Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10981/17.0T9PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LANGWEG
Descritores: QUESTÕES PRÉVIAS OU INCIDENTAIS
CONHECIMENTO
JULGAMENTO
Nº do Documento: RP2020031810981/17.0T9PRT.P1
Data do Acordão: 03/18/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Nos termos do art.º 338º, nº 1, do CPP, “O tribunal conhece e decide das nulidades e de quaisquer outras questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa acerca das quais não tenha ainda havido decisão e que possa desde logo apreciar.”
II - O conhecimento das questões prévias ou incidentais inclui o conhecimento dos pressupostos processuais.
III - A questão prévia deve ser apreciada imediatamente, mesmo antes da produção de prova, sempre que os factos relevantes para a decisão já se mostrarem estabilizados na configuração do “thema decidendum” plasmado na acusação/pronúncia.
IV - Sempre que a solução depende da valoração de factos externos à acusação/pronúncia e os mesmos estejam diretamente relacionados com a definição do objeto do processo, impõe-se produzir prova a respeito dos mesmos, em julgamento e, -se necessário, operando os necessários procedimentos processuais relativos a uma alteração não substancial ou substancial dos factos da acusação -, somente depois, decidir.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo 10981/17.0T9PRT.P1
Data do acórdão: 18 de Março de 2020

Relator: Jorge M. Langweg
Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa
Origem:
Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro
Juízo de Competência Genérica de Espinho
Acordam, em conferência e por unanimidade, os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos, em que figura como recorrente o assistente B….
I - RELATÓRIO
1. Em 9 de Setembro de 2019 foi proferido nos presentes autos o despacho judicial que declarou extinto o procedimento criminal contra os arguidos C… e D…, por força do disposto no artigo 115º nº 3 do Código Penal, e consequentemente determinou o arquivamento dos autos.
2. Para tanto, apresentou a seguinte fundamentação:
«(…) apesar da redação constante na acusação pública, em que refere os arguidos C… e D… como tendo os mesmos, em conjunto redigido um texto que enviaram à comunicação social por email pelos mesmos enviado, bem como que os mesmos prestaram declarações aos jornais, o certo é que documentalmente resulta que os mesmos atuaram em representação e em nome da Comissão de Trabalhadores, pelo menos em nome dos membros da Comissão de Trabalhadores presentes na reunião de 25/07/2017 que aprovou o comunicado e mandatou os arguidos para prestarem esclarecimentos aos órgãos de comunicação social, pelo que todos os membros da Comissão de Trabalhadores que aprovaram o comunicado e mandataram os arguidos para prestar esclarecimentos são comparticipantes na indiciada prática do crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180º nº 1, 183º nº 2 e 184º, todos do Código Penal.
Posto isto, para além de o assistente bem saber quem eram os membros da Comissão de Trabalhadores, também sabia quem foram os membros que aprovaram o comunicado, mas mesmo que não soubesse aquando da apresentação da queixa, ao longo do inquérito de tais elementos tomou conhecimento, pois que, consta de fls. 105 do inquérito a ata que deliberou tal comunicado e os respetivos representantes para prestarem declarações à comunicação social.
Assim sendo, face à comparticipação nos factos da indiciada difamação por parte de E…, C…, G…, H…, I…, D…, F…, J…, K… e L…, e apenas tendo sido denunciados os ora arguidos, corresponde a uma renuncia tácita à queixa contra os demais – artigo 116º nº 1 do Código Penal, ou pelo menos a não apresentação tempestiva da queixa, pelo que se aplica o artigo 115º nº 3 do Código Penal, já que a falta de apresentação de queixa contra os demais membros da Comissão de Trabalhadores aproveita aos ora arguidos, atenta a indivisibilidade na participação na prática do crime.
Acresce referir que, de acordo com o artigo 114º do Código Penal, a apresentação da queixa contra os arguidos C… e D… torna o procedimento criminal extensivo aos restantes comparticipantes. Porém, tal só acontece quando o queixoso não conhece quem foram os demais comparticipantes e tendo o mesmo o ónus de, logo que conheça a identidade dos demais participantes, apresentar a respetiva queixa, no prazo legal.
Face ao exposto, concordando-se com a posição dos arguidos e do Ministério Público, o procedimento criminal deve ser considero extinto contra os arguidos C… e D…, por força do disposto no artigo 115º nº 3 do Código Penal, atenta a natureza semipública do crime de difamação agravada.
Importa referir que, apesar de ter sido recebida a acusação e designada data para a realização da audiência de julgamento, não se mostra necessário a produção de prova para conhecimento de tal extinção do procedimento criminal, pelo que seria praticar atos inúteis a realização da audiência de julgamento, já que documentalmente está, quanto a nós, demonstrada a comparticipação nos factos, por outras pessoas que não só os arguidos. (…)»
3. Inconformado com a decisão, o assistente interpôs recurso da decisão, terminando a respetiva motivação com a formulação das conclusões seguidamente reproduzidas:
«Contrariamente ao que é defendido no douto despacho recorrido, o Assistente desconhecia a possibilidade de outros elementos, para além dos Arguidos C… e D…, terem participado na elaboração e divulgação nos OCS de uma nota de imprensa que contém as afirmações atentatórias da sua honra, dignidade e boa imagem.
No próprio despacho recorrido é admitida a situação de o Assistente desconhecer a alegada comparticipação na prática do crime de difamação agravada por outros elementos da Comissão de Trabalhadores, aquando da apresentação da queixa.
Da junção aos autos durante o inquérito, da alegada nota que constitui fls 105 não pode imputar-se ao Assistente a responsabilidade de saber de comparticipação de outros elementos da Comissão de Trabalhadores, porque não foi notificado da junção pelo Ministério Público.
O Assistente soube das expressões difamatórias apenas pela sua divulgação nos OCS, com referência aos Arguidos C… e D… como seus autores.
Quando o Assistente foi notificado pelo Tribunal a quo para se pronunciar sobre a alegada comparticipação na prática do crime de difamação agravada por parte dos outros elementos da Comissão de Trabalhadores, tomou tempestivamente posição, pugnando pela extensão da queixa, nos termos do artº 114º do Código Penal.
A direção do inquérito coube ao Ministério Público que deduziu acusação.
Na condução do inquérito, em que prestaram depoimento várias testemunhas do Assistente e dos Arguidos, o Ministério Público não concluiu pela existência de comparticipação.
Se durante o inquérito o Ministério Público tivesse concluído pela comparticipação na prática do crime de difamação agravada por parte de outros elementos da Comissão de Trabalhadores, devia tornar a queixa extensiva a esses elementos, nos termos do artº 114º do Código Penal, ou, no limite, notificar o Assistente para o fazer. Não notificou.
O Ministério Público tem legitimidade para prosseguir a ação penal e acusar aqueles contra quem, durante o Inquérito, se vierem a verificar os indícios da prática do crime.
Nunca foi intenção do Assistente, nem aquando da apresentação da queixa nem durante o inquérito, excluir algum eventual comparticipante na prática do crime, do procedimento criminal.
Não houve renúncia ao direito de queixa do Assistente, nem expressa, nem tácita, porque não foi praticado qualquer facto donde tal renúncia necessariamente se deduza.
É bem claro, nas expressões difamatórias divulgadas nos OCS o animus difamandi dos Arguidos C… e D…, em relação ao Assistente.
A decisão recorrida foi proferida pelo Tribunal a quo no pressuposto errado de que o Assistente conhecia a comparticipação, na prática do crime, por parte de outros agentes.
Colocando termo ao processo, como uma verdadeira sentença absolutória dos arguidos, o despacho recorrido enferma de uma nulidade, por violação do artº 374º, nº2, do CPP.
A decisão recorrida encerra, também, a nulidade de direito constitucional, por falta de fundamentação legalmente conforme, exigida pelo artº 205º, nº1, da CRP, nulidade sancionada pelo artigo 3º, nº3, da CRP.
O douto despacho recorrido constitui uma verdadeira declaração de non líquet, na medida em que o Juiz se exime a julgar uma causa que lhe foi submetida, sustentada em acusações pública e particular.
O Tribunal a quo, com a decisão recorrida, incorre na proibição geral do non líquet, estabelecida no artº 8º, nº1, do Código Civil, subordinado à epígrafe “Obrigação de julgar e dever de obediência à lei”.
Com o douto despacho recorrido, o Tribunal a quo abstém-se de fazer o julgamento que o caso concreto impõe e é exigido por lei.
Procedendo desta forma não administra a justiça, como exige o artº 202º, nº1, da CRP, dando como provados ou não provados os factos constantes da acusação.
