Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
434/14.3TTVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ANTONIO JOSÉ RAMOS
Descritores: PRESUNÇÃO DE LABORALIDADE
DECLARAÇÃO DE SITUAÇÃO DE DESEMPREGO
Nº do Documento: RP20161010434/14.3TTVNG.P1
Data do Acordão: 10/10/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º246, FLS.129-136)
Área Temática: .
Sumário: I – Compete ao trabalhador provar os elementos constitutivos do contrato de trabalho, ou seja, que se obrigou, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas (artigo 11º do CT).
II – Face às dificuldades que existem na prova de determinados factos, o legislador previu a existência de presunções (art.º 349.º do C.C.).
III - Estas presunções (ilações legais ou de direito) são as que têm assento na própria lei, ou seja, é a norma legal que, verificado certo facto, considera como provado um outro facto, o que significa que quem tiver a seu favor uma presunção dessa natureza escusa de provar o facto a que a mesma conduz, embora a presunção possa ser ilidida mediante prova em contrário – diz-se então que a presunção é iuris tantum –, excepto nos casos em que a lei o proibir – casos em que a presunção é denominada iuris et de iure – (art.º 350.º do C.C.).
IV - No caso, o legislador previu no artigo 12º do CT uma presunção de laboralidade, cuja finalidade não pode deixar de ser facilitar a demonstração da existência de contrato de trabalho, em casos de dificuldade de qualificação.
V -Assim, tendo o trabalhador dificuldade em provar todos os elementos constitutivos do contrato de trabalho, pode lançar mão da presunção estabelecida no artigo 12º do CT. Este normativo, estabelece a presunção de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento de pelo menos dois dos cinco requisitos aí elencados, a saber:
a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade;
c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
VI - Provados pelo menos dois desses cinco requisitos, presume-se que estamos perante um contrato de trabalho, incidindo sobre a outra parte, a prova de factos que contraírem esta presunção.
VII – A presunção estabelecida no artigo 32º, nº 32º Código Contributivo da Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16 de Setembro, apenas se aplica para efeitos contributivos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: ACÓRDÃO

PROCESSO Nº 434/14.3TTVNG.P1
RG 550

RELATOR: ANTÓNIO JOSÉ ASCENSÃO RAMOS
1º ADJUNTO: DES. JERÓNIMO FREITAS
2º ADJUNTO: DES. NELSON FERNANDES

PARTES:
RECORRENTE: B…
RECORRIDA: C…, LDA.

Valor da ação: € 84.932,35
***
Acordam os Juízes que compõem a Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
***
I – RELATÓRIO
1. B…, divorciado, residente na Rua …, nº …, ….-…, …, Vila Nova de Gaia, instaurou a presente acção declarativa, com processo comum, contra C…, Lda, com sede na Rua …, nº .., ….-…, …, Vila Nova de Gaia, pedindo a condenação desta a ver declarada a existência de justa causa para a resolução do contrato de trabalho da iniciativa do A. e consequentemente, a sua condenação no pagamento ao A. do valor de €59.932,35, acrescido dos correspondentes juros de mora vincendos calculados à taxa legal, desde a citação até efetivo e integral pagamento da quantia em dívida, respeitante: a) À indemnização prevista no nº 1 do art.º 396º CT, no montante de € 4.172,57, determinada com base em 45 dias de retribuição por cada ano completo de antiguidade ou fração de ano de antiguidade; b) Às retribuições salariais de Maio de 2011 a Agosto de 2013, no total de € 33.390,00, acrescido dos juros de mora vencidos calculados à taxa legal, no valor de € 5.151,6; c) Aos subsídios de férias respeitantes ao trabalho prestado nos anos de 2011 a 2013, no total de € 3.975,00 acrescido dos juros de mora vencidos calculados à taxa legal, no valor de € 374,1; d) Aos subsídios de Natal respeitantes ao trabalho prestado nos anos de 2011 a 2013, no total de € 3.180, acrescido dos juros de mora vencidos calculados à taxa legal, no valor de € 286,2. Pede ainda a condenação da R. a liquidar €25.000 a título de danos não patrimoniais, de acordo com o nº3, do artigo 396º, do Código do Trabalho.
