Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3701/15.5T8VIS.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RUI PENHA
Descritores: JUNÇÃO DE DOCUMENTO EM RECURSO
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ACIDENTE DE TRABALHO
DECISÃO PENAL ABSOLUTÓRIA
CASO JULGADO
DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE
REPARTIÇÃO
ÓNUS DA PROVA
Nº do Documento: RP201907103701/15.5T8VIS.P1
Data do Acordão: 07/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º 296,FLS.313-332)
Área Temática: .
Legislação Nacional: AL. A) DO N.º1 DO ART.º 640º DO CPC
Sumário: I - O art. 651º, nº 1, do CPC, limita àquele momento processual a possibilidade de junção de documento em sede de recurso, pelo que, independentemente da superveniência do documento em relação à apresentação das alegações e da relevância do mesmo, não é admissível a junção de documento após as alegações de recurso.
II - A decisão penal absolutória relativa a factos em discussão em processo por acidente de trabalho não faz caso julgado.
III - Face a decisão penal absolutória, relativamente a factos em discussão em processo por acidente de trabalho, se a absolvição não tiver sido proferida ao abrigo do princípio in dubio pro reo, mas com fundamento em que o arguido não praticou os factos que lhe eram imputados, na falta de prova em contrário fica adquirido que o arguido actuou com a diligência devida, nos termos do disposto no art. 624º, nº 1, do CPC.
IV - Nesta situação impende sobre o autor da acção por acidente de trabalho, ou sobre a ré seguradora, o ónus de demonstrar que a conduta do arguido não foi a reflectida na sentença penal, mas que este, apesar de absolvido, actuou por forma culposa
V - A descaracterização do acidente constitui um facto impeditivo do direito que o autor se arroga e, como tal, de acordo com os critérios gerais de repartição do ónus da prova, a sua prova compete ao réu na acção, ou seja, à entidade patronal ou à respectiva seguradora (artigo 342º, nº 2, do Código Civil).
VI - Desconhecendo-se em que circunstâncias ocorreu o sinistro, nomeadamente se o sinistrado tinha a possibilidade de usar um cabo de sustentação, e desconhecendo-se as condições de segurança da actividade, não pode proceder a argumentação da descaracterização do acidente.
VII - Cabe ao sinistrado bem como à seguradora que pretenda ver-se desonerada da sua responsabilidade infortunística, o ónus de alegar e provar os factos que revelem que o acidente ocorreu por inobservância por parte da entidade empregadora de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, bem como os factos que revelem ter ocorrido, no concreto, a violação causal destas regras, nos termos previstos no artigo 342º n.º 2 do Código Civil.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3701/15.5T8VIS.P1
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto
I. Relatório
B…, residente na Av. …, nº …, …, …, após infrutífera tentativa de conciliação, representado por mandatário judicial, e com benefício do apoio judiciário na modalidade de dispensa da taxa de justiça e demais encargos com o processo, veio intentar a presente acção especial emergente de acidente de trabalho contra C…, Lda., com sede Rua …, …, … , e Companhia de Seguros D…, S.A., actualmente E…, S.A., com sede na Av. …, nº …, em Lisboa.
Pede a condenação das rés:
a) ao pagamento da pensão anual e vitalícia, a que o demandante tem direito em função da retribuição auferida e da incapacidade parcial permanente que lhe foi fixada em junta médica datada de 7 de maio de 2017, com início em 11 de junho de 2015.
b) ao pagamento da quantia de €10.000,00 (Dez mil Euros) a título de dano não patrimonial, acrescida de juros de mora a contar da data do sinistro.
Alega para o efeito e resumidamente: O demandante era trabalhador da Ré “C…, Lda.”, segundo a categoria profissional de pedreiro, mediante a retribuição mensal de €550,00, acrescido de subsídio de férias e de Natal no mesmo montante, bem como de subsídio de alimentação, mensalmente atribuído, no valor de €93,94 a 11 meses; na tarde do dia 3 de Julho de 2014 cerca das 15:20 horas, o aqui demandante sofreu um acidente de trabalho quando se encontrava a trabalhar no exercício próprio das suas funções, sob as ordens, direção e fiscalização da ora demandada e Ré, na obra que decorria numa pedreira, sita na localidade de …, …, em Moimenta da Beira; o Demandante estava sozinho, uma vez que os restantes colegas se encontravam a realizar uma outra tarefa; quando perfurava a referida banca de granito para desmonte da pedra, com recurso a um martelo pneumático e desprovido de qualquer barreira de proteção, o aqui Demandante caiu, de uma altura de cerca 5 metros; a 25 de Julho, o aqui Demandante foi internado no Centro Hospitalar F… EPE – Unidade F1…, onde permaneceu até ao dia 20 de agosto de 2014, quando lhe foi conferida alta hospitalar; o Demandante ficou com uma incapacidade permanente parcial de 11,9265%.
