Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
22688/16.6T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RODRIGUES PIRES
Descritores: CLÁUSULA PENAL
CUMULAÇÃO
EXIGÊNCIA DO CUMPRIMENTO DA OBRIGAÇÃO PRINCIPAL
Nº do Documento: RP2018020622688/16.6T8PRT.P1
Data do Acordão: 02/06/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 809, FLS 73-84)
Área Temática: .
Sumário: I - A cláusula penal pode definir-se como a estipulação negocial segundo a qual o devedor, se não cumprir a obrigação ou não cumprir exatamente nos termos devidos, maxime no tempo fixado, será obrigado, a título de indemnização sancionatória, ao pagamento ao credor de uma quantia pecuniária. Se estipulada para o caso de não cumprimento, chama-se cláusula penal compensatória; se estipulada para o caso de atraso no cumprimento, chama-se cláusula penal moratória.
II - A cláusula penal compensatória não é cumulável com a exigência do cumprimento da obrigação principal, uma vez que o credor não pode exigir cumulativamente do devedor o cumprimento da obrigação e a penalização estipulada para a falta definitiva de cumprimento.
III - Já quando se trata de cláusula penal moratória nada obsta a que esta se possa cumular com a execução específica da obrigação principal, porquanto se destina apenas a ressarcir os danos decorrentes do atraso no cumprimento.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 22668/16.6T8PRT.P1
Comarca do Porto – Juízo Local Cível do Porto – Juiz 5
Apelação
Recorrente: B...
Recorrido: C...
Relator: Eduardo Rodrigues Pires
Adjuntos: Desembargadores Márcia Portela e Maria de Jesus Pereira

Acordam na secção cível do Tribunal da Relação do Porto:
RELATÓRIO
A autora B..., residente na Rua ..., n.º ..., 1º andar, Porto, intentou a presente ação com processo comum contra o réu C...., residente na Rua ..., n.º ..., Porto, tendo pedido:
- que seja proferida sentença que declare efetuada a partilha da fração autónoma identificada nos autos, ficando a mesma adjudicada à autora pelo valor de 29.170,00€;
- que sejam declarados compensados os créditos recíprocos da autora sobre o réu no montante de 5.000,00€ e deste sobre aquela no montante de 2.500,00€;
- que seja declarado que o réu já recebeu as tornas que lhe são devidas, no montante de 14.585,00€;
- que o réu seja condenado a pagar à autora, a título do remanescente pelo atraso no cumprimento do contrato, a quantia de 2.500,00€.
Se for julgado improcedente o pedido principal, pede a autora que o réu seja condenado a pagar-lhe a quantia de 17.085,00€.
Deve ainda o réu ser condenado no pagamento de juros de mora, a contar da citação e até integral pagamento.
O réu, citado, apresentou contestação, na qual pugnou pela improcedência da ação, tendo alegado que não assinou na íntegra o contrato-promessa junto pela autora com a petição inicial, que entende ser nulo.
A autora respondeu à contestação.
Realizou-se audiência prévia, tendo sido proferido despacho saneador, seguido de identificação do objeto do litígio e enunciação dos temas de prova.
Efetuou-se audiência de discussão e julgamento com observância do legal formalismo.
Foi depois proferida sentença que julgou a ação improcedente, absolvendo o réu de todos os pedidos contra ele formulados.
Inconformada com o decidido, a autora interpôs recurso de apelação, tendo finalizado as suas alegações com as seguintes conclusões:
1ª – Impugnamos a decisão proferida relativamente à matéria de facto, que, salvo o devido respeito, não resulta da melhor análise crítica ao conjunto da prova produzida – documentos e depoimentos prestados em audiência, bem como a solução de direito, na decorrência da alteração da decisão relativa à matéria de facto, que iremos sustentar, mas, subsidiariamente, também independentemente dela.
Quanto à matéria de facto
2ª – Porque o réu, aqui apelado, contestou o convénio exarado no documento junto com a petição sob o nº 5, justificando que não assinou na íntegra o contrato-promessa de partilha, por não concordar com os valores mencionados no art. 4º do contrato-promessa, a primeira questão a abordar é se o réu assinou o contrato na íntegra.
3ª – Da posição tomada na contestação, não há dúvida de que a assinatura aposta imediatamente após a menção “O 2º contratante" é do réu.
4ª - A assinatura de um contrato, ou qualquer outro documento, é uma só.
5ª – O que resulta, indubitavelmente, de inúmeras disposições legais - arts 374º e 375º do Código Civil, que aludem à “letra e a assinatura, ou só a assinatura” de um documento, e art. 373º, do mesmo diploma, o qual preceitua que “Os documentos particulares devem ser assinados pelo seu autor”, no nº 1, ou “se o documento for subscrito”, no nº 3.
6ª - Portanto, a assinatura de qualquer documento é aposta no final de todo o clausulado e vale como declaração de aceitação da sua integralidade.
7ª – Assim também preceitua a norma da alínea n) do nº 1, do art. 46º do Código do Notariado - “as assinaturas, em seguida ao contexto, dos outorgantes que possam e saibam assinar”.
8ª - Sendo que o art. 52º deste mesmo Código prescreve, para instrumentos lavrados fora dos autos, que as respectivas folhas, “com excepção das que contiverem as assinaturas, são rubricadas pelos outorgantes”
9ª – Estas disposições, não obstante previstas para os instrumentos notariais, são aplicáveis analogicamente, conforme o disposto no art. 10º do Código Civil.
10ª – O documento em causa é um só contrato, com duas folhas, como na declaração de reconhecimento é exarado, estando assinado no final do seu texto por ambos os contratantes e contendo as rubricas dos mesmos na primeira folha.
11ª – A rubrica não é uma assinatura e a sua aposição visa, tão só, assegurar que são essas duas folhas as integrantes do contrato, não se correndo o risco de ter a assinatura na última folha e sendo a antecedente substituída.
12ª - Assente que a assinatura do documento é do réu, o contrato faz prova plena quanto às declarações atribuídas pelo seu autor – art. 376º, do Código Civil.