Para o efeito, e em suma alegou que invoca que após ter cedido à renúncia da gerência da Ré e transmitido parte das suas quotas celebrou um contrato de trabalho verbalmente para exercer funções de assessoria à administração, em contrapartida da remuneração mensal de € 890, acrescido de € 222,50 de isenção de horário de trabalho e de € 80 a título de subsídio de alimentação, ao que acrescia o pagamento de despesas de deslocação mediante a apresentação de comprovativos. Mais alega que nunca lhe foram pagas as retribuições que lhe eram devidas, pelo que procedeu à resolução do contrato com fundamento na falta de pagamento pontual da retribuição. Invoca ainda a existência de danos não patrimoniais decorrentes do comportamento da Ré.
***
2. Realizada a audiência de partes onde não foi possível conciliação, a ré apresentou contestação onde, em resumo, impugna a versão apresentada pelo A. contrariando a existência de qualquer contrato de trabalho, alegando que derivado das dificuldades económico financeiras que a Ré atravessava na altura e às dívidas existentes, o A. cedeu as quotas a D… e E….
Porém, porque pretendia continuar ligado à sociedade e a fazer descontos para a segurança social para assim beneficiar de uma baixa médica, solicitou à Ré que procedesse à sua inscrição, passando esta a suportar os respetivos descontos.
Referem que o A. efetivamente, assessorou a nova gerência, esporadicamente, mas com total autonomia e de acordo com a sua disponibilidade, sendo-lhe pagos valores de acordo com os serviços prestados e ficando acordado que receberia uma parte dos lucros obtidos pela Ré. Que devido à situação económica da sociedade, não houve lucros a distribuir, tendo o A. reivindicado uma quota correspondente a 30%, tendo a Ré exigido que o mesmo entrasse com capital para a sociedade, o que nunca veio a acontecer, correspondendo o valor reclamado nos presentes autos o que o A. pretendia receber no âmbito do negócio a celebrar.
***
3. O Autor respondeu refutando o alegado pela ré e mantendo o já dito na petição inicial.
***
4. Foi proferido despacho saneador no qual se afirmou a validade e regularidade da instância e se dispensou a fixação dos temas de prova.
***
5. Realizou-se a audiência de discussão e julgamento com o legal formalismo, tendo após sido proferida sentença, cuja parte decisória tem o seguinte teor:
“Pelo exposto, decide-se julgar a presente acção totalmente improcedente porque não provada, absolvendo a Ré C…, Lda. dos pedidos formulados pelo Autor B….
Custas pelo A.”
***
6. Inconformado com esta decisão dela recorre o Autor, pedindo a sua revogação, assim concluindo:
a) Estando assente que a Ré inscreveu o Autor como trabalhador dependente na segurança social a partir de 4 de maio de 2011, passando a suportar os respetivos descontos, este tem a seu favor a presunção legal da existência de relação laboral, nos termos estabelecidos no n.º 2 do art. 32º do Código Contributivo da Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16 de Setembro;
b) Pelo que, contrariamente ao que a Mma. Juiz a quo sustenta, no sentido de impender sobre o Autor o ónus da prova da existência do contrato de trabalho, este beneficia da presunção da sua existência.
c) Com efeito, a sentença recorrida parte do pressuposto que teria de ser o recorrente a fazer prova dos factos que elencou como não provados – o que se declara de forma expressa e recorrente -, o que não corresponde à verdade, na medida em que, face à existência da aludida presunção legal, teria de ser feita prova negativa dos mesmos por parte da recorrida, o que esta, manifestamente, não fez.
d) Face à absoluta falta de prova dos factos cujo ónus impendia sobre a recorrida, a sentença teria de ser necessariamente no sentido de proceder a pretensão do recorrente.
Sem prescindir e ainda que assim não fosse,
e) Sustentando-se o facto arrolado como provado sob o n.º 9, apenas nos documentos juntos pela recorrida, da sua leitura resulta que o mesmo deve ser alterado, passando a ter a seguinte redação: “No ano de 2013 o autor foi ao Brasil”.
f) Feita a sindicalização de prova por esse Venerando Tribunal da Relação, nos termos do disposto no art. 662º, n.º 1 do CPC., a redação do art. 8º deverá passar a ter a seguinte redação: “a ré inscreveu o autor como trabalhador dependente na segurança social a partir de 4 de maio de 2011, passando a suportar os respetivos descontos”.
