Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5780/17.1T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: FERNANDA ALMEIDA
Descritores: VIOLAÇÃO DOS DEVERES DO INTERMEDIÁRIO FINANCEIRO
DEVER DE INFORMAÇÃO
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
Nº do Documento: RP201811155780/17.1T8PRT.P1
Data do Acordão: 11/15/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 5ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 684, FLS. 204-250)
Área Temática: .
Sumário: I - O dever de informação imposto aos bancos e intermediários financeiros encontra-se exaustivamente conformado, podendo considerar-se um dever de conduta secundário de prestação e não um simples dever acessório, ainda que funcionalizado à prestação principal.
II - A aquisição de instrumentos mobiliários, como obrigações ou bonds, valores mobiliários representativos de direitos de crédito, previstos no art. 1.º b) do CVM, constitui um modo de financiamento empresarial que exige cabal e claro esclarecimento ao cliente que os adquire.
III - Na responsabilidade contratual do intermediário financeiro (e do banco) perante o cliente, a ilicitude resulta da desconformidade do comportamento do intermediário com as obrigações que sobre si impendem, mormente a de informação, presumindo-se a culpa (art. 799.º CC e, no caso dos prospectos mobiliários, 135.º CVM), a qual pode ser dolosa ou negligente, distinção relevante para efeitos do prazo de prescrição (art. 324.º, n.º 2 CVM). O critério de aferição da culpa contratual, nestes casos, não é o do simples bonus parter familias (art. 487.º, n.º2, ex vi 799.º, n.º 2 CC), mas o do diligentissimus pater familias ou da culpa profissional (n.º 2 do art. 304.º CVM).
IV - O pressuposto do dano resulta do art. 152.º CVM que alude à indemnização pelo interesse contratual positivo.
V - Ainda que a formulação do art. 563.º do Código Civil pareça apontar para a teoria da causalidade adequada, não é possível individualizar um critério único e válido para aferir o nexo causal em todas as hipóteses de responsabilidade civil.
VI - Viola de forma grave os especiais padrões de diligência com que a lei o onera o gestor de conta bancária que assevera ao cliente que uma Obrigação é um produto em tudo igual a um depósito bancário, afirmando-lhe que capital e juros estariam disponíveis quando aquele o entendesse, bastando solicitar à agência com uma antecedência de três dias, o que não corresponde à realidade.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. 5780/17.1T8PRT
Relatora: Des. Fernanda Almeida
1.º Adjunto Des. António Eleutério
2.ª Adjunta Des. Isabel Soeiro
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Sumário do acórdão elaborado pela sua relatora nos termos do disposto no artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil:
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1. RELATÓRIO[1]
AUTOR: B…, com domicílio na Rua …, n.º …, …, Maia.
RÉU: Banco C…, com sede na Rua …, n.º …, Porto.
Por via da presente ação declarativa, pretende o A. obter a condenação do R. a pagar-lhe a quantia de €57.500,00, de capital e juros, como juros vencidos desde a citação.
Subsidiariamente, peticiona:
b) seja declarado nulo qualquer eventual contrato de adesão que o réu invoque para ter aplicado os 50.000,00 euros que o autor entregou ao réu, em obrigações subordinadas D… …;
c) seja declarado ineficaz em relação ao autor a aplicação que o réu tenha feito desses montantes;
d) o réu seja condenado a restituir ao autor a quantia de 57.500,00 euros, que ainda não recebeu dos montantes que entregou ao réu e de juros vencidos à taxa contratada, acrescidos de juros legais vincendos, desde a data de citação até efetivo e integral cumprimento.
E, sempre,
e) seja o R. condenado a pagar ao autor a quantia de 2.500,00 euros a título de dano não patrimonial.

Alegou, em síntese, que em 2004, o seu gestor de conta apresentou-lhe um produto em tudo idêntico a um depósito a prazo, com melhores taxas, pelo que o autor colocou naquele a quantia de 50.000,00 euros, na sequência da garantia daquele gestor de que tal produto tinha liquidez garantida, quer do capital, quer dos juros, e que estava sempre coberta a solvabilidade do produto. O dito funcionário sabia o perfil do autor, que nele confiava, de tal forma que o autor nunca assinou qualquer documento a autorizar essa aplicação, tendo sido por um simples telefonema que foi obtida a sua autorização para o suposto depósito a prazo. O autor atuou sempre com a convicção de que estava a colocar as suas economias numa aplicação segura e com as características de um depósito a prazo, nunca sendo sua intenção investir em produtos de risco, do que esteve assim convicto até Maio de 2015, data em que o Banco réu deixou de pagar os respetivos juros, atribuindo então a responsabilidade pelo pagamento à D…, entidade que o autor nem sabia que existia. A conduta do réu causou ao autor inúmeros danos, patrimoniais, em face do capital investido, e não patrimoniais, em face dos transtornos causados.

O réu contestou, por exceção, arguindo a incompetência territorial do tribunal (matéria entretanto decidida), a ineptidão da petição inicial e afirmando que o direito do autor prescreveu, dado que tem conhecimento, desde 2004, da suposta subscrição abusiva. Mais impugnou parte da factualidade alegada, alegando ter sempre agido de acordo com a vontade e instruções dos clientes. Acrescentou que o autor tinha conhecimento das características do produto, nomeadamente da responsabilidade da entidade emitente e do banco colocador, do que concluiu não ter sido violado qualquer dever de informação.

O autor replicou.
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Foi proferido despacho saneador, em audiência prévia designada para o efeito, onde foram apreciadas as demais exceções suscitadas, julgadas improcedentes, tendo sido remetido para sentença o conhecimento da exceção de prescrição.

A 27.4.2018, foi proferida sentença que julga parcialmente procedente por provada a presente ação, e, em consequência, condena o réu a restituir ao autor a quantia de 50.000,00 euros, acrescida de juros moratórios legais, vencidos e vincendos, desde 28/10/2014, à taxa de 4% ao ano e sempre até integral reembolso da quantia de 50.000,00 euros, aplicando-se qualquer alteração que venha a ser introduzida a esta taxa até que aquele ocorra.
São os seguintes os factos provados na sentença impugnada:
1º. O autor era cliente do E…, na sua agência E1…, no Porto, com a conta à ordem nº. …………….
2º. O autor subscreveu obrigações D… …., no valor global de 50.000,00 euros, vendidas no dito balcão do E….
3º. Até Maio de 2015 foram pagos ao autor juros do capital investido.
4º. O aludido em 2º. foi antecedido de um contacto telefónico feito pelo gerente do Banco réu da agência E1… ao autor, em 12 de Abril de 2004, propondo-lhe a aquisição de um produto em tudo igual a um depósito a prazo, com o capital garantido, e com a rentabilidade assegurada.
5º. Em face das informações assim dadas, pois de outra forma não o teria aceitado, o autor deu autorização para a aplicação em causa nos autos, pois que lhe foi dito que o capital era garantido, gerava juros semestrais, e que o capital e os respectivos juros poderiam ser desmobilizados quando este o entendesse, bastando para isso o solicitar à agência com uma antecedência de três dias.
6º. Disso esteve o autor convencido até à data em que o Banco réu deixou de pagar os juros, e, na data de vencimento contratada, 27/10/2014, não restitui ao autor o montante que aquele lhe confiara, atribuindo agora a responsabilidade pelo pagamento à D…, emitente das ditas obrigações, entidade que o autor desconhecia ser a empresa mãe do banco.
7º. As orientações internas vertidas pelo E… consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua boa rentabilidade e solidez, passando a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros, pois eram empresas que integravam o mesmo grupo empresarial que o E…, e, por isso, garantia ele próprio a satisfação de tais encargos.
8º. O autor recebia em casa um extracto periódico onde apareciam escritas as obrigações em causa, bem como a creditação em conta dos juros relativos aos cupões das ditas obrigações.
Factos não provados em primeira instância:
Não se provaram quaisquer outros factos dos alegados e levados aos temas de prova, e outros que tivessem interesse e/ou relevância para a boa decisão da presente causa, designadamente:
a -) Que o autor não possuía qualificação, ou formação técnica que lhe permitisse à data conhecer os diversos tipos de produtos financeiros e avaliar, por isso, os riscos de cada um deles, a não ser que lhos explicassem devidamente, o que o gestor de conta que vendeu o produto ao autor bem sabia;
b -) Que o autor tinha um perfil conservador no que tocava ao investimento das suas economias, sendo que até àquela data sempre aplicara o seu dinheiro em depósitos a prazo;
c -) Que estava contratada uma taxa de 4,5% ao ano ilíquida e que foram apenas pagos juros na ordem e 1%;
d -) Que por força da actuação do réu o autor passou a andar permanentemente ansioso, com picos de tensão alta, tendo inclusivamente deixado de dormir, com o receio de não reaver ou de não saber quando iria reaver as suas economias;
e -) Que na data da subscrição o autor foi informado que as obrigações eram emitidas pela sociedade D…, que o reembolso antecipado só seria possível por iniciativa da D… a partir do 5º ano e sujeito a acordo prévio do Banco de Portugal e que a única forma de liquidar este produto seria transmitindo as suas obrigações a um terceiro interessado por endosso.
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Desta sentença recorre o R., pugnando pela sua revogação, e argumentado em moldes que conclui deste jeito:
1. (…)
2. A decisão violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos arts. 7.º, 290.º n.º 1 alínea a), 304.º-A e 312.º a 314.º-D e 323.º a 323.º-D do CdVM e 4.º, 12.º, 17.º e 19.º do D.L. 69/2004 de 25/02 e da Diretiva 2004/39/CE e 220.º, 232.º e 236.º, 483.º e ss., 595.º e 615.º do C.C.
3. Merece reparo a matéria de facto considerada como provada na sentença, designadamente os pontos 6.º e 7.º dos factos provados.
4. Não logrou o A. provar como é que a aplicação lhe foi vendida e quais as condições e informações do produto que lhe foram apresentadas. De facto, não foi inquirida qualquer testemunha que tenha presenciado o momento em que as obrigações D… …. adquiridas pelo A. lhe foram apresentadas e vendidas.
5. Contrariamente ao que é referido nos factos provados 6.º e 7.º no que concerne ao facto de ser o Banco a pagar os juros e capital investido, esse facto não resultou provado, uma vez que nenhuma prova foi produzida nesse sentido.
6. As duas testemunhas que tiveram contacto direto com os produtos em causa nos autos, por terem vendido estes produtos, fruto da sua qualidade de funcionários do Banco Réu, aqui Recorrente, não fizeram qualquer referência a que tenha sido prestada uma garantia de pagamento pelo banco Réu. Pelo contrário, todos referiram que o produto foi vendido como sendo um produto da D…, a holding do grupo empresarial ao qual pertencia o E….
7. Também o Autor, em sede de declarações de parte, referiu que sabia que o produto era de uma empresa do grupo E…, não referindo, em nenhum momento, porque não poderia fazê-lo, que o produto seria pago pelo banco e que isso lhe teria sido assegurado por quem vendera esse produto (cfr. ficheiro áudio n.º 20180221095856_15059498_2871561, min. 00:03:30 a 00:04:25; 00:09:06 a 00:09:17; cfr. ficheiro áudio n.º 20180221103637_15059498_2871561, min. 00:04:51 a 00:05:33; Cfr. ficheiro áudio n.º 20180221112651_15059498_2871561, min. 00:03:37 a 00:04:11.
8. Dos excertos dos depoimentos resulta que nenhuma prova foi produzida que permita retirar as conclusões transcritas sob os pontos 6.º e 7.º dos factos provados pelo que, o ponto 6.º dos factos provados deverá ser dado como não provado e o ponto 7.º deverá ser alterado para a seguinte formulação: “As orientações internas vertidas pela D… consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua boa rentabilidade e solidez, passando a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros”.
9. Com a expressão garantia de capital e juros no termo do prazo apenas se pode ter como referência à mecânica de funcionamento do investimento, que é feito por um determinado prazo, findo o qual o capital é reembolsado na totalidade, acrescido da rentabilidade.
10. É utópico pretender ver nesta singela referência qualquer espécie de garantia absoluta de investimento.
11. Mesmo que se compare o investimento efetuado com aquele que é afirmado como paradigma de investimento seguro – o depósito a prazo - (e enquanto tal também invocado na P.I.), essa garantia não existe!
12. E isto é tanto mais verdade se levarmos em conta - no tal paralelismo com o Depósito a Prazo - que a garantia proveniente do Fundo de Garantia de Depósitos era à data de apenas €25.000,00!
13. É que não é porque um investimento se possa vir a revelar ruinoso, que o mesmo pode ser classificado como investimento de risco...
14. E o certo é que as abrigações eram então, como são ainda, um produto conservador, com um risco normalmente reduzido, indexado à solidez financeira da sociedade emitente.
15. Mas sempre se diga também que o Banco Réu não estava como não está obrigado a advertir o investidor sobre a essa hipótese de insolvência do emitente.