A ré C…, Lda., contestou invocando a caducidade do direito invocado pelo autor e, impugnando, alega, em síntese, que o acidente ocorreu exclusivamente por culpa grave, exclusiva e indesculpável do autor, que não estava a utilizar equipamento de protecção individual, fornecido pela ré, não justificando por qualquer forma a sua omissão.
A ré E…, S.A., contestou alegando, em síntese, que não aceita a responsabilidade pelo acidente dos autos porque, tal como conclui o próprio Sinistrado, o acidente dos autos deveu-se única e exclusivamente à violação das regras de segurança por parte da Co-Ré C…, S.A..
A ré C…, Lda., respondeu, à contestação da seguradora refutando qualquer responsabilidade pela ocorrência do sinistro.
A ré E…, S.A., respondeu à contestação da entidade empregadora, sustentando o alegado na sua contestação.
O autor respondeu à matéria de excepção invocada pela ré C…, Lda., concluindo pela sua improcedência.
Foi proferido despacho saneador, no qual se julgou improcedente a excepção de caducidade invocada pela ré C…, Lda., despacho que transitou em julgado.
Foram consignados os factos assentes e elaborada base instrutória, que não sofreu reclamação.
Procedeu-se a julgamento, com gravação da prova pessoal produzida.
Foi proferida sentença, com fixação da matéria de facto provada, na qual se decidiu a final: “decido julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência, condeno:
a) a 1ª R. a pagar ao A.:
aa) a quantia de €141,72, acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde 04.07.2014 até efetivo e integral pagamento da mesma, sem prejuízo do direito de regresso contra a 2ª R.;
ab) o capital de remição da pensão anual e vitalícia de €729,11, devida a partir de 12.06.2015, acrescido dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde 12.06.2015 até efetivo e integral pagamento do mesmo, sem prejuízo do direito de regresso contra a 2ª R., e
ac) a quantia de €60,00, acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde 23.06.2017 até efetivo e integral pagamento da mesma, sem prejuízo do direito de regresso contra a 2ª R., e
b) a 2ª R. a pagar ao A.:
ba) a quantia de €2.462,40, acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde 04.07.2014 até efetivo e integral pagamento da mesma,
bb) o capital de remição da pensão anual e vitalícia de €312,47, devida a partir de 12.06.2015, acrescido dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde 12.06.2015 até efetivo e integral pagamento do mesmo, e
bc) a quantia de €5.000,00, acrescida dos respetivos juros de mora calculados, à taxa legal, desde a citação da 2ª R. até efetivo e integral pagamento da mesma.”
Foi fixado à acção o valor de €14.033,84.
Inconformada, interpôs a ré C…, Lda., recurso de apelação,
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O Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal teve vista nos autos, emitindo parecer pugnando pela improcedência do recurso, parecer a que as partes devidamente notificadas não responderam.
Já depois de admitido o recurso neste Tribunal, veio a recorrente juntar cópia da sentença absolutória em recurso de decisão administrativa por contraordenação mencionada na setença sob recurso.
A ré seguradora opôs-se à junção do documento.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
Como se sabe, o âmbito objectivo dos recursos é definido pelas conclusões do recorrente (artigos 635º, nº 3 e 4, e 639º, nº 1, do CPC, por remissão do art. 87º, nº 1, do CPT), importando assim decidir quais as questões naquelas colocadas.
Questões colocadas pelo recorrente:
I. Impugnação da decisão relativa à matéria de facto;
II. Descaracterização do acidente;
III. (In)existência de responsabilidade agravada da empregadora.
II. Factos provados
1. O A. nasceu no dia 19.01.1963 (alínea A), dos factos assentes).
2. No dia 03.07.2014, cerca das 15:20 horas, em Moimenta da Beira, o A. foi vítima de um acidente de trabalho quando exercia as funções de pedreiro sob as ordens, direção e fiscalização da 2ª R., mediante a retribuição anual de €550,00 x 14 + €93,94 x 11 (alínea B), dos factos assentes).
3. À data de 03.07.2014, a responsabilidade da 2ª R. por acidentes de trabalho em que fosse interveniente o A. encontrava-se transferida para a 1ª R., pela totalidade da retribuição anual referida em B), mediante contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho na modalidade de prémio variável titulado pela apólice nº ………. (alínea C), dos factos assentes).
4. O acidente de trabalho referido em B) ocorreu quando, ao perfurar uma banca de granito para desmonte da pedra, o A. caiu de uma altura de cerca de 5 metros, do que resultou um traumatismo da cabeça (alínea D), dos factos assentes).
5. A alta por consolidação médico-legal das lesões sofridas em virtude do acidente de trabalho referido em B) ocorreu em 11.06.2015 (alínea E), dos factos assentes).
6. Em resultado do acidente de trabalho referido em B), o A. esteve com uma incapacidade temporária absoluta (ITA) de 04.07.2014 a 11.06.2015 (alínea F), dos factos assentes).