O douto despacho recorrido viola o artº374º, nº2, do CPP, o artº 8º do CC, os artigos 114º, 115º, nº3 e 116, nº1 do CP, e os artigos 202º, nº1, 205º, nº1 e 3º, nº3, todos da CRP.
O Tribunal a quo interpretou incorretamente a norma do nº3 do artº 115º, nº3 do CP, quanto à extensão a todos os comparticipantes dos efeitos do não exercício de queixa em relação a algum deles, porquanto a interpretou no sentido da derrogação do artº 114º do CP.
Não há lugar para aplicação, ao caso concreto dos autos, do artº 116º, nº1 do CP.
Não efetuando o julgamento contra os Arguidos C… e D…, como devia, dada a acusação deduzida pelo Ministério Público, é entendimento do Assistente de que o Tribunal a quo devia interpretar o artº115º do CP, no sentido de que, apresentada a queixa, dentro do prazo do nº1 do mesmo artigo, contra algum dos comparticipantes, o efeito daí decorrente já não é o do artº 116º, nº1, do CP, mas o previsto no artº 114º do mesmo Código Penal: a extensão do procedimento criminal contra todos os comparticipantes.
Termos em que, declarando nulo o despacho recorrido com envio dos autos para julgamento contra os Arguidos C… e D…, ou, determinando a abertura de procedimento criminal contra todos os alegados comparticipantes,
4. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo, subindo nos próprios autos, imediatamente e com efeito devolutivo.
5. O Ministério Público apresentou resposta ao recurso, pugnando pela sua improcedência nos seguintes termos:
“Ao contrário do alegado pelo arguido[1], salvo o devido respeito, afigura-se-nos que no caso em apreço, o não exercício tempestivo da queixa por parte do assistente em relação aos demais membros da CT, aproveita aos arguidos seus comparticipantes, que não podem ser perseguidos criminalmente sem a existência atempada de queixa, nos termos do n.º 3 do artigo 115.º do Código Penal, carecendo o Ministério Público de legitimidade para a promoção do procedimento criminal contra os arguidos relativamente ao crime de difamação agravada, devendo, assim, ser declarado extinto o procedimento criminal contra os arguidos.
Permitindo os elementos constantes dos autos retirar tal conclusão e por decorrência do princípio da economia processual consagrado no art. 130.º, do Código de Processo Civil, aplicável em processo penal por força do art. 4.º, do Código de Processo Penal, afigura-se-nos que de facto seria um acto inútil proceder à realização do julgamento e que ao decidir como decidiu o Mmo Juiz a quo não praticou qualquer nulidade.
Pelo que deve ser negado provimento ao recurso, mantendo-se a douta decisão recorrida.
Assim se fará inteira JUSTIÇA.”
6. Os arguidos também responderam ao recurso, terminando a resposta com as seguintes conclusões:
«É o próprio recorrente/assistente que na sua queixa alude à atuação dos arguidos como membros da Comissão de Trabalhadores da Câmara Municipal M….
E os próprios documentos das notícias publicadas que o queixoso junta com a sua queixa provam ad nauseam que os arguidos atuaram em nome e por incumbência da CT, e não em nome ou por iniciativa individual.
Ou seja, o assistente sabia aquando da apresentação em Agosto de 2017 da sua queixa - pelo próprio texto das notícias em que se baseou - que a atuação dos arguidos foi exclusivamente enquanto membros e em representação da comissão de trabalhadores e que tinha sido esta – e não eles individualmente – que tinha apresentado a queixa contra a Câmara Municipal M… de que os arguidos se fizeram eco perante a comunicação social.
Acresce que os arguidos foram interrogados em sede inquérito em 10 de Janeiro de 2018. E sentiram o dever e tiveram o cuidado de, de imediato, juntar então aos autos, aquando desse seu interrogatório, cópia da ata nº 170 da reunião ordinária de 25 de Julho de 2017 da CT – vide fl. 105 e 160 dos autos - em que consta que ocorreu.
“Leitura e aprovação pelos presentes de comunicado a enviar à comunicação social sobre os problemas existentes no Batalhão de Sapadores Bombeiros.
Discurso e análise de assuntos relacionados.
Envio de mail. (…) Após o envio por mail do comunicado á comunicação social, esta a Comissão de Trabalhadores recebeu dois telefonemas, um da Agencia O… – N… e Jornal P… – Q…, foram atendidos e esclarecidos respetivamente pelos elementos da CT D… e C….

Estiveram ausentes; S… (férias); (…) Estiveram presentes; E…, C…, G…, H…, I…, D…, F…, J…, K… e L… que vão assinar em seguida.”
E os arguidos juntaram também então aos autos cópia do dito comunicado/nota de imprensa onde a CT indica aos órgãos de comunicação social para contactos o seu número de telefone fixo institucional e os telemóveis dos aqui arguidos em sua (da CT) representação – vide fls. 106 a 109 e 161 a 164 dos autos.
A Comissão de Trabalhadores enviou pelo seu correio eletrónico institucional a inúmeros órgãos de comunicação social a dita nota de imprensa dando conta de queixa contra a CMM… dirigida ao Ministério Público em 19 de julho de 2017 (queixa que deu origem ao Processo n.º 11139/17. 3T9PRT – DIAP 12ª Secção M…) baseada em reclamações orais e escritas de inúmeros trabalhadores, subalternos e ex-subalternos do assistente – vide fls. 106 a 109 e 161 a 164 dos autos.
Os arguidos em momento algum se dirigiram à comunicação social sobre esta matéria ou qualquer outra em nome pessoal, limitando-se apenas e em representação da Comissão de Trabalhadores - conforme designação desta expressa no citado comunicado/nota de imprensa e refletida na ata de reunião de 25 de julho da CT – a responder às chamadas telefónicas de órgãos de comunicação social, por via do telefone de rede fixa instalado na sede da Comissão de Trabalhadores – ext.: 2613 – e no decorrer dessa reunião, por conseguinte na presença dos demais membros da Comissão de Trabalhadores participantes nessa reunião, tendo os contactos telefónicos sido estabelecidos escassos minutos após a emissão da citada nota de imprensa.
Ouvidos os membros da Comissão de Trabalhadores E… (vide fls. 237 a 239), F… (fls. 240,241), I… (fls. 242,243), G… (fls. 244 e 245), H… (fls. 246, 247), L… (fls 253, 254) e K… (fls 258, 259) confirmam que foi a Comissão de Trabalhadores que fez a dita nota de imprensa onde dava conta da queixa apresentada ao Ministério Público com base em testemunhos escritos de trabalhadores afectos ao BSB, e que tanto o arguido C… como o arguido D… nunca desenvolveram acções isoladas quanto a tal matéria, pelo contrário, as que foram por eles efectivamente praticadas foram em representação da comissão de trabalhadores.
O assistente teve pleno acesso a todos esses elementos.
Sendo certo que já sabia, bem antes de apresentar a queixa que deu origem aos presentes autos, que os arguidos eram membros da comissão de trabalhadores da CMM….
E aliás esteve com eles na reunião do dia 12 de Junho de 2017, em que estiveram presentes vários outros membros da comissão de trabalhadores – vide minuta de ata junta a fls. 144 a 151 dos autos.
Acresce que logo em 27 de Fevereiro de 2018 o mandatário do assistente solicita a consulta do processo à qual procede em 8 de Março de 2018, consulta que, conforme documentado nos autos voltaria a efetuar novamente em 16-04-2018, antes ainda da dedução da acusação pelo assistente!!!
O assistente, colaborador do Ministério Público, com faculdade designadamente de deduzir acusação independente da do MP, representado como a Lei impõe por advogado – artºs 69 e 70 do CPP- teve conhecimento por intermédio do seu advogado de todos os elementos constantes dos autos.
Aliás se dúvidas existissem de que o assistente era conhecedor do comunicado da CT aquando da dedução da sua acusação elas ficam dissipadas pelo próprio teor dessa acusação, nomeadamente pelo seu artº 18º em que refere “Através deste comunicado, os Arguidos, na condição de elementos da Comissão de Trabalhadores…”
Entendemos que se trata duma confissão clara do assistente de que já conhecia aquando dessa acusação o dito comunicado!!!!
De resto, é o próprio assistente que indica na sua acusação como prova documental “toda a dos autos, a que se junta 5 documentos.” – sublinhado e negrito nossos.
E entre toda a prova documental dos autos estão a referida acta nº 170 referente a Reunião Ordinária da Comissão de Trabalhadores e o dito comunicado/nota de imprensa – vide fls. 105 a 109, e 160 a 164 dos autos.
