Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
956/10.5TBSTS-D.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: CARLOS PORTELA
Descritores: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE
CADUCIDADE
Nº do Documento: RP20141009956/10.5TBSTS-D.P1
Data do Acordão: 10/09/2014
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A acção de investigação de paternidade pode fundar-se tanto na procriação ou filiação biológica como nas presunções de paternidade a que alude o art.º1871º do código Civil, nada impedindo que os seus respectivos fundamentos se cumulem na mesma acção.
II - Nas hipóteses previstas nas alíneas a) e b) do nº1 do mesmo artigo está previsto um regime especial segundo o qual, se o investigante for tratado como filho pelo pretenso pai, ou existirem escritos nos quais este última reconhece expressamente a sua paternidade, se permite que a acção possa ser proposta dentro de três anos a contar da data em que cessar o tratamento ou o conhecimento superveniente dos factos que possibilitem e justifiquem a investigação.
III - Assim, a acção pode ser proposta para além do prazo estipulado no nº1 do artº1817º, contando-se o prazo para efeitos de caducidade do direito de accionar, a partir da data em que cessou o tratamento previsto na alínea a) ou em que teve conhecimento da carta ou escrito da alínea b) do supra citado art.º1871º, nº1.
IV - Nestes casos deve pois repartir-se o ónus da prova segundo as regras gerais do art.º342º do Código Civil, atribuindo-se ao autor a prova do facto constitutivo do seu direito – o tratamento e/ou o conhecimento da carta ou do escrito – e atribuindo-se ao réu a prova do facto extintivo desse direito – o facto de o autor ter proposto a acção mais de um ano após a cessação do tratamento ou o conhecimento da carta ou do escrito
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº956/10.5TBSTS-D.P1
Tribunal recorrido: 1º Juízo de Santo Tirso
Relator: Carlos Portela (577)
Adjuntos: Des. Pedro Lima da Costa
Des. José Manuel de Araújo Barros

Acordam na 3ª Secção (2ª Cível) do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório:
B…, casada, residente na Rua …, nº…, ….-… …, Santo Tirso, instaurou acção com processo ordinário para investigação de paternidade contra C… e mulher D…, residentes em …, Estados Unidos da América, E…, solteira e F…, solteira, ambas residentes na Rua …, nº… em …, Santo Tirso, alegando em síntese o seguinte:
A Autora nasceu em 24.04.1924 na freguesia …, desta comarca, sendo registada como filha de G… mas sem menção de paternidade.
Porém, a mesma é também filha de H…, pai dos Réus e já falecido, por nascido das relações sexuais entre ambos havidas.
Com efeito, no ano de 1923 este, então solteiro e a mãe da Autora, namoravam sendo certo que aquele prometeu a esta que então era virgem, casamento.
Por via disso passaram ambos a manter relações de sexo com regularidade, nomeadamente durante os primeiros 180 dias dos 300 que precederam o nascimento da Autora.
Mais alega que durante o período legal da concepção a mãe da autora não teve relações sexuais com mais nenhum homem.
Por outro lado, a relação entre ambos era então assumida pelo pai dos Réus só não culminando no casamento entre ambos porque os pais da mãe da Autora se recusaram a dar uma “bouça” ao pai dos Réus.
Durante a gravidez e mesmo após o seu nascimento, o pai dos Réus sempre tratou a mãe da Autora por filha, nomeadamente em cartas dirigidas a esta e que a Autora veio a encontrar casualmente há alguns meses.
Um e outro dos progenitores veio posteriormente a seguir a sua vida de forma independente, tendo cada um deles casado com outras pessoas das quais tiveram filhos.
No entanto, o investigado continuou a tratar a mãe da Autora como filha, o que era do conhecimento de toda a família e das pessoas que com ele privavam e do público em geral.
Mais alega que a mãe deste, falecida em 16.10.1933 acabou por lhe deixar um legado em dinheiro no montante de 5.000$00.