g) Do mesmo modo, resulta provada a existência de circunstâncias que, nos termos do disposto no art. 12º do CT, fazem presumir a existência de contrato de trabalho (atividade desempenhada em local pertencente à recorrida e exercício de funções de direção ou chefia pelo recorrente.
h) A sentença é nula quer pelo facto de a motivação à matéria de facto não ter um mínimo de adesão à produção de prova efetuada, não sendo sequer possível aferir da relação entre os documentos juntos aos autos e os depoimentos prestados com as conclusões contidas nos factos provados, quer por expressa que “não obstante, se ter apurado dos depoimentos prestados pelas testemunhas da Ré, seus funcionários, que não obstante a transmissão das quotas, o A. se manteve ligado à sociedade, pelo menos durante algum tempo, nomeadamente, visitando as lojas, acompanhando as obras de uma das lojas, etc.”. (pag. 7, parágrafo 4º)
i) A sentença a quo fez uma indevida aplicação do disposto nos art. 32º, n.º 2 da Lei 110/2009, de 16 de Setembro e do art. 12º do CT.
j) Pelo que revogando a sentença, dando-se procedência ao pedido do recorrente se fará Justiça!
***
7. A Ré não contra-alegou.
***
8. A Exª. Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta deu o seu parecer – fls. 175/178 - no sentido da improcedência do recurso.
***
9. Dado cumprimento ao disposto na primeira parte do nº 2 do artigo 657º do Código de Processo Civil foi o processo submetido à conferência para julgamento.
***
***
II - QUESTÕES A DECIDIR
Delimitado o objeto do recurso pelas conclusões dos recorrentes (artigos 653º, nº 3 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil), não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, temos que as questões a decidir são as seguintes:
- Nulidade da sentença.
- Impugnação da matéria de facto.
- Existência de um contrato de trabalho.
***
***
III – FUNDAMENTOS
1. FACTOS PROVADOS:
A sentença recorrida considerou provados os seguintes factos:
1º - A R. é uma sociedade comercial que se dedica à atividade de representação, comercialização de produtos informáticos e desenvolvimento de software e é uma das poucas revendedoras autorizadas (F…) da marca G… em Portugal (artigo 1º da p.i.)
2º - No período entre 01-01-2010 e 03-05-2011, o A. exerceu funções de sócio gerente da R. auferindo um vencimento mensal de 1.112,00 €, sobre o qual efetuou os descontos para a Segurança Social legalmente previstos para os membros dos órgãos sociais, correspondentes à taxa de 29.60% (artigo 2º da p.i.)
3º - Em 03-05-2011, o A. fez uma cedência parcial das suas quotas e renunciou à gerência da R.. (artigo 3º da p.i.).
4º - Em 14-09-2011, o A. transmitiu a totalidade da quota de que era titular, deixando assim de ser sócio da R.. (artigo 4º da p.i.).
5º - Na altura, a Ré atravessava um período de grandes dificuldades financeiras, devendo cerca de 77.000,00 de rendas relativas à loja que explorava e explora, no centro comercial … (artigo 10º da contestação)
6º - A Ré nunca pagou nenhuma quantia ao A. a título de retribuição (artigo 27º da p.i.)
7º - Por carta datada de 03-09-2013, e rececionada pela R. em 04-09-2013, o A. resolveu o seu contrato de trabalho com fundamento em justa causa por falta de pagamento pontual da retribuição, conforme doc. nº3 junto com a p.i. e cujo tero se dá por integralmente reproduzido (artigo 39º da p.i.)
8º - A Ré, com a conivência deste, inscreveu o A. como trabalhador dependente na segurança social a partir de 4 de maio de 2011, passando a suportar os respetivos descontos (artigo 17º da contestação)
9º - No ano de 2013, o A. esteve alguns meses no Brasil a desenvolver atividade própria (artigo 30º da contestação)
*
1.1. A sentença recorrida considerou como não provados os seguintes factos:
a) Em 04-05-11, logo após a sua renúncia à gerência da R., o A. tenha sido admitido, verbalmente, para trabalhar sob a autoridade e direção da R., para exercer funções de assessoria à administração (artigos 5º e 6º da p.i.)
vvb) tendo ficado acordado entre A. e Ré que receberia como contrapartida do seu trabalho a remuneração mensal de 890,00€, acrescida de 222,50€ a título de retribuição por isenção de horário de trabalho e de 80,00€ referentes a subsídio de alimentação, aos que acresceria o pagamento de despesas de deslocação mediante a apresentação de comprovativos (artigo 7º da p.i.)