7. As sequelas das lesões sofridas em virtude do acidente de trabalho referido em B) determinaram para o A. uma incapacidade permanente parcial (IPP) de 11,9265% (alínea G), dos factos assentes).
8. Na fase conciliatória do processo, o A. despendeu €60,00 em deslocações obrigatórias ao gabinete médico-legal de … e a este Tribunal (alínea H), dos factos assentes).
9. Na fase conciliatória do processo, a tentativa de conciliação, na qual estiveram representadas ambas as R.R., teve lugar no dia 23.06.2017 (alínea I), dos factos assentes).
10. A 2ª R. dedica-se à extração de granito e rochas afins e fabricação de artigos de granito e de rochas (alínea J), dos factos assentes).
11. À data de 03.07.2014, os gerentes da 2ª R. eram, e atualmente ainda são, G… e H… (alínea K), dos factos assentes).
12. À data de 03.07.2014, a 2ª R. encontrava-se a trabalhar na obra que decorria numa pedreira sita na localidade de …, …, em … (alínea L), dos factos assentes).
13. Para além do A., a trabalhar na mesma obra, encontravam-se a executar funções, embora em distintos trabalhos, vários funcionários da 2ª R., entre eles H…, que se encontrava, no momento do acidente de trabalho referido em B), a cerca de 30 metros do local onde o A. trabalhava, I… que foi a primeira pessoa a chegar junto do A. depois da ocorrência do acidente de trabalho referido em B), e J…, que se encontrava a trabalhar junto com H… e I… (alínea M), dos factos assentes).
14. Na tarde do dia 03.07.2014, mediante instruções de J…, foi o A. destacado para proceder à perfuração da pedra, com vista ao seu desmonte, sendo que, em consequência, dirigiu-se o A. para a bancada superior da estrutura da obra, sita a cerca de 5 metros do solo, para então dar início aos trabalhos (alínea N), dos factos assentes).
15. O A. estava sozinho (alínea O), dos factos assentes).
16. A perfuração a que se alude em D) era feita com recurso a um martelo pneumático e não havia qualquer barreira de proteção ou guarda-corpos (alínea P), dos factos assentes).
17. Após a queda a que se alude em D), o A. foi encontrado deitado no pavimento, inanimado e munido de luvas e botas de biqueira de aço, sendo que o capacete encontrava-se a cerca de um metro do A. (alínea Q), dos factos assentes).
18. A “Autoridade para as Condições do Trabalho” (ACT) elaborou o “INQUÉRITO SUMÁRIO E URGENTE DE ACIDENTE DE TRABALHO” cuja cópia consta de fls. 63 a 95 verso e, aqui, se dá por integralmente reproduzida (alínea R), dos factos assentes).
19. A verificação da utilização do equipamento de proteção individual não aconteceu (alínea S), dos factos assentes).
20. No âmbito do processo nº 110/14.7TAMBR, foi deduzida a acusação pública que consta da certidão de fls. 282 a 290, que, aqui, se dá por integralmente reproduzida (alínea T), dos factos assentes). Alterado conforme decidido infra para “No âmbito do processo nº 110/14.7TAMBR, foi deduzida a acusação pública que consta da certidão de fls. 282 a 290, tendo sido proferida sentença, já transitada em julgado, que julgou totalmente improcedente a acusação pública, absolvendo a 2ª R. C…, Lda., e os sócios desta, G… e H… da prática do crime de infracção de regras de construção, dano em instalações e perturbação de serviços, previsto e punível pelas disposições conjugadas dos artigo 277º, nº 1, al. a) do Código Penal e artigos 15º, nº 1 e 2, als. a) e j) da Lei nº 102/2009 (Regulamento Jurídico da Promoção da Segurança e Saúde no Trabalho), 145º, nº 1 do DL nº 162/90 (Regulamento Jurídico Geral de Segurança e Higiene no Trabalho nas Minas e Pedreiras) e 4º, nº 1, al. a) do DL nº 324/95, de 29 de Novembro.”
21. Em consequência do acidente de trabalho referido em B), o A. foi helitransportado para o Hospital K1… - Centro Hospitalar K…, para apuramento do seu estado de saúde e acompanhamento médico, sendo que ficou internado na Unidade de Cuidados Intensivos Polivalente desde 03.07.2014 a 14.07.2014 (alínea U), dos factos assentes).
22. Entre 14.07.2014 e 25.07.2014, o A. esteve internado na unidade de TCE do Hospital K1…, por necessidade de internamento prolongado em Unidade de Cuidados Intensivos, tendo sido transferido para o Hospital da sua área de residência, … (alínea V), dos factos assentes).
23. A 25.07.2014, o A. foi internado no Centro Hospitalar F… EPE - Unidade F1…, onde permaneceu até ao dia 20.08.2014, quando lhe foi conferida alta hospitalar (alínea W), dos factos assentes).