O H… veio a falecer em 23.08.1958, sem ter reconhecido formalmente a sua paternidade.
Assim sendo e porque considera que está ainda em tempo de ai investigar, requer que a acção seja julgada provada e procedente e por via disso a Autora declarada para todos os efeitos legais, como filha do referido H….
Contestaram os Réus, começando por arguir a caducidade do direito de propor a acção por parte da Autora.
Isto recordando que porque por força do disposto no art.º1817º, nº1 do Código Civil, a acção de investigação de paternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.
Mais defendem que o pedido aqui formulado consubstancia um verdadeiro abuso de direito.
Para além do acabado de referir, impugnam como falsos os factos alegados pela Autora, negando que o pai dos Réus alguma vez tenha namorado com a mãe da Autora, prometido à mesma casamento e/ou seduzido esta.
Questionam ainda algumas das diligências requeridas pela Autora, nomeadamente o pedido de exumação do cadáver do pai dos Réus.
Terminam pedindo que seja conhecida e julgada procedente a caducidade do direito de propor a acção e ainda que seja a acção julgada improcedente por não provada com a necessária absolvição dos pedidos que contra si foram formulados.
Os autos prosseguiram os seus termos, acabando por ser proferido despacho que entre o mais, saneou o processo e julgou não verificada a excepção da caducidade invocada pelos Réus.
Inconformados com esta decisão, dela vieram recorrer os Réus, apresentando desde logo e nos termos legalmente previstos as suas alegações.
Foram produzidas contra alegações.
O recurso foi considerado tempestivo e legal e admitido como sendo de apelação com subida imediata, em separado e com efeito meramente devolutivo.
Recebido o processo nesta Relação foi proferido despacho que teve o recurso por próprio, tempestivamente interposto e admitido com efeito e modo de subida adequados.
Colhidos os vistos legais e porque então nada obstava ao conhecimento do seu mérito, entendeu-se por bem de apreciar e decidir o recurso em apreço.
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II. Enquadramento de facto e de direito:
Atenta as datas em que foi proposta a acção e proferida a decisão recorrida e o disposto nos artigos 5º, nº1 e 7º, nº1 da Lei nº41/2013 de 26 de Junho, as regras processuais aplicáveis a este recurso são as que foram postas em vigor por este último diploma legal.
Ora como é por demais sabido, o objecto deste recurso e sem prejuízo das questões que sejam de conhecimento oficioso obrigatório, está delimitado pelo teor das conclusões vertidas pelos Réus/Apelantes nas suas conclusões (cf. artigos 608º, nº2, 635º, nº4 e 639º, nº1 do NCPC).
E é o seguinte o teor das mesmas:
1.ª Versa o presente recurso sobre o despacho saneador, na parte em que julgou improcedente a excepção da caducidade, nos termos invocados pelas Rés, seguindo a Meritíssima Juiz a quo, o entendimento sufragado no Acórdão 23/2006 de 10.1.2006, do Tribunal Constitucional, que decidiu pela inconstitucionalidade com força obrigatória geral do prazo de caducidade do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil.
2.ª Entendem as Recorrentes, salvo o devido respeito, que a excepção de caducidade invocada deveria ter sido julgada procedente, pelas razões que passam a explanar.
3.ª Em primeiro lugar, cumpre salientar que, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 23/2006, declarou, a inconstitucionalidade, da norma constante do n.º1 do artigo 1817.º do Código Civil, aplicável por força do artigo 1873.º, do mesmo Código, na redacção anterior à redacção dada pela Lei 14/2009, de 1 de Abril, na medida em que previa, para a caducidade do direito de investigar a paternidade, um prazo de dois anos a partir da maioridade do investigante, por violação das disposições conjugadas dos artigos 26.º, n.º 1, 36.º n.º1 e 18.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
4.ª No entanto, essa pronúncia do Tribunal Constitucional, não incidiu sobre a questão geral da existência de prazos para efeito da investigação de paternidade.