Ou seja, em nosso entendimento o assistente não pode dizer – ao sabor das suas conveniências! - que desconhecia elementos a que teve pleno acesso e que aliás ele próprio refere !!!
Está, pois, provado nos autos sem margem para dúvidas que o assistente sabia, aquando da queixa que apresentou que os arguidos atuaram em representação e em nome da Comissão de Trabalhadores.
E além disso sabia - se não antes, pelo menos desde Fevereiro de 2018, data em que por intermédio do seu mandatário judicial consultou os autos - o nome de todos os membros da Comissão de Trabalhadores presentes na reunião de 25/07/2017 que aprovaram o dito comunicado e mandatou os arguidos para prestarem esclarecimentos aos órgãos de comunicação social.
Se o Tribunal estivesse a prolongar o processo para adquirir prova do que já resulta plenamente provado no processo estaria a praticar actos inúteis! E ilícitos! (artº 130 do C. P. Civil)
Todos os membros da Comissão de Trabalhadores que aprovaram o comunicado e mandataram os arguidos para prestar esclarecimentos são comparticipantes nos factos pelos quais os arguidos vêm acusados - factos que não se concedem sejam verdadeiros, antes se impugnam nos termos expendidos nos autos pelos arguidos e nomeadamente, se impugnam nos termos expendidos na sua contestação.
O assistente renunciou ao direito de queixa contra os demais membros da Comissão de Trabalhadores relativamente aos factos que imputa aos arguidos ao não deduzir queixa contra estes no prazo de 6 meses a contar da data em que teve conhecimento de que eram comparticipantes nesses factos, conhecimento que teve, se não antes, pelo menos desde Fevereiro de 2018, data em que por intermédio do seu mandatário judicial consultou os autos.
Acresce que o MP, na sua acusação, acusa apenas os arguidos, referindo, para além do mais, contra todas as sólidas e inequívocas evidências constantes dos autos, que “ Em 25.07.2017, os arguidos, em conjunto, redigiram um texto que enviaram, através de e-mail, a vários órgãos de comunicação social…” omitindo que tal comunicado é da autoria de todos os membros da CT presentes na dita reunião ordinária da CT dessa mesma data – e enviado aliás, como dele próprio se vê, do e-mail institucional da CT aos órgãos de comunicação social!
Em lado algum, sequer minimamente, o MP fundamentou a sua opção de apenas acusar os arguidos, ficando sem se saber tal fundamentação, e nomeadamente se entronca no entendimento da falta de queixa contra os demais comparticipantes, já devidamente identificados nos autos.
O que é inequívoco, é que o assistente, ainda que entendesse que não era necessária queixa contra os demais comparticipantes – entendimento que não se aceita – tomou igual opção de só acusar os 2 arguidos, em vez de acusar todos os comparticipantes nos factos que imputa aos arguidos ou de requerer a abertura de instrução para todos os comparticipantes serem pronunciados.
Ou seja, a inexistência de acusação contra todos os comparticipantes (ou da abertura de instrução visando a pronúncia de todos os comparticipantes) resulta, in casu, também de uma opção/escolha arbitrária do assistente.
Pelo que muito bem andou o douto despacho recorrido ao declarar extinto o procedimento criminal contra os arguidos por força do disposto no artº 115 nº 3 e 116 nº 1 do Código Penal, no seguimento aliás do douto parecer do Ministério Público – vide acórdão da Relação de Guimarães de 09/26/2016 Relator FERNANDO CHAVES (procº 90/14.9GAMGD.G1) ; acórdão da Relação de Coimbra de de 01/15/2014 (procº nº 611/11.9PBCTB.C1) Relatora CACILDA SENA; acórdão da Reação de Lisboa de 04/17/2013 (procº 7473/12.7TDLSB.L1-3) Relator VASCO DE FREITAS – todos disponíveis em www.dgsi.pt.
“Havendo comparticipação, em caso de crime particular, se a acusação particular é deduzida só contra alguns dos arguidos, deve entender-se que há falta de acusação contra todos.”- Acórdão da Relação do Porto (procº 0642892) de 07/05/2006, Relator CUSTÓDIO SILVA.
Como se refere no sobredito acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães “Se o titular do direito de queixa tem pleno conhecimento que outras pessoas intervieram nos factos e tem a possibilidade de os identificar, então tem o dever de, desse modo, os referenciar no processo, cabendo-lhe, no prazo estabelecido no n.º 1 do artigo 115.º do Código Penal, contra eles deduzir a respectiva queixa, sob pena de extinção desse direito.”
A interpretação concatenada dos artigos 114, 115 e 116 ( e nomeadamente do seu nº 3) do C. Penal, á luz do intuito do Legislador de não permitir a escolha da pessoa que há-de ser punida e afastar a instituição primitiva da vingança privada, não pode deixar dúvidas de que é necessária a apresentação de queixa contra todos os comparticipantes.
Assim, o prosseguimento dos presentes autos, representaria a violação do disposto no nº 3 do artº 115 e do nº 1 do artº 116 nº 1 do C. Penal e do escopo do Legislador de não permitir a escolha dos comparticipantes a punir!!!
Saliente-se ainda quanto ao pedido de indemnização civil, deduzido pelo assistente apenas contra os arguidos, que se verifica a ilegitimidade passiva destes porquanto desacompanhados dos restantes membros da CT - artº 4º do CPP e artigos 30, 31, 33º, 278º nº 1 alínea d) e 577 alínea e) do C. P. Civil.
Acresce que ainda que se entendesse que o assistente não estava obrigado a apresentar queixa contra todos os comparticipantes no prazo de 6 meses contados do conhecimento que teve da sua comparticipação nos factos pelos quais os arguidos vêm acusados – o que não se concede – seguramente que a acusação teria de ser deduzida contra todos os comparticipantes ou teria o assistente de requerer abertura de instrução visando a pronúncia de todos eles, o que por não ter sido feito também acarreta a extinção do procedimento criminal – artº 116 nºs 1 e 3 do C. Penal.
Na senda da Jurisprudência e Doutrina não se pode aceitar – por violação flagrante da ratio legis dos artºs 114, 115 e 116 do Código Penal - que o presente processo redunde em termos efetivos e concretos no “isolamento” e escolha de entre os membros da Comissão de Trabalhadores comparticipantes nos factos objeto dos presentes autos, quais os que se quer punir. “Em matéria criminal não se pode escolher quem deve ser perseguido em caso de comparticipação; o que está em causa é o crime” - Maia Gonçalves in “Código Penal Português”, 13ª ed., pg. 391.
O princípio da indivisibilidade da queixa (acolhido no nº 3 do artº 115 do C. Penal), veda a escolha/opção do ofendido, que resulta in casu de, dentre os membros da Comissão de Trabalhadores indubitavelmente comparticipantes nos factos objeto do processo, perseguir criminalmente apenas os aqui arguidos – sempre sem conceder que tais factos sejam verdadeiros.
A referida conduta do assistente é contrária ao espírito do Legislador de afastar o intuito persecutório e de vingança privada e o arbítrio do queixoso quanto ao comparticipante a punir, e atenta contra o precípuo valor do Direito que é a Justiça!
O douto despacho recorrido não incorreu em qualquer nulidade, nem em qualquer violação da Lei, antes interpretou e aplicou corretamente as disposições legais aplicáveis in casu.
7. Nesta instância, o Ministério Público[2] emitiu parecer, pugnando pela improcedência do recurso, extraindo-se do seu teor as seguintes passagens respeitantes ao mérito da pretensão recursória:
“(…) Salvo o devido respeito, os termos da acusação pública e, por maioria de razão, os factos imputados aos arguidos na acusação particular extravasam o teor do comunicado que foi aprovado transmitir aos órgãos da comunicação social.
Assim, independentemente, dos restantes membros da CT, porventura, serem coautores dos factos relativos ao conteúdo do comunicado que resolveram aprovar e comunicar à imprensa, a verdade é que os arguidos estão acusados por factos adicionais que extravasam o simples anúncio à comunicação social daquele comunicado, conforme resulta da acusação publica e particular.
As acusações não se limitam à mera transmissão do teor do comunicado à comunicação social.
Por outro lado, os factos das acusações estão imputados somente aos dois arguidos.
As acusações foram recebidas nos seus precisos termos, sendo que a acusação particular o foi apenas quanto à factualidade constante da acusação pública e aos factos novos que não constituam alteração substancial do objeto fixado por aquela.
Ora, o despacho recorrido, interpretando os termos da acusação, referindo que os factos foram também praticados pelos restantes membros da CT presentes na reunião de 25.07.2017 constitui uma autêntica revogação do despacho de recebimento das acusações, sem que fosse produzida qualquer prova, a qual, nesta fase, somente pode ser desencadeada/apreciada em julgamento.