13ª – Pelo que o documento junto sob o nº 5 com a petição constitui prova de que, das tornas devidas, o réu já havia recebido eur. 7.085,00€, que, no acto da assinatura do contrato, arrecadou mais eur. 5.000,00€, ficando o remanescente de tornas em dívida de eur. 2.500,00€.
14ª - Mais, constitui prova plena de que as partes se obrigaram à partilha nos termos ali exarados, adjudicando-se o bem à autora.
15ª – O réu não arguiu a falsidade do documento.
16ª – Incumbir-lhe-ia demonstrar que não era verdadeiro qualquer dos factos que foram exarados no documento assinado – art. 347º, do Código Civil.
17ª – Pelo que somos críticos da posição da Meritíssima Juíza a quo ao considerar que “não logrou a autora demonstrar” o facto “constitutivo do direito que alega”.
18ª – A única testemunha – D... – filha de autora e réu evidenciou enorme nervosismo e forte abalo emocional, resultante do facto de estar a depor em acção que opunha os progenitores, sendo, ademais, pessoa de reduzida instrução e sem experiência de situações como a que viveu.
19ª - Tendo em conta tais factores, o depoimento deve ter-se como credível, ao que não obsta a circunstância, assinalada na douta sentença, de a testemunha não ter exacto conhecimento das quantias.
20ª – Do seu depoimento, designadamente das passagens transcritas no ponto 7 das presentes alegações, a testemunha deixa claros factos relevantes:
A – Que, ao assiná-lo, o réu não manifestou qualquer discordância relativamente ao teor do contrato;
B – Que tinham sido feitas, anteriormente, entregas de dinheiro e bens pela mãe ao pai; sendo de inferir, sem margem de erro, que a respectiva contabilização foi feita no cálculo do valor das tornas recebidas.
21ª – Ao contrário, nas suas declarações de parte, o réu acabou por contradizer frontal e repetidamente a versão que trouxera aos autos na contestação.
22ª – Alegara que se tinha recusado a assinar uma das folhas do contrato, porque o seu conteúdo não correspondia à verdade e, em audiência, reiteradamente, disse ou que não tinha visto o contrato todo ou não o tinha lido.
23ª – Como é claro do seu depoimento, designadamente das partes transcritas também no ponto 7 das presentes alegações.
24ª – Portanto, não só não logrou demonstrar que o teor do contrato, na parte impugnada, não correspondia à verdade, como pôs em crise a versão que, ele próprio, tinha trazido aos autos.
25ª – A prova produzida oralmente veio reforçar a prova plena que o documento junto já constituía, pelo que, a considerar-se que teria de ser a Autora a fazer a prova, para além do próprio documento sempre esta teria sido conseguida de forma clara.
26ª - Afigura-se-nos ter-se tratado de lapso da Meritíssima Juíza não ter dado como provado o facto alegado no art. 18º da petição, porquanto não foi impugnado e mostra-se provado pelo documento nº 13, então junto.
27ª - Nos termos do disposto no art. 662º, nº 1, do Código de Processo Civil, Esse Tribunal pode alterar a decisão acerca da matéria de facto.
Quanto à matéria de direito
28ª – Como já vimos, o facto de o réu ter subscrito o contrato dos autos, não tendo impugnado a sua assinatura e mostrando-se atestado pelo reconhecimento que foi aposto pelo próprio, importa a prova plena de que todo o clausulado foi por si aceite e querido, pelo que dúvidas não há da celebração do contrato, nos exactos termos do clausulado do documento nº 5 junto com a petição.
29ª - Admitir que quem legalmente se obriga por um contrato que subscreve pudesse eximir-se dos deveres contraídos, pelo simples protesto de discordância relativamente ao que assinara, poria em causa toda a complexa construção do direito dos contratos.
30ª – O contrato-promessa dos autos observa todos os requisitos de forma e substância previstos no art. 410º, nºs 1 e 2, do Código Civil, nada obstando a que seja proferida sentença que, nos termos do disposto no art. 830º, nº 1, do mesmo diploma, produza os efeitos da declaração negocial em falta.
31ª - A cláusula penal estabelecida foi-o pelo atraso na prestação – cláusula 7ª do contrato, pelo que, nos termos do art. 811º, não está excluída a cumulação do cumprimento com o pagamento da cláusula penal.
32ª - Integrando-se o contrato-promessa dos autos na caracterização do art. 410º, nº 3, do Código Civil, não pode até ser afastado o recurso à execução específica.
33ª - A cláusula penal concertada faz o réu incorrer na obrigação do pagamento da quantia respectiva – art. 810º, nº 1.
34ª - Igualmente provada está a declaração de compensação de créditos – alínea m) da relação da douta sentença, sendo que os créditos recíprocos preenchem os requisitos da compensação e esta torna-se efectiva pela referida declaração – arts 847º e 848º.
35ª – Pelo que a douta sentença em crise deve ser modificada no sentido do provimento total à pretensão deduzida.
Sem conceder,
36ª – A autora deduziu pedido subsidiário, com base nas disposições do art. 554º do Código de Processo Civil, o qual, como a norma prescreve, se destina a ser tomado em consideração, no caso de improcedência de pedido anterior.
37ª - A persistir o entendimento da douta sentença em recurso (o que apenas concebemos como hipótese académica de raciocínio e por mera e excessiva cautela) teríamos, então, que nenhuma promessa existiria entre as partes relativamente à partilha.
38ª - O réu não deduziu qualquer pedido nesse sentido em reconvenção e, se o tivesse feito, o mesmo estaria condenado ao soçobro, uma vez que, inexistindo qualquer escrito, tal convénio sempre estaria ferido de invalidade, por falta de forma – art. 410º, nº 2.
39ª - Logo, nenhuma razão haveria, na improcedência da acção, para que não fosse considerado o pedido subsidiário, o qual, naquela hipótese, que acabou por se verificar, teria de se traduzir na obrigação de restituir o valor que, comprovadamente fora entregue – eur. 5.000,00€.