5.ª Note-se que o legislador ordinário tomou a opção de continuar a estabelecer limites temporais à propositura das acções de investigação de paternidade, apenas acrescentando em oito anos, o prazo que o Tribunal Constitucional havia considerado insuficiente para o exercício daquele direito.
6.ª A jurisprudência do Tribunal Constitucional, particularmente o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 401/2011, de 3 de Novembro, votado por maioria no Plenário do Tribunal Constitucional e mais recentemente os Acórdãos do Tribunal Constitucional n.º 445/2011, de 11/10/2011, 446/2011, de 11/10/2011, 476/2011, de 12/10/2011, 545/2011, de 16/11/2011, 106/2012 de 06/03/2012 e 231/2012, de 9 de Maio, vem reiterando que as normas que estabelecem prazos de caducidade, para o exercício do direito de investigar a paternidade, especialmente o artigo 1817.º n.º 1 e n.º 3 do Código Civil, na redacção dada pela Lei 14/2009, de 1 de Abril, não são inconstitucionais, na medida em que não contendem com a salvaguarda dos direitos consagrados no artigo 26.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa.
7.ª Nesse Acórdão do Tribunal Constitucional (401/2011 de 3 de Novembro), ficou expresso o entendimento de que “o prazo de 10 anos após a maioridade ou emancipação consagrado no artigo 1817.º n.º1, do Código Civil, revela-se como suficiente para assegurar que não opera qualquer prazo de caducidade para a instauração pelo filho duma acção de investigação de paternidade, durante a fase da vida deste em que ele poderá ainda não ter a maturidade, a experiência de vida e autonomia suficientes para sobre esse assunto tomar uma decisão suficientemente consolidada”.
8.ª Como se concluiu nesse Acórdão, a protecção do direito fundamental à identidade pessoal, consagrado no artigo 26.º da Constituição da República Portuguesa, não exige a imprescritibilidade da acção de investigação de paternidade. O que é necessário é que o prazo concedido não impossibilite ou dificulte excessivamente o exercício maduro e ponderado do direito ao estabelecimento da paternidade biológica.
9.ª Ora, aos vinte oito anos (termo do prazo fixado pela lei), o investigante já tem a maturidade e a experiência de vida necessárias para compreender a importância do estabelecimento da paternidade para a sua identidade pessoal e para decidir sobre o exercício do direito de propor a acção de investigação de paternidade.
10.ª Considerando o exposto podemos concluir que no caso concreto, já decorreu o prazo de dez anos fixado no n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, porquanto a Autora à data da propositura da acção de investigação tinha 85 anos de idade.
11.ª Sendo assim, deveria a Meritíssima Juiz a quo se ter pronunciado pela caducidade do direito da Autora propor a acção de investigação de paternidade, em face do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil e seguindo o entendimento sufragado pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 401/2011, de 3 de Novembro.
12.ª E ainda que, a Meritíssima Juiz a quo, considerasse que a presente acção de investigação se fundava, não só na relação de procriação, mas também nas presunções de paternidade enunciadas nas alienas b) e c) do artigo 1817.º do Código Civil, deveria em qualquer caso, declarar a caducidade do direito da Autora propor a acção de investigação de paternidade, nos termos do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, relegando para final, a apreciação da excepção de caducidade com base na eventual integração da factualidade alegada, nas alienas b) e c) do n.º 3 do artigo 1817.º do Código Civil.
13.ª Ao decidir de modo diverso, o douto despacho recorrido violou o artigo 1817.º n.º 1 do Código Civil, devendo consequentemente ser revogado e substituído por outro que declare a caducidade do direito da Autora propor a acção de investigação de paternidade, nos termos do n.º 1 do artigo 1817.º do Código Civil, relegando para final, a apreciação da excepção de caducidade tendo em conta a na eventual integração da factualidade alegada, nas alienas b) e c) do n.º 3 do artigo 1817.º do Código Civil.