Para além disso, sobre a matéria em discussão nos autos, não há factos novos desde o despacho que recebeu a acusação.
A produção de despacho com o mesmo conteúdo do recorrido implica o conhecimento do mérito da acusação e como tal a necessária produção/apreciação da prova, a qual só pode ter lugar em julgamento.
Pelo que deve o recurso ser julgado improcedente, mantendo-se a douta sentença recorrida.”
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Proferiu-se despacho de exame preliminar e, não tendo sido requerida audiência, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos do Código de Processo Penal].
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Questão a decidir
Do thema decidendum do recurso:
Para definir o âmbito do recurso, a doutrina [3] e a jurisprudência [4] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
Das questões a decidir neste recurso:
Atento o teor do relatório atrás produzido, importa decidir as questões substanciais a seguir concretizadas – sem prejuízo de conhecimento de eventual questão de conhecimento oficioso - que sintetizam as conclusões dos recorrentes, constituindo, assim, o thema decidendum:
a) Erros nos pressupostos da decisão:
a. Não existe comparticipação nos factos da indiciada difamação por parte de E…, C…, G…, H…, I…, D…, F…, J…, K… e L…, apenas tendo sido denunciados os ora arguidos,;
b. Não há renuncia tácita à queixa contra os demais – artigo 116º nº 1 do Código Penal, nem falta de queixa (artigo 115º nº 3 do Código Penal);
c. Não houve renúncia ao direito de queixa do Assistente, nem expressa, nem tácita, porque não foi praticado qualquer facto donde tal renúncia necessariamente se deduza.
b) Tais erros geraram um erro em matéria de direito, com a extinção do procedimento criminal contra os arguidos C… e D…, por força do disposto no artigo 115º nº 3 do Código Penal, atenta a natureza semipública do crime de difamação agravada.
II – FUNDAMENTAÇÃO
A – O teor da acusação pública admitida pelo tribunal (acusados: C… e D…):
«O assistente é coronel do Exercito Português e desempenha funções como comandante de Batalhão de Sapadores Bombeiros M….
Os arguidos são membros da comissão de trabalhadores da Câmara Municipal M….
Em 25.07.2017, os arguidos, em conjunto, redigiram um texto, que enviaram, através de email, a vários órgãos de comunicação social, designadamente para os seguintes emails: …@T....pt; …@U….pt; …@V….pt; …@W….pt; …@X….pt, …@Y….pt; …@Z....pt; Q…@X….pt; …@T….pt; …@T….pt, sob o título “queixas de ambiente opressivo no Batalhão de Sapadores Bombeiros M…”.
O texto do email continha a seguinte redação:
«A comissão de Trabalhadores da Câmara Municipal M… fundamentada em insistentes participações de muitos trabalhadores em exercício no Batalhão de sapadores Bombeiros M… e aposentados, relativas a instabilidade instalada no Batalhão resultante da atitude comportamental do respetivo comandante, geradora de estado limite de desequilíbrio com elevada probabilidade de projeção na segurança pública, foi impelida a dirigir ao Ministério Público uma queixa contra a CMM… em 19 de julho de 2017.
Essas participações citam violações dos direitos fundamentais dos trabalhadores, potenciadoras de patologias de índole psíquica, psicossomática e social já por si exacerbadas pela elevada carga emocional inerente à atividade de bombeiro e, gestão danosa dos escassos recursos humanos e equipamentos disponíveis nesse serviço.
Com efeito, surge aí enunciado:
Comportamento abusivo e autoritário manifestado pelo comandante do batalhão perante os trabalhadores, chegando mesmo a revestir de caráter de perseguição a todos aqueles que contrariem ou não compactuam com situações por ele mitigadas e que vão contra os princípios básicos da ética profissional; do serviço público; da não usurpação de poder e bens públicos em benefício próprio. Prática comum do comandante do BSB, de desautorização de superiores hierárquicos face aos restantes trabalhadores; de falta de coerência nas ordens transmitidas; de desrespeito e uso de linguagem imprópria e incorreta; de intimidação e ameaça; de perseguição e o terrorismo psicológico, que constitui assédio no local de trabalho.
Forte suspeição de viciação de procedimentos concursais destinados ao BSB. Utilização do espaço físico afeto ao BSB para fins particulares do respetivo comandante».
Na sequência do texto enviado, o arguido C… prestou declarações à jornalista do Jornal “X…” e o arguido D… prestou declarações à jornalista N…, da agência “U…”, após contacto destas.
Na sequência do email enviado pelos arguidos e das declarações que prestaram às jornalistas supra referidas, respetivamente, vieram a ser publicadas várias noticias, tanto em versão on line, como em versão/impressão papel, nos dias 25.06.2017 e 26.07.2017, respetivamente.
Os artigos noticiosos de maior projeção que foram publicados foram os do Jornal P… e do JORNAL T… do dia 26.07.2017. Assim,
O arguido C…, no dia 25.07.2017, em declarações ao Jornal T… reiterou que o assistente tinha «comportamento abusivo e autoritário, procedia à «perseguição» dos que «contrariem ou não compactuam com situações por ele mitigadas e que vão contra os princípios básicos da ética profissional; do serviço público; da não usurpação de poder e bens públicos em benefício próprio. Prática comum do comandante do BSB, de desautorização de superiores hierárquicos face aos restantes trabalhadores; de falta de coerência nas ordens transmitidas; de desrespeito e uso de linguagem imprópria e incorreta; de intimidação e ameaça; de perseguição e o terrorismo psicológico, que constitui assédio no local de trabalho. Forte suspeição de viciação de procedimentos concursais destinados ao BSB. Utilização do espaço físico afeto ao BSB para fins particulares do respetivo comandante» - Notícia que veio a ser publicada sob o Título Comandante de Baixo de Fogo, no T… de 26.07.2017 – edição impressa.
O arguido D…, no mesmo dia, mas ao Jornal X…, confirmou pessoalmente e reiterou as afirmações supra referidas, mas ao Jornal “X…”, que as noticiou no dia 26.07.2017, página 25.
As acusações lançadas nos meios de comunicação social pelos arguidos, apesar de terem tido origem em queixas de trabalhadores, eram falsas, com exceção de o assistente ter estacionado uma autocaravana no parque dos BSP, por um período curto de tempo, mas para a qual o assistente estava devidamente autorizado pela Vereação da Câmara Municipal.
Os arguidos ao enviarem o email para os meios de comunicação social, foram para além do cabal exercício das suas funções enquanto membros da Comissão de Trabalhadores, e que era exercer junto dos responsáveis autárquicos a averiguação, apuramento e solução de eventuais desconformidades e conflitos existentes internamente entre os funcionários queixosos e o Comandante dos BPSP.
Os arguidos redigiram o email em conjunto e decidiram enviá-lo, em conjunto, à Comunicação social - entidades supra referidas -, como quiseram, antes de ter sido apurado a veracidade e/ou falsidade dos factos, cientes que as afirmações nele feitas, além de desnecessárias, eram ofensivas da honra e consideração e lesivas da reputação e do brio profissional do assistente enquanto Comandante Comandante dos Sapadores Bombeiros e Militar do Exército, diversas vezes condecorado, por factos. –
Os arguidos, ao prestarem tais declarações à comunicação social, sem primeiro ter aguardado pelo procedimento interno de averiguações, estavam cientes de que denegriam a imagem profissional e pessoal do Comandante dos Bombeiros sapadores, aqui assistente, bem sabendo que os jornais diários de maior tiragem e às notícias on line, seriam um meio muito rápido de amplamente difundir notícias que não eram verdadeiras e denegriam a imagem profissional e pessoal do assistente, o que quiseram e conseguiram alcançar.
Atuaram de forma livre, voluntária e consciente, cientes da censurabilidade e punibilidade das suas condutas.
Ao assim atuar, incorreram os arguidos na prática, em concurso real, coautoria material e na forma consumada, de um crime de difamação agravada, previsto e punível pelo artigo 180º, n.º 1, 183º, nº.2 e 184º do Código Penal (cf. ainda o DL nº 106/2002 de 13.04 – Regime Jurídico dos Corpos de Bombeiros).»
B – A fundamentação da decisão recorrida:
«Os arguidos C… e D…, na sua contestação às acusações pública e particular, apresentada em 27/03/2019, com a Refª 8531051, vieram requer a extinção do procedimento criminal com base no artigo 116º nº 1 do Código Penal.