16. Não tem qualquer cabimento o “final de boca” que a sentença recorrida deixa, proveniente da alusão à falta de cumprimento pelo Recorrente Banco dos deveres de informação previstos no art. 312.º e que, imagina-se, se pretenda referir quanto: c) aos instrumentos financeiros e às estratégias de investimento propostas (art. 312º nº 1 alínea d) do CdVM); d) aos riscos especiais envolvidos nas operações a realizar (art. 312º nº 1 alínea e) do CdVM).
17. De facto, a afirmação destes deveres não assume qualquer autonomia, tendo antes, e isso sim, uma função meramente sistematizadora e expositiva.
18. Daí que não se possa retirar qualquer consequência jurídica da afirmação do incumprimento dos deveres previstos no art. 312º do CdVM, tendo antes que se buscar na densificação desses preceitos o conteúdo do dever de informação aí genericamente afirmado.
19. O risco de incumprimento ou risco de insolvência de um devedor são RISCOS GERAIS de qualquer obrigação, precisamente porque são características nucleares de toda e qualquer obrigação.
20. Temos assistido às interpretações mais radicais dos deveres de informação a que os intermediários financeiros estão obrigados. Desde aqueles que converteram o intermediário financeiro em verdadeiro Tutor do investidor, afirmando uma capitis diminutio do mesmo, até àqueles que vêm os deveres de informação, não como um dever a cumprir, mas sim como um esteio de responsabilidade futura pelo incumprimento do dever de informação – à semelhança de um seguro... –.
21. Porém, é ERRADO afirmar a ideia que o intermediário financeiro deve ser um Velho do Restelo, um Profeta da Desgraça ou um Arauto do infortúnio, que adverte o investidor do risco de incumprimento das obrigações assumidas perante ele, ou até do risco de insolvência do emitente!
22. Mas, ainda que claudicassem todos os argumentos que acabamos de expor, sobraria ainda um DECISIVO ARGUMENTO, já supra referido, e que demanda que a sentença recorrida seja revogada e substituída por outra que absolva o Réu do pedido. 23. É que as disposições supra referidas resultam todas da redacção que o D.L. 357-A/2007 de 31/10 deu ao CdVM (diploma este que procedeu à transposição da D.M.I.F.).
24. E, conforme se prescreve no art. 21º, tal diploma entrou em vigor no dia 01/11/2007.
25. Ora, sabendo que as aplicações aqui em crise foram TODAS subscritas em data anterior a 01/11/2007, torna-se por demais evidente concluir que aquelas disposições NÃO SÃO APLICÁVEIS ao presente caso!
26. Ao contrário do que hoje sucede, não havia na anterior redacção do CdVM qualquer norma que taxativamente obrigasse o intermediário financeiro a prestar informações acerca dos riscos do tipo de instrumento financeiro em que se pretendia investir. Essa foi a grande inovação da D.M.I.F. e do diploma que a transpôs!
27. Convém salientar que não assiste ao autor qualquer presunção de ilicitude!
28. A culpa do intermediário financeiro é a censura jurídica da conduta do agente, em razão da diligência exigida pela lei para a conduta em causa.
29. A este respeito, prescreve o art. 304º nº1 que os intermediários financeiros devem orientar a sua atividade no sentido da proteção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado, acrescentando o nº 2 que nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência.
30. Trata-se do acolhimento pelo CdVM de um padrão de aferição de culpa que transcende, na sua exigência, o do bom pai de família, constante do art. 487º nº 2 CC.
31. Esta bitola que é afirmada é a de um diligentissimus pater familias, significando portanto que, para efeitos de definição de conduta negligente, estão em causa os cuidados especiais que só as pessoas muito prudentes observam.
32. Porém, a ideia que fica de toda a prova produzida é que a referência que foi feita pelo funcionário do Banco Réu à garantia de capital e juros tinha que ver com o modo de funcionamento da aplicação financeira (que não estava sujeita a volatilidade de preço/cotação no termo do prazo) e que, findo o prazo de investimento, haveria o retorno integral do capital, acrescido dos juros.
33. A expressão garantia tem que ver por isso com um retorno certo do capital e não com qualquer caução que o Banco prestasse.
34. Assim sendo, nenhuma culpa pode ser assacada ao Banco Réu.
35. Considera a sentença recorrida que o dano sofrido pelo A. é de montante equivalente ao capital que este deixou de auferir da D…, ou seja, o valor por si subscrito em títulos de Obrigações emitidos por esta entidade.
36. Merece reparo esta condenação, é que a mesma potencia um enriquecimento ilegítimo do Autor.
37. De facto, não está provado que se tenha tornado impossível receber (total ou parcialmente) o montante investido pelo Autor nas obrigações.
38. Daí resulta, portanto, que a condenação do Banco Réu no pagamento da integralidade do valor desembolsado pelo Autor é manifestamente excessiva e não cumpre com a critério teoria da diferença prevista no art. 566º nº 2 do CC, uma vez que dá azo a que o Autor venha depois a receber o que lhe couber do emitente do título e que acrescerá ao valor da indemnização já porventura pago pelo Réu e equivalente ao montante por ele desembolsado na subscrição do valor mobiliário.
39. O Autor não logrou provar que se a informação lhe fosse prestada, não teria subscrito a aplicação financeira em Obrigações E…!
40. Ou seja, num primeiro momento é indispensável que o investidor prove que, sem a violação do dever de informação, não celebraria qualquer negócio, ou celebraria um negócio diferente do que celebrou.
41. Num segundo momento é necessário provar que aquele concreto negócio produziu um dano.
42. E, num terceiro momento é necessário provar que esse negócio foi causa adequada daquele dano, segundo um juízo de prognose objectiva ao tempo da lesão.
43. E nada disto foi feito!
44. Sem prejuízo, do que afirmamos supra acerca da inexistência de culpa, o que é certo é que ainda que se censure a conduta do Banco Réu (o que não se concede), essa censura NUNCA poderá ser reconduzível a um dolo ou a uma culpa grave.
45. De facto, lida e relida a matéria de facto, a sensação que fica é que o funcionário do Banco Réu nem sequer concebeu a possibilidade de estar a faltar ao dever de informação acerca da aplicação financeira e que, com essa falta, poderia estar a determinar o investimento do cliente num produto que este não quereria se estivesse devidamente informado.
46. Uma tal conduta apenas pode ser reconduzível à mais leve das formas de negligência - a negligência inconsciente -, pois revela que o agente agiu por imprevidência, descuido, imperícia ou ineptidão, não chegando sequer a conceber a possibilidade do facto se verificar, podendo e devendo prevê-lo e evitar a sua verificação, se usasse da diligência devida.
47. Ora, de acordo com o facto provado 2º e 8º, parece-nos evidente e manifesto que o Autor sabe pelo menos desde o mês seguinte à subscrição os termos em que o negocio foi concluído, até porque as obrigações vinham discriminadas e apareciam encarteiradas aos Autores nesses documentos!
48. Não obstante, a acção apenas foi proposta em 20 de Março de 2017!
49. E portanto, já se encontrava prescrita qualquer putativa responsabilidade do Banco Réu.
50. Na sentença, o Tribunal a quo aflora a ideia de que o Banco Réu poderia também ser condenado, com base na responsabilidade contratual, no cumprimento da garantia de capital e juros que afirmou ao seu cliente aquando da subscrição da aplicação.
51. Ora, conforme resultou da impugnação da matéria de facto provada, não resultou provado que o Autor tivesse sido convencido por qualquer funcionário do banco Réu.
52. Ora, se assim é, não podemos fazer como faz a sentença recorrida e, recorrendo às regras do art. 236º nº 1 do C.C. para concluir que o Banco Recorrente deu uma garantia em favor da E… e que assumiu a dívida da emitente das obrigações.
53. Ainda que assim não se entenda, continua a sentença recorrida a merecer profundo reparo.
54. De facto, não é porque foi afirmado ao Recorrido que a aplicação financeira tinha “capital garantido e juros garantidos”, que podemos legitimamente concluir que o Banco assumiu a dívida da D…!
55. Conforme dispõe o art. 595º nº 1 alínea b) do C.C. a assunção de dívida pode verificar-se por contrato entre o novo devedor e o credor, com ou sem consentimento do antigo devedor. Acrescenta depois o n.º 2 que “em qualquer dos casos a transmissão só exonera o antigo devedor havendo declaração expressa do credor; de contrário, o antigo devedor responde solidariamente com o novo obrigado.”
56. A assunção da dívida pode ser liberatória nos casos previstos na primeira parte do n.º 2 do art. 595º do CC. Isto é, dependendo de declaração expressa do credor, o devedor originário pode ficar dela exonerado, pela assunção da dívida por novo devedor. Ou então, como acontece na maioria dos casos, ser uma assunção cumulativa da dívida, em que devedor originário e novo devedor se obrigam simultaneamente, sendo ambos solidariamente responsáveis perante o credor.
57. A exigência de consentimento do credor para exoneração do devedor originário prende-se com a necessária protecção do credor, configurando-se, na maioria dos casos, situações de assunção cumulativa da dívida em que o novo devedor surge numa figura por vezes difícil de distinguir da fiança.
58. Na verdade, na assunção cumulativa da dívida (prevista no art. 595º nº 1 alínea b) e parte final do nº 2 do CC.) o legislador, ao afirmar que os dois devedores respondem solidariamente, teve como principal intenção a de conceder ao credor o poder de exigir indistintamente de qualquer deles o cumprimento integral da obrigação.
59. Ora, descendo ao caso destes autos, não podemos deixar de concluir que não estaria certamente na mente do Banco Recorrente prescindir do direito de ficar sub-rogado nos direitos do credor, por qualquer pagamento que porventura fizesse em prol do emitente do papel comercial, se tivesse assumido a dívida deste.
60. É que não nos podemos esquecer que essa assunção de dívida alheia como se fosse própria, não era inócua nas contas do Banco Réu!
61. Pela mesma ordem de razões, não se vislumbra que o Recorrente pudesse ter qualquer interesse real, directo e objectivo próprio no cumprimento dessa obrigação pois, apesar de integrar o mesmo grupo, a aportação de capitais à D… em nada beneficiava o Réu Banco, sendo antes e apenas útil à cadeia hierárquica societária que estava a montante daquela.
62. Ora, tratando-se de uma fiança, estaria a mesma sujeita à mesma forma exigida para a obrigação principal, nos termos do art. 628º do C.C.
63. No caso, vale o disposto no art. 327º do Código dos Valores Mobiliários que prescreve que as ordens de subscrição podem ser dadas oralmente ou por escrito, sendo certo que as dadas oralmente devem ser reduzidas a escrito e se forem presenciais, devem ser subscritas pelo ordenador.
64. Da conjugação de ambas as disposições parece-nos manifesto que a garantia a, para ser válida, teria necessariamente que constar do documento de subscrição.
65. Não constando, mais não resta do que concluir que a mesma é NULA, nos termos do art. 220º do C.C.
66. Além do mais, tratando-se como se trata de valores mobiliários, teremos de ter em conta as específicas características destes.
67. Assim, se o Banco Apelante tivesse prestado qualquer garantia, ela não poderia ser privativa dos AA., mas teria isso sim que se estender à generalidade dos subscritores e, por isso, estar contida na nota informativa do papel comercial, figurando o aqui Apelante como garante do reembolso, o que, tal qual resulta da nota informativa junta aos autos a fls., não sucedeu!
68. De toda a forma, sempre se dirá que a condenação do Banco Réu com base a assunção de uma dívida extravasa em muito quer a causa de pedir, quer o pedido dos presentes autos, não sendo por isso viável e legal.
69. É que o próprio Autor circunscreve a actuação do Banco Réu no caso aqui em crise: a) ou à actividade bancária, dizendo que este recebeu um depósito que se comprometeu a restituir num determinado prazo, acrescido de remuneração e que, não o tendo feito deve ser condenado a cumprir o acordado; b) ou à actividade de intermediação financeira, dizendo que o Banco réu subscreveu as obrigações com violação dos seus deveres de informação e, como tal, pede subsidiariamente o pagamento de uma indemnização.
70. Porém, em lado algum invoca o Autor a existência de uma garantia e exige o cumprimento da mesma!
71. Logo uma tal condenação sempre seria nula por violação do disposto no art. 615º nº 1 alínea e) do CPC.
Com as alegações de recurso foram juntos dois pareceres jurídicos.
O A. contra-alegou, visando a improcedência do recurso, o que fez em conformidade com as conclusões que se reproduzem:
1-) Da matéria de facto:
1. A matéria de facto apurada resultou da decisão formada de acordo com os princípios da prova livre, da oralidade, da imediação, da concentração e do contraditório, mostrando-se, por isso, devidamente fundamentada em conformidade com o preceituado nos arts. 607, n.º2 do CPC, aliás como vem sendo considerado por este Tribunal de 2a instância e pela doutrina prevalecente (Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, II Vol. Pag 209 e sgs.).