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Como resulta do antes exposto, a única questão que importa apreciar e decidir no âmbito deste recurso é apenas que tem a ver com a procedência/improcedência da excepção peremptória da caducidade do direito de accionar por parte da Autora.
Mais resulta da decisão recorrida que o Tribunal “a quo” com base na prova documental produzida e atento o acordo das partes litigantes, teve como provados os seguintes factos:
1.A A. nasceu em 24/04/1924, na freguesia …, desta Comarca, tendo sido registada como filha de G…, sem menção de pai, conforme resulta da certidão junta aos autos a fls. 9 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
2.No ano de 1923 H… e G… eram solteiros, conforme resulta das certidões juntas aos autos a fls. 11-12 e 14, respectivamente, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
3.H… faleceu a 23 de Setembro de 1958, conforme resulta da certidão junta aos autos a fls. 21 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
4.C… nasceu a 13/02/1932 na freguesia …, tendo sido registado como filho de H… e de I…, conforme resulta da certidão junta aos autos a fls. 23 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
5.E… nasceu a 10/12/1936 na freguesia …, tendo sido registada como filha de H… e de I…, conforme resulta da certidão junta aos autos a fls. 25 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
6.F… nasceu a 31/05/1933 na freguesia …, tendo sido registada como filha de H… e de I…, conforme resulta da certidão junta aos autos a fls. 27 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
7.J… nasceu a 03/06/1935 na freguesia …, tendo sido registado como filho de H… e de I…, o qual veio a falecer a 26/06/2009, conforme resulta da certidão junta aos autos a fls. 29 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
São ainda relevantes para a apreciação e decisão do recurso dos autos, a seguinte matéria de facto alegada pela Autora na petição inicial e que a Sr.ª Juiz por controvertida fez consignar na base instrutória que oportunamente elaborou:
-A Autora nasceu na sequência de relações sexuais havidas entre a mãe, G…, e H….
-No ano de 1923 H… e G… namoravam, tendo-lhe aquele prometido casamento e seduzido, passando ambos a manter relações de sexo com regularidade, nomeadamente durante os primeiros 180 dias dos 300 que precederam o nascimento da A.
-Nesse período a mãe da A. não teve relações sexuais com mais nenhum homem.
-A relação entre ambos era assumida pelo referido H… que dela então não fazia segredo e, pelo menos na altura, pretendia casar com a mãe da Autor.
-Para tanto o mesmo exigiu que os pais da Autora lhes doassem uma bouça ao que aqueles se recusaram, o que levou, com o passar do tempo, a que a mãe da A. e ele se afastassem.
-O H… tanto durante a gravidez da mãe da Autora, como após o seu nascimento, designava-a por filha, fazendo-o nomeadamente em cartas dirigidas à falecida mãe desta, que ela havia guardado e que a Autora veio há alguns meses a descobrir, e nas quais se refere também ao seu relacionamento amoroso e à sua gravidez.
-Cada um dos progenitores da A. seguiu depois a sua vida com independência, tendo ambos casado com outras pessoas e tido outros filhos.
-O H… sempre que se referia à Autora designava-a por sua filha, o que era do conhecimento de toda a sua família e das pessoas que com ele privavam.
-Também as pessoas da freguesia da sua residência sempre consideraram a Autora como filha de H….
-A mãe de H…, de seu nome K:.., falecida a 16/10/1933, apesar de não ter qualquer relação de proximidade com A. e sua família, deixou-lhe, em testamento feito em 13/08/1931, um legado em dinheiro, no montante de Esc. 5.000$00.
-As cartas atrás referidas foram descobertas pela Autora há menos de seis meses, ao remexer velhos papéis que se encontravam entre os pertences de sua mãe, já falecida.
-A acção em apreço foi instaurada pela Autora a 01.03.2010.