24. Não obstante a favorável evolução do A., pela médica responsável do F… foi decretada a necessidade de seguir para Cuidado dos Continuados Integrados, a fim de que pudesse dar continuidade ao tratamento entretanto iniciado (alínea X), dos factos assentes).
25. Assim, o A. iniciou os seus tratamentos na Clínica L…, em …, onde ficou internado, no dia 20.08.2014, tendo tido alta, apenas, a 21.03.2015 (alínea Y), dos factos assentes).
26. Aquando da queda a que se alude em D), o A. não dispunha de arnês de cintura e pernas (alínea Z), dos factos assentes).
27. No dia 03.07.2014, a 2ª R. havia disponibilizado ao A. um cinto que se destinaria a ser utilizado como equipamento de proteção individual contra o risco de queda em altura (ponto 2º, da base instrutória). Alterado conforme decidido infra para “No dia 03.07.2014, o A. tinha consigo um cinto de electricista.”
28. Em consequência do acidente de trabalho referido em B), o A. apresenta, ao nível do crânio, uma cicatriz linear irregular, normocrómica, com 3,5 cm de comprimento, na região frontoparietal direita, a qual lhe causa vergonha (ponto 8º, da base instrutória).
29. Em consequência do acidente de trabalho referido em B), o A. apresenta uma síndrome pós traumática (ponto 11º, da base instrutória).
30. O cinto referido no ponto 2º [facto provado 27º] não cumpria as normas de certificação (ponto 14º, da base instrutória).
31. A 2ª R. não disponibilizou ao A. um arnês de cintura e pernas (ponto 15º, da base instrutória). Alterado conforme decidido infra para “A 2ª R. disponibilizou ao A. um arnês de cintura e pernas.”
32. Se a 2ª R. tivesse instalado guarda-corpos no local onde o A. estava a trabalhar, a queda a que se alude em D) não teria ocorrido (ponto 16º, da base instrutória).
33. A queda a que se alude em D) ficou a dever-se, exclusivamente, ao facto do A. não utilizar um arnês de cintura e pernas ligado a uma linha de vida e ao facto de não haver guarda-corpos no local onde o A. estava a trabalhar (ponto 18º, da base instrutória).
34. A 1ª R. procedeu ao pagamento ao A., a título de indemnização relativa à ITA referida em F), da quantia de €5.603,87 (ponto 19º, da base instrutória).
35. Quando incumbiu o A. de fazer a perfuração a que se alude em D), a 2ª R. sabia que não tinham sido instalados guarda-corpos (ponto 20º, da base instrutória).
36. A 2ª R. não fixou os locais de instalação de guarda-corpos ou de linhas de vida (ponto 23º, da base instrutória).
37. Para a obra referida em L), foi elaborado, em 2008, o “PLANO DE SEGURANÇA E SAÚDE” cuja cópia consta de fls. 338 a 430 verso e, aqui, se dá por integralmente reproduzida, o qual foi revisto em 2013, constando da revisão a “FICHA DE PROCEDIMENTOS DE SEGURANÇA” cuja cópia consta de fls. 235 verso a 236 e, aqui, se dá por integralmente reproduzida (ponto 24º, da base instrutória).
38. Entre os dias 6 e 20, de dezembro de 2013, o A. frequentou, com aproveitamento, uma ação de formação de 25 horas sobre “Segurança no Trabalho - Equipamentos” (ponto 25º, da base instrutória).
39. Entre os dias 6 e 20, de dezembro de 2013, o A. frequentou uma ação de formação de 25 horas sobre “Segurança no Trabalho - Equipamentos” (ponto 26º, da base instrutória).
40. O A. era trabalhador da 2ª R. desde 02.04.2011 (ponto 31º, da base instrutória).
41. À data de 03.07.2014, mesmo sem guarda-corpos, se o A. estivesse a utilizar um arnês de cintura e pernas preso a uma linha de vida, a queda a que se alude em D) provavelmente não teria ocorrido (ponto 34º, da base instrutória).
42. Sozinho, o A. conseguia utilizar um arnês de cintura e pernas preso a uma linha de vida (ponto 38º, da base instrutória).
III. O Direito
1. Questões prévias
1.1. A recorrente veio, por requerimento de 18 de Abril de 2019, juntar cópia “da sentença proferida nos autos de Recurso de Contraordenação Nº 1517/18.6T8LMG que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca de Viseu – Juízo do Trabalho de Lamego, que absolveu a Recorrente “C…” das contra-ordenações mencionadas na douta sentença em crise.”
Alega para o efeito que: “A relevância da sentença que hora se junta é directa para o presente processo, por que na douta sentença agora em recurso, o Tribunal na “Motivação” baseou-se no depoimento da testemunha M…, ao qual se atribuiu credibilidade e relevância absolutas, e bem assim em elementos constantes dos processos de contra-ordenação apreciados no processo cuja decisão se junta. Na “MOTIVAÇÃO” da sentença em recurso, designadamente a fls 7 o Tribunal “a quo” baseou-se no “Inquérito Sumário e Urgente de Acidente de Trabalho”, e nas alíneas a) a e) de fls 8, fls 10, 12, 16 18, 19 e 20, e bem assim no art. 19º dos “FACTOS PROVADOS” (fls 22 da sentença), o Tribunal “a quo”, suporta grandemente a decisão em crise nas declarações prestadas pelo Inspector do ACT subscritor do Inquérito, M….”