40ª - Ao decidir como decidiu, sempre salvo o devido respeito, que é muito, a Meritíssima Juíza a quo não fez a adequada ponderação da prova produzida, no que tange à decisão da matéria de facto, e proferiu decisão violadora, entre outras, das disposições dos arts 10º, 347º, 373º, 374º, 375º, 376º, 377º, 410º, 811º, 830º, do Código Civil, 46º, nº 1, alínea n), 52º do Código do Notariado e 554º do Código de Processo Civil.
Pelo exposto e pelo douto suprimento, que se pede e espera, deve ser concedido provimento ao presente recurso, e, em consequência,
A - Deverá ser alterada a decisão relativa à matéria de facto, corrigindo-se e aditando-se a relação dos factos provados da douta sentença, nos seguintes termos:
Alínea d) (em substituição da actual) “No dia 25 de Maio de 2016, Autora e Réu acordaram na partilha do referido bem, tendo ficado ajustado que o valor do imóvel a partilhar seria €29.170,00, que o mesmo seria adjudicado à Autora, que o Réu tinha direito a tornas no montante de €14.585,00, das quais o mesmo Réu havia já recebido €7.085,00 €, que o remanescente das tornas – €2.500,00 – seria pago no acto da escritura pública de partilha e que esta se realizaria no prazo de quarenta e cinco dias a contar da data do contrato-promessa, em dia e hora que a Autora comunicaria ao Réu.
Alínea o) (em acrescento) “A Autora suportou o custo do procedimento de partilha instaurado na dita Conservatória, no montante de €187,50 €.”
E
B - Revogada a douta decisão de mérito, sendo a acção julgada procedente, por provada, e proferida sentença que declare efectuada a partilha da fracção autónoma identificada, ficando o bem adjudicado à autora, pelo valor de eur 29.170,00€, serem declarados compensados os créditos recíprocos da autora sobre o réu, no montante de eur. 5.000,00€, e deste sobre aquela, no montante de eur. 2.500,00€, ser declarado que o réu recebeu já as tornas que lhe são devidas, no montante de eur. 14.585,00€ e ser o réu condenado a pagar à autora, a título do remanescente da cláusula penal devida pelo atraso no cumprimento no contrato, a quantia de eur. 2.500,00€, ou, se assim não for entendido, pela improcedência do pedido principal, ser o R. condenado a pagar à A. a quantia de eur. 17.085,00€, ou ainda, hipótese que apenas teoricamente e por mera cautela configuramos, mantendo-se a decisão que impugnamos relativa ao pedido principal, ser o réu condenado a restituir à autora a quantia de eur. 5.000,00€.
O réu não apresentou contra-alegações, embora tenha vindo aos autos referir que o recurso é extemporâneo, não devendo ser admitido.
Cumpre então apreciar e decidir.
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QUESTÃO PRÉVIA
O réu, embora não tenha apresentado contra-alegações, veio invocar, sem, porém, o fundamentar, a extemporaneidade do recurso interposto.
Contudo, não lhe assiste razão.
O sistema informativo CITIUS certificou a data da elaboração da notificação do ilustre mandatário da autora – 3.5.2017 –, o que significa que, ao abrigo do art. 248º do Cód. do Proc. Civil, esta se presume feita no 3º dia posterior ao de tal elaboração ou no 1º dia útil seguinte a esse, quando o não seja, o que, neste caso, transporta essa notificação para o dia 8.5.2017 – cfr. fls. 62.
Acontece que o recurso da autora foi interposto no dia 13.6.2017 – cfr. fls. 104.
O prazo para interposição de recurso – de 30 dias -, por envolver reapreciação de prova gravada, mostra-se acrescido de 10 dias, nos termos do art. 638º, nº 7 do Cód. do Proc. Civil, ascendendo, por isso, a 40 dias.
Assim sendo, inequívoca é a sua tempestividade.
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Prosseguindo com a apreciação do recurso.
O seu âmbito, sempre ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, encontra-se delimitado pelas conclusões que nele foram apresentadas e que atrás se transcreveram – cfr. arts. 635º, nº 4 e 639º, nº 1 do Cód. do Proc. Civil.
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As questões a decidir são as seguintes:
IImpugnação da matéria de facto;
II Execução específica do contrato-promessa de partilha celebrado entre a autora e o réu/Cláusula penal/Compensação de créditos.
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A factualidade dada como provada pela 1ª Instância é a seguinte:
a) Autora e Réu casaram no dia 26 de agosto de 1978, no regime da comunhão de adquiridos, e sem convenção antenupcial.
b) O casamento veio a ser dissolvido por divórcio, com sentença já transitada em julgado, em 13 de março de 2006, no âmbito do Proc. n.º 1820/05.TMPRT, que correu termos pela 3ª Seção do 3º Juízo do Tribunal de Família e Menores do Porto, conforme documento junto a fls.7v.º a 10, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
c) Autora e Réu adquiriram, através de compra e venda, a fração autónoma destinada a habitação, designada pela letra “B”, no 1º andar, com entrada pelo n.º ..., do prédio urbano em regime de propriedade horizontal sito na Rua ..., n.ºs ..., ..., ... e ..., freguesia ..., concelho do Porto, inscrito na matriz predial urbana da União de Freguesias de ..., ..., ..., ..., ... e ..., sob o artigo 6963, e descrita na 1ª Conservatória do Registo Predial do Porto sob o n.º 48, com o valor patrimonial tributário de € 29.170,00, conforme documentos juntos a fls. 10v.º a 12v.º, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
d) No dia 25 de maio de 2016, Autora e Réu acordaram na partilha do referido bem, na sequência do dissolvido casamento, tendo ficado ajustado que o valor do imóvel a partilhar seria de € 29.170,00, que o mesmo seria adjudicado à Autora, e que o Réu teria direito a tornas no valor de € 14.585,00.
e) O Réu recebeu da Autora a quantia de € 5.000,00 em dinheiro.