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Ora como aqui já vimos e contrariamente ao defendido pelos Réus, o Tribunal “a quo” julgou não verificada a excepção de caducidade invocada por estes e relativamente ao prazo fixado pelo nº1 do art.º1817º do Código Civil.
Num primeiro momento e ainda que com argumentos diversos, foi entendido que tal decisão merecia ser confirmada.
Assim no acórdão então proferido a fls.78 e seguintes, foi decidido que a norma art.º1817º, nº1 do Código Civil padece de inconstitucionalidade, razão pela qual a Autora não estaria vinculada ao prazo de caducidade aí previsto.
No entanto, tal decisão foi objecto de recurso para o Tribunal Constitucional interposto pelo Digno Magistrado do Público junto deste Tribunal da Relação.
Na sequência do mesmo recurso, veio então aquele Venerando Tribunal a emitir decisão na qual determinou que o acórdão aqui proferido fosse reformado no sentido da constitucionalidade da norma em apreço (cf. fls.104 e seguintes).
Impõe-se-nos pois proferir nova decisão que aprecie tal norma de acordo com o entendimento superiormente emitido.
Assim sendo, voltamos a recordar que tendo a presente acção sido instaurada no dia 1.03.2010, à situação em apreço não pode deixar de ser aplicada a redacção dada ao art.º1817º pela Lei nº14/2009 de 1 de Abril, com entrada em vigor no dia seguinte ao da sua publicação (art.2º) e que é aplicável aos processos pendentes (art.3º), e que é a seguinte:
“1. A acção de investigação de paternidade só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação.
2. Se não for possível estabelecer a maternidade em consequência do disposto no artigo 1815º, a acção pode ser proposta nos três anos seguintes à rectificação, declaração de nulidade ou cancelamento do registo inibitório.
3. A acção pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à ocorrência de algum dos seguintes factos:
a) Ter sido impugnada por terceiro, com sucesso, a maternidade do investigante;
b) Quando o investigante tenha tido conhecimento, após o decurso do prazo previsto no nº1, de factos ou circunstâncias que justifiquem a investigação, designadamente quando cesse o tratamento como filho pela pretensa mãe.
c) (…).
4. No caso referido na alínea b) do número anterior, incumbe ao réu a prova da cessação voluntária do tratamento nos três anos anteriores à propositura da acção.”
Para além de outras, do conteúdo desta norma resulta a tese desde há muito aceite segundo a qual na acção de investigação de paternidade a causa de pedir é o facto jurídico da procriação, a relação biológica existente entre investigante e investigado (neste sentido por exemplo o recente Acórdão deste Relação de 20.05.2014, no processo nº4293/10.7TBSTS.P1, em dgsi.Net.).
Assim, devemos ter como certo que tal facto jurídico pode lograr prova directamente, enquanto prova da procriação ou filiação biológica (assumindo aqui o maior relevo a hoje em dia comum prova científica) ou indirectamente (aqui através do recurso a presunções naturais ou judiciais, alicerçadas em regras de experiência - a demonstração de que houve relações de sexo entre a mãe e o pretenso pai no período legal da concepção (cf. o art.º1798º do Código Civil), e que tais relações foram exclusivas.
No entanto, tal facto pode ainda ser provado, ainda que por forma indirecta, através do uso de alguma das presunções legais previstas no nº1 do art.º 1871º.
Deste modo provado que sejam os factos integradores destas presunções, sem que seja posta em dúvida a paternidade biológica, ou então provados os factos relativos à filiação biológica, mesmo que se não verifique qualquer daquelas presunções, a paternidade deve ser reconhecida.
De qualquer forma nada obsta a que a paternidade seja verificada pelas duas vias cumuladas – seja pela via directa, seja pela via indirecta (cf. entre outros o Acórdão do STJ de 27.05.2010, no processo nº1657/03.6TBFAF.G1.S1, em dgsi.Net).