c) bem como período de férias remuneradas, subsídios de férias e de natal (artigo 9º da p.i.)
d) o local de trabalho do A. era a sede e as lojas da R (artigo 10º da p.i.)
e) o A. trabalhava em regime de isenção do horário de trabalho, para além do horário de funcionamento e de atendimento ao público das lojas da R. e ainda em regime de teletrabalho (artigo 11º da p.i.)
f) no exercício das suas funções era chamado a reunir com a gerência na sede da R., para receber instruções sobre o seu trabalho, apoiando a análise das vendas e o planeamento da atividade comercial (artigo 12º da p.i.)
g) assegurava diversos trabalhos de Backoffice realizados através de meios informáticos e de tecnologias de informação e comunicação (artigo 13º da p.i.)
h) designadamente, fazia tratamento informático de dados para reporte à gerência de informação de suporte ao planeamento e controlo da atividade da R., mediante um sistema de partilha de informação em rede (artigo 14º da p.i.)
i) colaborava no desenvolvimento e administração dos sites e demais ferramentas de promoção e comercialização online das lojas da R. (artigo 15º da p.i.)
j) acompanhava e efetuava contactos com clientes e fornecedores (artigo 16º da p.i.)
k) coordenava a manutenção dos espaços comerciais da R., sitos em Braga, designadamente, foi incumbido pela R. de coordenar a elaboração do projeto de remodelação da loja do centro comercial “…”, concluído em Novembro de 2012 (artigo 17º e 18º da p.i.)
l) representou a R. nos contactos com os responsáveis da marca G…, ao nível da “negociação” do modo de preenchimento das regras de uniformização do layout e imagem das lojas impostas pela marca aos seus “G… F…” (artigo 19º da p.i.)
m) foi designado interlocutor da R. perante a administração do centro comercial “…”, onde se localizava uma das lojas da R. (artigo 20º da p.i.)
n) o A. exercia, ainda, funções de natureza comercial, divulgando e promovendo no mercado os produtos e serviços da R. sobretudo na área do Grande Porto e Braga (artigo 21º da p.i.)
o) esporadicamente era adstrito a funções de atendimento ao público nas lojas da R. em Braga, designadamente em situações de substituição de trabalhadores ausentes (artigo 22º da p.i.)
p) procedia a entregas de equipamentos e controlo de encomendas de clientes e revendedores (artigo 23º da p.i.)
q) o A. trabalhava para a R. a título exclusivo, não exercendo qualquer outra atividade remunerada durante da relação mantida com a Ré (artigo 34º da p.i.)
r) a sua subsistência económica foi assegurada por recurso a crédito e ao apoio de familiares e amigos (artigo 35º da p.i.)
s) o A., ao serviço da Ré, suportou despesas com portagens e combustíveis por deslocações entre Porto-Braga-Porto para prestar serviço nas lojas da R. no valor de 3.662,30 Euros, cujas faturas foram oportunamente entregues na sede da empresa (artigo 38º da p.i.)
t) o continuado incumprimento das obrigações da R. geraram no A. um crescente sentimento de desespero (artigo 54º da p.i.)
u) o A. sentiu-se perdido, angustiado e enxovalhado à medida que ia tomando consciência de que caíra num engodo e estava a ser explorado pela R., ficando com toda a sua vida profissional e financeira dependente do investimento e aposta profissional que havia feito no projeto da R. (artigo 56º e 57º da p.i.)
v) o A. que deixou de conseguir pagar as suas despesas pessoais e familiares mensais, ficando com o seu bom nome manchado como “caloteiro” junto dos seus credores (artigo 59º da p.i.)
w) os seus amigos e familiares que o ajudaram financeiramente foram progressivamente perderam a confiança e afastaram-se do A. (artigo 62º da p.i.)
x) o A. foi sofrendo humilhações e passou a sentir vergonha de encarar a comunidade, isolando-se de tudo e de todos (artigo 63º da p.i.)
y) Sentiu o desapontamento dos seus dois filhos menores e a censura da sua mulher, por destruir a sua vida e a estabilidade económica e familiar ao deixar-se enganar e arrastar para uma situação de absoluta exploração e dependência da R. (artigo 64º da p.i.)
z) o que conduziu a problemas conjugais que levaram à dissolução, por divórcio, do seu casamento de 19 anos (artigo 65º da p.i.)