2. A alteração da matéria de facto que o recorrente pretende não está em conformidade com a prova trazida a estes autos, seja testemunhal, seja documental;
3. Com o devido respeito, não tem razão o recorrente pois tal como fundamentou o Mm° Juiz "a quo", resulta de todos os depoimentos que as informações prestadas pelo banco réu não foram prestadas em conformidade com os produtos em causa, sendo enganosa para os clientes;
4. A douta sentença da qual o réu/recorrente discorda, está plenamente fundamentada de acordo com a prova produzida em julgamento, tendo sido minuciosamente apreciada e conjugada entre ela e com as regras da experiência comum, não padecendo de nenhum vício ou obscuridade.
5. O Réu/recorrente invoca o erro na decisão da matéria de facto, considerando que não poderiam ter sido dados como provados os factos constantes do ponto 6 e 7.
6. No fudo, a discordância do recorrente limita-se a questionar a valoração da prova pelo Tribunal, valoração essa, livremente formada e fundamentada.
7. Para o efeito, o recorrente sustenta esta alteração tendo por base a prova testemunhal produzida, designadamente, o depoimento das testemunhas F…, G… e depoimento de parte do Autor, bem como a prova documental junta.
8. Sucede que, no que diz respeito aos depoimentos das testemunhas, o recorrente fazendo uso de artifício evidente, socorre-se apenas de pequenos e incompletos excertos descontextualizados dos ditos depoimentos.
9. No caso dos presentes autos, não se vê que os excertos/transcrições convocados da gravação dos depoimentos das aludidas testemunhas, sejam idóneos, em termos de força probatória, a abalar aquela leitura conjugada adotada pela primeira instância, não se vislumbrando lastro suficiente quanto ao sentido que deles pretende extrair o recorrente.
10. Quanto à discordância dos factos dados como provados nos pontos 6 e 7, o recorrente limitou-se a estabelecer um juízo pessoal de censura sobre a matéria em causa, sem sustentar o seu entendimento em qualquer meio de prova.
11. Nem podia, pois da prova produzida, resulta de forma inequívoca que o Banco Réu era o garante da aplicação.
12. Sendo certo que, os depoimentos das testemunhas, foram coerentes, isentos de contradições e por isso mereceram a credibilidade do tribunal a quo.
13. Relativamente à matéria de facto dada como provada no ponto 7, cremos que o recorrente pretende subverter a virtualidade do que efetivamente se está a discutir no caso dos presentes autos
14. - O que está em discussão nos presentes autos, e que foi efetivamente o que o Mm° Juiz a quo deu como provado, é o facto de os funcionários do Banco Réu transmitirem a informação ao Autor de que o produto era equivalente a um depósito a prazo, ou seja, com características idênticas, com o mesmo tipo de solidez, mas com uma taxa de juro superior.
15. E é aqui que reside o busílis da questão, porque o Banco Réu, bem sabia que ao transmitir a informação de que o produto subscrito tinha as mesmas características de um depósito a prazo (tipo de investimento que os Autores estavam habituados a fazer), estava a transmitir uma ideia de segurança do produto ao Autor, que não correspondia à realidade.
16. Acresce que, o facto de o Autor ter experiência profissional e formação superior, não o tornam num especialista na área do sistema bancário, como pretende fazer crer o recorrente.
17. O Autor nunca assinou qualquer documento a subscrever a aplicação em causa, nem nunca lhe foi exibido tal documento pelo Banco Réu, nem fornecida a ficha informativa, tendo confiado na palavra do seu gestor de conta à data, funcionário do Banco Réu.
18. Além disso, o Banco Réu sabia que devido às relações de confiança que existiam entre a funcionária e o Autor, dificilmente este solicitaria a ficha informativa, tanto assim é que, o facto deste nunca ter exigido a mesma, demonstra por si só que, confiava plenamente no funcionário do Banco Réu, bastando-se com as informações verbais que este lhe transmitiu.
19. Por outro lado é importante frisar que, à data dos factos, a confiança no sistema bancário, nos bancos e nos seus funcionários era muito maior do que é hoje, não havendo qualquer interesse por parte deste tipo de clientes, sem especiais conhecimentos na área, no desenredo dos produtos desta natureza, bastando as afirmações dos funcionários do Banco Réu para subscrever verbalmente o produto.
20. Dúvidas não restam de que o produto foi apresentado ao Autor, como um produto seguro, semelhante a um depósito a prazo, e com garantia do próprio banco.
21. Porém, tais informações, que o Banco Réu insiste em dar como boas, são, contudo, falsas, ou pelo menos, enganosas.
22. Ainda que, à data, pudesse não ser previsível que viesse a ocorrer insolvência da sociedade emitente (risco especial), a Ré tinha a obrigação de alertar o Autor para o risco (geral) da insolvência da emitente, sobretudo face à posição extremamente desfavorável atribuída aos credores obrigacionistas em tal situação.
23. De todo o modo, o potencial investidor teria sempre o direito de conhecer todos os dados da questão para que pudesse ele próprio "avaliar" o risco envolvido na operação e decidir se estava, de facto, por mínimo que fosse (e não era), disposto a corrê-lo.
24. Ora, a informação de que era um produto garantido pelo banco, significa, para um comum declaratário, que é algo seguro, algo que será devolvido integralmente e acrescido dos juros que couberem.
25. Terá sido o Banco Réu que, através dos seus funcionários promoveu uma campanha agressiva de "angariação" de investidores, no âmbito da qual os funcionários do banco tinham instruções precisas para contactar com os clientes e quanto ao modo de apresentação do produto, propondo-lhes a respetiva subscrição.
26. O comportamento do Banco Réu, é pois, particularmente censurável, pois a questão não vem a ser apenas a da mera afirmação da inexistência de risco na subscrição, mas também a da falta de esclarecimento do responsável pela restituição do capital (D…), e a falsa/errónea garantia de que o seria pelo próprio Réu, à data, E….
27. Pelo que, forçosamente se tem de concluir, que as informações prestadas, não foram suficientes para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada por parte do Autor.
28. Em face de tudo o precedentemente exposto, as alegações do Recorrente são totalmente destituídas de fundamento, uma vez que não apontam qualquer erro na obtenção dos dados fornecidos pela prova.
29. O facto de o recorrente ter uma interpretação diversa não é fundamento para alteração da matéria de facto.
30. A sentença proferida é o retrato fiel da prova produzida em julgamento na presença do Mm° Juiz que a proferiu.
31. Pelo Tribunal recorrido foram analisados e considerados todos os elementos e prova, não só nos depoimentos das testemunhas F…, G…, H…, bem como da prova documental junta aos autos (fls. 15/16 - email enviado internamente por um director do banco Réu aos funcionários das agências; fls. 85 - nota interna do E…; documento de fls. 231 e sgts – extractos bancários).
II-) Da matéria de direito:
32. Volvendo agora a atenção para a questão da solução jurídica dada ao caso, é evidente que não deve sofrer modificação, pelo que não merece, por isso, a douta sentença apelada qualquer censura.
33. A aplicação do direito aos factos, efetuada na douta sentença recorrida é intocável, não merecendo qualquer reparo.
34. Sendo certo que o recorrente sustentou-a no pressuposto da alteração da matéria de fato por si preconizada, o que vimos não ocorre.
35. O E…, na sua relação com o Autor, intervinha como instituição de crédito e como intermediário financeiro, por conta da D….
36. Como instituição de crédito, estava sujeito às regras de conduta que o RGICSF - em vigor na altura da subscrição das obrigações, nomeadamente os artigos (art.73° e 740 do RGICSF), e ainda o critério de diligência previsto no artigo 76.º, segundo o qual devia atuar nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com o princípio da repartição dos riscos e da segurança das aplicações, e tendo em conta o interesse dos investidores.
37. Outrossim, estamos perante um contrato de intermediação financeira, em que o Banco Réu intermediou a subscrição das mencionadas obrigações por parte do Autor.
38. E dispõe o artigo 314° n.º1 do CVM que "os intermediários financeiros são obrigados a indemnizar os danos causados a qualquer pessoa em consequência da violação de deveres respeitantes ao exercício da sua atividade, que lhes sejam impostos por lei ou por regulamento emanado de autoridade pública.".
39. Assim, o Banco Réu, ao ter avançado para aquisição do produto financeiro aqui em causa, sem observar os deveres de informação torna-se responsável pelos prejuízos causados ao Autor.
40. A responsabilidade a que se reporta o artigo 314° do CVM, é qualificada como sendo responsabilidade contratual — artigo 799° do CC.
41. Outrossim, com base na responsabilidade civil pré-contratual que decorre do preceituado no artigo 227.° do C.C., conjugado com o preceituado no artigo 314.º do CVM, se chega à conclusão de que impende sobre o Banco Réu a obrigação de indemnizar o Autor do dano por ele sofrido.
42. Esse dano, desde logo, abrangerá o valor do capital investido, isto é, os €50.000,00, acrescido dos respetivos juros.
43. Pode ainda ser o Banco Réu responsabilizado pela via extracontratual, existindo nexo de causalidade entre o facto e o dano, ou seja, o dano sofrido pelo Autor decorreu da prestação de informação falsa e a falsidade da informação é uma forma de violação do dever de prestar informações por ação.
44. Houve incumprimento por parte do Banco Réu, na pessoa do seu funcionário, de deveres inerentes à atividade de intermediação financeira, nos termos que resultavam dos arts.70, 8º, 304º e 312° do CVM, o que basta para sustentar a constituição da obrigação de indemnização correspondente ao reembolso do capital investido.
45. O Autor só aceitou negociar com o Banco Réu, porque lhe foi comunicado que estaria a aplicar o dinheiro num produto semelhante a um depósito a prazo mas com um juro mais elevado, com capital garantido pelo E… e com rentabilidade assegurada.
46. Porém, o Autor veio a constatar que não só o réu não lhes permite levantar a quantia investida como, ademais, não lhes garante capital nem juros.
47. O réu sabia que prestava informação errada ao Autor - dizendo-lhe que o produto em questão era semelhante a um depósito a prazo e que garantia o capital e os juros – e sabia que essa errada informação era determinante, como foi, da declaração de vontade emitida.
48. Resulta que o funcionário do E… apresentou o produto seguro, como produto próprio do banco e este como garante do seu reembolso.
49. Ora, por força do art. 800° do C.C. (ou, para quem considere que em causa não está responsabilidade contratual, mas sim extracontratual, por força do art. 500.º do C.C.), o E… responde pelos atos dos seus funcionários.
50. A apresentação do produto como produto seguro, como do próprio do banco constitui violação do dever de informação.
51. Por força do art. 314° n° 2 do C.V.M. - redação original, presume-se a culpa do intermediário financeiro.
52. Nos termos do art. 563° do C.C., "a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado não teria sofrido se não fosse a lesão".
53. Afirmar que o produto é produto seguro, como do próprio banco é o mesmo que afirmar que é o próprio banco que reembolsará o cliente do capital investido.
54. Que não é um produto de risco.
55. Relevante é que, ao dizer que o produto era produto seguro, do próprio do banco, o Autor não foi colocado perante a hipótese de investir as suas poupanças em produto que não era próprio do E…
56. Tem, pois, o Banco Réu a obrigação de indemnizar o Autor pelo valor do capital investido, acrescido de juros à taxa legal desde a data do termo do prazo das obrigações subscritas (arts. 805° n° 3 e 806° do C.C.).
57. Deve improceder o recurso apresentado pelo recorrente.
58. Por todo o supra explanado, não violou o tribunal recorrido qualquer disposição legal, pelo que a douta sentença recorrida não merece a censura que lhe é feita.

2. Questões a decidir tendo em conta o objeto do recurso delimitado pela recorrente nas conclusões das suas alegações (artigos 635º, nºs 3 e 4 e 639º, nºs 1 e 3, ambos do Código de Processo Civil, na redação aplicável a estes autos.
- Saber se os meios de prova permitem a alteração factual pretendida;
- Saber se o Banco R. cumpriu ou não os deveres de informação a que estava vinculado;
- E se, consequentemente, se tornou ou não responsável pela perda dos 50.000 Euros que o Autor investiu em Obrigações D….
2. Fundamentos de facto
O recurso comporta, prima facie, uma componente de impugnação da matéria de facto, centrada no que ficou demonstrado sob os pontos 6 e 7.
No que tange ao primeiro deles, a razão da discordância centra-se em dois aspetos:
- ter-se dado como provado ter sido o Banco quem deixou de pagar juros e capital, atribuindo a responsabilidade de pagamento à D..;
- considerar-se que o A. desconhecia ser a D… a empresa mãe.
De modo que é pedida a eliminação deste ponto factual.
O ponto 7.º é criticado por expor que o E… garantia o reembolso do capital e juros relativos às obrigações adquiridas pelo A., sugerindo-se que a redação passe a ser composta do seguinte:
As orientações internas vertidas pela D… consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua boa rentabilidade e solidez, passando a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros.

