Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
678/19.1PPPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOANA GRÁCIO
Descritores: CRIME DE AMEAÇA
MAL IMINENTE
CRIME DE RESISTÊNCIA E COAÇÃO SOBRE FUNCIONÁRIO
CONCURSO APARENTE
CONSUNÇÃO
Nº do Documento: RP20221221648/19.1PPPRT.P1
Data do Acordão: 12/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: CONCEDIDO PROVIMENTO AO RECURSO.
Indicações Eventuais: 1. ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Área Temática: .
Sumário: I – O mal iminente é o mal que está próximo, que está prestes a acontecer, mas que pode ainda assim ser um mal futuro para efeitos de enquadramento do crime de ameaça, dependendo da concreta situação.
II - Os crimes de ameaça e de ofensa à integridade física são consumidos pelo crime de resistência e coacção sobre funcionário por se encontrarem numa relação de concurso aparente através de relação de consumpção, sendo os primeiros englobados pela previsão do segundo, que encerra em si a protecção a que aqueles outros ilícitos isoladamente se destinam, mas agora dentro do contexto específico de protecção da autonomia intencional do Estado, reflectida na liberdade de acção pública do funcionário.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 678/19.1PPPRT.P1
Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto – Juízo Local Criminal do Porto – Juiz 6



Acordam, em conferência, na 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

I. Relatório

No âmbito do Processo Comum Singular n.º 678/19.1PPRT, a correr termos no Juízo Local Criminal do Porto, Juiz 6, por sentença de 16-12-2021, foi decidido:
«Por todo o exposto, decide-se:
1.º Condenar o arguido AA, pela prática, como autor material e em concurso efectivo, de um crime de ameaça agravada, previsto e punido pelos artigos 153.º, 155.º, n.º 1, al. c), por referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros);
2.º Condenar o arguido AA, pela prática, como autor material, em concurso efectivo, de um crime de resistência e coação sobre funcionário, na forma consumada, previsto e punido pelo artigo 347.º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão, que se substitui por 240 (duzentos e quarenta) dias de multa, à taxa diária de €6,00 (seis euros).
3.º Em cúmulo material, decide-se condenar o arguido na pena única de 300 (trezentos) dias de multa, à taxa diária de € 6,00 (seis euros), o que perfaz um total de €1.800,00 (mil e oitocentos euros).
4.º Custas a cargo do arguido, fixando-se a taxa de justiça em 3 UC´s.»
*
Não se conformando com esta decisão, a Digna Magistrada do Ministério Público junto do Tribunal recorrido interpôs recurso da mesma, solicitando a revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que absolva o arguido da prática de um crime de ameaça agravado e o condene pelo crime de resistência e coacção sobre funcionário com pena a fixar dentro da respectiva moldura penal abstracta, apresentando em abono da sua posição as seguintes conclusões da sua motivação (transcrição):
«1- Interpomos o presente recurso, no essencial, quanto à matéria de direito, nos termos do disposto no art.º 412.º n.º 2, alíneas a), b) e c), todos do Código de Processo Penal, por discordarmos da qualificação jurídica dos factos que ficaram provados na parte que se reporta ao crime de ameaça agravado, ou seja, por um lado, quanto à subsunção jurídica dos factos e sua qualificação como crime de ameaça e, por outo lado, quanto à pena concreta aplicada ao crime de resistência e coacção, p. e p., pelo art.º 347.º n.º1, do Código Penal, a qual ficou aquém do limite mínimo da pena abstracta prevista na lei para aquele crime.
2- Resumidamente, em face do disposto no art.º 412.º n.º2, alínea a), do Código de Processo Penal, entendemos que, foram violadas as normas jurídicas dos art.ºs 153.º e 155.º, do Código Penal, quanto à subsunção jurídica dos factos, por não se verificar que a expressão proferida se trate de anúncio de mal futuro, mas antes concluiremos que a expressão “parto-te a cara ou parto-te todo” (ou fodo-te já o focinho” que são expressões similares, como consta do auto de notícia de fls. 5 e 6 dos autos e que estará mais próximo da verdade dos factos, pois à data dos factos que ocorreram em 2019, o ofendido, agente da PSP, relatou no auto noticia, o que ocorreu e teria uma memória mais fresca nessa altura do que no dia do julgamento, ou seja, passados mais de dois anos), estaremos perante uma expressão onde o seu agente imputa uma acção presente em termos de forma verbal e até como actuação iminente, como ocorreu no caso em concreto, face ao que vem a resultar provado no ponto 6.º dos factos provados ou seja “ desferiu-lhe um empurrão no peito”.
3- Acresce que, apesar de se ter considerado como provado o facto “vou partir os vossos carros da policia todos”, não se poderá concluir que tal expressão seja ameaça ao agente da PSP, ou que essa expressão seja adequada a provocar medo num agente das forças policiais ou impeditiva do exercício das funções policiais do ofendido, trata-se antes de expressão dirigida à corporação da Policia de Segurança Pública, o qual seria ofendido e não o agente da PSP, pelo que, salvo melhor opinião será excessivo incluir tal expressão como ameaça ao aqui ofendido, por não ser o mesmo nessa parte o titular do direito protegido pelo direito penal, mas sim a Corporação da PSP, nem sequer a expressão terá um relevo intimidatório em relação ao agente da PSP ou sequer é suscetível de intimidar um agente da PSP ou impedi-lo da ter a sua actuação no exercício das funções policiais.