A ré seguradora deduziu oposição à junção de tal documento, por extemporaneidade e irrelevância.
Para hipótese semelhante consignou-se no acórdão desta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto de 20 de Novembro de 2017, processo 1802/16.1T8MTS.P1, acessível em www.dgsi.pt, e subscrito pelos ora relator e primeiro adjunto como adjuntos, o seguinte: “Dispõe o art. 651º, nº 1, do CPC/2013 que “1. As partes apenas podem juntar documentos às alegações nas situações a que se refere o art. 425º ou no caso de a junção se ter tornado necessária em virtude do julgamento proferido em 1ª instancia.” Do referido preceito decorre que a junção de documentos em sede de recurso apenas é possível com as alegações, e não já em momento posterior. Assim, no caso e pese embora a superveniência do documento em relação à apresentação das alegações (a mencionada sentença crime foi proferida aos [09.04.2019], pelo que a constituição de tal documento é necessariamente posterior à apresentação das alegações de recurso pelo Recorrente, que ocorreu aos [29.11.2018]), o certo é que, nos termos do citado art. 651º, nº 1, a apresentação de documentos é limitada àquele momento processual. E, por outro lado, a sentença ora apresentada pelo Recorrente não havia, pelo menos à data da sua apresentação, transitado em julgado, pelo que, tendo natureza meramente provisória, não se poderá, sequer, colocar qualquer questão relativamente à sua oponibilidade e eficácia no âmbito dos presentes autos.”
Subscrevendo-se este entendimento não se admite a junção do mencionado documento que, oportunamente, deverá ser desentranhado e devolvido à parte, condenando-se a recorrente na multa de 1 (uma) UC, nos termos do art. 443º, nº 1, do CPC.
1.2. A ré seguradora veio alegar que “a Apelante, não arguiu a nulidade da sentença – que invocou ao longo das suas alegações e conclusões – no requerimento de interposição de recurso, conforme exigível pelo já indicado artigo 77º, nº 1, do CPT.”
Sucede que, analisadas as conclusões de recurso da recorrente, que delimitam o objecto do mesmo recurso, não se descortina qualquer referência a nulidades da sentença, pelo que esta parte das alegações da seguradora serão de desconsiderar.
2. Erro na apreciação da matéria de facto
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3. Descaracterização do acidente
Alega a recorrente/empregadora: “Em consequência da alteração que se impõe quanto aos factos 20º, 26º, 27º, 30º, 31º, 32º, 33º, 35º e 36º dos FACTOS PROVADOS, (…), e atento os Factos Provados sob os nº 41º e 42º (fls. 25 da douta sentença) impõe-se a conclusão de não ter havido violação de qualquer regra de segurança por parte da Recorrente, devendo alterar-se a decisão no sentido da absolvição da mesma nos pedidos formulados, por inexistência de violação de qualquer regra de segurança, tendo o acidente ocorrido por o trabalhador não ter cumprido com a sua obrigação de operar em segurança, utilizando os equipamentos de protecção individual que lhe estavam distribuídos.”
A este propósito consta da sentença:
“Resulta do art. 14º, nº 1, da Lei nº 98/2009, de 04.09, que a descaracterização do acidente de trabalho traduz-se na situação em que, não obstante se verificarem todos os requisitos que permitem qualificar um acidente como acidente de trabalho, não há a obrigação de reparação.
Ora, o ónus da prova da existência de uma situação de descaracterização do acidente de trabalho compete, por força do disposto no art. 342º, nº 2, do C.C., uma vez que está em causa um facto impeditivo do direito à reparação, àquele(s) contra quem a invocação do direito à reparação é feita.
No caso dos autos, é a 2ª R. quem, na contestação de fls. 222 verso a 233, invoca a descaracterização do acidente de trabalho.
Sendo que a 2ª R. fundamenta tal descaracterização, de forma inequívoca, na circunstância prevista na 2ª parte, da alínea a), do nº 1, do art. 14º, da Lei nº 98/2009, de 04.09, e, de forma algo equivoca, na circunstância prevista na alínea b), do nº 1, do art. 14º, da Lei nº 98/2009, de 04.09.
A verificação da circunstância prevista na 2ª parte, da alínea a), do nº 1, do artº 14º, da Lei nº 98/2009, de 04.09, pressupõe o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: que existam condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; que haja a violação, por ação ou por omissão, pelo sinistrado, de tais condições; que tal violação seja voluntária, embora não intencional, e sem causa justificativa; e que exista nexo de causalidade entre a referida violação e a produção do acidente.