Vejamos o que se recolhe dos depoimentos e declarações produzidos em audiência.
Quanto ao ponto 6.º, compreende-se que se faça referência ao pagamento de juros pelo Banco pois que era na conta do A. no E… que eram lançados a débito e a crédito, quer os valores investidos, quer os ganhos recebidos pela aquisição das obrigações em apreço. Nunca o A. contatou diretamente com a D…, mas com o E…, pelo que se entende que a referência a “deixou de pagar” signifique “deixou de creditar”. Do mesmo modo, o valor de capital aplicado pelo A. foi por este disponibilizado na conta bancária que titulava junto do E…, pelo que a menção a que não o restitui ao A. e endereçou a responsabilidade à D… – empresa a que diziam respeito as obrigações – é perfeitamente compreensível. Também o é a referência a que o A. desconhecia que o Banco era detido por terceira empresa, que seria a mãe. O A. disse-o expressamente em audiência que, para si, o banco “era a entidade máxima” e nunca ouvira antes falar da D…. Estas declarações não foram de forma alguma desautorizadas pelos demais testemunhos, mormente dos prestados pelos funcionários da agência do E…, F… e G…. Sequer o facto de o A. ser engenheiro civil de profissão e ter frequentado uma cadeira de economia há décadas altera esta circunstância. Percebe-se que o A. tem já idade avançada (afirmou ser engenheiro há 57 anos) e a testemunha G… descreveu o que corresponde a uma iliteracia relativa ao mundo atual: a dificuldade que observou no A. em lidar com o telemóvel e a impossibilidade que releva em executar uma tarefa simples como produzir um texto em computador.
No que tange ao ponto 7.º, mantém-se o mesmo integralmente. Com efeito, não são apenas as declarações do A. – únicas, e credíveis, que foram carreadas quanto às circunstâncias concretas em que ocorreu esta subscrição (não foi inquirido o funcionário bancário que terá apresentado o produto ao demandante) – a manifestar o seu convencimento de que o funcionário lhe disse que o banco garantia o capital, como é isso que resulta dos depoimentos dos dois funcionários bancários inquiridos. O primeiro, F…, afirmou que vendia o produto como se fosse um depósito a prazo, uma aplicação segura, com capital seguro, e era essa a noção que a administração fazia veicular internamente. E, apesar de se tratar de um mail de 2008, pensa que em 2004, a informação interna revestia contornos idênticos aos afirmados pelo adinistrador I…, a fls. 15 e 16, onde se lê «na prática estamos a “vender” o equivalente a um DP”. (…) Quando o cliente efectua um DP está a comprar “risco” E…. Não vejo diferenças.» Por sua vez, G… também afirmou que os funcionários do E… tinham indicações que era um produto de eleição e que a direção e a administração do E… transmitiam a ideia de era “um produto seguro do banco”, segundo porque tinha um capital garantido, de acordo com o que lhes era dito e podia ser vendido, devia ser vendido, “como se fosse um depósito a prazo, pela segurança que se associava ao produto de garantia de capital, de rentabilidade e solidez, ou seja, sem risco”.
Termos em que se mantém a matéria de facto dada como provada em primeira instância e se indefere o pretendido pelo R..
*
Factos provados para efeito de recurso:
1º. O autor era cliente do E…, na sua agência E1…, no Porto, com a conta à ordem nº. …………….
2º. O autor subscreveu obrigações D… …., no valor global de 50.000,00 euros, vendidas no dito balcão do E….
3º. Até Maio de 2015 foram pagos ao autor juros do capital investido.
4º. O aludido em 2º. foi antecedido de um contacto telefónico feito pelo gerente do Banco réu da agência E1… ao autor, em 12 de Abril de 2004, propondo-lhe a aquisição de um produto em tudo igual a um depósito a prazo, com o capital garantido, e com a rentabilidade assegurada.
5º. Em face das informações assim dadas, pois de outra forma não o teria aceitado, o autor deu autorização para a aplicação em causa nos autos, pois que lhe foi dito que o capital era garantido, gerava juros semestrais, e que o capital e os respectivos juros poderiam ser desmobilizados quando este o entendesse, bastando para isso o solicitar à agência com uma antecedência de três dias.
6º. Disso esteve o autor convencido até à data em que o Banco réu deixou de pagar os juros, e, na data de vencimento contratada, 27/10/2014, não restituiu ao autor o montante que aquele lhe confiara, atribuindo agora a responsabilidade pelo pagamento à D…, emitente das ditas obrigações, entidade que o autor desconhecia ser a empresa mãe do banco.
7º. As orientações internas vertidas pelo E… consistiam em afirmar a segurança da aplicação financeira em causa, a sua boa rentabilidade e solidez, passando a ideia de que aos mesmos não estavam associados quaisquer riscos quanto ao reembolso do capital e juros, pois eram empresas que integravam o mesmo grupo empresarial que o E…, e, por isso, garantia ele próprio a satisfação de tais encargos.
8º. O autor recebia em casa um extracto periódico onde apareciam escritas as obrigações em causa, bem como a creditação em conta dos juros relativos aos cupões das ditas obrigações.
Ainda do doc. de fls. 27 e ss. (certidão permanente relativa à constituição do banco R.)
9.º O Banco G…, SA, incorporou o E…, SA.
(Os factos não provados são os descritos na sentença e supra descritos)
3. Fundamentos de direito
A sentença recorrida começa por conhecer da exceção de prescrição. Fazendo-o, enquadra juridicamente a relação entre as partes como sendo de intermediação financeira.
Lê-se, ali, com efeito: a venda / subscrição de “obrigações”, enquanto valores mobiliários (artigo 1º, nº, 1 alínea b), do CVM), realizada pelo E…, assume-se como actividade de intermediação mobiliária, que pode ser exercida por instituições de crédito (artigos, 289º, 290º, 292º e 293º, nº1, alínea a), do CVM), pelo que se concluiu, numa primeira linha, que se trata de uma relação de intermediação financeira, prevista no Código de Valores Mobiliários (CVM). Entre o mediador financeiro e o cliente estabelece-se assim um vínculo que responsabiliza aquele pelo rigor das informações que presta aos clientes.
Não se limita, porém, a remeter a solução jurídica para os quadros da intermediação financeira, fazendo ainda apelo às regras do direito bancário: à data em que o autor foi contactado para a dita subscrição, o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (DL 298/92, de 31/12) determina que as instituições de crédito, em todas as actividades que exerçam, devem assegurar aos seus clientes, elevados níveis de competência técnica, dotando a sua organização empresarial com os meios materiais e humanos necessários para realizar condições apropriadas de qualidade e eficiência (cfr. art.° 73.°); que nas relações com os clientes, os administradores e empregados das instituições de crédito devem proceder com diligência, lealdade e respeito consciencioso dos interesses que lhe são confiados (art.° 74.°); que os membros dos órgãos de administração, bem como as pessoas que exerçam cargos de direcção, gerência, chefia ou similares, devem proceder nas suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenado, de acordo com princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações e tendo em conta os interesses dos depositantes, dos investidores e demais credores (art.° 76.°).
Na verdade, as duas atividades do Banco R., na época E…, assumem facies distintos:
- a atividade bancária, que surge reservada a Bancos, “intermediários financeiros que recolhem do público, especialmente das famílias, poupanças (disponibilidades monetárias), sob a forma de depósitos ou outros fundos reembolsáveis (…)”[2], sendo caracterizada por assentar na “indispensável (relação de) confiança do público na solvência, liquidez, rendibilidade e estabilidade do sistema bancário”[3].
- a atividade de investimento mobiliário, este dirigido à aquisição de títulos ou valores mobiliários (ações, obrigações ou outras participações), o qual constitui “uma alternativa à vista à intermediação bancária, por parte do público (detentor de excedentes monetários) disposto a correr de per si os correspondentes riscos económicos, maxime o risco de insolvência do emitente dos títulos adquiridos, na mira de benefícios ou réditos superiores à remuneração de depósitos bancários”[4].
A atividade bancária, em si mesma, encontra-se disciplinada por um conjunto de regras e princípios – o Direito Bancário – cujas fontes são amplas.
Desde a Constituição, cujo art. 101.º prescreve: O sistema financeiro é estruturado por lei, de modo a garantir a formação, a captação e a segurança das poupanças, bem como a aplicação dos meios financeiros necessários ao desenvolvimento económico e social (sublinhado nosso), à legislação nacional e comunitária, com especial relevo para o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras (DL 298/92, de 31.12 - RGICSF), para o diploma relativo às cláusulas contratuais gerais (DL 446/85, de 25.10) e mesmo para o regime legal aplicável à defesa dos consumidores (L 24/96, de 31.7).
A relação entre o cliente e o Banco é tendencialmente duradoura. Como refere Menezes Cordeiro[5], “a relação bancária não se extingue pelo cumprimento, vai-se reforçando com ele. E, uma vez concluída, subsiste indefinidamente, podendo mesmo considerar-se tendencialmente perpétua. De tal forma assim é que pode afirmar-se que o contrato bancário constitui um típico contrato de salvaguarda de interesses[6] (sublinhado nosso).
Ora, os consumidores de serviços financeiros constituem o cerne da atividade bancária. São os aforradores que suportam o sistema bancário, de tal forma que em 1986, a Comissão Europeia aprovou a Recomendação 87/63/CEE que visa a proteção direta do aforrador para salvaguarda dos pequenos depósitos.
Depois, a Diretiva 94/19/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 30 de março, definiu como princípio o da adesão obrigatória de todas as instituições de crédito a um sistema de garantia de depósitos para proteger minimamente os depositantes mais débeis (Diretiva transposta para o direito interno pelo DL 246/95, de 14.9, na altura prevendo até 25 mil euros por depositante).
A separação entre a banca comercial e a banca de investimento esbateu-se com o tempo, expandindo-se a banca para o mercado dos valores mobiliários, podendo realizar serviços de investimento e serviços auxiliares. Os Bancos passaram a realizar também asset management, negócios sobre valores mobiliários e outros instrumentos financeiros, desenvolvidos no Código de Valores Mobiliários como contratos de mediação financeira (art. 321.º e ss.). É este o modelo europeu da banca universal, por contraposição ao modelo norte-americano de investiment banking e de commercial banking[7].
Este alargamento da banca significou a necessidade de proteção dos pequenos aforradores não qualificados ou não profissionais que invistam as suas poupanças no mercado de capitais, o que veio a obter-se pela Diretiva 97/9/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 3 de março de 1997, transposta para o direito interno pelo DL 222/99, de 22.6.
O Sistema de Indemnização aos Investidores protege os investidores pequenos, não profissionais ou não qualificados.
Mas, o sistema da banca universal não alterou o quadro dos deveres que impedem sobre os bancos, mormente do dever de informar, no contexto da relação bancária e da necessidade de proteção do consumidor.
Com efeito, a especial relevância dos padrões de comportamento no exercício da atividade bancária já fora enfatizada no preâmbulo do RGICSF: A preocupação de fazer assentar cada vez mais a actuação das instituições de crédito e outras empresas financeiras em princípios de ética profissional e regras que protejam de forma eficaz a posição do «consumidor» de serviços financeiros não se manifesta apenas pela consagração expressa dos apontados deveres gerais de conduta e das demais normas referidas, mas explica ainda o incentivo que se pretende dar à elaboração de códigos deontológicos de conduta pelas associações representativas das entidades interessadas (artigo 77.º, n.os 2 a 4). Desta forma, a orientação que já consta do Código do Mercado de Valores Mobiliários, confinada aí às actividades de intermediação de valores mobiliários, é alargada às restantes actividades desenvolvidas pelas instituições de crédito e demais empresas financeiras (sublinhado nosso).
É assim que, no Título VI se preveem as regras de conduta aplicáveis à atividade bancária, agrupáveis em três categorias[8]:
- deveres de salvaguarda dos interesses dos clientes, onde deve primar a execução fiel dos atos e dos negócios que integrem a relação negocial;
- dever de informação, que salvaguarda as posições negociais assumidas pelas partes;
- dever de segredo profissional.
O dever de informação assume tal relevância que já se afirmou ser o direito bancário um Direito de Informações[9], sendo considerado mais do que um dever instrumental e acessório para passar a ser o objeto principal de muitas obrigações, manifestando-se em todos os estádios negociais, desde logo na fase preparatória dos contratos, envolvendo toda a matéria relativa ao objeto deste, aos aspetos conexos com o objeto, à perspetiva do desenvolvimento contratual e às condutas relevantes de terceiros.