4- Ora, nessa parte, concluímos pelos motivos expostos que, não se mostra verificados os elementos objectivos do crime de ameaça e depois a ameaça dirigida a pessoas coletivas ou organizações, serviço ou organismo que exerça a autoridade pública, não se mostra abrangida nas circunstâncias previstas no art.º 132.º n.º 2, alínea l) do Código Penal, mas sim e, apenas aos seus membros, em exercício de funções ou por força dessas funções, pelo que, concluiríamos estarmos perante um crime de ameaça ao património da instituição PSP, que carecia de queixa, mas que não foi apresentada, pelo que, se impunha a absolvição do arguido do crime de ameaça agravado pelo qual foi condenado.
5- Ou seja, nessa parte e quanto às expressões que se imputam e dão como provadas nos pontos de factos provados nos art.º 2.º e 4.º, as mesmas não são susceptíveis de configurar a prática do crime de ameaça, em relação ao ofendido pelas razões expostas, pelo que, do mesmo deveria o arguido ser absolvido.
6- Nos termos do exigido pelo art.º 412.º n.º2, al. b), do Código de Processo Penal, entendemos que o Tribunal a quo deveria ter excluído a subsunção dessa factualidade dos pontos de facto dos artigos 2.º e 4.º, no crime de ameaça por estarmos antes perante a prova de uma situação de agressão iminente que ocorreu na sequência das palavras proferidas pelo arguido ao senhor agente da Policia Municipal e que vieram a resultar na prova do descrito no artigo 6.º.
7- Nos termos do exigido pelo art.º 412.º n.º2, al. c), do Código de Processo Penal, diremos que o arguido deverá ser absolvido do crime de ameaça agravado, por um lado, por estar excluído um dos elementos objectivos do crime que passa pelo preenchimento do anúncio futuro de um mal ao ofendido, para a vida; integridade física, liberdade pessoal; e autodeterminação ou bens patrimoniais daquele e, por outro lado, por na parte da expressão quanto aos bens patrimoniais, não ser, o aqui ofendido, o titular do direito protegido, mas sim a corporação da PSP e, nem ser aquela expressão suscetível de provocar receio e medo ao agente da PSP ou se suscetível de perturbar a sua actuação e o exercício das suas funções policiais.
8- O presente recurso visa, por um lado, sindicar o enquadramento jurídico dos factos efectuado pelo Tribunal a quo, pelo qual o arguido foi julgado e condenado e, por outro lado, também sindicar a errada aplicação da pena, pois foi aplicada pelo crime de resistência e coação a funcionário, pena inferior ao limite mínimo legal.
9- Assim, mal andou o Tribunal ao qualificar a expressão “PARTO-TE A CARA” e “PARTO-TO TODO”; “O PREJUIZO QUE EU TIVER, VOU PARTIR OS VOSSOS CARROS DA POLICIA TODOS”, como o crime de ameaça agravada, p. e p., pelos artigos 153.º e 155.º do Código Penal.
10- Isto porque a expressão “parto-te a cara” e “parto-te todo”, encontra-se conjugado no presente e por isso, não se pode concluir que seja o anúncio de qualquer mal futuro à integridade física do ofendido, mas antes uma tentativa iminente de execução de um crime contra a integridade física, como ocorreu e como se provou ter o arguido desferido um empurrão ao agente.
11- Depois quanto à outra expressão contra a propriedade, não pode a mesma relevar como ameaça para a pessoa do ofendido agente da PSP, uma vez que, “os carros da policia”, não são da sua propriedade, pelo que, o ofendido não é o titular do direito atingido, antes assumindo a titularidade do direito protegido, a corporação policial da Policia de Segurança Pública, nem a expressão terá força para provocar medo ao ofendido de forma a impedir que este exerça as suas funções policiais, o que não aconteceu, pois o arguido acabou por ser detido e o agente usou inclusivé o gás pimenta.
12- Ora, não sendo o aqui ofendido titular de nenhum veículo da Policia Municipal ou da PSP, não poderá aquela expressão, ter qualquer relevo jurídico em termos de ameaça ao património do ofendido, o qual apenas é agente da PM ou PSP, mas antes para a instituição da PSP ou a própria autarquia, a qual ( uma ou outra) não apresentou queixa nos autos quanto ao crime de ameaça, previsto e punido, como crime de ameaça do art.º 153.º. n.º 1, do Código Penal.
13- Conjugada a forma verbal utilizada na expressão proferida pelo arguido, no presente, “parto-te” e o facto da expressão contra os carros da polícia não se tratar de património do ofendido, nem ter relevo como ameaça ao exercício das funções do agente da PSP, concluímos que os factos provados no art.ºs 2 e 4.º não preenchem o elemento objectivo do crime de ameaça.