aa) entrou num estado depressivo, que o obrigou a recorrer a acompanhamento psiquiátrico, que ainda hoje mantém, assim como a uma dependência de antidepressivos, calmantes e outros psicotrópicos (artigo 66º da p.i.).
bb) os problemas financeiros decorrentes do não pagamento pela R. dos seus créditos laborais, provocaram no A. uma forte perda de auto estima e um sentimento de impotência perante os infortúnios acima descritos que daí decorreram (artigo 67º da p.i.)
cc) situações que conduziram o A. a adotar comportamentos e tendências suicidas, que foram sendo controladas com apoio e tratamentos médicos especializados e o apoio de familiares que o socorreram (artigo 69º da p.i.)
dd) à data da cessão de quotas, a Ré tivesse uma dívida de 90.000€ a uma instituição bancária, outra no montante de cerca de € 70.000,00 a uma empresa do sector informático denominado H…, S.A e à segurança social um débito de € 12.000.00 (artigo 11º da contestação)
***
1. DO OBJECTO DO RECURSO
Vejamos, pois, se assiste razão ou alguma razão ao Autor.

1.1. NULIDADE DA SENTENÇA
Alega o recorrente que a sentença é nula «quer pelo facto de a motivação à matéria de facto não ter um mínimo de adesão à produção de prova efetuada, não sendo sequer possível aferir da relação entre os documentos juntos aos autos e os depoimentos prestados com as conclusões contidas nos factos provados, quer por expressa que “não obstante, se ter apurado dos depoimentos prestados pelas testemunhas da Ré, seus funcionários, que não obstante a transmissão das quotas, o A. se manteve ligado à sociedade, pelo menos durante algum tempo, nomeadamente, visitando as lojas, acompanhando as obras de uma das lojas, etc.”. (pag. 7, parágrafo 4º)».
Vejamos:
O artigo 77º do Código de Processo do Trabalho, sob a epígrafe «Arguição de nulidades da sentença», dispõe:
1 — A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.
2 — Quando da sentença não caiba recurso, a arguição das nulidades da sentença é feita em requerimento dirigido ao juiz que a proferiu.
3 — A competência para decidir sobre a arguição pertence ao tribunal superior ou ao juiz, conforme o caso, mas o juiz pode sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso.
No caso em apreço, a arguição da nulidade não ocorreu no requerimento de interposição do recurso, apenas ocorrendo nas alegações, mais concretamente no seu ponto II.
Assim sendo, a arguição da nulidade da sentença não teve lugar no requerimento de interposição do recurso da forma imposta pelo artigo 77º, nº 1, do CPT – expressa e separadamente, tendo a mesma sido feita apenas no corpo das alegações e nas conclusões.
A referida norma do CPT encontra a sua razão de ser na circunstância da arguição das nulidades serem, em primeira linha, dirigidas à apreciação pelo juiz pelo tribunal da 1ª instância e para que o possa fazer.
Radica no “princípio da economia e celeridade processuais para permitir ao tribunal que proferiu a decisão a possibilidade de suprir a arguida nulidade”[1].
O Acórdão do Tribunal Constitucional nº 439/2003, de 30/09/2003, decidiu «não julgar inconstitucional, face ao disposto nos artigos 2º, 20º, 205º e 207º da Constituição da República Portuguesa, e ao princípio da proporcionalidade, a norma constante do art. 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 480/99, de 9 de Novembro, na interpretação segundo a qual, devendo o requerimento de interposição do recurso de agravo ser logo acompanhado das respetivas alegações, numa única peça processual, as nulidades da sentença recorrida não podem ser conhecidas pelo Tribunal Superior, caso tenham sido apenas arguidas, expressa e separadamente, na parte das alegações e o na parte do requerimento de interposição do recurso».
Também o Acórdão do Tribunal Constitucional nº 304/2005, DR, II Série, de 05.08.2005 veio no mesmo sentido ao referir que em processo do trabalho, o requerimento de interposição de recurso e a motivação deste, no caso de arguição de nulidades da sentença, deve ter duas partes, a primeira dirigida ao juiz da 1ª instância contendo essa arguição e a segunda (motivação do recurso) dirigida aos juízes do tribunal para o qual se recorre.