f) O Réu rubricou a primeira folha e assinou a terceira (última folha) do documento junto a fls. 13 a 14v.º
g) A Autora marcou a escritura, na 3ª Conservatória do Registo Civil do Porto, para o dia 5 de julho imediato, tendo avisado o Réu.
h) O Réu não compareceu na data aprazada, pelo que a Autora marcou a escritura no mesmo local, para o dia 5 de setembro, pelas 10h00.
i) A Autora notificou o Réu para comparecer naquele dia e hora, na dita Conservatória, sita na Rua ..., n.º ..., nesta cidade do Porto, através de carta registada com aviso de receção, expedida em 19 de julho, conforme documentos juntos a fls. 15v.º a 16v.º
j) O Réu recebeu a referida missiva no dia 27 daquele mês.
k) O Réu não compareceu no dia 5 de setembro, à hora designada, pelo que a Autora marcou, na mesma Conservatória, para a outorga da escritura, o dia 19 do mesmo mês de setembro, à mesma hora, conforme carta enviada ao Réu, junta a fls. 17 a 18, que o Réu recebeu no dia 13 daquele mês.
l) O Réu mais uma vez não compareceu à hora designada.
m) A Autora enviou ao Réu a carta datada de 02/11/2016, expedida sob registo e aviso de receção, conforme documentos juntos a fls. 19v.º e 20, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
n) O Réu respondeu, através de carta datada de 7/11/2016, junta a fls. 28 e v.º, cujo teor aqui se dá por reproduzido.
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Não resultaram provados quaisquer outros factos, nomeadamente, que:
1[1] - O Réu deu o seu expresso assentimento a todo o teor do documento junto a fls. 13 a 14v.º;
2 - Ficou ajustado que, do valor referido em d), o Réu já havia recebido € 7.085,00;
3 - Autora e Réu estipularam que o remanescente das tornas, de € 2.500,00, seria pago no ato da escritura pública de partilha, que se realizaria no prazo de 45 dias a contar da data do contrato-promessa, em dia e hora que a Autora comunicaria ao Réu;
4 - O Réu não concordou com os valores mencionados no art. 4.º do documento junto a fls. 13 a 14v.º e disse logo que não correspondiam à verdade e que por isso não assinava tal folha/documento (folha n.º 2 do referido documento);
5 - O Réu avisou a Autora, na pessoa de seu mandatário, através de sua advogada, de que iria comparecer à escritura na condição de lhe ser entregue a quantia que teria a receber (€ 9.585).
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Passemos à apreciação do mérito do recurso.
I – A autora/recorrente insurge-se contra a factualidade dada como provada na sentença recorrida, pretendendo no essencial que seja alterada a redação do seu ponto d), de modo a compaginar-se com o conteúdo das cláusulas 4ª e 5ª do contrato-promessa de partilha junto a fls. 13 e 14.
Passaria assim a ser a seguinte:
“No dia 25 de Maio de 2016, Autora e Réu acordaram na partilha do referido bem, tendo ficado ajustado que o valor do imóvel a partilhar seria €29.170,00, que o mesmo seria adjudicado à Autora, que o Réu tinha direito a tornas no montante de €14.585,00, das quais o mesmo Réu havia já recebido €7.085,00 €, que o remanescente das tornas – €2.500,00 – seria pago no acto da escritura pública de partilha e que esta se realizaria no prazo de quarenta e cinco dias a contar da data do contrato-promessa, em dia e hora que a Autora comunicaria ao Réu.”
No sentido pretendido indica a autora/recorrente excertos do depoimento prestado pela testemunha D... e das declarações produzidas pelo réu C..., a cuja audição integral procedemos.
D... é filha da autora e do réu. Esteve presente na leitura do contrato-promessa no escritório do Dr. E... e disse que este tinha todas as cláusulas que dele constam. Referiu que nesse dia foram entregues 5.000,00€ ao seu pai, mas depois começou a mostrar-se muito imprecisa quanto a outras entregas em dinheiro feitas ao pai. De qualquer modo, esclareceu que os seus pais se divorciaram há cerca de 13 anos e o pai nunca mais lhes apareceu, até que um dia surgiu e precisava de ajuda. Levou 200,00€ para comprar alimentos para comer e a seguir deram-lhe mais 250,00€ e a testemunha também lhe chegou a dar 750,00€. E mais adiante disse: “então foi-se dando assim esses dinheiros, eu estou um bocado confusa porque além do que está ali a comprovar ele chegou a levar muito mais do que isso.” Regressando ao dia do contrato-promessa disse que o pai assinou, “tudo normal” e que nesse dia lhe terão sido entregues 6.000 e tal euros, embora mais adiante tenha limitado essa entrega a 5.000,00€. Mais referiu que nesse dia o pai não discordou dos valores mencionados no contrato.
O réu C..., em declarações de parte, disse que no escritório do Dr. E... só estava presente ele e a sua filha. Recebeu 5.000,00€ que lhe foram entregues pela sua filha. Quando estava a assinar o documento reparou que lá se referia a quantia de 7.500,00€, que não tinha recebido – só recebera 5.000,00€ - e disse-o à filha, que lhe respondeu que a mãe depois lhe daria mais 2.500,00€. Seguidamente, afirmou, de modo firme, que só recebeu 5.000,00€; não recebeu quaisquer outros valores. Disse depois que foi uma segunda vez, sozinho, ao escritório do Dr. E..., aí lhe tendo dito que não tinha recebido aqueles valores e, por isso, não assinou. Das duas vezes que foi ao escritório do Dr. E... não foi acompanhado pela autora. Disse que não incomodou a autora durante muitos anos, mas porque estava sem dinheiro (passou fome) e sem a carrinha resolveu recorrer à filha. Confrontado com o contrato disse que só viu a folha dos 7.500,00€ e foi a que assinou, acrescentando que não leu tudo. Não viu nenhum outro valor para assinar. E conclui: “não era esse contrato, era só 7.500,00€.” Continuando disse: “não li o contrato, só li uma folha, só vi uma folha que dizia 7.500,00€”. Quanto aos 5.000,00€ que recebeu eram para comprar uma carrinha.