Embora não seja já defensável o ideário francês da banca como uma missão de serviço público[10], a verdade é que em termos de deveres de informação, mesmo de responsabilidade pré-contratual, “a tendência actual vai no sentido de uma crescente intensificação de tais deveres, particularmente sob influência do pensamento da protecção do consumidor”[11], sendo necessário distinguir “entre o dever de responder por um falso conselho, aviso ou esclarecimento, que o banco tomou a iniciativa de prestar, e o de responder por uma simples omissão, isto é, pela não prestação de um esclarecimento ou conselho. Se, no primeiro caso, a regra é a da responsabilidade, no que concerne ao segundo a responsabilização do banco pressupõe a identificação de um dever jurídico de actuar, a implicar a consideração de circunstâncias particulares, pois não pode falar-se de um genérico dever de conselho, aviso ou esclarecimento das instituições bancárias (…). Particular atenção deverá ser dada, neste contexto, à circunstância de estar em causa um simples consumidor ou uma empresa que, no quadro da sua actividade, recorre normalmente aos serviços prestados pelas instituições bancárias (…). Na primeira hipotese, por seu lado, um papel fundamental na afirmação de um concreto dever do banco haverá seguramente que imputar-se à reconhecível inexperiência negocial ou falta de conhecimentos jurídicos do cliente (…)”[12].
Quanto à noção de consumidor[13] na relação bancária, salienta-se a sua atuação do mercado para satisfação de necessidades não profissionais, dentro de uma estrutura negocial caraterizada como negócio jurídico de consumo.
Na verdade, os negócios bancários são negócios jurídicos de consumo[14], sempre que em face dos bancos se apresente um consumidor. Esta relação de consumo está, em geral, associada a um contrato de depósito bancário[15], mas não só, sendo aqui evidente “a maior debilidade de uma das partes da relação negocial (…)” posto que “em condições normais não se vislumbra que, como os bancos, possa pretender dominar a técnica, a nomenclatura e a gestão próprias das operações bancárias”[16].
Quer isto dizer que a conduta do banqueiro está balizada por dois fatores:
- por um elemento de ordem subjetiva: a desigualdade da sua posição, profissional do ramo, relativamente ao cliente que pode não ter experiência alguma quanto ao negócio que vai celebrar e, assim, confia na capacidade técnica e conhecimentos que lhe são transmitidos pelos funcionários;
- outro de cariz objetivo, centrada nas especificidades técnicas do negócio que se vai celebrar.
O dever de informação pode resultar do contrato celebrado, quando o negócio prevê a prestação de informações (art. 4.º, n.º 1, al. o) RFICSF) – será um dever de prestação principal ou secundária. Mas poderá ser um dever acessório no quadro da relação negocial, um dever de informação de base legal.
A fonte legal do dever de informação achava-se no RGICSF, ao tempo do negócio dos autos (2004), pulverizada por diversas normas:
O art. 73.º exigia dos bancos que assegurassem, em todas as atividades que exercessem, elevados níveis de competência técnica.
O art. 74.º impunha aos administradores e funcionários dos bancos diligência, lealdade e respeito consciencioso dos interesses que lhes estão confiados.
O art. 75.º incluía um dever de informação pouco desenvolvido, que remetia para o Banco de Portugal a densificação por meio de avisos.
O art. 76.º estabelecia a extensão do dever de diligência de todos os órgãos e funcionários dos bancos. Deveriam proceder no exercício das suas funções com a diligência de um gestor criterioso e ordenando, de acordo com o princípio da repartição de riscos e da segurança das aplicações, tendo em conta o interesse dos depositantes, dos investidores e demais credores.
Assim estabelecidos os deveres dos bancos na relação com os clientes, em qualquer contrato celebrado com estes estavam presentes tais vínculos, de modo que, em termos da obrigação de informar, bem se poderá dizer, como já acima se citou, que esta obrigação emergia da própria relação negocial como dever de prestar e não como simples dever acessório, não apenas como uma emanação da boa-fé negocial (art. 762.º, n.º 2). Se os deveres principais ou primários têm em vista a realização do fim da constituição do vínculo obrigacional, também parece certo que a informação ou o know-how de que dispõem os economistas, gestores e juristas, entre outros profissionais qualificados que a atividade bancária pressupõe, vai implícita na contratação que qualquer consumidor estabelece com um banco quando titula uma conta bancária. Isto é, o consumidor procura no funcionário bancário que lhe explique todas as circunstâncias que estão prefiguradas no contrato de depósito bancário: taxas de juros, remunerações, utilização de cartões, etc… E é confiando nestas informações que o cliente pauta a sua atuação, desde logo, contratando ou não com aquele banco ou com outro.
Também o diploma relativo à defesa do consumidor exige que o prestador de serviços informe o consumidor com clareza, de forma objetiva e adequada.
O art.º 8º na redação então vigente, era claro.
De igual modo a atividade de intermediação financeira se pauta por um conjunto de regras que partem do dever geral de informação[17].
Já em obra publicada em 2001, escrevia-se a respeito do regime de protecção dos investidores, que a “transparência informativa é (…) o pilar básico sobre o qual assentam as decisões dos investidores”[18], chamando a atenção para a particular influência que exerce sobre o investidor não qualificado português o gestor de conta, relação onde tem especial relevo o art. 304.º, n.º1 CVM (redacção então vigente[19]), que impõe ao intermediário financeiro “um especial dever de proteger os interesses” dos clientes.
Para além daquele normativo, também eram significativos os arts. 312.º[20] (deveres de informação) e 323.º[21] (deveres de informação). Também os arts. 38.º[22] (informação sobre o intermediário financeiro) e 39.º[23] (outras informações prévias) do Regulamento da CMVM n.º 12/2000[24], de 23.2.
Decorre de todos estes normativos ter-se o legislador preocupado não apenas com a extensão da informação a prestar, mas igualmente com o grau de pormenorização da mesma de acordo com o conhecimento e experiência do cliente – é a chamada regra da proporcionalidade inversa que obriga o intermediário a conhecer bem o cliente (know your cliente rule)[25] e que se consubstancia num dever de adequar o serviço prestado ao perfil do cliente que também já resultava do art. 304.º, n.º 3 do CVM. Este dever de assegurar a adequação do serviço ao perfil do cliente (suitability) já resultava da transposição da Directiva 93/22/CEE relativa aos serviços de investimento no domínio dos valores mobiliários [26].
O dever de informação assim exaustivamente conformado pode considerar-se um dever de conduta secundário de prestação e não um dever acessório[27], ainda que funcionalizado à prestação principal, mas com “relevância na relação obrigacional para, em termos de autonomia e de influência sobre a prossecução dos interesse-se do credor (cliente), justificar, por exemplo, a aplicação dos meios de reacção perante o não cumprimento, com uma configuração legal e regulamentar diferente por se tratar de uma relação de intermediação financeira[28], relação que, por força da lei, em caso de incumprimento, assume um matiz especial.
Com efeito, “uma análise do conteúdo desta relação obrigacional complexa permite surpreender, de um lado, os deveres de prestação – principais (ou primários) e secundários (…) – e, de outro lado, os deveres laterais (…)”. Enquanto os primeiros definem o plano contratual, derivando da vontade das partes, os segundos determinam-se através da concretização, durante a vigência daquele plano, do princípio da boa-fé, plasmado no art. 762.º, 2, impondo às partes uma atuação honesta, correta e leal[29].
Os deveres laterais podem surgir, também, antes ou depois da extinção da relação obrigacional simples (deveres précontratuais e pós-contratuais) e, inclusivamente, podem tutelar a integridade de sujeitos alheios ao contrato (contrato com eficácia de proteção para terceiros)
Em regra, os deveres de informação são deveres laterais.
Porém, atentos os contornos particulares dos regimes legais relativos aos bancos e sua intervenção no mercado dos valores mobiliários, a informação surge como um ponto crucial do cumprimento da prestação principal, de tal forma que, não obstante formalmente cumprida pelo banco a prestação principal, a omissão da informação ou a informação deficiente constitui um incumprimento ou um cumprimento defeituoso daquela prestação.
No caso que nos ocupa, o A. era cliente do Banco R. por ser titular de uma conta à ordem e foi por causa dessa relação cliente/Banco, no contexto da actividade bancária, que o mesmo Banco pôde apresentar-lhe produtos cuja comercialização defluía de uma outra sua atividade, a que resulta do seu papel de intermediário financeiro em negócios mobiliários.
Tratou-se da aquisição de instrumentos mobiliários, obrigações ou bonds, valores mobiliários representativos de direitos de crédito, previstos no art. 1.º b) do CVM e disciplinados nos arts. 348.º[30] e ss. do CSC, as quais constituem um modo de financiamento empresarial e podem conferir direito a reembolso e juros, ou não (perpetual bonds e zerobonds[31]).
Parece-nos evidente que a relação de confiança que se estabelece entre um aforrador, simples consumidor privado, e o seu banco, não será a mesma que intercede entre alguém que procura investir os seus excedentes monetários, está disposto a correr riscos económicos, e entra em contacto com um intermediário financeiro.
Porém, para que surja a obrigação de indemnizar mesmo por força da omissão de informações, é necessário que ocorra um ato (ou omissão, caso em que se exige o correspondente dever de agir – art. 486.º do Código Civil), dominável por uma vontade livre que se revele antijurídica, isto é, que viole direitos de outrem ou uma disposição legal destinada a proteger interesses de terceiro, decorrendo dano causalmente ligado ao ato.
Na responsabilidade contratual do intermediário financeiro (e do banco) perante o cliente, a ilicitude resulta da desconformidade do comportamento do intermediário com as obrigações que sobre si impendem, quando é certo que a lei impõe ao intermediário financeiro uma conduta profissional diligente, leal e transparente. É esta prestação – mas não só - que é devida pelo intermediário. Caso a não cumpra, viola uma prestação contratual e não um mero dever acessório.
É exactamente colocando acento tónico na violação do dever de informação enquanto violação de norma de conduta por parte do intermediário financeiro, que a jurisprudência alemã acolhe a responsabilidade contratual oriunda de um dever de aconselhamento por banda daquele[32].
Em virtude desse dever de informação, ao tempo dos factos dos autos, já o art. 134.º CVM exigia que todas as ofertas públicas relativas a valores mobiliários fossem precedidas da divulgação de um prospecto, prevendo o art. 135.º exigências especial quanto a tal prospecto:
1 - O prospecto deve conter informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, que permita aos destinatários formar juízos fundados sobre a oferta, os valores mobiliários que dela são objecto e os direitos que lhe são inerentes e sobre a situação patrimonial, económica e financeira do emitente.
2 - As previsões relativas à evolução da actividade e dos resultados do emitente bem como à evolução dos preços dos valores mobiliários que são objecto da oferta devem:
a) Ser claras e objectivas; b) Basear-se em informações dotadas das características referidas no número anterior e reveladas no prospecto; c) Apoiar-se em opinião de auditor sobre os pressupostos, os critérios utilizados e a sua coerência com as previsões.

Por sua vez, o art. 149.º previa:
São responsáveis pelos danos causados pela desconformidade do conteúdo do prospecto com o disposto no artigo 135.º, salvo se provarem que agiram sem culpa: a) O oferente; b) Os titulares do órgão de administração do oferente; c) O emitente; d) Os titulares do órgão de administração do emitente; e) Os promotores, no caso de oferta de subscrição para a constituição de sociedade;f) Os titulares do órgão de fiscalização, as sociedades de revisores oficiais de contas, os revisores oficiais de contas e outras pessoas que tenham certificado ou, de qualquer outro modo, apreciado os documentos de prestação de contas em que o prospecto se baseia; g) Os intermediários financeiros encarregados da assistência à oferta;h) As demais pessoas que aceitem ser nomeadas no prospecto como responsáveis por qualquer informação, previsão ou estudo que nele se inclua. 2 - A culpa é apreciada de acordo com elevados padrões de diligência profissional. 3 - A responsabilidade é excluída se alguma das pessoas referidas no n.º 1 provar que o destinatário tinha ou devia ter conhecimento da deficiência de conteúdo do prospecto à data da emissão da sua declaração contratual ou em momento em que a respectiva revogação ainda era possível.
O prospecto, enquanto forma de efectiva protecção informativa dos destinatários, tem (tinha também na época) de ser sujeito à aprovação da CMVM (art. 140.º, n.º3 e 236.º CVM).
A falta de prospecto ou a sua insuficiente informação é já em si um facto ilícito e origina em si uma obrigação de indemnizar[33].
O mesmo se diga para a actividade do banco, como acima vimos.
Do incumprimento destes deveres específicos de conduta profissional que redundam em informação clara e cabal resulta o incumprimento da obrigação, o qual será um incumprimento definitivo quando sucede, como aqui ocorre, impossibilidade de cumprimento (arts. 798.º e 801.º CC).
Não faz, pois, sentido a distinção entre negócio de cobertura – a intermediação financeira – e negócio de execução (a aquisição de bonds).
Na verdade, a ilicitude, na forma de omissão de informação, sucede no negócio de cobertura e não há dúvida de que este foi celebrado entre o banco e o consumidor. Se o dano resulta do negócio de execução já é um problema de causalidade – que viremos infra – e não de ilicitude.