Ora como resulta dos autos, tal cumulação de fundamentos também ocorre nos presentes autos, onde a Autora trouxe a juízo a alegação directa dos factos necessários a que se fixe o facto jurídico da procriação, bem como a alegação indirecta do tratamento e reputação como filha, aliada à existência de escritos nos quais o investigado pai reconhece a sua paternidade – conforme a presunção de paternidade a que alude o disposto no art.º 1871º nº1 alíneas a) e b) do Código Civil, segundo as quais onde se lê que a paternidade se presume “quando o filho houver sido reputado e tratado como tal pelo pretenso pai e reputado como filho também pelo público” e/ou “quando exista carta ou outro escrito no qual o pretenso pai declare inequivocamente a sua paternidade”.
Perante o acabado de expor e resumindo as questões relativas aos prazos de caducidade, impõe-se salientar que com evidente relevância para as questões em análise, assumem importância três prazos distintos e que são os que constam do já antes citado art.º1817º do código Civil:
-a acção só pode ser proposta durante a menoridade do investigante ou nos dez anos posteriores à sua maioridade ou emancipação (segundo o nº1 do art.º 1817º);
-se não for admissível estabelecer a paternidade pela necessidade de afastar aquela que conste do registo de nascimento (art.º 1815º), a acção pode ser proposta nos três anos posteriores ao cancelamento do registo inibitório (nº2 do art.º 1817º);
-a acção pode ainda ser proposta nos três anos posteriores à cessação do tratamento como filho pelo pretenso pai (cf. a alínea b) do nº3 do art.º 1817º do Código Civil);
Não se questiona que estamos em face de prazos diferentes, correspondentes a previsões fácticas diferentes – um prazo regra (o do nº1) e outros prazos previstos para a verificação de factos excepcionais que a lei enumera nos nºs 2 e 3 da mesma norma.
Ora no que toca ao prazo previsto no nº1 do art.º1817º, muitos têm defendo a tese segundo a qual o mesmo não consubstancia um verdadeiro prazo de caducidade (até pela sua excepcional duração – 10 anos – muito superior à usual, em matéria de caducidade de direitos), antes traduzindo um período de tempo onde a referida norma não permite que operem os verdadeiros prazos de caducidade consagrados nos nº 2 e 3 do mesmo artigo (neste sentido o Acórdão desta Relação de 26.11.2012, no processo nº1906/11.7T2AVR.P1, em dgsi.Net).
De todo o modo, na situação dos autos e sendo de respeitar a orientação que foi proposta pelo Tribunal Constitucional, cabe concluir pela caducidade do direito à investigação de paternidade por parte da autora B… à luz do disposto na mesma norma (cf. o nº1 do art.º.1817º).
No entanto e como resulta dos autos, a mesma Autora também funda o seu pedido na previsão legal das alíneas a) e b) do art.º1871º do Código Civil, segundo as quais: “a paternidade se presume quando o filho houver sido reputado e tratado como tal pelo pretenso pai e reputado como filho também pelo público” e/ou “quando exista carta ou outro escrito no qual o pretenso pai declare inequivocamente a sua paternidade”.
Estamos pois perante o regime especial previsto pelo legislador e segundo o qual, se o investigante for tratado como filho pelo pretenso pai, ou existirem escritos nos quais este última reconhece expressamente a sua paternidade, se permite que a acção possa ser proposta dentro de três anos a contar da data em que cessar o tratamento ou o conhecimento superveniente dos factos que possibilitem e justifiquem a investigação (cf. os artigos 1871º e 1817º, nºs 1 e 3 do Código Civil).
Em suma, nestes casos pode pois a acção ser proposta para além do prazo estipulado no nº1 do artº1817º, contando-se o prazo para efeitos de caducidade do direito de accionar, a partir da data em que cessou o tratamento previsto na alínea a) ou em que teve conhecimento da carta ou escrito da alínea b) do supra citado art.º1871º, nº1.