Por seu turno, é o seguinte o texto das cláusulas 4ª e 5ª do “contrato-promessa de partilha” junto a fls. 13 e 14:
“4ª Acordam reciprocamente a proceder à partilha da seguinte forma:
A – Valor do bem a partilhar, o patrimonial – eur. 29.170,00€ (vinte e nove mil, cento e setenta euros)
B – O bem identificado ficará adjudicado à primeira contratante, B..., e será destinado à sua habitação própria e permanente.
C – O segundo contratante, C..., receberá de tornas eur. 14.585,00€ (catorze mil, quinhentos e oitenta e cinco euros) ficando pago.
D – Do referido montante de tornas, recebeu até hoje eur. 7.085,00€ (sete mil e oitenta e cinco euros) em diversas entregas em dinheiro, que recebeu da primeira contratante;
Nesta data, também em dinheiro, recebeu da primeira outorgante a quantia de eur. 5.000,00€ (cinco mil euros) de que dá a respectiva quitação;
O remanescente (dois mil e quinhentos euros) será pago no acto da escritura de partilha.
5ª A escritura de partilha será celebrada no prazo de 45 dias a contar de hoje, em dia, hora e cartório notarial ou balcão que a primeira contratante comunicará ao segundo contratante com a antecedência mínima de cinco dias, obrigando-se este a comparecer e a fornecer os elementos de identificação necessários.”
Este contrato, datado de 25.5.2016, mostra-se assinado pelo réu C..., dele constando, escrito pelo advogado Sr. Dr. E..., o seguinte:
“Reconheço as assinaturas apostas acima de B... e C... (…). As assinaturas foram apostas pelos próprios, na minha presença, que rubricaram também a primeira das duas folhas do presente documento, igualmente na minha presença.
Sendo ambos do meu conhecimento pessoal, ainda assim, verifiquei a sua identidade pelos documentos referidos.”
Constata-se, pois, que o réu C... procedeu à assinatura do contrato-promessa de partilha em análise nos presentes autos, composto por duas folhas, e que rubricou também a primeira dessas folhas.
A sua rubrica não consta, porém, do verso da primeira folha, tal como não consta a da autora B....
O réu não põe em causa ter aposto a sua assinatura no contrato e ter rubricado a frente da sua primeira folha, mas pretende-se desvincular de parte do texto do contrato, afirmando que não o assinou na íntegra, por sustentar que, para além dos 5.000,00€ aí referidos, não recebeu qualquer outra quantia. Por isso, na sua perspetiva, teria ainda a receber da autora, a título de tornas, a importância de 9.585,00€.
Na audiência de julgamento apenas foram ouvidos a filha da autora e do réu, D..., e o próprio réu, que do sucedido apresentaram versões totalmente contraditórias.
Particularmente confusas, e temperadas por muita emoção, se mostraram as declarações produzidas pelo réu C... que transportaram para o julgamento uma versão dos factos que não reputamos de credível no tocante ao circunstancialismo factual que envolveu a assinatura do contrato.
É sabido que quando se apõe a assinatura num documento – e o réu não contesta a autenticidade da assinatura que apôs no contrato-promessa – a mesma abrange todo o conteúdo desse documento.
Um documento não tem que ser assinado em todas as suas folhas para vincular os contratantes, basta, como é corrente, que seja assinado no seu termo. Aliás, o art. 373º, nº 1 do Cód. Civil, apenas estatui que os documentos particulares devem ser assinados pelo seu autor ou autores, sendo que neste caso as assinaturas até se mostram reconhecidas por advogado, o que é admissível ao abrigo do art. 38º do Dec. Lei nº 76-A/2006, de 29.3.
E não estando alegado que a assinatura do réu foi forjada ou que houve abuso dessa assinatura por parte de outrem, não se vislumbra como pode este desvincular-se de parte do conteúdo do contrato-promessa com o simples argumento de que o verso da segunda folha do contrato não foi por ele rubricada.
De resto, o que o Cód. do Notariado prescreve para os instrumentos notariais é que estes contenham «as assinaturas, em seguida ao contexto, dos outorgantes que possam e saibam assinar, bem como de todos os outros intervenientes, e a assinatura do funcionário, que será a última do instrumento» [art. 46º, nº 1, al. n)] e que «as folhas dos instrumentos lavrados fora dos livros, com exceção das que contiverem as assinaturas, são rubricadas pelos outorgantes que saibam e possam assinar, pelos demais intervenientes e pelo notário» [art. 52º].
Muito embora o presente contrato não se configure como instrumento notarial, cremos que, em termos de assinaturas e de rubricas, não lhe poderá ser exigido maior rigor do que aquele que resulta das disposições do Cód. do Notariado.
E estas, como patentemente resulta do próprio contrato, mostram-se respeitadas, uma vez que foi assinado pelos intervenientes em seguida ao contexto e que, sendo composto de duas folhas, a primeira delas se acha também rubricada pelos intervenientes.
Em parte alguma se colhe a ideia de que todas as páginas de um contrato têm que ser obrigatoriamente assinadas e que um qualquer contratante se pode desresponsabilizar de parte do conteúdo de um contrato ao não assinar – ou rubricar – uma das suas folhas.
No caso dos autos, sucede, inclusive, que a primeira folha do contrato até se acha rubricada, não se vendo como exigível que a rubrica dos intervenientes tenha que ser aposta tanto na frente como no verso da folha.
Aliás, a rubrica destina-se tão-só a evitar o risco de eventual substituição das folhas que não contém a assinatura dos intervenientes, de tal modo que a sua aposição se circunscreve à frente da folha.
Em suma: o contrato tem duas folhas, foi assinado no seu final pelos contratantes, a primeira folha do contrato contém as rubricas destes e o réu não impugnou a sua assinatura, a sua rubrica, nem tão-pouco a declaração de reconhecimento.