Por conseguinte, uma vez que o procedimento utilizado pelo autor/apelante, para a arguição da nulidade da sentença, não está de acordo com o legalmente exigido em processo de trabalho, não se conhecerá da mencionada nulidade já que, não tendo sido dado cumprimento ao estabelecido no artigo 77º, nº 1, do CPT, a sua arguição é extemporânea.
***
1.2. DA IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO.
***
1.2.1. Defende o Autor que o ponto 8º dos factos provados deverá passar a ter a seguinte redação: “a ré inscreveu o autor como trabalhador dependente na segurança social a partir de 4 de maio de 2011, passando a suportar os respetivos descontos”.
Este ponto tem a seguinte redação:
A Ré, com a conivência deste, inscreveu o A. como trabalhador dependente na segurança social a partir de 4 de maio de 2011, passando a suportar os respetivos descontos.
O Tribunal a quo quanto à motivação no que concerne a este ponto baseia-se na documentação de fls. 37 e, como não pode deixar de ser, conforme resulta da leitura da restante motivação, na apreciação conjunta da prova e das circunstâncias em que o autor cedeu as suas quotas e exercia as sus funções. Aliás, se atentarmos nas declarações de
I…, que exerce de facto as funções de gerente da ré, e das declarações de parte da sócia D…, onde explicam os contornos do negócio da cessação das quotas; a parte cedida e os motivos de tal cedência formal do autor, porque tinha problemas no Banco de Portugal que o impediria de aceder a determinadas verbas, resulta evidente que a inscrição do autor na Segurança Social foi por acordo de todas as partes e com o intuito de salvaguardar os interesses do autor.
E tanto assim é, que resulta das declarações das testemunhas J…, gerente da loja de Braga e K…, que trabalha na L… (empresa adquirida pela Ré) desde 2009, onde é responsável da loja e responsável pelo marketing da Ré, que o autor nunca deixou de ter o estatuto de sócio da ré, e, como tal, sempre se comportando.
Ora, bastariam estes indícios, sem atender aos depoimentos dos sócios da ré, para se concluir que a inscrição do autor na segurança social, nos termos em que foi feita, teria de ser por acordo, pois sé assim não fosse sempre este se rebelaria contra a sua inscrição, por não ser correta.

1.2.2. Alega o Autor que o ponto 9º dos factos provados deverá passar a ter a seguinte redação: “No ano de 2013 o autor foi ao Brasil”.”.
Este ponto tem a seguinte redação:
No ano de 2013, o A. esteve alguns meses no Brasil a desenvolver atividade própria.

O Tribunal a quo quanto à motivação no que concerne a este ponto refere que os documentos do facebook do autor juntos a fls. 99 e 101 põem em causa que a deslocação ao Brasil tenha sido apenas num período de férias a convite de familiares e conforme referiu a testemunha M…, em Agosto e por três semanas. Do documento, resulta que o A. esteve no Brasil, pelo menos, em junho e agosto, evidenciando os comentários na respetiva página que os motivos não se prendiam apenas com férias, mas também com trabalho (sem qualquer relacionamento aparente com a Ré).

Ora, conjugando as declarações da testemunha M… com os documentos de fls. 99 a 101, podemos daí retirar que, pelo menos nos meses de Junho, Julho e Agosto de 2013, o Autor esteve no Brasil. Todavia, salvo melhor opinião, não se pode extrair de tais documentos que o mesmo se encontrava a desenvolver uma qualquer atividade própria ou ao serviço de outrem. Assim sendo, altera-se a resposta dada ao ponto 9º dos Factos Provados, nele ficando a constar que:
No ano de 2013, o A. esteve, pelo menos, nos meses de Junho, Julho e Agosto, no Brasil.
***
1. SABER SE SE ESTABELECEU ENTRE AS PARTES UMA RELAÇÃO CONTRATUAL DE NATUREZA LABORAL

A questão fundamental a analisar nos presentes autos consiste em saber se se estabeleceu entre as partes uma relação contratual de natureza laboral.
O contrato que integra a causa de pedir da presente acção foi celebrado em Maio de 2011 e perdurou até Setembro de 2013.
A noção de contrato de trabalho manteve-se incólume na lei civil ao longo deste tempo – artigo 1152º do Código Civil – e não sofreu igualmente alterações, no que diz respeito à sua essência, nas definições constantes, sucessivamente, do artigo 10.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto, que entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2003 (artigo 3.º, n.º 1 desta lei) e do artigo 11.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que entrou em vigor em 17 de Fevereiro de 2009.