14- Concluímos assim que, não obstante, se terem dado como provados esses factos, a sua subsunção jurídica encontra-se erradamente efectuada, uma vez que, não se mostram preenchidos os elementos objectivos do crime de ameaça, por não se verificar que a expressão ou expressões se traduzam num anúncio de um mal futuro para a integridade física do ofendido e, por outro lado, quanto à expressão dirigida aos carros da polícia, não sendo os veículos da PSP, pertença do ofendido/agente da PSP, não é aquele o titular do direito atingido pela expressão proferida e tendo em conta que o arguido teria a intenção de agredir de imediato o agente da PSP, como se apurou do art.º 6.º, mostra-se erradamente julgado o art.º 8 dos factos provados.
15- Com efeito o arguido ao proferir as expressões e dar o empurrão ao ofendido quis ofender a integridade física do ofendido, agente da PSP e, assim para o efeito ofendeu-o na sua integridade física, pelo que, perante a iminência de agressão e que até efectivou, mostra-se afastada a prática do crime de ameaça, dada a globalidade dos factos e da actuação.
16- Em face das razões factuais apresentadas, cremos que só pode ser uma a conclusão, ou seja, a conclusão que se retira será a de que não ocorreu o crime de ameaça agravado, como imputado ao arguido e como veio a ser condenado, pois antes se verifica que da expressão proferida no presente, o mesmo estava a avisar que ia actuar de imediato e existiu a consumação da ofensa à integridade física, com o empurrão como ficou provado no art.º 6.
17- Nesta parte, quanto à subsunção jurídica dos factos no crime de ameaça agravado, consideramos erradamente efectuada, por carência de factos integradores dos seus elementos objectivos e subjectivos que possam subsumir-se nesse crime, devendo o arguido ser absolvido do crime de ameaça agravado.
18- Acresce, ainda dever ser ponderada a questão do concurso aparente, afastando-se o concurso efectivo entre os crimes de ameaça e de ofensa à integridade física com o crime de resistência e coação sobre funcionário.
19- Da jurisprudência se retira que em relação à subsunção jurídica de factos que preencham diversos ilícitos criminais, como ofensa e ameaça, não se estará necessariamente em concurso efectivo de crimes, mas antes em concurso aparente de normas e, por isso, não deverão ser imputadas em concurso efectivo mas antes no ilícito criminal mais grave.
20- No caso em concreto dos autos, concluiremos pela ausência de crime de ameaça a imputar e do qual o arguido deverá ser absolvido, sendo certo que a ofensa cometida ao ofendido, agente da PSP se encontrará consumido pelo crime de resistência e coação a funcionário, p. e p., pelo art.º 347.º n.º1, do Código Penal, deverá ser a solução jurídica perante a globalidade dos factos julgados.
21- Quanto à medida concreta da pena de 8 meses, pelo crime de resistência e coação sobre funcionário, em que o arguido foi condenado, concluímos que se encontra violado o limite mínimo da moldura abstrata prevista no art.º 347.º n.º1 do Código Penal, na redacção aplicável e que foi dada pela Lei n.º 19/2013, de 21.02, a qua entrou em vigor em 24.Março.2013.
22- Assim, no art.º 347.º n.º 1, do Código Penal, pode ler-se que “Quem empregar violência, incluindo ameaça grave ou ofensa à integridade física, contra funcionário ou membro das Forças Armadas, militarizadas ou de segurança, para se opor a que ele pratique ato relativo ao exercício das suas funções, ou para o constranger a que pratique ato relativo ao exercício das suas funções, mas contrário aos seus deveres, é punido com pena de prisão de um a cinco anos.”.
23- Como o arguido foi condenado pelo crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p. pelo art.º 347.º n.º1 do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão, desde logo, se depara que a Douta Sentença violou o limite do mínimo legal que se situa em 1 ano de prisão, pelo que, deve também ser alterada.
24- Assim, nessa parte, deverá ser revogada a condenação do arguido pelo crime de resistência e coação sobre funcionário, na pena de 8 meses e ser esta pena substituída por outra que aplique pena concreta dentro dos limites legalmente previstos para o crime de resistência e coação sobre funcionário, conforme o previsto no art.º 347.º n.º 1, do Código Penal, assim como alterado o cúmulo material.
25- Invoca-se ainda que pela Douta Sentença Recorrida, foram violadas as normas previstas nos art.ºs 153.º n.º1 e 155.º n.º1, alínea c), do Código Penal, por referência ao art.º 132.º n.º 2, alínea l), do Código Penal e o art.º 347.º n.º 1, do Código Penal.
26- Face aos fundamentos expostos, pugnamos que a Douta Sentença seja revogada e substituída por outra que absolva o arguido do crime de ameaça agravada, p. e p., pelos art.ºs 153.º n.º1 e 155.º n.º1, alínea c), do Código Penal, por referência ao art.º 132.º n.º 2, alínea l), do Código Penal e, mais se pugna que seja revogada a Douta Sentença recorrida, na parte da pena de 8 meses aplicada pelo crime de resistência e coação sobre funcionário, p. e p., pelo art.º 347.º n.º 1, do Código Penal, por aquela pena concreta aplicada ser inferior ao limite mínimo legal e violar a lei penal aplicável, substituindo-se a douta sentença com a aplicação de pena dentro dos limites da moldura penal prevista no Código Penal.»