Isto posto, cabe destacar que podem existir causas justificativas da violação das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei diversas das que estão previstas no nº 2, do art. 14º, da Lei nº 98/2009, de 04.09.
(...)
Já a verificação da circunstância prevista na alínea b), do nº 1, do art. 14º, da Lei nº 98/2009, de 04.09, pressupõe o preenchimento cumulativo dos seguintes requisitos: que exista negligência grosseira do sinistrado e que exista nexo de causalidade exclusivo entre tal negligência e a produção do acidente.
Sendo que o preenchimento do segundo dos requisitos acabados de referir pressupõe a prova de que a única causa da produção do acidente foi a negligência grosseira do sinistrado.
Isto posto, cabe destacar que a negligência grosseira está definida no nº 3, do art. 14º, da Lei nº 98/2009, de 04.09, e deve ser apreciada em concreto, em face das condições do próprio sinistrado e não em função de um padrão geral, abstrato, de conduta.
(...)
Ora, relativamente à circunstância prevista na 2ª parte, da alínea a), do nº 1, do art. 14º, da Lei nº 98/2009, de 04.09, a mesma não pode considerar-se verificada no caso dos autos.
Na verdade, ante os vários pontos dos factos provados, não é possível concluir que existiam condições de segurança estabelecidas pelo empregador, ou seja, pela 2ª R., ou previstas na lei e que houve a violação, por ação ou por omissão, pelo sinistrado, ou seja, pelo A., de tais condições.
Assim, e sem que seja necessário averiguar do preenchimento dos requisitos relativos a “que tal violação seja voluntária, embora não intencional, e sem causa justificativa” e “que exista nexo de causalidade entre a referida violação e a produção do acidente”, fácil é de ver que não se pode considerar o acidente de trabalho supra referido descaracterizado ao abrigo da circunstância prevista na 2ª parte, da alínea a), do nº 1, do art. 14º, da Lei nº 98/2009, de 04.09.
Já no que concerne à circunstância prevista na alínea b), do nº 1, do art. 14º, da Lei nº 98/2009, de 04.09, a mesma também não pode considerar-se verificada no caso dos autos.
Na verdade, ante os vários pontos dos factos provados, não é possível concluir que existiu negligência grosseira do sinistrado, ou seja, do A..
Efetivamente, os vários pontos dos factos provados não permitem a ilação que houve da parte do A. um comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.
Assim, e sem que seja necessário averiguar do preenchimento do requisito relativo a “que exista nexo de causalidade exclusivo entre tal negligência e a produção do acidente”, fácil é de ver que não se pode considerar o acidente de trabalho supra referido descaracterizado ao abrigo da circunstância prevista na alínea b), do nº 1, do art. 14º, da Lei nº 98/2009, de 04.09.”
Não nos merece censura a sentença no que respeita a esta matéria, não obstante a alteração efectuada à matéria dos pontos 27º e 31º da matéria de facto provada, uma vez que nenhuma prova se fez relativamente à razão pela qual o sinistrado não utilizou os meios de protecção colectivos ou, sobretudo, os individuais de protecção, nomeadamente se tal ocorreu por simples iniciativa do trabalhador sinistrado, ou por qualquer outro motivo.
Descaracteriza o acidente de trabalho a circunstância de o mesmo: a) ser dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu ato ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; b) Provir exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado; c) Resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado (art. 14º, nº 1, da referida da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro).
Invoca a recorrente a violação pelo sinistrado das regras de segurança. Sobre esta questão esclarece o nº 2 do aludido art. 14º, nº 1, da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro, que considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la.
Esta causa excludente do direito à reparação do acidente exige, pois, “a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) existência de condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; (ii) ato ou omissão do sinistrado que importe a violação dessas condições de segurança; (iii) voluntariedade desse comportamento, ainda que não intencional, e sem causa justificativa; (iv) nexo causal entre o ato ou omissão do sinistrado e o acidente” (Acórdão do STJ de 29 de Janeiro de 2014, processo 1008/06.8TTVFX.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt).
Ora, desconhecendo-se as circunstâncias que determinaram o não uso pelo sinistrado de equipamentos de segurança, não pode proceder a argumentação da descaracterização do acidente (Acórdão do STJ de 15 de Novembro de 2012, processo 335/07.1TTLRS.P1.S1, acessível em www.dgsi.pt).
Efectivamente, “a descaracterização do acidente constitui um facto impeditivo do direito que o autor se arroga e, como tal, de acordo com os critérios gerais de repartição do ónus da prova, a sua prova compete ao réu na acção, ou seja, à entidade patronal ou à respectiva seguradora (artigo 342º, nº 2, do Código Civil). Isto é, aquele que invoca o direito de reparação pelo acidente de trabalho tem de provar os factos que normalmente o integram; a parte contrária terá de provar, por seu turno, os factos anormais que excluem ou impedem a eficácia dos elementos constitutivos do direito invocado” (acórdãos do Tribunal da Relação do Porto de 18 de Junho de 2012, processo 212/10.9TTVNG.P1, e de 29 de Abril de 2013, processo 2266/10.9TTPNF.P1, ambos acessíveis em www.dgsi.pt).