Os elementos constitutivos da noção de contrato de trabalho, em qualquer destes textos normativos, são: a prestação de atividade, a retribuição e a subordinação jurídica.
Como decorre do disposto no artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, recai sobre o trabalhador que pretende ver reconhecida a existência de um contrato de trabalho, o ónus de alegar e provar os factos necessários ao preenchimento dos elementos constitutivos de tal figura contratual[2].
Como se sabe, face às dificuldades que existem na prova de determinados factos, o legislador previu a existência de presunções.
E “[p]Presunções são as ilações que a lei ou o julgador tira de um facto conhecido para firmar um facto desconhecido” (art.º 349.º do C.C.).
Estas presunções (ilações legais ou de direito) são as que têm assento na própria lei, ou seja, é a norma legal que, verificado certo facto, considera como provado um outro facto, o que significa que quem tiver a seu favor uma presunção dessa natureza escusa de provar o facto a que a mesma conduz, embora a presunção possa ser ilidida mediante prova em contrário – diz-se então que a presunção é iuris tantum –, exceto nos casos em que a lei o proibir – casos em que a presunção é denominada iuris et de iure – (art.º 350.º do C.C.).
No caso, o legislador previu no artigo 12º do CT uma presunção de laboralidade, cuja finalidade não pode deixar de ser facilitar a demonstração da existência de contrato de trabalho, em casos de dificuldade de qualificação.
Assim, tendo o trabalhador dificuldade em provar todos os elementos constitutivos do contrato de trabalho, pode lançar mão da presunção estabelecida no artigo 12º do CT. Este normativo estabelece a presunção de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento de pelo menos dois dos cinco requisitos aí elencados, a saber:
a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade;
c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.

Provados pelo menos dois desses cinco requisitos, presume-se que estamos perante um contrato de trabalho, incidindo sobre a outra parte, a prova de factos que contrariem esta presunção.

Ora, no caso em apreço nada se provou que seja suscetível de preencher algum das alíneas atrás mencionadas. Apenas se provou, com relevo, que a Ré, com a conivência do autor, inscreveu este como trabalhador dependente na segurança social a partir de 4 de maio de 2011, passando a suportar os respetivos descontos. Sendo assim, o Autor não se pode socorrer da presunção de laboralidade estabelecida no aludido artigo 12º do CT.
Todavia, defende o recorrente que estando assente que a Ré inscreveu o Autor como trabalhador dependente na segurança social a partir de 4 de maio de 2011, passando a suportar os respetivos descontos, este tem a seu favor a presunção legal da existência de relação laboral, nos termos estabelecidos no n.º 2 do art. 32º do Código Contributivo da Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16 de Setembro, pelo que impendia sobre a ré o ónus de fazer «prova negativa» dos factos, ou seja, a ré teria de provar factos que pusessem em crise a aludida presunção.
Será assim?
A resposta não pode deixar de ser negativa.
Em primeiro lugar, está provado que a aludida inscrição do Autor na segurança social por parte da ré, foi com a conivência daquele.
Em segundo,
O artigo 32º Código Contributivo da Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16 de Setembro, sob a epígrafe “ Cessação, suspensão e alteração da modalidade do contrato de trabalho “, dispõe que:
1 - A entidade empregadora é obrigada a declarar à instituição de segurança social competente a cessação, a suspensão do contrato de trabalho e o motivo que lhes deu causa, bem como a alteração da modalidade de contrato de trabalho.
2 - As comunicações previstas no número anterior consideram-se cumpridas sempre que sejam do conhecimento oficioso do sistema de segurança social.
3 - Sem prejuízo do disposto no número seguinte, enquanto não for cumprido o disposto no número anterior, presume-se a existência da relação laboral, mantendo-se a obrigação contributiva.
4 - Constitui contraordenação leve a violação do disposto no n.º 1.”

Ora, como facilmente se constata a presunção estabelecida no nº 2 do aludido normativo legal nada tem a ver com a presunção de laboralidade que nos ocupa nestes autos. E não tem pela simples razão de que com a leitura do diploma em causa - Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social - logo chegamos à conclusão de que aquela presunção apenas se aplica para efeitos contributivos, como não podia deixar de ser. Assim, se o autor ou outra pessoa qualquer quiser fazer-se valer da presunção de laboralidade tem de o fazer de acordo com o que dispõe o artigo 12º do CT. E, no caso, essa prova não foi feita, pois todos os factos que o autor alegou e que poderiam integrar algum ou algumas das aluídas alíneas do artigo 12º do CT não ficaram provados.