Para tanto, fizeram constar da referida contestação o seguinte:
“1- Conforme se extrai do Aviso n.º 14653/2017 publicado no Diário da República, 2.ª série — N.º 233 — 5 de dezembro de 2017, a páginas 27380 e seg. foram eleitos em 19 de Setembro de 2017 para o mandato de 4 anos: a) para a Comissão de Trabalhadores da Câmara Municipal M…: a1) como Efetivos: E…, D…, S…, I…, L…, F…, H…, K…, C…, G…, J…; a2) como Suplentes: AB…, AC…, AD…, AE…, AF…, AG…, AH…, AI…, AJ…, AK…, e AL…. b) para a Subcomissão de Trabalhadores para o Estabelecimento do Batalhão de Sapadores Bombeiros (BSB) da Câmara Municipal M…: b1) Como Efetivos: AM…, AN…, AO…, AP…, AQ…, b2) Como Suplentes: AR…, AT…, AU…, AV…, e AW…: doc 1
2- Foram pois os arguidos eleitos para a Comissão de Trabalhadores (adiante também designada CT) da Câmara Municipal M… (adiante também designada CMM…), para o quadriénio 2017/2021
3- De acordo com o artigo 36º dos Estatutos da referida Comissão de Trabalhadores constantes do Aviso n.º 14760/2011 da Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público publicado no Diário da República, 2.ª série — N.º 140 — 22 de Julho de 2011, a pags 30632 e ss. e com retificações/alterações constantes da 2ª Série dos Diários da República de 9 de agosto de 2011 (declaração de retificação n.º 1241), 2 de março de 2012 (alteração – Aviso n.º 3458) e 21 de março de 2012 (declaração de retificação n.º 421), são deveres da Comissão de Trabalhadores:
“Artigo 36.º Deveres 1 — Constitui dever da CT assegurar aos trabalhadores a informação de tudo quanto diga respeito aos interesses destes e fomentar a análise e discussão dos assuntos de interesse geral dos trabalhadores. 2 — A CT deve pugnar pela defesa dos direitos dos trabalhadores, nomeadamente os constantes da Constituição da República Portuguesa e em especial quando for mandatária, por deliberação em AG, por parte dos trabalhadores. 3 — Realizar uma atividade permanente e dedicada de organização de classe, da mobilização dos trabalhadores e de reforço da sua atividade. 4 — Garantir e desenvolver a participação democrática dos trabalhadores no funcionamento, direção e em toda a atividade do coletivo dos trabalhadores e dos seus órgãos, assegurando a democracia interna a todos os níveis. 5 — Promover o esclarecimento e a formação cultural, técnica, profissional e social dos trabalhadores, de modo a permitir o desenvolvimento da sua consciência enquanto produtores, e a reforçar o seu empenhamento responsável na defesa dos seus direitos e interesse. 6 — Exigir da administração o cumprimento e aplicação das normas constitucionais e legais respeitantes aos direitos dos trabalhadores.” 4- A CT (comissão de trabalhadores) reúne ordinariamente às terças-feiras a partir das 14 h : vide artigo 3º dos referidos estatutos. 5-No dia 25 de julho de 2017, terça-feira, a CT reuniu ordinariamente, e conforme consta da ata nº 170 dessa reunião ordinária – a fl. 105 dos autos - ocorreu “Leitura e aprovação pelos presentes de comunicado a enviar à comunicação social sobre os problemas existentes no Batalhão de Sapadores Bombeiros. Discurso e análise de assuntos relacionados. Envio de mail. (…) Após o envio por mail do comunicado á comunicação social, esta a Comissão de Trabalhadores recebeu dois telefonemas, um da V… – N… e Jornal X… – Q…, foram atendidos e esclarecidos respetivamente pelos elementos da CT D… e C…. … Estiveram ausentes; S… (férias); (…) Estiveram presentes; E…, C…, G…, H…, I…, D…, F…, J…, K… e L… que vão assinar em seguida.” – tudo como melhor se extrai de tal ata cuja cópia está junta a fl. 105 dos autos. 6-Como referido a Comissão de Trabalhadores enviou pelo seu correio eletrónico institucional a inúmeros órgãos de comunicação social nota de imprensa dando conta de queixa contra a CMM… dirigida ao Ministério Público em 19 de julho de 2017 (queixa que deu origem ao Processo n.º 11139/17. 3T9PRT – DIAP 12ª Secção do M…) baseada em reclamações orais e escritas de inúmeros trabalhadores, subalternos e ex-subalternos do assistente – vide fls. 106 a 109 dos autos. 7- Os arguidos em momento algum se dirigiram à comunicação social sobre esta matéria ou qualquer outra, limitando-se apenas e em representação da Comissão de Trabalhadores - conforme designação desta expressa nos citados emails e refletida na ata de reunião de 25 de julho da CT – a responder às chamadas telefónicas de órgãos de comunicação social, por via do telefone de rede fixa instalado na sede da Comissão de Trabalhadores – ext.: 2613 – e no decorrer dessa reunião, por conseguinte na presença dos demais membros da Comissão de Trabalhadores participantes nessa reunião, tendo os contactos telefónicos sido estabelecidos escassos minutos após a emissão da citada nota de imprensa – para prova de que os arguidos atenderam tais chamadas na sede da Comissão de Trabalhadores requer se solicite à CMM… os registos biométricos dos arguidos do dia 25 de Julho de 2017 e ainda a ordem de serviço nº I/189611/15 da CMM… com as normas internas de horário de trabalho e tabela de códigos a fim de se atestar que os arguidos estavam ao momento dessas chamadas na sede da CT. 8- Especificadamente, o arguido C…,atendeu a chamada telefónica da jornalista do jornal X… e o arguido D… atendeu a da jornalista da V… N… 9- As suas respostas às perguntas das jornalistas circunscreveram-se rigorosamente ao teor da nota de imprensa, não tendo sido emitido pelos arguidos qualquer opinião, acusação, calúnia ou difamação relativamente ao queixoso. 10- Os arguidos nunca desencadearam qualquer ação no sentido da presente acusação relativamente à matéria em causa nem quanto a qualquer outra matéria, nomeadamente, nunca pugnaram junto da então vice-presidente, AX…, pela destituição do Sr. AZ…, então comandante do Batalhão de Sapadores Bombeiros (adiante também referido como Batalhão ou BSB). 11- Os arguidos em exercício no coletivo da Comissão de Trabalhadores, aquando da apresentação de toda esta problemática existente no BSB, em diversas reuniões com a então Sr.ª Vice-Presidente AX…, nos termos do artigo 325.º da Lei n.º 35/2014 de 20 de junho, nunca pugnaram pela destituição do Assistente – vide minutas das atas reuniões de 31 de Maio, 12 de Junho e 14 de Junho de 2017 da CT com a Vice-Presidente da CMM… juntas a fls 144 a 151 dos autos, requerendo-se ainda para prova do aqui referido e para prova da atuação da CT a notificação da CMM… para juntar cópia do e-mail enviado pela CT em 6 de julho de 2017 às 16h36 para a adjunta da Vereação BA… e seu anexo e emails enviados por esta para a CT em 7 de julho de 2017 às 11h54, no mesmo dia às 13h05 e, no dia 11 de julho de 2017 às 18h35 e seus anexos e ainda cópia do e-mail de 17 de Julho de 2017 da CT para a Exmª Vice Presidente da CMM… Dr.ª AX… 12- Os arguidos não têm e nunca tiveram qualquer relação pessoal ou profissional com o assistente que não a institucional – os arguidos enquanto membros da comissão de trabalhadores e ainda o arguido D… enquanto membro dos representantes dos trabalhadores na Comissão Paritária para o SIADAP e o assistente enquanto Comandante do Batalhão de Sapadores Bombeiros e Vogal designado pela Administração na Comissão Paritária para o SIADAP. - vide Despachos I/9271/13/CMM… e I/207442/14/CMM… 13- A Comissão de Trabalhadores consciente de manifesta inércia da autarquia lançou um grito de alerta por via da comunicação social exclusivamente com o intuito de serem tomadas medidas urgentes em matéria de SEGURANÇA PÚBLICA e em cumprimento dos seus deveres estatutários e legais – vide dita ata de fls 105 dos autos, Ata n.º 3 de 2018 e ata da subCT de 14.12.2018.