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Notificado, o arguido não apresentou resposta.
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Neste Tribunal da Relação do Porto, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, acompanhou a posição do Ministério Público junto do Tribunal recorrido, aderindo à respectiva fundamentação, emitindo parecer no sentido da procedência total do recurso e concretizando a medida da pena que considera adequada.
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Notificado nos termos do disposto no art. 417.º, n.º 2, do CPPenal, o arguido não apresentou resposta.
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Realizado o exame preliminar, e colhidos os vistos legais, foram os autos submetidos à conferência, nada obstando ao conhecimento do recurso.
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II. Apreciando e decidindo:
Questões a decidir no recurso
É pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação que apresenta que se delimita o objecto do recurso, devendo a análise a realizar pelo Tribunal ad quem circunscrever-se às questões aí suscitadas, sem prejuízo do dever de se pronunciar sobre aquelas que são de conhecimento oficioso[1].
As questões que o recorrente coloca à apreciação deste Tribunal de recurso são apenas de direito e resumem-se às seguintes:
- Qualificação jurídica dos factos; e
- Medida concreta da pena aplicada ao crime de resistência e coacção sobre funcionário.
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Para análise das questões que importa apreciar releva desde logo a factualidade subjacente, sendo do seguinte teor o elenco dos factos provados e não provados constantes da sentença recorrida (transcrição):
«Da acusação:
1º. No dia 23-07-2019, cerca das 14:30 horas, na Rua ..., ..., Porto, o arguido AA dirigiu-se ao agente da Polícia Municipal ... BB, que ali se encontrava em exercício de funções e devidamente uniformizado, com o intuito de pedir satisfações relativamente ao facto de o seu automóvel ter sido rebocado.
2º. No decurso do diálogo estabelecido, o arguido dirigiu-se ao referido agente dizendo «Estão aqui para sacar dinheiro. Parto-te a cara».
3º. Na sequência de tal comportamento, AA foi advertido pelo agente que, caso persistisse no mesmo, seria detido, pois estava a incorrer na prática de um crime.
4º. Não obstante a advertência que lhe foi dirigida, o arguido continuou, dirigindo ao agente as seguintes afirmações «Parto-te todo. O prejuízo que eu tiver, vou partir os vossos carros da polícia todos.».
5º. Perante a actuação do arguido, o agente BB solicitou apoio via rádio e comunicou ao arguido que, a partir daquele momento, se encontrava detido.
6º. Ao receber tal informação, com o intuito de se eximir à concretização da detenção, o arguido dirigiu-se ao agente BB, desferiu-lhe um empurrão no peito e colocou-se em fuga.
7º. Em consequência da conduta acima descrita, o agente BB sofreu dores na região corporal atingida.
8º. O arguido previu e quis proferir as expressões intimidatórias supra referidas, sabendo que as mesmas eram idóneas a causar medo e receio no ofendido.
9º. Não obstante saber que o mesmo era agente da Polícia Municipal e actuava no exercício das suas funções.
10º. Ainda, ao actuar do modo acima descrito, previu e quis igualmente obstar a que o referido agente actuasse no exercício legítimo das suas funções, procedendo à sua detenção, agindo com o intuito de o molestar fisicamente no seu corpo e saúde, o que conseguiu alcançar.
11º. Agiu de forma consciente e voluntária, sabendo ser proibida a sua conduta e tendo a liberdade necessária para se determinar de acordo com essa avaliação.
Das condições sócio-económicas do arguido:
12.º Vive com a companheira e a enteada, de 30 anos.
13.º Tem uma filha de 21 anos, que vive com a mãe.
14.º Faz montagem de móveis de cozinha, por conta de outrem.
15.º Vive em casa arrendada, cuja renda é paga pela companheira e a enteada.
16.º As despesas de água, luz, internet são pagas pela esposa e rondam o valor mensal de cerca de € 180.
17.º Despende a quantia de 311 € para a filha, que está a estudar fora.
18.º Aufere mensalmente o salário entre €400 e €500, consoante tem que ficar parado por causa dos problemas da coluna cervical.
19.º A companheira está no fundo de desemprego e recebe 400€ de subsídio de desemprego.
20.º Não tem outros bens ou rendimentos.
21.º Gasta cerca de €30-€40 em medicamentos para os problemas de coluna. 22.º Tem o 6.º ano de escolaridade.
23.º Nada consta do certificado de registo criminal do arguido.
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B) FACTOS NÃO PROVADOS
Não se provaram os seguintes factos, com relevo para a boa decisão da causa:
A) Que nas circunstâncias descritas em 2.º e 4.º dos factos provados tenha dito exactamente “Fodo-te o focinho”.»

Apreciando.
A primeira divergência do recorrente face à sentença recorrida radica no entendimento de que não deve ser autonomizado qualquer crime de ameaça, posto que as expressões parto-te a cara ou parto-te todo (pontos 2 e 4 dos factos provados) proferidas no contexto enunciado não representam um mal futuro, antes reflectem uma acção presente e eminente, como de facto aconteceu e se mostra provado no art. 6.º da matéria de facto provada, tendo o arguido efectivamente desferido um empurrão no peito do agente da PSP seu interlocutor.