Deste modo, nestes casos deve pois repartir-se o ónus da prova segundo as regras gerais do art.º342º do Código Civil, atribuindo-se ao autor a prova do facto constitutivo do seu direito – o tratamento e/ou o conhecimento da carta ou do escrito – e atribuindo-se ao réu a prova do facto extintivo desse direito – o facto de o autor ter proposto a acção mais de um ano após a cessação do tratamento ou o conhecimento da carta ou do escrito (neste sentido os Prof. Pereira Coelho e Guilherme de Oliveira, Curso de Direito da Família, Volume II, 2006 a págs.240 e seguintes).
Assim sendo e apesar de se dever ter como verificada a caducidade do direito da Autora ao abrigo do regime previsto no nº1 do art.º1817º, nada obsta a que os presentes autos possam prosseguir para numa primeira fase, se apurar da verificação ou não no caso concreto dos efeitos da caducidade que decorre da previsão das supra citadas alíneas a) e b) do nº3 do art.1817º, o que só por si desaconselha a realização imediata de quaisquer actos tendentes à diligência de exumação do cadáver do indigitado pai da Autora.
Isto e muito naturalmente sem prejuízo do prosseguimento posterior da acção no sentido de puder ser apreciada a pretensão da Autora de vir a ser reconhecido que é filha do falecido H….
Tudo sem deixar de ter em conta o que a tal propósito e atenta a avançada idade da Autora, for pelo Tribunal “a quo” entendido determinar, designadamente ao abrigo do disposto no art.º547º do NCPC.
Em suma, procede agora pois a pretensão recursiva dos Réus.
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Sumário (art.º663º, nº7 do NCPC):
1.A acção de investigação de paternidade pode fundar-se tanto na procriação ou filiação biológica como nas presunções de paternidade a que alude o art.º1871º do código Civil, nada impedindo que os seus respectivos fundamentos se cumulem na mesma acção.
2.Nas hipóteses previstas nas alíneas a) e b) do nº1 do mesmo artigo está previsto um regime especial segundo o qual, se o investigante for tratado como filho pelo pretenso pai, ou existirem escritos nos quais este última reconhece expressamente a sua paternidade, se permite que a acção possa ser proposta dentro de três anos a contar da data em que cessar o tratamento ou o conhecimento superveniente dos factos que possibilitem e justifiquem a investigação.
3.Assim, a acção pode ser proposta para além do prazo estipulado no nº1 do artº1817º, contando-se o prazo para efeitos de caducidade do direito de accionar, a partir da data em que cessou o tratamento previsto na alínea a) ou em que teve conhecimento da carta ou escrito da alínea b) do supra citado art.º1871º, nº1.
4. Nestes casos deve pois repartir-se o ónus da prova segundo as regras gerais do art.º342º do Código Civil, atribuindo-se ao autor a prova do facto constitutivo do seu direito – o tratamento e/ou o conhecimento da carta ou do escrito – e atribuindo-se ao réu a prova do facto extintivo desse direito – o facto de o autor ter proposto a acção mais de um ano após a cessação do tratamento ou o conhecimento da carta ou do escrito
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III. Decisão:
Pelo exposto, julga-se procedente o presente recurso de apelação, revogando-se a decisão recorrida a qual se substitui por outra na qual e atento o disposto no nº1 do art.º1817º do Código Civil, se tem por verificada a excepção peremptória da caducidade invocada pelos Réus, assim se absolvendo os mesmos e nesta parte do pedido formulado pela Autora.
Mais se determina que os autos prossigam nos termos e para os efeitos antes melhor referidos.
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Custas do presente recurso a cargo dos Rés/Apelados (cf. art.º 527º, nºs 1 e 2 do NCPC).
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Para os efeitos atrás referidos no que respeita à exumação do cadáver do indigitado pai da Autora, dê-se imediato conhecimento à 1ª instância do agora acabado de decidir.
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Notifique.

Porto, 9 de Outubro de 2014
Carlos Portela
Pedro Lima Costa
José Manuel de Araújo Barros