Com efeito, a CT sabedora da grande instabilidade sentida e transmitida por um número considerável de trabalhadores, passível de gerar desequilíbrios com elevada probabilidade de projeção na segurança pública, conciliada com a falta de resposta por parte da autarquia perante tão grave problema viu-se forçada a recorrer a este meio exercendo/cumprindo, assim, os seus deveres, designadamente de pugnar pela defesa dos direitos dos trabalhadores, nomeadamente os constantes da Constituição da República Portuguesa, exigir da administração o cumprimento e aplicação das normas constitucionais e legais respeitantes aos direitos dos trabalhadores, defender, junto dos órgãos de direção e fiscalização do empregador público e das autoridades competentes, os legítimos interesses dos trabalhadores, e ainda sem esquecer o seu dever civil de cidadania – vide seus referidos estatutos e ainda LEI GERAL DO TRABALHO EM FUNÇÕES PÚBLICAS, aprovada pela Lei n.º 35/2014, de 20 de Junho e designadamente seu artigo 328º 14- Demonstrativo dessa falta de respostas da CMM… que forçou a CT a atuar do modo suprarreferido é o caso por exemplo do trabalhador afeto ao Batalhão de Sapadores Bombeiros AQ… – vide atas de reunião de 25/01/2016 (Ponto7), de 13/07/2016 (Ponto7), de 24 e 30/11/2016 (ponto 4), e minutas de atas de reuniões de 31/05 e 12 e 14/06/2017 (ponto 12) a fls. 144 a 151 dos autos e ata da reunião de 07/11/2018 (ponto 4) e os abaixo assinados juntos a fls 110 a 112, 138 a 141, a reclamação de AM…, com registo de entrada de 169547/17/CMM… de 24/05/2017, a fls 113 e ss. dos autos e a comunicação de BB… a fls 142 e 143, para além de muitos outros exemplos como se demonstrará. 15- O assistente já sabia, bem antes de apresentar a queixa que deu origem aos presentes autos, que os arguidos eram membros da comissão de trabalhadores da CMM…. 16- E aliás esteve com eles na reunião do dia 12 de Junho de 2017, em que estiveram presentes vários outros membros da comissão de trabalhadores – vide minuta de ata junta a fls. 144 a 151 dos autos. 17- Ora, não pode haver dúvidas de que o assistente renunciou ao direito de queixa contra os demais membros da Comissão de Trabalhadores relativamente aos factos que imputa aos arguidos ao não deduzir queixa contra estes – factos que não se concedem sejam verdadeiros, antes se impugnam nos termos expendidos nos autos pelos arguidos e nomeadamente, se impugnam nos termos expendidos nesta contestação. […]”. * Notificado a assistente para se pronunciar sobre o requerido pelos arguidos, veio o mesmo por requerimento de 11/04/2019, com a Refª 8600445, dizer o seguinte: “1. Resulta claro dos autos, e da acusação pública nestes contida, de que foram os Arguidos que colocaram nos OCS, para divulgação por todo o país, afirmações falsas sobre o Assistente, atentatórias da sua honra e boa imagem. 2. O facto de, como os Arguidos alegam, terem utilizado o email institucional para procederem à divulgação do alegado comunicado elaborado em reunião da Comissão de Trabalhadores, não lhes retira responsabilidade na prática do crime de difamação agravada. Nem tão pouco, o facto de, como sustentam, o alegado comunicado (cuja autoria imputam à totalidade dos membros da Comissão de Trabalhadores), ter sido lido em voz alta e ser aprovado por toda a CT, lhes retira essa responsabilidade criminal. 3. O Assistente apresentou queixa contra os Arguidos C… e D… porque foram estes que divulgaram, por meio idóneo a provocar um forte ataque à honra como cidadão e profissional, e a causar grave dano na imagem do Assistente, as afirmações falsas sobre o seu comportamento enquanto Comandante do Batalhão de Sapadores Bombeiros M…. Tratando-se de um crime de difamação agravada, semi público, o Ministério Público procedeu ao competente inquérito e deduziu acusação. Em momento algum o Assistente foi alertado da possível co-autoria na elaboração do alegado comunicado, pela totalidade dos elementos da Comissão de Trabalhadores. 4. Mas, a situação em juízo nem sequer á subsumível na norma do nº1 do artº 116º do Código Penal, como pretendem os Arguidos, para ver extinta a sua responsabilidade criminal. É que o Assistente, em momento algum renunciou expressa ou tacitamente ao seu direito de queixa. Nem praticou qualquer facto donde a denúncia necessariamente se deduza. Inclusive, quando notificado pelo Ministério Público, em 09-072018, para se pronunciar sobre a eventual suspensão provisória do processo, o Assistente opôs-se, tempestivamente. 5. Ora vejamos: os nomes referidos pelos OCS, como tendo divulgado as afirmações que consubstanciam (porque atentatórias conta a honra do Assistente) foram os dos Arguidos C… e D…. E também foram estes que, em contacto direto com os mesmos OCS, reforçaram, de viva voz, o teor das graves e falsas acusações contidas no alegado comunicado. Sobre estes Arguidos foram identificados, durante o Inquérito conduzido pelo Ministério Público, indícios suficientes da prática do crime de difamação agravada, como agentes. Releva, para o procedimento criminal, que os Arguidos colocaram nos OCS com larga divulgação no país, afirmações graves e falsas sobre o comportamento e personalidade do Assistente. Se as afirmações estão contidas num comunicado cuja elaboração foi em coautoria com outros elementos da Comissão de Trabalhadores, e se foi aprovado e lido em reunião da dita CT, não era do conhecimento do Assistente. Nem que elementos da CT estiveram presentes na reunião cuja realização, a 25-07-2017, é alegada na contestação oferecida, nem quem, alegadamente, terá participado, para além dos Arguidos, na elaboração do comunicado difamatório enviado aos OCS, para divulgação no país inteiro. Os Arguidos sim, aparecem como autores e divulgadores das graves e falsas afirmações acerca do Assistente.
6. O Assistente observou e respeitou todos os passos processuais previstos no Código de Processo Penal, necessários e convenientes para a sujeição a julgamento dos responsáveis pela prática do crime de difamação agravada, p.e p. pelos artigos 180º, nº1, 183º, nº2 , e 184º, do Código Penal, com a consequente dedução do Pedido de Indemnização Cível enxertado no processo crime, e não em Juízo Cível: apresentou, tempestivamente e no exercício do seu direito, queixa no DIAP-M…; manifestou ab início, a sua intenção de deduzir PIC; constituiu-se assistente; opôs-se à suspensão provisória do processo; deduziu acusação particular pelos mesmos factos da acusação pública; deduziu PIC enxertado no processo crime. Onde se encontra, na tramitação de todo o processo, a renúncia ao direito de queixa, expressa ou tácita, por parte do Assistente? 7. Apenas porque, não sabendo o Assistente que os restantes elementos alegadamente presentes na reunião da CT, de 25-07-2017, a saber: E…, G…, H…, I…, F…, J…, K… e L… poderão ter sido coautores na prática do crime de que foi vítima, não apresentou queixa contra estes? Tal comportamento do Assistente não pode ser entendido como renúncia ao seu direito de queixa (nos termos do artº116º, nº1 do Código Penal), que exerceu na plenitude. 8. Havendo coautoria da prática do crime de difamação agravada por parte dos restantes elementos da Comissão de Trabalhadores, a apresentação da queixa contra os Arguidos torna o procedimento criminal extensivo aos restantes, nos termos do artº 114º do Código Penal. Mas é o Ministério Público que conduz o Inquérito, e não o Assistente. 9. O Assistente não renunciou ao exercício do direito de queixa, e se indícios existissem da prática do crime de que foi vítima, tendo também como agentes outros elementos da Comissão de Trabalhadores, deveria o procedimento criminal ser-lhes extensivo, nos termos do artº 114º do Código Penal. 10. De igual forma, quanto à questão da ilegitimidade passiva dos Arguidos/Demandados, suscitada na contestação ao Pedido de Indemnização Civil, pelo facto de não estarem acompanhados pelos restantes membros da Comissão de Trabalhadores, não deverá proceder a exceção dilatória na medida em que, tendo o PIC sido deduzido no processo crime (e não em Tribunal Civil), está à partida condicionado aos acusados. Mas, também, a situação invocada na contestação não é subsumível no artº 33º do CPC, pelo que estando afastado o litisconsórcio necessário, caso o procedimento criminal venha a estender-se aos demais elementos da Comissão de Trabalhadores, será requerida a intervenção provocada dos mesmos, nos termos dos artigos 316º, nº1 e 318º, nº1, al. a), do CPC, ex vi, artº4º do CPP.”. Conclui o assistente no sentido de que “… deve o presente procedimento criminal prosseguir os seus trâmites, e serem os Arguidos sujeitos a julgamento”. Em alternativa, se assim não for entendido, requer-se extração de certidão da contestação apresentada, a ser enviada para o Ministério Público para, nos termos do artº114º do Código Penal, ser estendido o procedimento criminal contra todos os elementos da Comissão de Trabalhadores referidos como participantes na reunião daquele Órgão, a 25-07-2017.”.