Por se tratar de responsabilidade contratual, a culpa (censura pelo facto de o intermediário financeiro não ter desenvolvido a conduta correta) presume-se (art. 799.º CC e, no caso dos prospectos, 135.º CVM), podendo esta ser dolosa ou negligente, sendo a distinção relevante para efeitos do prazo de prescrição. É que o art. 324.º, n.º 2 CVM estabelece que: Salvo dolo ou culpa grave, a responsabilidade do intermediário financeiro por negócio em que haja intervindo nessa qualidade prescreve decorridos dois anos a partir da data em que o cliente tenha conhecimento da conclusão do negócio e dos respectivos termos.
O critério de aferição da culpa contratual, nestes casos, não é o do simples bonus parter familias (art. 487.º, n.º2, ex vi 799.º, n.º 2 CC), mas um critério especial (diligentissimus pater familias ou culpa profissional[34]) que resulta do já citado n.º 2 do art. 304.º: Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, e também do art. 149.º, nº 2 CVM (que estabelece A culpa é apreciada de acordo com elevados padrões de diligência profissional).
Pode mesmo afirmar-se que “relativamente aos intermediários financeiros, a diligência informativa respeitante ao conteúdo do prospecto é de grau equiparável à diligência elevada que, em toda a actividade profissional, o intermediário deve revelar nas relações com todos os intervenientes no mercado – e, em particular, nas relações com os seus clientes, consoante dispõe o n.º 2 do art. 304.º (que se refere aos “elevados padrões de diligência, lealdade e transparência)[35].
Verificando o requisito do dano, entendendo-se este modernamente como “diminuição de uma situação favorável que estava protegida pelo ordenamento”[36], são indemnizáveis todos os danos patrimoniais e não patrimoniais, pelo interesse contratual positivo, pelos lucros cessantes e danos emergentes. Sendo certo que, em caso de violação do dever de informação já não se exige a reparação in natura, havendo que entregar uma quantia em dinheiro que corresponda ao valor dos danos, nos termos do art. 566.º, n.º2, CC.
O art. 152.º CVM alude à indemnização pelo interesse contratual positivo: A indemnização deve colocar o lesado na exacta situação em que estaria se, no momento da aquisição ou da alienação dos valores mobiliários, o conteúdo do prospecto estivesse conforme com o disposto no artigo 135.º[37].
Finalmente, o requisito da causalidade adequada.
Em oposição à teoria instalada, da equivalência das condições (teoria da conditio sine qua non), formulou-se, na Alemanha oitocentista, a teoria subjetiva da causalidade adequada, segundo a qual não basta que um facto seja condição de um dano para se considerar causa dele, sendo necessário que se trate de uma condição tal que provoque o mesmo resultado, como consequência normal e adequada[38].
Ao contrário da teoria da equivalência das condições, na causalidade adequada a “causa” é estabelecida em abstrato e não em concreto, sendo necessário que o julgador retroaja mentalmente até ao momento da ação ou da omissão para verificar se esta era ou não adequada a produzir o dano (juízo de “prognose póstuma”).
Ora bem, é para a teoria da causalidade adequada que parece apontar a formulação do art. 563.º do Código Civil[39]. Todavia, o estabelecimento do nexo causal não tem de cingir-se aos parâmetros estreitos desta teoria e, não obstante ser essa a solução que parece decorrer da letra da lei (“provavelmente não teria sofrido”), a verdade é que não estão afastadas outras formulações.
Após criticar a teoria da causalidade adequada, Menezes Cordeiro[40] refere-se à teoria do escopo da norma violada (também conhecida por teoria da relatividade aquiliana) como sendo o meio idóneo de resolução de casos de fronteira[41].
Esta teoria funda-se no pressuposto de que não é possível individualizar um critério único e válido para aferir o nexo causal em todas as hipóteses de responsabilidade civil, propondo que o intérprete atenda à função da norma violada, para verificar se o evento danoso recai no seu âmbito de proteção. De modo que, quando o ilícito consiste na violação de regra imposta com o escopo de evitar a criação de um risco irrazoável, a responsabilidade estende-se somente aos eventos danosos que sejam resultado do risco em consideração do qual a conduta é proibida[42].
Assim, para Menezes Cordeiro[43], no campo da responsabilidade civil, “tudo quanto tenha a ver com omissões, com normas de proteção e com deveres do tráfego tem um enquadramento causal fácil, à luz do escopo das normas em presença”[44].
Também Menezes Leitão[45] defende a teoria do escopo da norma violada, referindo, por exemplo: “Já a teoria do escopo da norma violada defende, pelo contrário, que para o estabelecimento do nexo de causalidade é apenas necessário averiguar se os danos que resultaram do facto correspondem à frustração das utilidades que a norma visava conferir ao sujeito através do direito subjetivo ou da norma de proteção. Assim, a questão da determinação do nexo de causalidade acaba por se reconduzir a um problema de interpretação do conteúdo e fim específico da norma que serviu de base à imputação dos danos (…). Efetivamente a obrigação de reparar os danos causados constitui uma consequência jurídica de uma norma relativa à imputação de danos, o que implica que a averiguação do nexo de causalidade apenas se possa fazer a partir da determinação do fim específico e do âmbito de proteção da norma que determina essa consequência jurídica”.
Por outro lado, mesmo a causalidade adequada não afasta a causalidade mediata ou indireta, ocorrendo esta quando o facto não produz o dano, mas desencadeia ou proporciona outro facto que leva à verificação daquele[46].
Modernamente, em sede de responsabilidade civil médica, por exemplo, fala-se em dano injusto, no sentido proposto pelo art. 24.º da Convenção de Oviedo: A pessoa que tenha sofrido um dano injustificado resultante de uma intervenção tem direito a uma reparação equitativa nas condições e de acordo com as modalidades previstas na lei.[47]
Colocado o nexo causal deste jeito, logo se verifica que existe um nexo causal entre a perda verificada – não reembolso – e o não cumprimento do dever de informação.
Mesmo que se considere que o lesado terá de fazer prova de que não teria efectuado a operação, caso tivesse tido cabal conhecimento da natureza do produto em causa – o que se não aceita, posto que o que está em causa é a livre formação da vontade de negociar e essa foi definitivamente afetada[48] - no caso vertente provou-se que em face das informações assim das, pois de outra forma não o teria aceitado” (ponto 5.º da factualidade provada).
Do quadro exposto, resulta in casu demonstrada a responsabilidade civil contratual por ato do funcionário, gerente do balcão onde o autor era cliente (art. 800.º CC), posto que a subscrição de obrigações D… pelo autor foi feita sem informação cabal e objectiva sobre a natureza e características do produto financeiro em causa. Sequer o rendimento anunciado se não demonstrou, nem era mesmo exorbitante a tal ponto que fizesse criar no cliente a ideia de que só poderia estar perante algo distinto de um depósito bancário[49].
Nessa base, e tendo em conta a teoria da diferença prevista no art. 566.º CC, é de manter a sentença quando alija sobre o R. a responsabilidade pelos danos verificados no património do autor.
Desde logo não foi entregue ao A. qualquer documentação, mormente o prospecto que a lei dos valores mobiliários postula para salvaguarda dos interesses dos consumidores deste tipo de produtos financeiros, o que é suficiente para vislumbrar o incumprimento de normas (todas as relativas à informação) que visam aquela salvaguarda (cfr. 2.ª parte do n.º 1 do art. 483.º CC).
Depois, mesmo sem documentação escrita – impensável no caso de investimento em valores mobiliários – ainda se lançou mão de uma comunicação supostamente informativa de teor e alcance altamente discutível. Afirmar-se que o investimento que se faz tem garantia de capital e juros, associado à ideia também transmitida, de se tratar de um produto em tudo idêntico a um depósito a prazo, não é uma simples referência à mecânica de funcionamento do investimento.
E isto, tanto de um ponto de vista objectivo, como subjectivo.
Objetivamente, porque investir em obrigações, bonds, não é uma operação financeira tão habitual que qualquer cliente bancário esteja em posição de, a priori, decifrar o que está envolvido na expressão obrigações. Mesmo um jurista não versado em direito comercial terá nítida dificuldade em vislumbrar de imediato todo o regime complexo das Obrigações e as diversas cambiantes que envolve. Será demasiado redutor e alheio à realidade da vida pensar que uma Obrigação é um produto financeiro simples.
Subjetivamente, porque o autor não faz da actividade de investimento mobiliário a sua prática profissional, sendo, por isso, um consumidor financeiro. Qualquer consumidor ou investidor não profissional, colocado na mesma situação do autor – sobretudo quando se sabe que o grau de diligência informativa que cabe ao operador bancário e ao intermediário financeiro assume graus elevadíssimos -, associaria a alusão a capital garantido à ausência de risco de perda que sempre existe quando se lida com produtos mobiliários. Explicar que o cliente emprestava dinheiro para que uma terceira empresa, por si desconhecida, o utilizasse para seu financiamento, não é o mesmo que asseverar que “era um produto em tudo igual a um depósito”. Uma coisa é aforrar em depósito e outra, diferente, é financiar terceira pessoa cuja identidade e saúde financeira se ignora. Certo que também os bancos correm risco de insolvência, mas, ainda assim, não se trata do mesmo risco envolvido na aquisição de valores mobiliários. O risco é distinto: num caso aforra-se, noutro, empresta-se dinheiro.
Sequer foi dito ao A. que o empréstimo obrigacionista só poderia ser reembolsado 10 ano depois, tendo-se ainda demonstrado que capital e juros seriam desmobilizados, i.é, estariam disponíveis “quando este o entendesse, bastando solicitar à agência com uma antecedência de três dias”, não lhe sendo dito que a maturidade ocorreria apenas em 10 anos.
Não se vê como afirmar ser indefensável que os clientes acreditassem que o risco seria exactamente o mesmo de um depósito a prazo (p. 29 do segundo Parecer junto com as alegações de recurso.)
Como qualquer outro valor mobiliário, este produto está sujeito a risco o que é incompatível com a argumentação de que é um produto de “capital garantido”, mesmo que daí não se extraia estar o banco a prestar caução.
A omissão da informação quanto à natureza e característica do produto financeiro enquanto fundamento do ilícito a que se liga causalmente o dano, como vimos, dispensa a alegação de que o banco garantiu ou assumiu qualquer responsabilidade em vez do emitente ou na falta deste, de modo que é despiciendo aludir a questões de igualdade ou desigualdade de credores.
Sendo verdade que o intermediário financeiro não está obrigado a informar o consumidor sobre a insolvência do emitente das obrigações, também é um facto que está obrigado a explicar qual o produto que o cliente está a adquirir. Se o risco de incumprimento é um risco geral de todas as obrigações, há obrigações que comportam risco maior do que outras. É o caso das que se ligam a valores mobiliários e, por isso, as rodeou o legislador de garantias especiais de acesso e direito a informação cabal, objetiva e clara, onerando os intermediários financeiros com um elevadíssimo dever de diligência (culpa profissional ou do diligentissimus pater familias).
Mais uma vez, o que se censura ao intermediário financeiro não é não informar o consumidor de uma eventual (então não cogitável) e remota hipótese de insolvência do emitente, mas sim não explicitar o que estava em causa quando se subscreviam obrigações. Isto, mesmo que o cliente recebesse em casa um extracto periódico onde apareciam escritas as obrigações em causa. A obrigação de informação que foi obnubilada é anterior a isso. Não foi explicado ao cliente que receberia periodicamente de alguém, que não o banco, cupões relativos ao capital investido. Não foi explicado o período de maturidade do produto. Não lhe foi dito que só poderia resgatar o capital investido, em qualquer altura, apenas mediante a cedência da Obrigação a terceiros.
Ademais, o recebimento do extracto não torna o consumidor não profissional num consumidor profissional que não necessitasse de ser elucidado da natureza do produto em causa, sendo que nada resulta quanto ao cumprimento pelo banco da regra da proporcionalidade inversa: o dever de adequar o serviço ao know-how do cliente. Cabia ao banco o ónus de alegar e demonstrar a suitability, ou seja, a adequação da conduta do funcionário ao perfil deste cliente concreto[50].
Temos, assim, verificados os requisitos da responsabilidade civil contratual do banco.
Uma última palavra para referir ser falacioso o argumento de que o A. poderá vir a receber o que quer que seja da massa insolvente da D…. Nem se fez prova de que o A. tenha ali reclamado o que quer que seja, nem sequer que existam bens na massa que permitam sequer o rateio, sendo ainda certo que, ainda que ali receba o que quer que seja, sempre caberia o A. devolver ao R. o que indevidamente dele recebeu em função das regras do enriquecimento sem causa.
E a prescrição?
Recorde-se que o banco não atuou in casu como simples intermediário financeiro pelo que o cumprimento de rígidos padrões de diligência informativa derivam também dessa sua relação com o cliente cujos interesses a lei coloca sobre a sua alçada.
Porém, mesmo como intermediário financeiro, o Banco não autuou com culpa leve que, nos termos do art. 324.º, n.º2, CVM, excluiria a sua responsabilidade por negócio em que tivesse intervindo naquela qualidade, passados que fossem dois anos sobre o conhecimento da conclusão do negócio e respectivos termos.