Neste contexto, como é que o réu pode pretender desvincular-se de um contrato que assinou, rubricou e cuja assinatura foi, inclusive, objeto de reconhecimento, tanto mais que o mesmo, de acordo com o preceituado no art.376º, nº 1 do Cód. Civil, faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor?
Não é, certamente, alegando que não assinou a folha do contrato da qual consta a cláusula onde se consignava que já havia recebido a título de tornas a importância de 7.085,00€.
Para tal, não tendo arguido a falsidade do documento, caber-lhe-ia, nos termos do art. 347º do Cód. Civil, produzir meios de prova dos quais resultasse não serem verdadeiros os factos constantes do documento que por si foi assinado.
Sucede que a prova produzida com essa finalidade se circunscreveu às declarações do próprio réu, o qual, num registo marcado pela emotividade e também por um discurso algo contraditório, negou ter recebido, para além dos 5.000,00€ referidos no contrato, qualquer outra importância em data anterior.
Ora, as suas declarações não foram corroboradas por qualquer outro meio probatório.
Por outro lado, a testemunha D..., filha da autora e do réu, ouvida também em julgamento, mesmo que prestando um depoimento caracterizado por alguma hesitação e por muito nervosismo, contrariou frontalmente as declarações do seu pai, ao afirmar que antes da celebração do contrato dos autos já lhe haviam sido feitas diversas entregas em dinheiro, até porque este se encontrava em situação financeira muito débil, pese embora não tenha conseguido contabilizar o montante total dessas entregas.
O seu depoimento afigurou-se-nos credível.
Assim, uma vez que o réu não logrou produzir prova da qual decorresse não serem verdadeiros os factos constantes do “contrato-promessa” de partilha, nomeadamente que antes da sua celebração tivesse recebido da autora a importância de 7.085,00€ em diversas entregas em dinheiro, há que dar como provado na alínea d) da matéria de facto, de modo integral, o teor das cláusulas 4ª e 5ª daquele contrato, assim se impondo a alteração da sua redação.
Tal como se impõe que à matéria de facto seja aditada a alínea o), que corresponderá ao alegado no art. 18º da petição inicial – “Acresce que o A. suportou despesas e teve incómodos com o incumprimento do R., tendo designadamente de aguentar o custo do procedimento de partilha instaurado na dita Conservatória, no montante de €187,50, conforme se constata do respetivo recibo de pagamento” -, porquanto este se mostra comprovado através de documento emitido pela 3ª Conservatória do Registo Civil do Porto junto a fls. 19.
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Deste modo, o recurso interposto pela autora obterá integral procedência quanto à matéria de facto e, em consequência, a redação da sua alínea d) passará a ser a seguinte:
“No dia 25 de Maio de 2016, autora e réu acordaram na partilha do referido bem, tendo ficado ajustado que o valor do imóvel a partilhar seria de 29.170,00€, que o mesmo seria adjudicado à autora, que o réu tinha direito a tornas no montante de 14.585,00€, das quais o mesmo réu havia já recebido 7.085,00€, que o remanescente das tornas – 2.500,00€ – seria pago no ato da escritura de partilha e que esta se realizaria no prazo de quarenta e cinco dias a contar da data do contrato-promessa, em dia e hora que a autora comunicaria ao réu.”
Será também aditada à matéria de facto a alínea o) com o seguinte conteúdo:
“A autora suportou o custo do procedimento de partilha instaurado na 3ª Conservatória do Registo Civil do Porto, no montante de 187,50€.”
Simultaneamente, face à modificação da redação da alínea d) da factualidade provada, terão que ser eliminados do elenco dos não provados os factos identificados sob os nºs 1 a 4.
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II1. A autora, através da propositura da presente ação, pretende que seja proferida sentença que produza os efeitos da declaração negocial prometida, nos termos do art. 830º, nº 1 do Cód. Civil, isto é, que seja declarada efetuada a partilha da fração autónoma identificada nos autos, sendo-lhe a mesma adjudicada pelo valor de 29.170,00€.
Pretende também que o réu seja condenado no pagamento da quantia de 5.000,00€, fixada no contrato-promessa a título de cláusula penal para o caso de atraso na prestação, e que esta quantia seja compensada com a importância de 2.500,00€ de que a autora é ainda devedora para com o réu por motivo de tornas.
Daí resultará, por via dessa compensação de créditos, que a autora já nada tem a pagar ao réu e que este, em virtude da cláusula penal estipulada, apenas tem que pagar à autora a quantia de 2.500,00€.
Para o caso da execução específica ser considerada inviável face à estipulação de cláusula penal, pretende a autora, subsidiariamente, a condenação do réu, por força do incumprimento do contrato-promessa, no pagamento da importância global de 17.085,00€, correspondendo 5.000,00€ à cláusula penal e 12.085,00€ aos montantes já recebidos a título de tornas.
2. Na sentença recorrida julgou-se a pretensão da autora totalmente improcedente, mas as alterações acima referidas introduzidas na matéria de facto implicarão decisão diversa, conforme se passará a expor.
Resulta da factualidade provada que a autora e o réu, que se encontram divorciados, celebraram contrato-promessa de partilha relativamente ao único bem imóvel que fazia parte do património comum do casal.
Estabelece o art. 830º, nº 1 do Cód. Civil que «se alguém se tiver obrigado a celebrar certo contrato e não cumprir a promessa, pode a outra parte, na falta de convenção em contrário, obter sentença que produza os efeitos da declaração negocial do faltoso, sempre que a isso não se oponha a natureza da obrigação assumida
E o nº 2 diz-nos que «entende-se haver convenção em contrário, se existir sinal ou tiver sido fixada uma pena para o caso de não cumprimento da promessa
Por seu turno, o art. 810º, nº 1 do Cód. Civil estatui que «as partes podem … fixar por acordo o montante da indemnização exigível: é o que se chama cláusula penal
Pode-se definir a cláusula penal como a estipulação negocial segundo a qual o devedor, se não cumprir a obrigação ou não cumprir exatamente nos termos devidos, maxime no tempo fixado, será obrigado, a título de indemnização sancionatória, ao pagamento ao credor de uma quantia pecuniária. Se estipulada para o caso de não cumprimento, chama-se cláusula penal compensatória; se estipulada para o caso de atraso no cumprimento, chama-se cláusula penal moratória – cfr. Calvão da Silva, Cumprimento e Sanção Penal Compulsória”, 4ª ed., págs. 247/248.
