos, a Requerente pretende que o Requerido seja condenado a pagar à filha de ambos, D…, já maior de idade, dois tipos de prestações alimentares: uma, a título definitivo; e outra, a título cautelar ou provisório.
Por outro lado, foi-lhe já fixada anteriormente no processo de alteração das responsabilidades parentais uma prestação alimentar, que a Requerente entende estar desfasada da vida atual da filha, mas o que é certo é que essa fixação ocorreu, ainda que por simples homologação judicial do acordo obtido pelos pais.
Assim e neste contexto, parece-nos inegável que a instância recorrida tinha, e tem, competência material para conhecer de semelhantes pretensões.
Com efeito, mesmo que se entenda que a fase conciliatória do procedimento para a atribuição de alimentos a maiores pode, nos termos do artigo 5.º, n.º 1, al. a), d) do Decreto-Lei n.º 272/2001, de 13/10, decorrer perante o conservador do registo civil, certo é igualmente que, como resulta do n.º 2 do preceito, essa disposição não se aplica quando “sejam cumuladas com outros pedidos no âmbito da mesma acção judicial, ou constituam incidente ou dependência de acção pendente, circunstâncias em que continuam a ser tramitadas nos termos previstos no Código de Processo Civil”.
E que nos diz este Código?
Que “[q]uando surja a necessidade de se providenciar sobre alimentos a filhos maiores ou emancipados, nos termos dos artigos 1880.º e 1905.º do Código Civil, segue-se, com as necessárias adaptações, o regime previsto para os menores”.
Mas diz mais: que “[t]endo havido decisão sobre alimentos a menores ou estando a correr o respetivo processo, a maioridade ou a emancipação não impedem que o mesmo se conclua e que os incidentes de alteração ou de cessação dos alimentos corram por apenso” (artigo 989.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, na redação que lhes foi dada pela Lei n.º 122/2015, de 01/09).
Por outro lado, estipula o artigo 123.º, al. e), da Lei da Organização do Sistema Judiciário (LOSJ)[2], que compete aos juízos de família e menores “[f]ixar os alimentos devidos a menores e aos filhos maiores ou emancipados a que se refere o artigo 1880º do Código Civil, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 47344, de 25 de novembro de 1966, e preparar e julgar as execuções por alimentos”.
Por sua vez, o Regime Geral do Processo Tutelar Cível (RGPTC)[3], estabelece como uma das providências tutelares cíveis, para efeitos desse mesmo RGPTC, “[a] fixação dos alimentos devidos à criança e aos filhos maiores ou emancipados a que se refere o artigo 1880.º do Código Civil e a execução por alimentos” [artigo 3.º, alínea d)].
E o artigo 6.º, al. d) desse RGPTC, dispõe que “[c]ompete às secções de família e menores da instância central do tribunal de comarca em matéria tutelar cível, “fixar os alimentos devidos à criança e aos filhos maiores ou emancipados a que se refere o artigo 1880º do Código Civil e preparar e julgar as execuções por alimentos”.
Ora, o artigo 1880.º do Código Civil, determina o seguinte: “Se no momento em que atingir a maioridade ou for emancipado o filho não houver completado a sua formação profissional, manter-se-á a obrigação a que se refere o artigo anterior na medida em que seja razoável exigir aos pais o seu cumprimento e pelo tempo normalmente requerido para que aquela formação se complete”.
O artigo 1905.º do mesmo Código, na redação que lhe foi dada pela Lei n.º 122/2015, de 01 de Setembro, veio esclarecer o alcance deste preceito. E estipulou: “ Para efeitos do disposto no artigo 1880.º, entende-se que se mantém para depois da maioridade, e até que o filho complete 25 anos de idade, a pensão fixada em seu benefício durante a menoridade, salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência”.
Trata-se, como é maioritariamente entendido, de uma norma interpretativa que veio fixar o sentido do preceituado no artigo 1880.º do Código Civil[4]. E esse sentido é, no essencial, que a obrigação alimentar dos pais para com os filhos maiores se mantém ininterruptamente, tal como no período da menoridade dos filhos, até que estes completem 25 anos de idade, “salvo se o respetivo processo de educação ou formação profissional estiver concluído antes daquela data, se tiver sido livremente interrompido ou ainda se, em qualquer caso, o obrigado à prestação de alimentos fizer prova da irrazoabilidade da sua exigência”.
Por outro lado, esses alimentos também podem ser pedidos a título provisório. O artigo 28.º, n.ºs 1 e 2, do RGTC é claro a este respeito, quando dispõe que “[e]m qualquer estado da causa e sempre que o entenda conveniente, a requerimento ou oficiosamente, o tribunal pode decidir provisoriamente questões que devam ser apreciadas a final, bem como ordenar as diligências que se tornem indispensáveis para assegurar a execução efetiva da decisão”. Além disso, “[p]odem também ser provisoriamente alteradas as decisões já tomadas a título definitivo”.
Em qualquer caso, a competência é sempre do tribunal e não do conservador do registo civil[5].
Assim, seja por via da cumulação de pedidos, seja por já ter corrido termos anteriormente uma ação destinada a providenciar pelos alimentos à mesma pessoa que alegadamente agora deles necessita, nunca este procedimento poderia correr termos perante o conservador do registo civil.
Pelo contrário, deve correr termos no tribunal onde foi instaurado, que, como vimos, é o competente, sob o ponto de vista material, para apreciar e decidir as pretensões nele formuladas.
Daí a procedência deste recurso, com a consequente revogação da sentença recorrida.
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III- DECISÃO
Pelas razões expostas, acorda-se em conceder provimento ao presente recurso, e, consequentemente, revoga-se a decisão recorrida.
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- Porque defendeu o contrário do que acaba de ser decidido e, nessa medida, ficou vencido, as custas deste recurso serão suportadas pelo Apelado – artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil.

Porto, 24-03-2020
João Diogo Rodrigues
Anabela Tenreiro
Lina Baptista
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[1] Teixeira de Sousa, em comentário ao Ac. RP de 02/03/2015, Processo n.º 39/13.6TBRSD.P1, no Blog do IPPC. No mesmo sentido, já se pronunciou o mesmo Autor outras vezes no mesmo Blog, incluindo em anotação ao Ac. do STJ de 23/6/2016, Processo n.º 1937/15.8T8BCL.S1, que seguiu idêntica orientação.
[2] Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto.
[3] Aprovado pela Lei n.º 141/2015, de 08 de Setembro.
[4] Neste sentido, Ac. RP de 16/6/2016, processo n.º 422/03.5TMMTS-E.P1, Ac. RLx de 14/06/2016, Processo n.º 6954/16.8T8LSB.L1-7, Ac. RC de 15/11/2016, Processo n.º 962/14.0TBLRA.C1, consultáveis em www.dgsi.pt.
[5] Neste sentido, embora só devido ao facto de ter havido uma anterior ação de regulação das responsabilidades parentais na qual foi fixada a obrigação de alimentos, pronunciou-se o Ac. RC de 21/02/2018, Processo n.º 400/16.4T8CLD-C.C1, consultável em www.dgsi.pt.