Por outro lado, alega o recorrente, a expressão o prejuízo que eu tiver, vou partir os vossos carros da polícia todos não se constitui como uma ameaça dirigida ao agente da PSP ali presente, mas antes a toda a corporação da PSP, não sendo aquele concreto agente o ofendido e titular do direito protegido pelo direito penal, mas sim aquela entidade colectiva, cuja protecção não se mostra abarcada pela previsão do art. 132.º, n.º 2, al. l), do CPenal. Neste caso, afirma, estamos apenas perante um crime de ameaça simples, relativo ao património, que carecia de queixa, que não foi apresentada.
Por fim, ainda quanto à qualificação jurídica, invoca o recorrente que mesmo a considerar-se verificado o crime de ameaça ele sempre estaria em relação de concurso aparente com o crime de resistência e coacção sobre funcionário.

A avaliação jurídica que antecede mostra-se parcialmente correcta.
A nossa discordância situa-se logo no início da análise do recorrente, perante a invocação da não verificação do crime de ameaça por no caso concreto as expressões proferidas não poderem ser consideradas um mal futuro, antes presente e iminente.
Com efeito, seguindo de perto, quanto a tal temática, a posição do muito bem fundamentado acórdão desta Relação do Porto de 26-05-2021[2], consideramos que a palavra iminente pode conduzir-nos a entendimento diferente do sugerido, pois o mal iminente é o mal que está próximo, que está prestes a acontecer, mas que pode ainda assim ser um mal futuro. Depende da concreta situação.
Para que as expressões aqui em causa fossem desconsideradas crime de ameaça necessário seria que tivessem sido proferidas já em contexto de envolvimento físico ou, no mínimo, de acesa discussão que fizesse supor o confronto físico imediato, caso em que se constituiriam como actos de execução de um outro ilícito criminal que o agente decidiu cometer.
Como bem se sintetizou no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 29-01-2020[3], «[o] mal futuro indispensável à verificação do crime de ameaça não se situa necessariamente num futuro longínquo ou mais ou menos distante. É futuro todo o mal que não se inicia com a ameaça ou imediatamente a seguir a ela.»
No caso em apreço não encontramos esse contexto de imediato confronto, antes, apenas e somente, a verbalização por parte do arguido de que parte a cara do agente da PSP que o aborda ou o parte todo.
Tenha-se presente que o agente da PSP em causa estava no local em exercício de funções e uniformizado e que o arguido se dirige ao mesmo com o intuito de pedir satisfações relativamente ao facto de o seu automóvel ter sido rebocado. E é enquanto decorre este diálogo que o arguido dirige ao referido agente da PSP a expressão parto-te a cara e, após ser advertido para parar ou seria detido, lhe diz parto-te todo.
O empurrão no peito do agente que foi desferido pelo arguido, conduta que concretiza uma ofensa à integridade física do primeiro, apenas ocorre depois daquele agente ter solicitado apoio via rádio e ter informado o arguido de que a partir daquele momento se encontrava detido. Aliás, o arguido actua deste modo, com o intuito de se colocar em fuga e de se eximir à detenção, situação que não era ainda configurável no momento em que foram dirigidas as expressões mencionadas.
Neste contexto, a ameaça dirigida ao agente da PSP – determinada por o arguido pretender tirar satisfações por o seu veículo automóvel ter sido rebocado – de modo algum pode considerar-se como uma tentativa de agressão física ao mesmo, pois esta surge mais tarde, sob a forma consumada, e apenas após a comunicação ao arguido da sua detenção.
Por outro lado, a ameaça dirigida através da expressão parto-te todo, que o arguido dirigiu ao agente da PSP, tem de ser entendida como ameaça grave por envolver a prática de crime de ofensa à integridade física que se afasta da ofensa simples, p. e p. pelo art. 143.º do CPenal, logo que seria punida com pena de prisão superior a 3 (três) anos, integrando o crime de ameaça agravado – art. 155.º, n.º 1, al. a), do CPPenal[4].
Por outro lado, está provado que o arguido previu e quis proferir as expressões intimidatórias supra-referidas, sabendo que as mesmas eram idóneas a causa medo e receio ao ofendido.
A adequação exigida pela ameaça grave não é dirigida ao resultado em concreto, isto é, à criação do medo no visado, mas apenas à potencialidade desse resultado, ou seja, que pelas suas características a ameaça tenha a virtualidade de desencadear esse resultado, independentemente de em concreto ter ou não provocado tal inquietação.
Na situação em apreço, o teor das expressões usadas, com expresso recurso a ameaça de ofensa física punível com pena de prisão superior a três anos – associado à circunstância de o agente da PSP visado se encontrar sozinho –, revestem-se do necessário grau de gravidade para inquietarem e perturbarem a actuação da autoridade, lesando a autonomia intencional do Estado ao serem susceptíveis de afectar a liberdade de acção dos funcionários no cumprimento dos interesses do Estado, procurando impedi-los dessa tarefa. Demonstrativa dessa inquietação é a circunstância de o agente visado ter sentido necessidade de pedir reforços.
Mostra-se, pois, verificado o crime de ameaça grave.