*
Por seu lado, a Digna Magistrada do Ministério Público, na sua desenvolvida promoção, pronunciou-se nos termos seguintes: “[…] Os presentes autos tiveram início na queixa de fls. 4 e segs. apresentada pelo assistente B… contra os arguidos C… e D… pela prática de factos susceptíveis de integrar a eventual prática de um crime de difamação agravada, previsto e punido pelos arts. 180.º, n.º 1, 182.º, 183.º, n.º 2 e 184.º, por referência à al. l), do art. 132.º, todos do Código Penal. Tal crime reveste natureza semi – pública à face do art. 188.º, do mesmo diploma, pelo que para o Ministério público ter legitimidade para promover o respectivo processo penal é necessária a apresentação de queixa. De acordo com o estatuído nas disposições conjugadas dos arts. 48.º e 49.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, “Quando o procedimento criminal depender de queixa, do ofendido ou de outras pessoas, é necessário que essas pessoas dêem conhecimento do facto ao Ministério Público, para que este promova o processo”. “A queixa pode ser apresentada pelo titular do direito respectivo, por mandatário judicial ou por mandatário munido de poderes especiais”. Como refere Jorge de Figueiredo Dias em “Direito Penal Português Parte Geral II As Consequências Jurídicas do Crime”, Aequitas Editorial Notícias, 1993, pag. 665, “Queixa é o requerimento, feito segundo a forma e no prazo prescritos, através do qual o titular do direito respectivo (em regra, o ofendido) exprime a sua vontade de que se verifique procedimento penal por um crime cometido contra ele ou contra pessoa com ele relacionada”. Nos termos do art. 113.º, n.º 1, do Código Penal “Quando o procedimento criminal depender de queixa, tem legitimidade para apresentá-la, salvo disposição em contrário, o ofendido, considerando-se como tal o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação”. De acordo com o referido no art. 114.º, do Código Penal, “A apresentação da queixa contra um dos comparticipantes no crime torna o procedimento criminal extensivo aos restantes”. Como refere o citado autor a fls. 676, a lei considera inadmissível que fique ao arbítrio do queixoso a escolha dos comparticipantes contra os quais haverá de ter lugar o processo penal.
Nos termos do art. 115.º, n.º 1, do Código Penal, “O direito de queixa extingue-se no prazo de seis meses a contar da data em que o titular tiver tido conhecimento do facto e dos seus autores, ou a partir da morte do ofendido, ou da data em que ele se tiver tornado incapaz”. Nos termos do n.º 3, do mesmo normativo, “O não exercício tempestivo do direito de queixa relativamente a um dos comparticipantes no crime aproveita aos restantes, nos casos em que também estes não puderem ser perseguidos sem queixa”. Como refere M. Maia Gonçalves em “Código Penal Português, Almedina, Coimbra, 1999, pág. 391, no que respeita ao conteúdo deste normativo, consagrou-se “o princípio da indivisibilidade das consequências do não exercício tempestivo do direito de queixa relativamente a um dos comparticipantes no crime. Em matéria criminal não se pode escolher quem deve ser perseguido no caso de comparticipação; o que está em causa é o crime.” Também de acordo com o disposto no art. 116.º, n.º 1, do Código Penal “O direito de queixa não pode ser exercido se o titular a ele expressamente tiver renunciado ou tiver praticado factos donde a renúncia necessariamente se deduza”. Nos termos do n.º 3, do mesmo normativo, “A desistência da queixa relativamente a um dos comparticipantes no crime aproveita aos restantes, salvo oposição destes, nos casos em que também estes não puderem ser perseguidos sem queixa”. No caso em concreto, a denúncia foi apenas apresentada contra dois elementos da Comissão de Trabalhadores, sendo omissa relativamente aos demais, quando deveria ter sido apresentada contra todos os elementos, já que tendo em conta o crime em causa nos autos, a CT não tem responsabilidade penal, face ao art. 11.º, do Código Penal, sendo pelo contrário punível de acordo com o estatuído no art. 12.º, n.º 1, do mesmo diploma, quem age voluntariamente como titular de um órgão de uma pessoa colectiva, sociedade ou mera associação de facto, ou em representação legal ou voluntária de outrem. Se analisarmos a queixa que originou os presentes autos, dos documentos juntos, resulta que teve origem nos artigos que saíram no Jornal T…, no jornal o P…, no BC… Online e no V… Online, a fls. 8 a 10. Nesses artigos, é recorrentemente referida como fonte da informação aí contida, a Comissão de Trabalhadores da Câmara Municipal M…, sendo depois também feita referência aos aqui arguidos, como membros da Comissão, nem sequer representantes. A pretender apresentar-se queixa, ela podia ter sido apresentada contra os arguidos, identificados na notícia, mas devia tê-lo sido também pelo menos contra os demais elementos da CT, sendo que no decurso do inquérito, proceder-se-ia à sua identificação, como acabou por ser feita com a junção pelos arguidos da acta n.º 170, da reunião ordinária de 25 de Julho de 2017 da Comissão de trabalhadores (cfr. fls. 160).
É que os factos denunciados traduzem uma situação de comparticipação criminosa prevista no art. 26.º, do Código Penal, sendo que o dispositivo do art. 114.º, do Código Penal, segundo o qual “A apresentação da queixa contra um dos comparticipantes no crime torna o procedimento criminal extensivo aos restantes”, pressupõe o desconhecimento de todos os comparticipantes por parte do queixoso quando faz a queixa. […] No caso em apreço, o não exercício tempestivo da queixa por parte do assistente em relação aos demais membros da CT, aproveita aos arguidos seus comparticipantes, que não podem ser perseguidos criminalmente sem a existência atempada de queixa, nos termos do n.º 3 do artigo 115.º do Código Penal, carecendo o Ministério Público de legitimidade para a promoção do procedimento criminal contra os arguidos relativamente ao crime de difamação agravada.”.
Concluiu a Digna Magistrada do Ministério Público promovendo que se declare extinto o procedimento criminal contra os arguidos.
*
Apreciando: Dispõe o artigo 115º nº 3 do Código Penal que “O não exercício tempestivo do direito de queixa relativamente a um dos comparticipantes no crime aproveita aos restantes, nos casos em que também estes não puderem ser perseguidos sem queixa.”.
Ora, compulsada a queixa apresentada pelo ora assistente em 22/08/2017, extrai-se que a queixa foi apresentada contra C… e D…, embora referindose na mesma que os referidos arguidos se apresentaram aos órgãos de comunicação social como membros da Comissão de Trabalhadores da Câmara Municipal M….
Compulsadas igualmente as acusações pública e particular verifica-se que apenas são acusados C… e D… No entanto resulta de fls. 8-9, 9vº e 10, bem como de fls. 106-107, 108-109, que não só os e-mails dirigidos, nomeadamente aos jornais “Jornal T…” e “X…”, dando conta do comunicado da Comissão de Trabalhadores da Câmara Municipal M…, foram enviados pela referida Comissão de Trabalhadores.
Acresce que no comunicado emitido pela Comissão de Trabalhadores, na sequência da deliberação de 25/07/2017 [fls. 105], foram indicados os contactos dos membros da Comissão doce Trabalhadores que estavam mandatados para prestarem esclarecimentos à comunicação social [parte final do comunicado – fls. 107].
Por outro lado, na deliberação de 25/07/2017 que aprovou o comunicado e o correspondente envio aos órgãos de comunicação social, estiveram presentes os membros da Comissão de Trabalhadores: E…, C…, G…, H…, I…, D…, F…, J…, K… e L…, não resultando que algum deles se tivesse abstido ou votado contra.
Assim, dos elementos enunciados resulta que os factos dados a conhecer à comunicação social que foram considerados pelo assistente difamatórios, resultam da deliberação da Comissão de Trabalhadores e que foram divulgados por comunicado da mesma Comissão, e que foram objeto de esclarecimentos por parte dos membros da mesma Comissão, mandatados para o efeito em ata – fls. 105.