Seguidamente, no art. 811º, nº 1 do Cód. Civil estabelece-se que «o credor não pode exigir cumulativamente, com base no contrato, o cumprimento da obrigação principal e o pagamento da cláusula penal, salvo se esta tiver sido estabelecida para o atraso na prestação; é nula qualquer estipulação em contrário
Sobre este preceito, escreve o seguinte Calvão da Silva (in ob. cit. págs. 254/255):
“Proíbe, assim, a nossa lei, o cúmulo do cumprimento e da cláusula penal compensatória, admitindo, todavia, o cúmulo do cumprimento e da cláusula penal moratória. Solução acertada em harmonia com a função indemnizatória da cláusula penal. Na verdade, se a obrigação principal foi cumprida, pontualmente, não há dano a compensar. A cláusula penal, porque fixa a indemnização à forfait, não pode funcionar onde o cumprimento tenha lugar nos termos devidos. O dever de indemnizar ocupa o lugar do dever de prestar não cumprido (…). Ora, se o dever de prestar é cumprido – dever principal e primário de prestação – não pode haver lugar a qualquer dever de indemnizar – dever secundário e sucedâneo do dever primário de prestação; logo, fica automaticamente excluído o dever de indemnizar à forfait imposto pela cláusula penal.“
E prossegue o mesmo Professor:
“Porém, se o (primário) dever de prestar é cumprido retardadamente, o dever de indemnizar o dano moratório coexiste com a prestação principal, podendo funcionar por isso, quanto a ele, a indemnização fixada à forfait (cláusula penal moratória) e o cumprimento (retardado) da obrigação principal. Daí que o legislador tivesse vedado imperativamente o cúmulo do cumprimento e da cláusula penal, com a ressalva da cláusula penal moratória. Isto é, o credor não pode cumular o cumprimento e a cláusula penal compensatória (regra imperativa), podendo, contudo, se assim o desejar, cumular o cumprimento retardado com a cláusula penal moratória, do mesmo modo que, se não tiver sido prevista cláusula penal moratória, o credor pode exigir o cumprimento da obrigação e a indemnização dos danos moratórios liquidados segundo as regras gerais.”
Por seu lado, Menezes Leitão (in “Direito das Obrigações”, vol. II, 6ª ed., pág. 290) sobre esta mesma norma legal, e em idêntico sentido, escreve o seguinte:
“É possível estabelecer face ao art. 811º, nº 1, uma contraposição entre a cláusula penal compensatória e a cláusula penal moratória. Enquanto a primeira é estabelecida para o incumprimento definitivo da obrigação, a segunda é prevista para a simples mora no cumprimento. Daí que a cláusula penal compensatória não seja cumulável com a exigência do cumprimento da obrigação principal, já que o credor não pode exigir cumulativamente do devedor o cumprimento da obrigação e a penalização estipulada para a falta definitiva de cumprimento. Pelo contrário, na cláusula penal moratória, essa cumulação é possível, uma vez que a penalização não toma como referência a não realização da obrigação principal, mas antes a sua não realização no tempo devido.”
E Antunes Varela (in “Das Obrigações em Geral”, vol. II, 7ª ed., pág. 145) afirma que “se a cláusula… tiver sido convencionada como simples sanção contra o atraso na realização da prestação (…), nada obsta a que o credor exija simultaneamente, no caso de mora, a realização coactiva da prestação e o pagamento da cláusula sancionatória”.[2]
Por último, ainda sobre a norma que temos vindo a abordar, diz-nos o seguinte Pinto Monteiro (in “Cláusula Penal e Indemnização”, Almedina, Colecção Teses, pág. 427):
“O art. 811º, nº 1 só contempla a hipótese de existir cláusula penal moratória: neste caso, permite-se que o credor obtenha o cumprimento da obrigação principal e o pagamento da pena. Quid juris, porém, se ela for uma cláusula penal compensatória, quer dizer, uma pena que representa a indemnização pelo não cumprimento? Tratando-se de uma pena moratória – hipótese prevista na lei – não haverá dificuldades: o credor tem direito ao cumprimento, acrescido da pena (…). Sendo ela uma pena compensatória, todavia, o credor, perante o cumprimento tardio da obrigação, não terá direito à primeira. Pode, sem dúvida, solicitar indemnização pelo dano da mora. Essa indemnização calcular-se-á, porém, nos termos gerais. E isto, pela simples razão de que a pena não foi convencionada para esta hipótese, o dano nela prefigurado não fora este. Já por aqui se vê, portanto, que haverá que atender sempre à finalidade visada pelas partes ao estipularem a cláusula penal.”
3. Regressando ao caso concreto, há que ter em atenção o texto da cláusula 7ª do contrato-promessa de partilha em causa nos autos:
“Para o caso de incumprimento do presente contrato-promessa ou de qualquer das suas cláusulas, os contratantes fixam, a título de cláusula penal, pelo atraso na prestação, a quantia de eur. 5.000,00€ (cinco mil euros).”
Ora, lendo esta cláusula, constata-se que a vontade das partes foi no sentido de a estipularem para o atraso no cumprimento da obrigação, configurando-a assim como cláusula penal moratória. Ou seja, se ocorrer da parte de um dos contratantes atraso nesse cumprimento, que se consubstancia na celebração da escritura de partilha, este incorrerá no pagamento de 5.000,00€ a título de cláusula penal.
4. Por conseguinte, nesta situação, o credor, face ao que se estatui no art. 811º, nº 1 do Cód. Civil, pode se assim o desejar cumular o cumprimento retardado da obrigação com a cláusula penal moratória.