Mas a verificação dos elementos constitutivos do tipo de ameaça no caso em apreço não determina automaticamente a sua autonomização como crime.
Com efeito, entre o crime de ameaça e o crime de resistência e coacção sobre funcionário existe, como invocado pelo recorrente, uma relação de concurso aparente através de relação de consumpção.
O crime de ameaça, à semelhança, aliás, do crime de ofensa à integridade física, é consumido pela previsão do crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347.º do CPenal, que encerra em si a protecção a que aqueles outros ilícitos isoladamente se destinam, mas agora dentro do contexto específico de protecção da autonomia intencional do Estado, reflectida na liberdade de acção pública do funcionário.
De salientar que no que concerne à violência, o art. 347.º do CPenal não exige que, quando a mesma se manifeste através de ofensa à integridade física, ela atinja um grau mínimo de agressão, mas apenas que se apresente como oposição, no caso concreto, ao acto de detenção do arguido. Assim, o empurrão no peito do agente da PSP é igualmente suficiente para satisfazer o requisito do uso da violência previsto no art. 347.º do CPenal.
Em suma, quer as expressões parto-te a cara e parto-te todo, quer a agressão física consistente no acto de empurrar o peito do agente da PSP visado, integram os elementos objectivos que compõem o tipo de crime de resistência e coacção sobre funcionário, perdendo autonomia enquanto elementos objectivos constitutivos dos crimes de ameaça e ofensa à integridade física que se mostram consumidos pela previsão e protecção do art. 347.º do CPenal.
No que concerne à expressão «[o] prejuízo que eu tiver, vou partir os vossos carros da polícia todos», como bem invoca o recorrente, a mesma não procura atingir em concreto a pessoa singular do agente que está presente no local, mas antes a corporação da PSP, enquanto pessoa colectiva, integrando apenas um crime de ameaça simples, por não se verificar qualquer uma das modalidades que agravação previstas no art. 155.º do CPenal, sendo certo que não consta do autos o exercício do direito de queixa respectivo.
O arguido deve, pois, ser absolvido da prática de um crime de ameaça agravado, p. e p. pelos arts. 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. c), com referência ao art. 132.º, n.º 2, al. l), todos do CPenal, sendo de manter a sua condenação pela prática de um crime de resistência e coacção contra funcionário, p. e p. pelo art. 347.º, n.º 1, do CPenal.
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Questiona ainda o recorrente a medida concreta da pena aplicada pela prática deste último ilícito penal, uma vez que foi fixada em medida inferior ao mínimo legal, que é de 1 (um) ano de prisão, alega.
Neste segmento, o Tribunal a quo realizou a seguinte apreciação:
«Escolha e determinação da medida da pena:
O crime de ameaça agravada, p. e p. pelo art.º 153.º, n.º 1, 155.º, n.º 1, al. c), por referência ao art.º 132.º, n.º 2, al. l), todos do Código Penal é cominado com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 240 dias.
O crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelos art.ºs 347.º, n.º 1, do Código Penal é cominado com pena de prisão até 5 anos (sendo o mínimo legal de um mês, nos termos do art.º 41.º, n.º 1, do Código Penal).
Uma vez que o crime de ameaça agravado estatui uma alternativa entre pena de prisão e pena de multa, importa em primeiro lugar proceder à escolha entre a pena privativa da liberdade e a pena pecuniária.
Neste contexto, rege o art.º 70.º do Código Penal que estabelece que “o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.”.
Encontramos plasmada neste preceito a preferência do legislador pela pena não privativa da liberdade, reconhecendo-se que quem cumpre uma pena de prisão fica desinserido da sociedade e do meio familiar, sai estigmatizado e não é compensado com uma efectiva socialização.
Actuam, por conseguinte, nesta escolha, as necessidades dos fins das penas, que são, segundo dispõe o n.º 1 do art.º 40.º do Código Penal “a protecção de bens jurídicos” (prevenção geral) “e a reintegração do agente na sociedade” (prevenção especial). Actua-se no âmbito da prevenção geral positiva ou de integração quando se reforça na comunidade o sentimento da validade e da segurança face às normas jurídicas violadas, e no da prevenção especial positiva ou de socialização quando a pena é dirigida à ressocialização ou reintegração do agente e perante a qual o julgador efectua um juízo de prognose quanto aos efeitos desta na futura conduta do delinquente.
Verifica-se que no caso em apreço, o arguido não tem antecedentes criminais, o que faz antever que as necessidades de prevenção especial não são, ainda, neste caso, muito elevadas.
Por outro lado, as necessidades de prevenção geral são elevadas, atenta a banalidade com que as pessoas hoje em dia agridem, criando na comunidade uma expectativa de reposição da normatividade de comportamentos.
Posto isto, articulando ambas as finalidades acima estabelecidas tendo presentes as razões subjacentes ao art.º 70.º do Código Penal e perante as sobreditas razões de prevenção, tudo ponderado, entende-se que é de aplicar ao arguido uma pena não privativa da liberdade, sendo a pena de multa bastante para responder às finalidades de punição que o presente caso requer.