Como se referiu na sentença recorrida, a censura que pode dirigir-se ao banco, tendo em vista os especiais padrões de diligência com que a lei o onera, é sempre uma culpa grave: a ausência de qualquer informação escrita sobre os valores mobiliários que propõe ao seu cliente e a equívoca e deficiente informação verbal prestada não permitem considerar mínima a incúria verificada[51].
Afastado está, por isso, aquele prazo de prescrição, aplicando-se aqui o ordinário, de 20 anos (art. 309.º CC).
A apelação é, assim, improcedente.
4. Dispositivo
Pelo exposto, acordam os juízes que compõem esta secção cível em julgar improcedente o recurso e manter a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente.

15.11.2018
Fernanda Almeida
António Eleutério
Isabel São Pedro Soeiro
____________________
[1] Seguindo de perto o constante da sentença impugnada.
[2] Calvão da Silva, Direito Bancário, Almedina, 2002, p. 12.
[3] Ibidem.
[4] Ibidem, p. 13
[5] Manual de Direito Bancário, 3.ª Ed., p. 168 e ss.
[6] Almeno de Sá, Relação Bancária, Cláusulas contratuais gerais e o novo Código Civil Brasileiro, Separata do BFDC, Vol. LXXVII, 2002, p. 304.
[7] Calvão da Silva, cit., p. 327.
[8] Segue-se de perto a dissertação de mestrado em Ciências Jurídico-Empresariais apresentada na FDUC, em 2009, por Sílvia Trepado, O cliente bancário como consumidor de serviços financeiros – em particular a sua tutela jurídica e as cláusulas de ius variandi nos contratos bancários, p. 31.
[9] Jean-François Clément, apud Sílvia Trepado, cit., p. 32.
[10] Cfr. Almeno de Sá, Responsabilidade Bancária, 1998, p. 66.
[11] Ibidem, p. 67.
[12] Ibidem, p. 69-70.
[13] Sobre as posições relativas à noção jurídica de consumidor, Sílvia Trepado, cit. 39, nota 65.
[14] António Pedro Ferreira, A Relação Negocial Bancária, 2005, p. 359
[15] “O contrato bancário geral é o acordo celebrado entre as partes, na qual se propõe desenvolver uma relação complexa, prolongada no tempo, com diversos direitos e deveres, tendo como objectivo principal a celebração de diversos negócios jurídicos, baseados na confiança mútua”, Rosana Diaz, Relação Negocial Bancária, dissertação de mestrado em Direito das Empresas, FDUC, 2010, p. 110.
[16] Ibidem.
[17] O art. 7.º do CVM já dispunha na nona versão do DL n.º 486/99, de 13/11, que era a vigente em 2004: Deve ser completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita a informação respeitante a valores mobiliários, a ofertas públicas, a mercados de valores mobiliários, a actividades de intermediação e a emitentes que seja susceptível de influenciar as decisões dos investidores ou que seja prestada às entidades de supervisão e às entidades gestoras de mercados, de sistemas de liquidação e de sistemas centralizados de valores mobiliários.
[18] Sofia Rodrigues, A Protecção dos Investidores em Valores Mobiliários, p. 37 e ss.
[19] Consideraremos sempre a nona versão do DL n.º 486/99, de 13/11. O art. 304.º dispunha: 1 - Os intermediários financeiros devem orientar a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado.2 - Nas relações com todos os intervenientes no mercado, os intermediários financeiros devem observar os ditames da boa-fé, de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência. 3 - Na medida do que for necessário para o cumprimento dos seus deveres, o intermediário financeiro deve informar-se sobre a situação financeira dos clientes, a sua experiência em matéria de investimentos e os objectivos que prosseguem através dos serviços a prestar.
[20] 1- O intermediário financeiro deve prestar, relativamente aos serviços que ofereça, que lhe sejam solicitados ou que efectivamente preste, todas as informações necessárias para uma tomada de decisão esclarecida e fundamentada, incluindo nomeadamente as respeitantes a: a) Riscos especiais envolvidos pelas operações a realizar; b) Qualquer interesse que o intermediário financeiro ou as pessoas que em nome dele agem tenham no serviço prestado ou a prestar; c) Existência ou inexistência de qualquer fundo de garantia ou de protecção equivalente que abranja os serviços a prestar; d) Custo do serviço a prestar.
2 - A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente.
3 - A circunstância de os elementos informativos serem inseridos na prestação de conselho, dado a qualquer título, ou em mensagem promocional ou publicitária não
[21] Além dos deveres a que se refere o artigo 312.º, o intermediário financeiro deve informar os clientes com quem tenha celebrado contrato sobre: a) A execução e os resultados das operações que efectue por conta deles; b) A ocorrência de dificuldades especiais ou a inviabilidade de execução da operação; c) Quaisquer factos ou circunstâncias de que tome conhecimento, não sujeitos a segredo profissional, que possam justificar a modificação ou a revogação das ordens ou instruções dadas pelo cliente.
[22] 1 - Antes de iniciar a prestação do serviço, o intermediário financeiro informa o potencial cliente sobre as principais características da empresa abrangendo, pelo menos: a) A identificação do intermediário financeiro e respectiva morada; b) A identidade e a posição no intermediário financeiro dos funcionários ou outros colaboradores e serviços com quem o cliente tem ou irá ter contacto; c) Indicação da data do registo, junto da entidade de supervisão, da actividade a prestar ao cliente; d) Tipo de intermediário financeiro e respectiva capacidade para fornecer os serviços pretendidos.
2 - Qualquer informação que o intermediário financeiro forneça ao investidor sobre o desempenho passado daquele deve: a) Ser relevante para a avaliação do desempenho do serviço que o intermediário financeiro se propõe oferecer; b) Ser um registo completo e não enganado.
[23] 1 - Antes de iniciar a prestação de um serviço, o intermediário financeiro: a) Fornece ao investidor informação adequada sobre a natureza, os riscos e as implicações da operação ou do serviço em causa, cujo conhecimento seja necessário para a tomada de decisão de investimento ou de desinvestimento, tendo em conta a natureza do serviço prestado e o conhecimento e a experiência do investidor em causa; b) Entrega ao investidor documento sobre os riscos gerais do investimento em valores mobiliários ou noutros instrumentos financeiros; c) Fornece ao investidor informação específica e detalhada sobre o risco envolvido, quando os produtos ou serviços envolvam risco de liquidez, risco de crédito ou risco de mercado; d) Informa o investidor sobre a existência e modo de funcionamento do serviço do intermediário financeiro destinado a receber a analisar as reclamações dos investidores e da possibilidade de reclamação junto da entidade de supervisão.
2 - Quando o cliente seja um investidor institucional, o disposto no número anterior apenas se aplica se este solicitar expressamente as informações nele referidas.
3 - O intermediário financeiro informa expressamente o cliente do direito previsto no número anterior.
[24] Diário da República n.º 45/2000, 1º Suplemento, Série II de 2000-02-23.
[25] Sofia Rodrigues, cit., p. 46.
[26] Os tribunais e a doutrina alemães sustentavam já a este respeito um dever de investigação a cargo do intermediário financeiro de modo a poder aconselhar no sentido mais adequado, cfr. Gonçalo Santos, A Responsabilidade Civil do Intermediário Financeiro Perante o Cliente, 2008, p. 106, nota 226.
[27] Os contratos e a lei que os disciplina fazem emergir ao lado dos deveres principais os chamados deveres acessórios que, na sua formulação negativa (enquanto dirigidos à preservação das posições e interesses das partes que podem ser postos em causa com as ações ou omissões da contraparte), assumem a designação de deveres de proteção, sendo que todos eles podem agrupar-se na noção ampla proposta pela lei alemã de deveres de consideração, deveres estes que se “enxertam na relação contratual”, mas “não fazem parte do programa contratual propriamente dito”- Carneiro da Frada, Os deveres (ditos) “acessórios e o arrendamento, in Temas de Direito do Arrendamento, Cadernos O Direito, n.º 7, 2013, p. 67. Estes deveres guardam “uma certa independência face à eficácia dos compromissos negociais: permanecendo, por exemplo, em caso de ineficácia destes, ou sobrevivendo à sua extinção (o campo da culpa post factum finitum) - Ibidem, p. 72. A autonomia privada, princípio cunhado pelo pensamento jurídico oitocentista, não tem um alcance ilimitado, já que a ética individualista e a ideia de liberdade contratual não podem deixar de ser enquadradas por exigências de justiça social, pela via, por exemplo, da figura da boa-fé contratual (art. 762.º, n.º 2, do Código Civil) e da ideia de deveres de proteção. Em caso de violação destes deveres, a responsabilidade pela sua infração não cabe na responsabilidade delitual ou extracontratual propriamente dita, nem integra a responsabilidade contratual, mas, constituindo uma terceira via ou de responsabilidade intermédia, segue o regime da responsabilidade obrigacional (art. 798.º CC). Estes deveres estão fora do âmbito contratual, mas a sua violação determina a produção de danos (danos acompanhantes ou paralelos) do que deriva uma responsabilidade de tipo obrigacional, independente, no entanto, da aplicação das regras do incumprimento contratual, porque tais deveres são alheios à relação de prestação - Cfr. FRADA, Manuel Carneira, em Contrato e Deveres de Protecção, 1994, descreve exemplos colhidos da jurisprudência alemã em que estão em causa os referidos danos paralelos (p. 144 e ss.) e LEITÃO, Menezes, Obrigações, p. 351, alude a este propósito a uma “auto-responsabilização recíproca”.
[28] Gonçalo Santos, cit, p. 141
[29] N. PINTO OLIVEIRA, Direito das Obrigações, vol. I, p. 58 e Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, p. 125.
[30] 1 - As sociedades anónimas podem emitir valores mobiliários que, numa mesma emissão, conferem direitos de crédito iguais e que se denominam obrigações. 2 - Só podem emitir obrigações as sociedades cujo contrato esteja definitivamente registado há mais de um ano, salvo se: Tenham resultado de fusão ou de cisão de sociedades das quais uma, pelo menos, se encontre registada há mais de um ano; ou b) O Estado ou entidade pública equiparada detenha a maioria do capital social da sociedade; c) As obrigações forem objecto de garantia prestada por instituição de crédito, pelo Estado ou entidade pública equiparada. d) For disponibilizada aos investidores informação financeira relativa ao emitente, reportada a data não superior a três meses relativamente à emissão, auditada por auditor independente registado na Comissão do Mercado de Valores Mobiliários, e elaborada de acordo com as normas contabilísticas aplicáveis. 3 - Por portaria dos Ministros das Finanças e da Justiça podem ser dispensados, no todo ou em parte, os requisitos previstos no número anterior. 4 - As obrigações não podem ser emitidas antes de o capital estar inteiramente liberado ou de, pelo menos, estarem colocados em mora todos os accionistas que não hajam liberado oportunamente as suas acções.
[31] Sobre a distinção, Engrácia Antunes, Os Instrumentos Financeiros, 2017, p. 118.
[32] Gonçalo Santos, cit., p. 201, nota 461.
[33] Paulo Camara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, 2009, p. 765
[34] Ibidem, p. 210 e 211.
[35] Paulo Camara, cit., p. 768. No mesmo sentido, ac. STJ, de 10.4.2018, Proc. 753/16.4TBLSB.L1.S1, em cujo sumário se lê: O dever de conhecimento do perfil do cliente, sobretudo nos casos de investidores não qualificados, a avaliação não só da sua capacidade de investimento como a de suportar o risco inerente ao produto que pretende adquirir, para se ajuizar se certa transacção é adequada ao cliente – suitablity test –, impõe ao intermediário financeiro um rigoroso dever pré-contratual de informação, que não se queda pelo padrão do bom pai de família, mas antes, dada a professionalidade do banco/intermediário financeiro, lhe impõe um grau de diligência mais acentuado, devendo actuar como “diligentissimus pater familias”, não sendo toleráveis procedimentos que possam sequer ser incursos em culpa leve. O dever contratual de agir de acordo com elevados padrões de diligência, lealdade e transparência, impostos ao intermediário financeiro, no interesse legítimo dos seus clientes, não é mais, afinal, que o dever de agir de boa fé, constituindo um dever principal – a prestação propriamente dita no complexo obrigacional a cargo do intermediário financeiro. A relação contratual obrigacional que se estabelece entre o cliente e o intermediário financeiro, exige deste um elevado padrão de conduta, com lealdade e rigor informativo pré-contratual e contratual: informação completa, verdadeira, actual, clara, objectiva e lícita, tendo em conta que, entre clientes não qualificados, a avaliação do risco não é tão informada quanto a da contraparte. O não cumprimento dos deveres de informação é sancionado, no quadro da responsabilidade civil contratual – art. 483º, nº1, do Código Civil –, impendendo sobre o intermediário financeiro ou banco, que age nessa veste, presunção de culpa nos termos do art. 799º, nº1, do Código Civil, sendo claro o nº2 do art. 304-A do CVM quando estatui – “A culpa do intermediário financeiro presume-se quando o dano seja causado no âmbito das relações contratuais ou pré-contratuais e, em qualquer caso, quando seja originado por violação de deveres de informação.” Os factos provados demonstram que o Réu, na fase pré-contratual, não prestou a exigível e qualificada informação pautada pelo standard da actuação de boa fé, com o elevado padrão de conduta, não actuando com diligência e transparência de modo a informar, cabalmente, do risco do negócio, não respeitando, nem protegendo o interesse do investidor, seu cliente há 12 anos, e que, naturalmente confiava, como seria esperável dessa relação de confiança, uma informação que, obviamente, não era a de que a EE pudesse cair na insolvência, mas que não deveria ser a que foi prestada: o retorno do investimento naquele produto financeiro era garantido como se fosse um produto do banco, o que foi razoavelmente entendido, como tão seguro e garantido como um depósito a prazo. Se nos deveres de informação não cabe, por exemplo, o dever de alertar para o risco de insolvência da entidade que coloca o produto financeiro no mercado, sobretudo se as circunstâncias não assinalarem no horizonte esse risco, já nos casos, como é o que nos ocupa, em que o cliente é induzido a investir pelo Banco, que toma a iniciativa de o contactar, o que revela confiança, não mesmo certo é que qualquer reticência de informação já é violadora do padrão de exigência informativa cometida ao intermediário financeiro.