Por outro lado, nenhuma circunstância se vislumbra que possa inverter tal ónus de prova que impendia sobre a recorrente empregadora.
Assim, improcede a apelação da entidade patronal neste pormenor.
4. Da responsabilidade agravada da empregadora
Considerou-se na sentença:
“(...) resulta dos pontos 2º, 4º, 12º a 14º, 16º, 19º, 26º, 31º, 35º e 36º, todos dos factos provados, que a 2ª R. não adotou tal medida de prevenção.
Ora, ante todo o exposto, é lícita a ilação que a 2ª R. estava obrigada a observar a regra sobre segurança e saúde no trabalho prevista no art. 4º, nº 1, alínea a), do DL nº 324/95, de 29.11, mas não a observou.
Efetivamente, ao não adotar a medida de prevenção “Manter as protecções colectivas nos bordos da frente de trabalho. No entanto, na generalidade das vezes torna-se necessário aplicar outro tipo de protecção anti-queda específico para esta actividade (Arnês com ligação à linha de vida).”, a 2ª R. não tomou as medidas necessárias para que o local de trabalho onde ocorreu o acidente de trabalho supra referido fosse mantido de acordo com as especificações do plano de segurança e de saúde.
Por outro lado, ante os pontos 2º, 4º, 12º a 14º, 16º, 19º, 26º, 31º a 33, 35º, 36º e 41º, todos dos factos provados, é viável concluir que existe nexo de causalidade entre a não observação por parte da 2ª R. da regra sobre segurança e saúde no trabalho prevista no art. 4º, nº 1, alínea a), do DL nº 324/95, de 29.11, e a produção do acidente de trabalho supra referido.
Efetivamente, emerge dos pontos 2º, 4º, 12º a 14º, 16º, 19º, 26º, 31º a 33, 35º, 36º e 41º, todos dos factos provados, que a não observação por parte da 2ª R. da referida regra é condição sem a qual o acidente de trabalho supra referido não se teria verificado.
Ante todo o exposto, é possível concluir que o acidente de trabalho supra referido resultou de falta de observação pela 2ª R. das regras sobre segurança e saúde no trabalho.
A este passo, importa deixar consignado que emerge da conjugação do ponto 20º, dos factos provados, com o documento de fls. 757 a 764 (a saber, uma certidão) a seguinte factualidade: no âmbito do processo referido no ponto 20º, dos factos provados, foi proferida a sentença que consta da certidão de fls. 757 a 764, que, aqui, se dá por integralmente reproduzida, a qual transitou em julgado em 12.07.2018.
Acontece que tal factualidade não permite afastar a conclusão mencionada supra de que o acidente de trabalho supra referido resultou de falta de observação pela 2ª R. das regras sobre segurança e saúde no trabalho.”
Insurge-se a recorrente, alegando, para além do referido supra: “Em conformidade com tudo quanto ficou exposto, quer ao nível da impugnação da matéria de facto, quer da matéria de direito, acredita a Recorrente ter ficado suficientemente demonstrado o erro de julgamento, erro na fixação da matéria de facto, nos termos já expressos ao longo das presentes alegações, devendo o Tribunal da Relação proceder à reapreciação da prova nos termos propostos pelos Recorrentes, revogando a douta sentença em crise, absolvendo a Recorrente dos pedidos formulados por não ter havido violação de qualquer regra de segurança por parte da Recorrente, e atenta a inexistência de violação de qualquer regra de segurança, declarar-se que o acidente ocorreu por o trabalhador não ter cumprido com a sua obrigação de operar em segurança, utilizando os equipamentos de protecção individual que lhe estavam distribuídos.”
Nos termos do disposto no art. 18º, nº 1, da LAT, quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais.
Conforme se refere no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 16 de Novembro de 2017, processo 63/14.1TTGMR.G1, acessível em www.dgsi.pt, “para efeitos de aplicação do artigo 18º da NLAT cabe ao sinistrado bem como à seguradora que pretenda ver-se desonerada da sua responsabilidade infortunística, o ónus de alegar e provar os factos que revelem que o acidente ocorreu por inobservância por parte da entidade empregadora de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, bem como os factos que revelem ter ocorrido, no concreto, a violação causal destas regras, nos termos previstos no artigo 342º n.º 2 do Código Civil. É jurisprudência pacífica que o ónus de alegar e provar os factos que agravam a responsabilidade da entidade empregadora compete a quem dela tira proveito.”