A medida da pena vai reflectir também a medida da culpa, sendo certo que não há pena sem culpa, nem a medida da pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Se, por um lado, a prevenção especial vai atender ao facto de o arguido não ter antecedentes criminais, por outro lado, as necessidades de prevenção geral são elevadas, atenta a violência e a natureza dos actos praticados e a expectativa e confiança que a comunidade tem sobre exercício das funções das polícias, que são quem impõe a ordem e a tranquilidade públicas.
Partindo destes limites a determinação da medida concreta da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, tendo em consideração todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, apreciadas no seu conjunto (art.º 71.º do Código Penal).
No caso em apreciação, o tribunal atendeu às seguintes circunstâncias concretas:
O dolo, na sua modalidade mais intensa.
O grau de ilicitude e o desvalor da conduta é mediano atentas as razões que determinaram o arguido, as consequências medianas e o modo como executou os factos. O modo de actuação impulsivo e o facto de o arguido não ter tido a consciência do desvalor da sua conduta, pois não assumiu os factos, são factores que não abonam a seu favor.
O tribunal atende positivamente ao bom comportamento anterior do arguido, em correlação com a sua idade, a sua integração profissional, social e familiar e as suas condições económicas.
Conjugando todas estas circunstâncias, devidamente ponderadas no seu conjunto, entendemos que as penas não deverão ultrapassar o terço da moldura aplicável.
Nesta conformidade, tem-se por adequada, proporcional e suficiente a incutir-lhe a necessidade de respeitar os bens jurídicos envolvidos e afigurando-se consentânea com a medida da sua culpa, aplicar ao arguido, as seguintes penas:
- pelo crime de ameaça agravada, uma pena de 70 dias de multa, à taxa diária de €6.
Quanto à razão diária da pena de multa, que pode oscilar entre 5€ e 500€ (cfr. art.º 47.º, n.º 2, do Código Penal) manda a lei atender às condições económicas e aos encargos pessoais do arguido.
O Tribunal da Relação de Coimbra, por acórdão de 17/04/2002, publicado na CJ, Tomo II, pág. 58, já decidiu que “o montante diário da multa deve ser fixado em termos de constituir um sacrifício real para o condenado de forma a fazê-lo sentir esse juízo de censura e também, por essa via, assegurar a função preventiva que qualquer pena envolve», sem «deixar de assegurar ao condenado um mínimo de rendimento para que ele possa fazer face às suas despesas e do seu agregado familiar”.
Perante as condições económicas apuradas, que são mais confortáveis para o arguido AA, considera-se adequado fixar a taxa diária da multa em €6,00 (seis euros).
- pelo crime de resistência e coacção sobre funcionário, uma pena de 8 meses de prisão.
Na verdade, em face das penas concretas assim aplicadas, é possível cogitar a possibilidade de tal pena privativa de liberdade ser substituída por qualquer outra pena substitutiva.
Considerando a sua inserção nas várias áreas familiar, social e profissional e o facto de não ter qualquer condenação, podemos concluir que ainda existe uma margem para que o arguido se regenere e se capacite que não pode voltar a cometer factos semelhantes.
Deste modo, dada a pena concreta de prisão acima fixada, coloca-se o problema da sua substituição por alguma das penas de substituição previstas no Código Penal.
As sobreditas circunstâncias fazem-nos concluir que não existem, ainda, neste caso, necessidades de prevenção que demandem a execução da pena de prisão, pelo que, ao abrigo do disposto nos art.ºs 45.º, n.º 1 e 47.º, n.º 1, ambos do Código Penal, decide-se substituir a pena de prisão por uma pena de multa.
De acordo com o disposto no art.º 45.º do Código Penal, é correspondentemente aplicável o disposto no art.º 47.º do Código Penal, que determina que a pena de multa tem como limite mínimo 10 dias e como limite máximo 360 dias.
Assim sendo, considerando as circunstâncias acima referidas, julga-se ser adequado ao caso em concreto aplicar ao arguido uma pena de 240 dias de multa, à taxa diária de €6,00, considerando as condições económicas e os encargos pessoais do arguido apurados em sede de julgamento, o que perfaz um total de €1.440 (quinhentos e quarenta euros).
Por estarem em causa penas de diferente natureza, com consequências diversas em caso de incumprimento, parcial ou total, entendemos que não deverá ser realizado cúmulo jurídico de penas, mas apenas cúmulo material, em que se procede à soma aritmética das duas multas criminais.
Sendo assim, o arguido AA vai condenado na pena única de 300 dias de multa, à taxa diária de €6, o que perfaz o total de €1.800.»

Nenhuma censura ocorre formular à avaliação da gravidade das condutas aqui em causa e às circunstâncias a que o julgador deve atender no quadro do art. 71.º do CPenal.
Todavia, na avaliação que formula, o Tribunal a quo incorre, de facto, em erro quanto à moldura penal abstracta aplicável ao crime de resistência e coacção sobre funcionário, p. e p. pelo art. 347.º, n.º 1, do CPenal, que com a 29.ª alteração ao CPenal, introduzida pela Lei 19/2013, de 21-02, deixou de ser de 1 (um) mês a 5 (cinco) anos de prisão para passar a ser de 1 (um) a 5 (cinco) anos de prisão.