[36] Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil, I, p. 419. Em termos semelhantes, Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Responsabilidade Civil Administrativa, Direito Administrativo III, 2008, p. 29., para quem dano é a diminuição ou extinção de uma vantagem que é objecto da tutela jurídica.
[37] Quanto ao requisito do dano, veja-se o ac. STJ, de 5.6.2018, Proc. 18331/16.6T8LSB.L1.S1, no qual se consignou: Dever-se-á ter em consideração o estatuído nos artigos 562, 566, 564, 798 todos do Código Civil. Provou-se que o Autor investiu certas quantias em obrigações convencido que estava a subscrever um produto equivalente a depósitos a prazo. O dano do autor deve resultar ou deve traduzir-se na diferença entre a situação que o autor ficou e a situação em que o autor estaria se o dever de informação tivesse sido cumprido. Desde logo, o Autor tem direito ao valor investido (150.000,00 + 100.000,00) acrescido de juros moratórios à taxa legal contados a partir das datas em que os montantes investidos nas obrigações deveriam ter sido reembolsados (19.10.2014 para as obrigações subscritas em 2004 e 09.05.2016, para as obrigações subscritas em 2006). Isto é o que sucede com qualquer depósito a prazo (o Banco devolve o capital mais os juros remuneratórios que se foram vencendo) O autor teve um dano directo derivado de ter aplicado aquelas quantias e de não as ter recuperado nas datas em que as mesmas lhe deveriam ter sido disponibilizadas.
[38] Sobre a evolução da dogmática relativa à causalidade podem ver-se, ALARCÃO, Rui de, Direito das Obrigações, p. 280 e ss., e VARELA, J. Antunes, Das obrigações em geral, p. 858 e ss.,
[39] Embora com uma formulação deficiente que deixa ao critério do intérprete liberdade para optar pela solução que lhe pareça mais defensável, como refere VARELA, Antunes, Das Obrigações em geral, p. 871.
[40] CORDEIRO, António Menezes, Da Responsabilidade Civil dos Administradores das Sociedades Comerciais, p. 534 e ss.
[41] CANOTILHO, José Joaquim Gomes, in O Problema da Responsabilidade do Estado por Actos Lícitos, p. 314-315, ao examinar a responsabilidade do Estado por atos lícitos considerava já ser insuficiente a teoria da causalidade adequada:
“a) Umas vezes porque a questão não pode ser solucionável em sede de causalidade. A mudança de uma estrada, a supressão de uma via férrea, a deslocação de uma Universidade serão actos estaduais susceptíveis de acarretarem o aniquilamento económico dos hoteleiros e livreiros (…). A medida estadual é abstractamente causa adequada dos danos sofridos pelos comerciantes referidos. (…) porém (…) alargar a responsabilidade estadual a todos os danos desta espécie, cairíamos na aceitação de uma responsabilidade objectiva geral do Estado (…) b) Noutros casos passa-se o inverso: a teoria da causalidade adequada leva-nos a negar a existência de um nexo causalístico para certos danos que, razoavelmente, se devem considerar merecedores de tutela reparatória a cargo do Estado”.

[42] A teoria em apreço é explicada por Antunes Varela, in Das Obrigações em Geral, cit,, p. 871 e ss., não com a pretensão de substituir o nexo de causalidade adequada, mas detendo a utilidade incontestada de ser uma elemento auxiliar na resolução de dúvidas que se suscitem quanto à existência quer da ilicitude, quer do nexo de causalidade, explicando-a deste modo:
“Trata-se da teoria segundo a qual a distinção entre os danos indemnizáveis e não indemnizáveis se deve fazer, não em obediência ao pensamento da causalidade adequada do facto, mas tendo em vista os reais interesses tutelados pelo fim do contrato, no caso da responsabilidade contratual, ou pelo fim da norma legal, no caso da responsabilidade extracontratual”.
[43] Idem, p. 555.
[44] Aliás, Menezes Cordeiro (ob. cit, p. 542 e ss.) examina de forma crítica a evolução do tratamento do tema da causalidade na jurisprudência nacional identificando três estádios de evolução:
“Num primeiro grupo de casos, verificamos que a causalidade é tratada, a nível do Supremo, em termos intuitivos, embora sempre com a possível sindicância normativa. (…) Num segundo grupo, o Supremo passa, sob clara pressão doutrinária, a apelar à causalidade adequada supondo mesmo, por vezes – o que não é, reconhecidamente, o caso – que ela tem consagração legal. Subjacente há, contudo, sempre uma interpretação das regras jurídicas em presença. (…) Finalmente, o Supremo, embora referindo, ainda, ‘uma causalidade adequada’ passa a ponderar os problemas em termos normativos.”
[45] Em Direito das Obrigações, p. 348.
[46] Cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Ano, Vol. I, 4ª Ed., p. 579. Também a jurisprudência admite a causalidade mediata, vejam-se v.g. Ac. STJ, de 7.4.05, Proc. 05B294, em wwww.dgsi.pt, onde se lê: O artº 563º do Código Civil consagra a doutrina da causalidade adequada na sua formulação negativa e (…) admite. – não só a ocorrência de outros factos condicionantes; - como ainda a causalidade indirecta, bastando que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano.
[47] Também assim o art. 2043.º do Código Civil italiano: Qualunque fatto doloso o colposo che cagiona ad altri un danno ingiusto, obbliga colui che ha commesso il fatto a risarcire il danno. O desvio à regra da causalidade adequada permite indemnizações dos progenitores em caso de malformação do filho detetável no diagnóstico pré-natal, mas não reportada ou não reportada corretamente – são os chamados casos de wrongful birth, que dão origem a indemnização na nossa jurisprudência, ao contrário das ações de wrongful life, cfr. Ac. STJ, de 17.1.2013, Proc. 9434/06.6TBMTS.P1.S1.
[48] Isso mesmo tem sido defendido na jurisprudência de outros países, como por exemplo no chamado arrêt Buon, de 1991 (Com., 5 novembre 1991, Bull. 1991, IV, n° 327, pourvoi n° 89-18.005.), onde se lê: O intermediário está obrigado a permitir ao investidor avaliar os riscos e tomar uma decisão informada. Os investidores, mesmo vulneráveis, devem estar livres para assumir riscos, se assim o desejarem e cientes de que podem sofrer perdas. É por isso que o intermediário não tem outra obrigação senão entregar a informação ao cliente, que deve não só ser sincera e completa, mas também adaptada ao cliente (tradução livre).
[49] Mesmo os 4, 5% de taxa ilíquida, em 2004, não eram sinónimo de uma pretensa intenção de ganhar réditos mais favoráveis do que o comum. Lembremos que a Euribor, em janeiro de 2004, era de 2, 085%, e essa taxa, somada ao spread (por ex. de 0, 5%) constituía a taxa de juro líquida a que estavam indexados os mútuos bancários, não sendo assim tão longínqua dos 4, 5% ilíquidos invocados pelo A.
[50] A violação do respeito de informação como fundamento da obrigação de indemnizar pode ver-se, por ex., no recente ac. STJ, de 18.9.2018, Proc. 20403/16.8T8SLB.L1.S1onde se lê: Ora, como se encontra provado, o Reu informou o Autor de que aquele produto não comportava qualquer risco, era equivalente a um depósito a prazo e melhor remunerado, o que bem sabia não corresponder à verdade. E disse-lhe ainda que podia resgatar as obrigações em qualquer altura. Conclui-se, assim, que o acórdão recorrido entendeu, de forma correta, que o Reu não cumpriu os deveres de informação que legalmente lhe eram impostos.
(…)
a única presunção que expressamente se prevê neste domínio é a presunção de culpa do intermediário financeiro, no art.304º-A, n.2 do CVM. Presunção esta que, como resulta da matéria de facto provada, o Reu não conseguiu ilidir.
3.2.5. Quanto aos demais pressupostos, quer se siga a variante da responsabilidade contratual quer da extracontratual, no caso concreto, nenhuma necessidade existe de se aventarem (discutíveis) presunções de ilicitude ou de causalidade, pois da factualidade provada resulta, inequivocamente, que estes requisitos se encontram expressamente demonstrados.
Quanto ao pressuposto da ilicitude:
- Caso se siga a variante da responsabilidade contratual, entendendo-se que os deveres de informação integram o núcleo essencial do programa debitório do Banco Reu, tendo-se concluído que este teve um comportamento inequivocamente contrário ao que lhe era imposto pelo art.312º do CVM, não cumprindo os deveres a que estava vinculado, dúvidas não restam de que o seu comportamento foi ilícito. Acresce que o Reu não demonstrou a existência de qualquer razão que justificasse tal incumprimento, e que consequentemente pudesse excluir a ilicitude.
A este propósito, importa ter presente o ensina mento de Antunes Varela: “A ilicitude resulta, no domínio da responsabilidade contratual, da relação de desconformidade entre a conduta devida (a prestação debitória) e o comportamento observado”. É fácil perceber que o programa debitório do intermediário financeiro não se pode reduzir à receção e retransmissão de ordens dos clientes (como o Reu/Recorrente defende). Se assim fosse, o intermediário nunca seria responsabilizado pelo incumprimento de deveres de informação e as normas do CVM sobre tais deveres seriam letra morta.
- Caso se entenda que a variante da responsabilidade civil tecnicamente mais apropriada seria a extracontratual, também o requisito da ilicitude, como configurado pelo art.483º, se encontraria verificado. Assim, poderá entender-se que se trata de uma hipótese da denominada segunda modalidade da ilicitude, ou seja, a violação de normas
(particularmente o art.312º do CVM) que protege os investidores financeiros e, em particular, os investidores não qualificados.
(…)
Quanto à causalidade:
Da matéria de facto provada, nomeadamente nos pontos 35 a 37, resulta claramente demonstrado que o Autor nunca teria subscrito as Obrigações ... 2006 se o Reu tivesse cumprido os seus deveres de informação, esclarecendo-o sobre as caraterísticas daquele produto. O comportamento omissivo do Reu deu, assim, causa a o dano que o Autor veio a sofrer. E trata-se de um comportamento que, pela sua natureza, se pode considerar adequado à produção do tipo de dano que o Autor sofreu, pois o risco de perda do capital investido nas Obrigações ... 2006 era um risco próprio dessa espécie de produto. O Reu tinha a obrigação de conhecer esse risco, mas não informou o Autor de que ele podia verificar-se.
[51] De igual modo, no ac. STJ, de 17.3.2016, Proc. 70/13.1TBSEI.C1.S1: Atua com culpa grave, para o efeito de não aplicabilidade do prazo de prescrição de dois anos, o Banco que recorre a técnicas de venda agressivas, mediante a utilização de informação enganosa ou ocultando informação, com o intuito de obter a anuência do cliente a determinados produtos de risco que este nunca subscreveria se tivesse conhecimento de todas as características do produto, nomeadamente se soubesse que nem sequer o capital investido era garantido.
Também ac. RC, de 10.7.2019, Proc. 2193/16.6T8LRA.C1: Apresentando as obrigações “S (…) Rendimento Mais 2004” como sendo “equivalentes a um depósito a prazo”, em que “o reembolso do capital era garantido, por não se tratar de um produto de risco” e que “o cliente poderia dispor do respetivo capital quando assim o entendesse”, omitindo informação indispensável à avaliação dos riscos relacionados com o reembolso do capital e respetivos juros, o Banco Réu violou de forma grave o dever de informação constante do art. 312º do CVM.