Deste modo, cremos não existir obstáculo à pretensão formulada pela autora no sentido da execução específica do contrato-promessa que celebrou com o réu, nos termos do art. 830º, nº 1 do Cód. Civil.
Aliás, em reforço deste entendimento, Pinto Monteiro (in ob. cit., pág. 696) escreve que “uma estipulação de uma cláusula penal não priva o credor de qualquer dos direitos que a ordem jurídica lhe faculta em ordem a reagir contra o inadimplemento do devedor.” E mais adiante acrescenta: “Entre os direitos que o credor continua a poder exercer, assume significado especial o de obter a condenação do devedor ao cumprimento. Se este se recusar a cumprir, a estipulação da cláusula penal não constitui, na verdade, obstáculo a que o credor possa requerer a sua condenação judicial…”[3]
Sucede que no caso “sub judice”, de acordo com o que temos vindo a explanar, se estipulou no ponto 7º do contrato-promessa de partilha cláusula penal de natureza moratória, a qual, por se destinar tão-só a ressarcir danos decorrentes do atraso no cumprimento, pode, por esse motivo, cumular-se com a realização específica da obrigação principal.[4]
Não se mostra, pois, inviabilizada a execução específica do contrato-promessa, que será assim de acolher, proferindo-se sentença que declare efetuada a partilha da fração autónoma identificada nos autos, adjudicando-a à autora pelo valor de 29.170,00€.
5. Simultaneamente, a autora terá direito à verba correspondente à cláusula penal moratória – 5.000,00€ -, a qual, todavia, perante o que se estatui nos arts. 847º e 848º do Cód. Civil e o que resulta da alínea m) dos factos provados, onde se reproduz o teor da carta junta a fls. 19v, deve ser considerada parcialmente compensada com a verba que o réu ainda tem a receber a título de tornas – 2.500,00€.
Com efeito, dispõe o art. 847º, nº 1 do Cód. Civil que «quando duas pessoas sejam reciprocamente credor e devedor, qualquer delas pode livrar-se da sua obrigação por meio de compensação com a obrigação do seu credor, verificados os seguintes requisitos:
a) Ser o seu crédito exigível judicialmente e não proceder contra ele exceção, perentória ou dilatória, de direito material;
b) Terem as duas por objeto coisas fungíveis da mesma espécie e qualidade
Acrescenta depois o seu nº 2 que «se as duas dívidas não forem de igual montante, pode dar-se a compensação na parte correspondente
E o art. 848º, nº 1 diz-nos que «a compensação se torna efetiva mediante declaração de uma das partes à outra
A nosso ver, não cabem dúvidas de que no caso presente se encontram reunidos os pressupostos necessários para que possa operar a compensação – existência de créditos recíprocos; fungibilidade das coisas objeto das prestações e identidade do seu género; exigibilidade do crédito que se pretende compensar[5] -, a que acresce ter a autora procedido, para a tornar efetiva, à respetiva declaração ao réu, nos termos do art. 848º, nº 1, conforme flui da carta, datada de 2.11.2016, junta a fls. 19v, cujo texto é o seguinte:
“Sendo V. Exa meu credor pela importância de eur. 2.500,00€, a título de remanescente de tornas devidas pela partilha da fracção autónoma sita na Rua ..., nº ..., 1º andar, no Porto, embora a obrigação apenas se vença no acto da partilha, mas, por outro lado, sendo eu credora de V. Exa pelo montante de eur. 5.000,00€, a título da cláusula penal fixada no contrato-promessa de partilha celebrado em 25 de Maio de 2016, devida pelo respectivo incumprimento[6], declaro os créditos recíprocos compensados, pelo que, com a outorga da partilha ou com sentença que a substitua, ficará V. Exa meu devedor pela quantia de eur. 2.500,00€.
Serve a presente para transmitir a declaração prevista no art. 848º do Código Civil e para fazer prova do facto.”
Por conseguinte, acolhendo-se a invocada compensação de créditos, há ainda que condenar o réu a pagar à autora a importância de 2.500,00€.
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Sumário (da responsabilidade do relator – art. 663º, nº 7 do Cód. do Proc. Civil):
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DECISÃO
Nos termos expostos, acordam os juízes que constituem este tribunal em julgar procedente o recurso de apelação interposto pela autora B... e, em consequência:
1. Revoga-se a sentença recorrida;
2. Substitui-se esta por outra que julga procedente a ação nos seguintes termos:
a. profere-se sentença que declara efetuada a partilha da fração autónoma identificada nos autos, adjudicando-se a mesma à autora pelo valor de 29.170,00€ (vinte e nove mil cento e setenta euros);
b. declaram-se compensados os créditos recíprocos da autora sobre o réu no montante de 5.000,00€ (cinco mil euros) e do réu sobre a autora no montante de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros);
c. declara-se que o réu já recebeu as tornas que são devidas no montante de 14.585,00€ (catorze mil quinhentos e oitenta e cinco euros);
d. condena-se o réu C... a pagar à autora a importância de 2.500,00€ (dois mil e quinhentos euros).
As custas da ação e do recurso serão, pelo seu decaimento, suportados pelo réu/recorrido, sem prejuízo de apoio judiciário.

Porto, 6.2.2018
Rodrigues Pires
Márcia Portela
Maria de Jesus Pereira
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[1] A numeração dos factos não provados é da responsabilidade do relator. [2] Cfr. também Galvão Telles, “Obrigações”, 6ª ed., pág. 448.
[3] Cfr. também Ac. Rel. Lisboa de 20.5.2008, proc. 3053/2008-7, disponível in www.dgsi.pt.
[4] Cfr. Ac. Rel. Porto de 10.3.2009, proc. 7523/07.9TBVNG.P1, disponível in www.dgsi.pt.
[5] Menezes Leitão, ob. cit., pág. 200.
[6] A expressão “incumprimento” aqui utilizada reporta-se não a incumprimento definitivo, mas sim a incumprimento no tempo fixado, tal como decorre da factualidade dada como assente nas alíneas g) a l).