Assim sendo, sem mais delongas, porque desnecessárias, terminamos dizendo que o recurso improcede.
***
3. RESPONSABILIDADE TRIBUTÁRIA
As custas da acção e do recurso ficam a cargo do recorrente [artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil].
***
***
IV - DECISÃO
Em face do exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto em:
– Julgar improcedente o recurso interposto pelo Autor, e, em consequência, manter a sentença recorrida.
– Condenar o recorrente no pagamento das custas recurso [artigo 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil].
***
Anexa-se o sumário do Acórdão – artigo 663º, nº 7 do CPC.
***
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artº 131º nº 5 do Código de Processo Civil).

Porto, 10 de Outubro de 2016
António José Ramos
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
______
[1] Ver, por todos, Ac. da Secção Social desta Relação de 20-2-2006, in www.dgsi.pt, proc. nº 0515705 e jurisprudência ali citada e Acórdão do STJ 27/05/2010; processo 467/06.3TTCBR.C1.S1, in www.dgsi.pt.
[2] Entre muitos outros, afirmou que incumbe ao trabalhador, nos termos do artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil, a alegação e prova dos factos reveladores da existência de uma relação de natureza jurídico-laboral, porque são constitutivos do direito que pretende ver reconhecido, os Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 2012.05.30, Recurso n.º 270/10.6TTOAZ.P1.S1- 4.ª Secção e de 2010.03.03, Recurso n.º 4390/06.3TTLSB.S1 - 4.ª Secção, ambos sumariados in www.stj.pt.
_______
SUMÁRIO – a que alude o artigo 663º, nº 7 do CPC.
I – Compete ao trabalhador provar os elementos constitutivos do contrato de trabalho, ou seja, que se obrigou, mediante retribuição, a prestar a sua atividade intelectual ou manual a outra ou outras pessoas, no âmbito de organização e sob a autoridade destas (artigo 11º do CT).
II – Face às dificuldades que existem na prova de determinados factos, o legislador previu a existência de presunções (art.º 349.º do C.C.).
III - Estas presunções (ilações legais ou de direito) são as que têm assento na própria lei, ou seja, é a norma legal que, verificado certo facto, considera como provado um outro facto, o que significa que quem tiver a seu favor uma presunção dessa natureza escusa de provar o facto a que a mesma conduz, embora a presunção possa ser ilidida mediante prova em contrário – diz-se então que a presunção é iuris tantum –, excepto nos casos em que a lei o proibir – casos em que a presunção é denominada iuris et de iure – (art.º 350.º do C.C.).
IV - No caso, o legislador previu no artigo 12º do CT uma presunção de laboralidade, cuja finalidade não pode deixar de ser facilitar a demonstração da existência de contrato de trabalho, em casos de dificuldade de qualificação.
V -Assim, tendo o trabalhador dificuldade em provar todos os elementos constitutivos do contrato de trabalho, pode lançar mão da presunção estabelecida no artigo 12º do CT. Este normativo, estabelece a presunção de que as partes celebraram um contrato de trabalho assente no preenchimento de pelo menos dois dos cinco requisitos aí elencados, a saber:
a) A atividade seja realizada em local pertencente ao seu beneficiário ou por ele determinado;
b) Os equipamentos e instrumentos de trabalho utilizados pertençam ao beneficiário da atividade;
c) O prestador de atividade observe horas de início e de termo da prestação, determinadas pelo beneficiário da mesma;
d) Seja paga, com determinada periodicidade, uma quantia certa ao prestador de atividade, como contrapartida da mesma;
e) O prestador de atividade desempenhe funções de direção ou chefia na estrutura orgânica da empresa.
VI - Provados pelo menos dois desses cinco requisitos, presume-se que estamos perante um contrato de trabalho, incidindo sobre a outra parte, a prova de factos que contraírem esta presunção.
VII – A presunção estabelecida no artigo 32º, nº 32º Código Contributivo da Segurança Social, aprovado pela Lei 110/2009, de 16 de Setembro, apenas se aplica para efeitos contributivos.

António José Ramos