Perante esta nova moldura, e aplicando à mesma a análise realizada pelo Tribunal a quo quanto à ponderação dos factores relevantes, mostra-se adequado fixar a medida concreta da pena em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão.
Em face desta medida concreta da pena não se mostra possível ponderar a substituição desta pena de prisão por multa (art. 45.º do CPenal).
Por outro lado, a gravidade das condutas inerentes ao preenchimento do tipo em causa, e em concreto as levadas a cabo pelo arguido, reclamam a aplicação de medidas que demonstrem de forma firme o repúdio das mesmas pela sociedade, desiderato que não seria alcançado com a substituição da pena de prisão por prestação de trabalho a favor da comunidade.
Acresce, para além disso, que em concreto não se revela producente uma tal substituição, não só porque o arguido tem trabalho regular, mostrando-se difícil a compatibilização das duas realizadas de trabalho, mas também porque o mesmo sofre de patologia da coluna que o obriga a ficar parado, o que seria mais um factor de frustração da medida em causa.
É, pois, de afastar a possibilidade de substituição da prisão por trabalho a favor da comunidade, prevista pelo art. 58.º do CPenal.
Resta então ponderar se deve o arguido beneficiar da suspensão da execução da pena.
Determina o art. 50.º, n.º 1, do CPenal que «[o] tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.»
Esta pena de substituição só pode e deve ser aplicada quando a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizarem de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, como decorre do art. 50.º do CPenal.
Para avaliar da necessidade da execução da pena de prisão importa, fundamentalmente, atender à personalidade do agente, conduta anterior e circunstâncias dos crimes, para aquilatar da probabilidade de a socialização só poder ter êxito com o cumprimento efectivo da pena de prisão.
«Como refere Figueiredo Dias (in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, § 518), pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente; que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta – «bastarão para afastar o delinquente da criminalidade». E acrescenta: para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto. Por outro lado, há que ter em conta que a lei torna claro que, na formulação do prognóstico, o tribunal se reporta ao momento da decisão, não ao da prática do facto.
Adverte ainda o citado Professor – § 520 – que, apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização –, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime». Estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em causa»[5].
No caso em apreço, considerando a medida concreta da pena a aplicar, a inserção familiar e profissional do arguido, bem como a ausência de qualquer condenação no registo criminal, entendemos que estão reunidos os pressupostos necessários à aplicação do instituto da suspensão da execução da pena de prisão, que deve ser por igual período, desde que acompanhada de obrigação de contribuição pecuniária de interesse social, para que o arguido assuma efectiva consciência do mal cometido e da necessidade da sua reparação perante a comunidade (art. 51.º, n.º 1, al. c), do CPenal).
Assim, por se verificarem os pressupostos de que depende a sua aplicação, decide-se suspender a execução da pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão a aplicar ao arguido, por igual período, condicionada à obrigação de pagamento, no prazo de seis meses a contar do trânsito em julgado desta decisão, da quantia de €500 aos Bombeiros Voluntários da área da sua residência, a demonstrar documentalmente nos autos.
*
III. Decisão:

Face ao exposto, acordam os Juízes desta 1.ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso interposto pelo Ministério Público e, em consequência:

a) - Absolver o arguido AA da prática de crime de ameaça agravado, p. e p. pelos arts. 153.º, n.º 1, e 155.º, n.º 1, al. c), com referência ao art. 132.º, n.º 2, al. l), todos do CPenal:

b) - Alterar a medida concreta da pena por que vai condenado pela prática de um crime de resistência e coacção contra funcionário, p. e p. pelo art. 347.º, n.º 1, do CPenal, e fixá-la em 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, cuja execução se suspende por igual período de tempo, condicionada à obrigação de pagamento, no prazo de seis meses a contar do trânsito em julgado desta decisão, da quantia de €500 aos Bombeiros Voluntários da área da sua residência, a demonstrar documentalmente nos autos.

Sem tributação.
Notifique.
Porto, 21 de Dezembro de 2022

(Texto elaborado e integralmente revisto pela relatora, sendo as assinaturas autógrafas substituídas pelas electrónicas apostas no topo esquerdo da primeira página)

Maria Joana Grácio
Paulo Costa
Nuno Pires Salpico
_________________
[1] É o que resulta do disposto nos arts. 412.º e 417.º do CPPenal. Neste sentido, entre muitos outros, acórdãos do STJ de 29-01-2015, Proc. n.º 91/14.7YFLSB.S1 - 5.ª Secção, e de 30-06-2016, Proc. n.º 370/13.0PEVFX.L1.S1 - 5.ª Secção.
[2] Relatado por Elsa Paixão no âmbito do Proc. n.º 775/18.0GBVFR.P1, acessível in www.dgsi.pt.
[3] Relatado por Jorge Jacob no âmbito do Proc. n.º 81/18.0PBFIG-C1, acessível in www.dgsi.pt.
[4] Cf. Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, Universidade Católica Editora, 2008, anotação 16. ao art. 154.º, pág. 417.
[5] Cf. acórdão do STJ de 14-05-2009, Proc. n.º 19/08.3PSPRT.S1 - 3.ª Secção, acessível in www.stj.pt (Jurisprudência/Sumários de Acórdãos).