Consequentemente, apesar da redação constante na acusação pública, em que refere os arguidos C… e D… como tendo os mesmos, em conjunto redigido um texto que enviaram à comunicação social por email pelos mesmos enviado, bem como que os mesmos prestaram declarações aos jornais, o certo é que documentalmente resulta que os mesmos atuaram em representação e em nome da Comissão de Trabalhadores, pelo menos em nome dos membros da Comissão de Trabalhadores presentes na reunião de 25/07/2017 que aprovou o comunicado e mandatou os arguidos para prestarem esclarecimentos aos órgãos de comunicação social, pelo que todos os membros da Comissão de Trabalhadores que aprovaram o comunicado e mandataram os arguidos para prestar esclarecimentos são comparticipantes na indiciada prática do crime de difamação agravada, previsto e punido pelos artigos 180º nº 1, 183º nº 2 e 184º, todos do Código Penal.
Posto isto, para além de o assistente bem saber quem eram os membros da Comissão de Trabalhadores, também sabia quem foram os membros que aprovaram o comunicado, mas mesmo que não soubesse aquando da apresentação da queixa, ao longo do inquérito de tais elementos tomou conhecimento, pois que, consta de fls. 105 do inquérito a ata que deliberou tal comunicado e os respetivos representantes para prestarem declarações à comunicação social.
Assim sendo, face à comparticipação nos factos da indiciada difamação por parte de E…, C…, G…, H…, I…, D…, F…, J…, K… e L…, e apenas tendo sido denunciados os ora arguidos, corresponde a uma renuncia tácita à queixa contra os demais – artigo 116º nº 1 do Código Penal, ou pelo menos a não apresentação tempestiva da queixa, pelo que se aplica o artigo 115º nº 3 do Código Penal, já que a falta de apresentação de queixa contra os demais membros da Comissão de Trabalhadores aproveita aos ora arguidos, atenta a indivisibilidade na participação na prática do crime.
Acresce referir que, de acordo com o artigo 114º do Código Penal, a apresentação da queixa contra os arguidos C… e D… torna o procedimento criminal extensivo aos restantes comparticipantes. Porém, tal só acontece quando o queixoso não conhece quem foram os demais comparticipantes e tendo o mesmo o ónus de, logo que conheça a identidade dos demais participantes, apresentar a respetiva queixa, no prazo legal.
Face ao exposto, concordando-se com a posição dos arguidos e do Ministério Público, o procedimento criminal deve ser considero extinto contra os arguidos C… e D…, por força do disposto no artigo 115º nº 3 do Código Penal, atenta a natureza semipública do crime de difamação agravada.
Importa referir que, apesar de ter sido recebida a acusação e designada data para a realização da audiência de julgamento, não se mostra necessário a produção de prova para conhecimento de tal extinção do procedimento criminal, pelo que seria praticar atos inúteis a realização da audiência de julgamento, já que documentalmente está, quanto a nós, demonstrada a comparticipação nos factos, por outras pessoas que não só os arguidos.
Posto isto, declaro extinto o procedimento criminal contra os arguidos C… e D…, por força do disposto no artigo 115º nº 3 do Código Penal, e consequentemente determino o arquivamento dos autos. (…)»
C – Do mérito do recurso
O despacho recorrido extinguiu o procedimento criminal referente ao objeto do processo, tendo em conta a natureza semipública do crime de difamação agravado e a circunstância do ofendido não ter apresentado queixa contra os demais comparticipantes no crime, cuja identidade o assistente bem conhecia quando apresentou queixa contra os dois arguidos acusados.
De jure;
O tribunal “a quo”, depois de ter recebido a acusação e marcado a realização do julgamento (artigo 312º, nº 1, do Código de Processo Penal), conheceu um pressuposto processual e decidiu extinguir o procedimento criminal, com base em factos exógenos à acusação (a existência de comparticipantes do crime que constitui o objeto do processo, o que não consta da acusação).
A norma jurídica que permite ao juiz do julgamento conhecer essa questão, mesmo, antes do início da produção da prova em julgamento encontra-se vertida no artigo 338º, nº 1, ainda do mesmo texto legal[5]: - “O tribunal conhece e decide das nulidades e de quaisquer outras questões prévias ou incidentais susceptíveis de obstar à apreciação do mérito da causa acerca das quais não tenha ainda havido decisão e que possa desde logo apreciar.”
O segmento relevante da norma que importa destacar para o mérito do recurso é a parte final do preceito legal, uma vez que do resultado da sua aplicação resultará a procedência ou improcedência do recurso: ou se entende que o julgador poderia, desde logo, apreciar a questão decidida no despacho recorrido, ou a resposta terá de ser negativa.
Na esteira do pensamento de Maia Gonçalves[6] “As questões prévias aqui referidas, (…) podem obstar ao conhecimento do mérito. Essas questões podem ter natureza substantiva (…) ou adjectiva (incompetência do tribunal, ilegitimidade do acusador, etc). (…) As questões prévias devem ser apreciadas tão cedo quanto possível (cfr, v.g.art. 311.º, nº 1), mas podem também ser decididas na sentença final (art. 368º, nº 1) e assim terá que suceder necessariamente sempre que a solução estiver dependente de prova a produzir na audiência.
Concorda-se com tal entendimento:
a) a questão prévia deve ser apreciada imediatamente, mesmo antes da produção de prova, sempre que os factos relevantes para a decisão já se mostrarem estabilizados na configuração do “thema decidendum” plasmado na acusação / pronúncia.
b) Sempre que a solução depende da valoração de factos externos à acusação / pronúncia e os mesmos estejam diretamente relacionados com a definição do objeto do processo, impõe-se produzir prova a respeito dos mesmos, em julgamento e – se necessário, operando os necessários procedimentos processuais relativos a uma alteração não substancial ou substancial dos factos da acusação -, somente depois, decidir.
À luz do ordenamento jurídico processual penal, “(…) considera-se: “«Crime» o conjunto de pressupostos de que depende a aplicação ao agente de uma pena ou de uma medida de segurança criminais.
É consabido que o processo penal português tem uma estrutura acusatória, caracterizado pelo princípio de vinculação temática que define o objeto do processo. Esta regra exige urna necessária correlação entre a acusação e a decisão. Sendo o objeto do processo definido na acusação, o tribunal não pode, em regra, considerar quaisquer outros factos ou circunstâncias exógenas à acusação (ou pronúncia) e referentes ao objeto do processo, para formular uma decisão respeitante a questão prévia suscetível de obstar à apreciação do mérito da causa.
O tribunal “a quo” decidiu a questão prévia e prejudicial à apreciação do mérito da acusação, partindo do pressuposto que existiu comparticipação nos factos da indiciada difamação por parte de E…, C…, D…, H…, I…, D…, F…, J…, K… e L…, e não apenas dos ora arguidos.
Ao fazê-lo, considerou uma descrição factual com discrepâncias substanciais relativamente ao “crime” consubstanciado na acusação pública.
Por conseguinte, impunha-se, primeiramente, produzir prova sobre o objeto do processo definido pela acusação e, somente após se ter provado tal comparticipação alargada, retirar dos novos factos as necessárias consequências prejudiciais, ou não, à apreciação do mérito da acusação.
Nestes termos, impõe-se julgar o recurso provido e revogar o despacho recorrido e, em sua substituição, determinar que os autos prossigam a sua normal e regular tramitação com a marcação do julgamento.
D – Das custas:
Sendo o recurso do assistente julgado provido e os arguidos apresentado uma resposta, manifestando que o mesmo deveria ser julgado não provido, impõe-se a condenação destes no pagamento das custas [artigos 513º, nº 1, in fine, do C.P.P. e 8º, nº 9, do R.C.P., tendo por referência a Tabela III anexa a este texto legal], fixando-se a taxa de justiça, de acordo com o grau de complexidade reduzido do recurso, em 4 (quatro) unidades de conta.
*
III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes ora subscritores do Tribunal da Relação do Porto, em conferência e por unanimidade, julgar provido o recurso do assistente B…, revogando-se o despacho recorrido e determinando o prosseguimento regular dos autos, com a marcação do julgamento.
Custas a cargos dos arguidos recorridos, fixando-se a taxa de justiça individual em 4 (quatro) unidades de conta.

Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 18 de Março de 2020.
Jorge Langweg
Maria Dolores da Silva e Sousa
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[1] Trata-se de um manifesto erro de escrita, uma vez que a redatora da resposta pretendia escrever “assistente”, por se tratar do recorrente.
[2] Parecer subscrito pelo Procurador-Geral Adjunto Dr. Joaquim Gomes.
[3] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[4] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme em todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1..
[5] Como referido por Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição, actualizada, Universidade Católica Editora, pág. 872, nota 1], «O conhecimento das questões prévias ou incidentais inclui o conhecimento dos pressupostos processuais (…)».
[6] Código de Processo Penal Anotado – Legislação Complementar, 17ª edição, Almedina, Coimbra, 2009, p. 778, notas 2 e 3.