No mesmo sentido os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 17 de Maio de 2018, processo 92/16.0T8BGC.G1, do Tribunal da Relação do Porto de 7 de Maio de 2018, processo 2795/15.8T8PNF.P1, e do Tribunal da Relação de Coimbra de 16 de Junho de 2016, processo 933/11.9TTCBR.C1, e de 29 de Setembro de 2016, processo 933/11.9TTCBR.C1, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Conforme se refere no último dos mencionados arrestos, “Tratava-se, pois de saber se pode considerar-se que o acidente foi provocado pelo empregador ou resultou de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho. O objecto do recurso é o de saber se o acidente se pode considerar consequência de falta das regras de segurança da responsabilidade da ré empregadora. Quem invocar os fundamentos previsto naquele art. 18º, nº 1, como facto constitutivo de direitos tem, em princípio, o ónus da prova dos factos respectivos (342 nº 1 do Código Civil). Para a verificação em causa, impunha-se a demonstração da violação das regras de segurança, da culpa e do nexo de causalidade entre o acidente e a dita violação (já que aqui importaria determinar se o acidente ocorreu por causa dessa específica violação).”
E a isso não obsta a circunstância de se tratarem de factos negativos, dado que se tratam de factos constitutivos do direito invocado pelo recorrente/sinistrado (acórdão do STJ de 18 de Janeiro de 2006, processo 05S3488, ainda acessível em www.dgsi.pt.
A este propósito veja-se ainda o acórdão do STJ de 17 de Setembro de 2009, processo 451/05.4TTABT.S1, acessível em bdjur.almedina.net, no qual se refere:
“Como acima se referiu, o ónus da prova dos factos que integram o conceito de negligência grosseira compete a quem a invoca, sendo irrelevante, acrescenta-se agora, o cariz positivo ou negativo de tais factos (e sua formulação), pois não se afigura correcta a asserção vertida pela recorrente na sua alegação, segundo a qual, no último caso, a prova seria impossível conduzindo à impossibilidade da defesa «em todos os acidentes em que o condutor segue sozinho e se despista sozinho».
“É reconhecida a dificuldade intrínseca da prova de factos negativos – que não a impossibilidade da sua demonstração –, mas a essa dificuldade o legislador não conferiu, como decorre dos artigos 342.º a 344.º do Código Civil, qualquer relevância no domínio da repartição do ónus de alegação e prova.
“Nenhuma norma impõe a inversão do ónus da prova (e, pois, de alegação) quando estejam em causa factos negativos, no sentido de obrigar a parte contra a qual os factos são invocados a fazer a prova dos correspondentes factos positivos, não havendo, pois, lugar à aplicação da máxima negativa non sunt probanda (cfr. Manuel A. Domingues Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, I, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1963, p. 188; Artur Anselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratório, Vol. III, Almedina, Coimbra, 1982, pp. 354/355; e, entre outros, os Acórdãos deste Supremo Tribunal de 18 de Março de 1998 e 20 de Setembro de 2007, em www.dgsi.pt, Documentos n.os SJ199803180001894 e SJ200709290017527, respectivamente).
“A maior ou menor dificuldade, a que se aludiu, será – como observa Artur Anselmo de Castro, obra e local citados – «unicamente relevante no plano da apreciação das provas pelo juiz na formação da sua convicção, mais ou menos exigente, consoante os casos», ou – como escreve Manuel Domingues Andrade, obra e local referidos – tornará «aconselhável – directamente ou com as adaptações necessárias [...] a máxima iis quae difficilioris sunt probationis leviores probationes admittuntur», considerações que, por se situarem no âmbito do julgamento da matéria de facto, portanto, fora do domínio da interpretação das normas atinentes à repartição do ónus da prova, não podem no recurso de revista assumir qualquer projecção, face ao disposto nos artigos 655.º, n.º 1, 721.º, n.º 1, 722.º, n.º 2 e 729.º, nº 1 e 2, do CPC.”
Ora, face à alteração da matéria de facto provada, sobretudo do ponto 31º, ficando consagrado que recorrente disponibilizou ao sinistrado equipamento de protecção individual contra o risco de queda, ainda que o mesmo não se tenha assegurado deque o sinistrado usaria tal equipamento, não se pode considerar que tenha sido feita a prova da responsabilidade da recorrente.
Assim, procede aqui a apelação da recorrente/empregadora.
IV. Decisão
Pelo exposto, acorda-se:
1. Na não admissão do documento junto pela recorrente por requerimento de 18 de Abril de 2019, determinando-se o seu oportuno desentranhamento e devolução à recorrente, que vai condenada na multa de 1 (uma) UC.
2. Julgar parcialmente procedente a impugnação da decisão quanto à matéria de facto apresentada pela recorrente entidade patronal e, em consequência, absolver a recorrente da decisão condenatória, incluindo no direito de regresso a favor da ré seguradora.
3. No mais, relativamente à condenação da ré seguradora, mantém-se a sentença recorrida.
Custas pelo autor/sinistrado e pela ré seguradora, na proporção do respectivo decaimento, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia o sinistrado.
*
Porto, 10 de Julho de 2019
Rui Penha – relator
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes