Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
3052/21.6T8MAI-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALAEXANDRA PELAYO
Descritores: INJUNÇÃO
EXECUÇÃO
NULIDADE DO REQUERIMENTO EXECUTIVO
CAUSA DE PEDIR
Nº do Documento: RP202206213052/21.6T8MAI-A.P1
Data do Acordão: 06/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Com as alterações efetuadas pela Lei nº 117/2009 de 13.9 foi superada a inconstitucionalidade da norma do art. 857º, nº 1 do Cód. de Proc. Civil, deixando de ter razão de ser a jurisprudência constitucional que a declarara inconstitucional, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimento de injunção à qual fora aposta fórmula executória, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no art. 20º, nº 1 da Constituição da República.
II - A lei não dispensa o requerente de invocar no requerimento de injunção os factos jurídicos concretos que integram a respetiva causa de pedir, para que se compreenda o negócio que está na origem do litígio, apenas flexibilizando a sua narração em termos sucintos, sintéticos e breves.
III-Ocorre nulidade do processo de injunção, se o requerente, no requerimento de injunção se limita a invocar o incumprimento de um contrato de empreitada, remetendo os valores em dívida para os autos de medição que identifica.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 3052/21.6T8MAI-A.P1

Tribunal de origem: Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juízo de Execução da Maia - Juiz 1

SUMÁRIO:
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Acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação do Porto:

I-RELATÓRIO:
Em 14.7.2021, MASSA INSOLVENTE de J... UNIP., LDA instaurou execução para pagamento de quantia certa contra F..., LDA, para pagamento da quantia de €138.410,42, a que acrescem os juros e sanção pecuniária compulsória vincendos até efetivo e integral pagamento, alegando em suma que em virtude de contrato de empreitada celebrado entre a exequente e a executada ficaram em dívida quantias que foram peticionadas no requerimento injuntivo que serve de base à execução, do qual foi a executada citada, não deduzindo oposição, nem efetuando o devido pagamento, tendo sido aposta fórmula executória a 28 de junho de 2021.
Citada, veio a Executada deduzir Embargos de Executado, invocando a nulidade de todo o processo por ineptidão do requerimento de injunção e do requerimento executivo por inexistência de causa de pedir, concluindo pela absolvição do pedido.
Alegou a embargante, para tal e em síntese, que a exequente se limitou na injunção, a remeter o seu petitório para alegados autos de medição, sem que do texto injuntivo resulte a que trabalhos os mesmos se reportam, não tendo concretizado o conteúdo daqueles.
Alegou depois que dos autos não resulta identificado sequer um único e concreto exato trabalho executado pela exequente, e que dos alegados autos de medição não é possível aferir o que se encontra contratualizado e em que medida, o que supostamente foi executado e não pago, não resultando ainda a que título dos mesmos resulta ou possa resultar o direito a contabilização de juros.
Alegou de seguida que os autos de medição não são suscetíveis de constituir fundamento ou causa de pedir da pretensão deduzida, em virtude de o fundamento da causa de pedir estar no negócio/contrato celebrado.
Alegou depois que para que exista causa de pedir relevante, a mesma deverá estar fundamentada em documento contabilístico e fiscalmente relevante, como faturas.
Alegou de seguida que a exequente não realizou integralmente os trabalhos a que se propôs, que parte dos trabalhos, não obstante não realizados, foram pagos, que a exequente abandonou a obra, não concluindo os trabalhos a que se obrigara, e que a embargante resolveu o contrato de empreitada por carta registada remetida a 20 de Setembro de 2018.
Concluiu que a exequente não alegou factos que, com suficiência, traduzam a sua causa de pedir.
Notificada, a exequente pugnou pela improcedência dos embargos, alegando que em suma que a execução tem por base um requerimento de injunção ao qual foi conferida força executiva e que os fundamentos dos embargos, não são admissíveis em face da Lei 117/2019 de 13.9, que já se encontrava em vigor na data da injunção.
Alegou ainda que se encontra devidamente identificado no requerimento de injunção a existência de um contrato de empreitada entre as partes através do qual se visava a execução de trabalhos de remodelação e ampliação de um edifício onde a ora executada dispunha das suas instalações, seguindo-se, naturalmente, uma multiplicidade de serviços que jamais poderiam ser descritos num requerimento injuntivo e que resultam descriminados nos autos de medição, documento onde todos os trabalhos efetuados entre Junho de 2017 e Junho de 2018 pela ora exequente à executada se acham descritos, mais se identificando não existirem faturas em virtude de ter sido acordado entre as partes que as mesmas apenas seriam emitidas após os pagamentos dos montantes devidos.
Concluiu que foram alegados os elementos essenciais para que seja percecionado pela executada a causa de pedir, a existência dum contrato de empreitada, com serviços prestados pela exequente à executada e que esta última não pagou e que a executada demonstrou bem compreender o que está aqui em causa, reconhecendo desde logo nos artigos 25º e seguintes dos embargos a sua versão da relação tida, e que se tratou duma empreitada, conforme alegado pela exequente, e que a executada até afirma haver resolvido por carta remetida a 20 de Setembro de 2018.
Foi dispensada a audiência prévia, nos termos do disposto no art. 593º, nº 1, do Código de Processo Civil, tendo sido elaborado despacho saneador, onde se decidiu o seguinte:
“Pelo exposto:
- Julgo procedente a exceção dilatória da nulidade de todo o processo por ineptidão do requerimento de injunção e consequentemente do requerimento executivo e em consequência, absolvo a executada da instância executiva.
Custas pela exequente, nos termos do disposto no art. 527º, nºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, sem prejuízo do benefício do apoio judiciário de que goza.”
Inconformada, a Exequente MASSA INSOLVENTE de J... UNIP., LDA., interpôs o presente recurso de APELAÇÃO, tendo apresentado as seguintes conclusões:
“1. A Sentença proferida pelo Tribunal a quo padece, no nosso entendimento, de nulidade, em virtude de não se ter pronunciado relativamente à inadmissibilidade dos embargos no quadro legal em vigor, arguido em sede de Contestação,
2. Sendo a Sentença completamente omissa na resposta a tal questão padece de nulidade nos termos do artigo 668º., nº.1 alínea d) do CPC, que deverá ser decretada, com as legais consequências.
3. Ainda que assim não se entenda, cremos ser inadmissível, no quadro legal em vigor, decorrente da Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro, a apresentação dos presentes embargos de executado.
4. Tendo-se verificado uma alteração do Regime próprio das Injunções, bem assim como do Código de Processo Civil, precisamente em resposta das preocupações garantísticas expostas no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 264/2015, que não vigora neste novo quadro legal.
5. O facto de não haver sido oferecida resposta à injunção, pese embora a ora recorrida tenha dela sido devidamente notificada, importa, em regra, a preclusão do direito de vir ora apresentar embargos de executado, que, nessa medida serão inadmissíveis.
6. Considerando-se ser atendível a arguida ineptidão, importa recordar que nesta sede – de requerimento injuntivo – basta ao requerente invocar os factos jurídicos concretos que integram a respetiva causa de pedir, bastando-se com a alegação sucinta e não articulada dos factos, em termos de brevidade e concisão, conforme decorre dos termos do artigo 10.º, n.º 2, al. d), do regime anexo ao D.L. n.º 269/98, de 1 de setembro.
7. O que se verificou no requerimento de injunção foi precisamente a alegação desses factos essenciais, com a simplicidade imposta pelo meio processual utlizado, pois que veio identificado no requerimento de injunção a existência dum contrato de empreitada, que se indica ser datado de 1 de maio de 2016, entre as partes, através do qual se visava a execução de trabalhos de remodelação e ampliação dum edifício onde a ora executada dispunha das suas instalações.
8. Sendo impossível à recorrente vir indicar os precisos atos previstos nessa empreitada, que, pelo próprio montante da dívida, se depreende ser uma ampla obra de remodelação, com uma multiplicidade e variedade de serviços que foram sendo efetuados entre junho de 2017 e junho de 2018 e são devidamente descriminados nos autos de medição identificados pela então requerente e que apenas não foram juntos aos autos pela inadmissibilidade do meio processual, mas cuja transposição em sede de exposição de factos era impossível e inadequada ao meio processual.
9. Seguindo-se, naturalmente, uma multiplicidade de serviços que jamais poderiam ser descritos num requerimento injuntivo e que resultam descriminados nos autos de medição, documentos onde todos os trabalhos efetuados entre junho de 2017 e junho de 2018 pela ora insolvente à executada se acham descritos, documentos que apenas não foram inicialmente juntos ao processo em virtude da inadmissibilidade do meio processual utilizado, mais não sendo o seu teor transcrito por tal se revelar incompatível com uma sucinta exposição dos factos essenciais.
10. Efetivamente, foram alegados os elementos essenciais para que seja percecionado pela executada a causa de pedir, ou seja, a existência dum contrato de empreitada, com serviços de remodelação e ampliação das instalações da executada, prestados pela exequente, e que aquela não pagou, pelo que não se vislumbra existir qualquer ineptidão do requerimento inicial,
11. Que a executada bem entendeu, referindo-se à sua posição sobre o contrato celebrado com a recorrente, situação que sempre impunha que não fosse julgada procedente a ineptidão, pois, nos termos do artigo 186º. nº. 3 do CPC, Se o réu contestar, apesar de arguir a ineptidão com fundamento na alínea a) do número anterior, a arguição não é julgada procedente quando, ouvido o autor, se verificar que o réu interpretou convenientemente a petição inicial.
12. Face ao supra exposto, deverá ser revogada a decisão proferida em primeira instância e substituída por uma outra que indefira a arguida ineptidão e decida desde já os embargos, declarando-os improcedentes por inadmissíveis ao abrigo do quadro legal resultante da Lei n.º 117/2019, de 13 de setembro.
13. A Sentença recorrida violou por erro de interpretação e aplicação, designadamente, o disposto nos artigos 186º. do Código de Processo Civil, artigo 14º.A do Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro e 857º. do Código de Processo Civil na versão atualmente em vigor.
Nestes termos e nos melhores de Direito, deve o presente recurso ser procedente, revogando-se e alterando-se a Sentença a quo em conformidade, assim se fazendo Justiça.”
Não houve contra-alegações.
O Recurso foi admitido como Apelação, com subida imediata nos próprios autos e efeitos devolutivo.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.

II-OBJETO DO RECURSO
Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, as questões a dirimir, delimitadas pelas conclusões do recurso são as seguintes:
-nulidade da sentença:
-inadmissibilidade dos embargos de executado:
-se não se verifica a exceção dilatória

III-FUNDAMENTAÇÃO:
Dão-se aqui por reproduzidos os atos processuais mencionados supra no relatório.

IV-APLICAÇÃO DO DIREITO:
4.1 Da nulidade da sentença
Invoca a Apelante a nulidade da sentença, por omissão de pronúncia.
Os vícios determinantes da nulidade da sentença elencados no artigo 615º do CPC, correspondem a casos de irregularidades que afetam formalmente a sentença e provocam dúvidas sobre a sua autenticidade, como é a falta de assinatura do juiz, ou ininteligibilidade do discurso decisório por ausência total de explicação da razão por que decide de determinada maneira (falta de fundamentação), quer porque essa explicação conduz, logicamente, a resultado oposto do adotado (contradição entre os fundamentos e a decisão), ou uso ilegítimo do poder jurisdicional em virtude de pretender conhecer questões de que não podia conhecer (excesso de pronúncia) ou não tratar de questões de que deveria conhecer (omissão de pronúncia).
Ocorre “omissão de pronúncia” sempre que o juiz deixe de proferir decisão sobre questão que devesse conhecer (art. 615º nº 1 al d) do CPC).
Constitui jurisprudência pacífica[1] que não há que confundir questões colocadas pelas partes à decisão, com os argumentos ou razões, que estas esgrimem em ordem à decisão dessas questões neste ou naquele sentido. Questões submetidas à apreciação do tribunal identificam-se com os pedidos formulados, com a causa de pedir ou com as exceções invocadas, desde que não prejudicadas pela solução de mérito encontrada para o litígio.
Coisa diferente são os argumentos, as razões jurídicas alegadas pelas partes em defesa dos seus pontos de vista, que não constituem questões no sentido do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do C.P.C., daí que, se na sua apreciação de qualquer questão submetida ao conhecimento do julgador, este se não pronuncia sobre algum ou alguns dos argumentos invocados pelas partes, tal omissão não constitui qualquer nulidade da decisão por falta de pronúncia.
No caso em apreço, a questão da admissibilidade dos embargos, não se mostra omitida, pois o tribunal admitiu os embargos, (tacitamente), ao decidir como decidiu no saneador do mérito das questões nele suscitadas pelo Embargante.
O Tribunal a quo, ao proceder á apreciação dos fundamentos dos embargos, necessariamente entendeu aquela Oposição á Execução como admissível, não aderindo às razões de rejeição invocadas pela ora apelante, pelo que entendemos não ocorrer a nulidade invocada.
Coisa diversa é a discordância da Apelante, que a seguir apreciaremos, relativamente a tal decisão.
4.2. Da (in)admissibilidade dos Embargos
Defende a Apelante que o Tribunal deveria ter rejeitado os embargos de executado, porquanto os mesmos são inadmissíveis, tendo em consideração as alterações introduzidas pela Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro no Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, as quais reforçaram as garantias associadas á notificação do requerido, possibilitando uma melhor convencia com a eficácia preclusiva da omissão de oposição á injunção, que é reforçada pela alteração legal em causa.
Vejamos se assim é.
Como escreveu Lebre de Freitas[2] «a oposição por embargos de executado, constituindo, do ponto de vista estrutural, algo extrínseco à ação executiva, toma o carácter de uma contra-acção tendente a obstar à produção dos efeitos do título executivo e (ou) da ação que nele se baseia».
Ou seja, a oposição á execução ou os embargos de executado são o meio de oposição idóneo à alegação dos factos que em processo declarativo constituiriam matéria de exceção [3] e tem como finalidade única a de impedir os efeitos do título executivo [4].
Os embargos á execução baseada em outro título que não a sentença podem fundar-se em qualquer causa que fosse lícito deduzir como defesa no processo de declaração, como dispõe o art, 731º do C.P.C.
Compreende-se que assim seja, porque tal como refere Lebre de Freitas, “o executado não teve ocasião de, em ação declarativa própria, se defender amplamente da pretensão do exequente. Pode pois o executado alegar nos embargos matéria de impugnação e de exceção.
As dúvidas surgiram relativamente á injunção, como providência destinada a conferir força executiva ao requerimento destinado a obter o cumprimento efetivo de obrigações pecuniárias decorrentes de contrato cujo valor não excedesse metade do valor da alçada do tribunal de 1.ª instância, que foi instituída pelo Decreto-Lei n.º 404/93, de 10 de Dezembro.
Prevendo-se que, na falta de oposição do requerido, o secretário judicial do tribunal aporia fórmula executória no requerimento de execução, este diploma não continha qualquer disposição específica quanto às execuções fundadas nesse título, se bem que no respetivo preâmbulo esclarecia-se que: “A aposição da fórmula executória, não constituindo, de modo algum, um ato jurisdicional, permite indubitavelmente ao devedor defender-se em futura ação executiva, com a mesma amplitude com que o pode fazer no processo de declaração, nos termos do disposto no artigo 815.º do Código de Processo Civil.”
Esse regime foi substituído pelo instituído pelo Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de Setembro, que aprovou o regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, com as alterações introduzidas, pelos DL 383/99 de 23.9; 183/2000 de 10.8; 323/2001 de 17.12 e principalmente, pelo DL n.º107/2005, de 1.07, pelo DL n.º303/2007 de 24.08 e mais recentemente pela Lei 117/2018 de 3.9.
O âmbito da defesa que o executado podia apresentar na execução fundada em injunção, colocava-se já em data anterior á redação dada pela Lei 41/2013, discutindo-se se a oposição apenas podia basear-se nos fundamentos especificados no n.º 1 do art.º 814.º do CPC ou se, para além deles, podiam ser alegados quaisquer outros que pudessem ser invocados no processo de declaração, ao abrigo do art.º 816.º do mesmo Código, estes na redação dada pelo DL 226/2008 de 20 de Novembro e até mesmo em data anterior á entrada em vigor deste diploma legal, por via interpretativa das normas anteriormente vigentes.[5]
O Tribunal Constitucional, nos acórdãos nº 264/2015 de 15.5[6] e nº 99/2019 de 12.2.2019[7] decidiu declarar a inconstitucionalidade com força obrigatória geral da norma constante do art. 857º nº 1 do C.P.C., quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição á execução instaurada com base em requerimento de injunção á qual foi aposta a formula executória, por violação do princípio da proibição da indefesa consagrado no art. 20º da CRP.
Através da recente Lei 117/2018 de 13.9, “o legislador tomou finalmente em mãos a tarefa de uniformizar soluções de índole adjetiva entre o regime jurídico do procedimento de injunção nacional e o procedimento europeu de injunção de pagamento.” [8]
No que ora nos interessa, o artigo 7.º Lei n.º 117/2019, de 13 de Setembro veio aditar ao regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, o artigo 14.º-A, com a seguinte redação:
“Efeito cominatório da falta de dedução da oposição
1 - Se o requerido, pessoalmente notificado por alguma das formas previstas nos n.os 2 a 5 do artigo 225.º do Código de Processo Civil e devidamente advertido do efeito cominatório estabelecido no presente artigo, não deduzir oposição, ficam precludidos os meios de defesa que nela poderiam ter sido invocados, sem prejuízo do disposto no número seguinte.
2 - A preclusão prevista no número anterior não abrange:
a) A alegação do uso indevido do procedimento de injunção ou da ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso;
b) A alegação dos fundamentos de embargos de executado enumerados no artigo 729.º do Código de Processo Civil, que sejam compatíveis com o procedimento de injunção;
c) A invocação da existência de cláusulas contratuais gerais ilegais ou abusivas;
d) Qualquer exceção perentória que teria sido possível invocar na oposição e de que o tribunal possa conhecer oficiosamente.”
E alterou a redação do nº 1 do art. 857º do CPC, que passou a ser a seguinte:
“1. Se a execução se fundar em requerimento de injunção ao qual tenha sido aposta fórmula executória, para além dos fundamentos previstos no artigo 729.º, aplicados com as devidas adaptações, podem invocar-se nos embargos os meios de defesa que não devam considerar-se precludidos, nos termos do artigo 14.º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, na sua redação atual.”.
Com as alterações legislativas efetuadas pela Lei 117/19 no Código de Processo Civil e no DL 269/98, foi superada a inconstitucionalidade da norma do artigo 857.º, n.º 1 do CPC, deixando de ter razão de ser a anterior jurisprudência constitucional com força obrigatória geral acima citada.[9]
A preclusão
No nº 2 da alínea a) está contemplada a “ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso”.
Nos presentes autos o Embargante invocou nos embargos foi a nulidade da injunção por falta de causa de pedir.
O n.º 3 do art. 857º do CPC na redação anterior aplicável, previa já como fundamento de oposição à execução, que podiam ser invocados fora da situação de justo impedimento a ocorrência de forma evidente, no procedimento de injunção, de exceções dilatórias de conhecimento oficioso.
O atual 857º nº 1 ao remeter para o art. 14º-A do regime dos procedimentos para cumprimento de obrigações pecuniárias emergentes de contratos de valor não superior à alçada do tribunal de 1.ª Instância, aprovado em anexo ao Decreto-Lei n.º 269/98, de 1 de setembro, nomeadamente para o nº 2 al a), exclui a preclusão em caso de “ocorrência de outras exceções dilatórias de conhecimento oficioso”, que não carecem já de ser de ocorrência de forma evidente.
No caso dos autos, o procedimento de injunção iniciou-se após a data da entrada em vigor da Lei 117/19, pelo que têm aqui aplicação a nova redação do artigo 13.º, n.º 1, al. c) e o artigo 14.º-A do Regime anexo ao DL 269/98, bem como a nova redação do artigo 857.º, n.º 1 do CPC, introduzidas por aquela Lei.
Do exposto resulta que, tal como o tribunal a quo entender, a Oposição é Execução é admissível.
4.3 Da verificação da exceção dilatória.
Diz a Apelante que não deve ser atendida a arguida ineptidão, porquanto e desde logo, em sede de requerimento injuntivo basta ao requerente invocar os factos jurídicos concretos que integram a respetiva causa de pedir, bastando-se com a alegação sucinta e não articulada dos factos, em termos de brevidade e concisão, conforme decorre dos termos do artigo 10.º, n.º 2, al. d), do regime anexo ao D.L. n.º 269/98, de 1 de setembro.
E o que se verificou no requerimento de injunção foi precisamente a alegação desses factos essenciais, com a simplicidade imposta pelo meio processual utlizado, pois que veio identificado no requerimento de injunção a existência dum contrato de empreitada, que se indica ser datado de 1 de maio de 2016, entre as partes, através do qual se visava a execução de trabalhos de remodelação e ampliação dum edifício onde a ora executada dispunha das suas instalações.
Que a multiplicidade de serviços executados no âmbito da empreitada jamais poderiam ser descritos num requerimento injuntivo e que foram por isso alegados os elementos essenciais para que seja percecionado pela executada a causa de pedir, ou seja, a existência dum contrato de empreitada, com serviços de remodelação e ampliação das instalações da executada, prestados pela exequente, e que aquela não pagou, pelo que não se vislumbra existir qualquer ineptidão do requerimento inicial.
Acresce que a executada bem entendeu, referindo-se à sua posição sobre o contrato celebrado com a recorrente, situação que sempre impunha que não fosse julgada procedente a ineptidão, pois, nos termos do artigo 186º. nº. 3 do CPC.
Vejamos.
A ação executiva que visa a realização efetiva, por meios coercivos, do direito violado, tem por suporte um título que constitui a matriz ou limite quantitativo e qualitativo da prestação a que se reporta.
Dispõe o art. 10º nº 5 do C.P.C. que “toda a execução tem por base um título, pelo qual se determinam o fim e os limites da ação executiva”.
O título executivo é, em termos substanciais, um instrumento legal de demonstração da existência do direito exequendo e a sua exequibilidade resulta da relativa certeza ou da suficiência da probabilidade da existência da obrigação nele consubstanciada.[10]
É necessário que o título permita certificar a existência da obrigação que se constituiu entre as partes, pois só assim representa o facto jurídico constitutivo do crédito e que deve emergir do próprio título.[11]
O título executivo em causa é constituído por um requerimento de injunção ao qual foi aposta fórmula executória.
O procedimento de injunção constitui um mecanismo célere e simplificado com vista á adequada obtenção de um título executivo, tendo sido criado com o objetivo de descongestionar os tribunais, nomeadamente da litigiosidade cível de baixo valor.
O requerimento de injunção que tem de ser formulado em modelo aprovado pelo Ministério da Justiça, nos termos do art. 10º do DL n.º 209/98, de 01.09, obriga o requerente a expor sucintamente os factos que fundamentam a pretensão, nos termos da al. b) do citado artigo.
Mas, tal como defende Salvador da Costa,[12] a lei não “dispensa de invocar no requerimento de injunção os factos jurídicos concretos que integram a respetiva causa de pedir, para que se compreenda, incluindo o requerido, o negócio que está na origem do litígio, certo que a lei só flexibiliza a sua narração em termos sucintos, sintéticos e breves”.
Ora, nas ações baseadas em contratos, como neste caso concreto, em que para mais se discute um contrato de empreitada, contrato esse que habitualmente suscita questões complexas, a causa de pedir é constituída pela celebração de certo contrato gerador de direitos, competindo ao autor alegar, no espaço disponível do requerimento, os factos materiais indispensáveis à integração dos factos jurídicos ajustados à pretensão deduzida, ou seja, as cláusulas essenciais definidoras do negócio celebrado.
“No mínimo, deve indicar-se a causa do direito de crédito, designadamente a estrutura do contrato e as prestações que envolveram a sua execução, não bastando a mera menção de faturas. (…) Como a pretensão do requerente só é suscetível de derivar de um contrato ou de uma pluralidade de contratos, a causa de pedir, embora sintética, não pode deixar de envolver o conteúdo das respetivas declarações negociais e os factos negativos ou positivos reveladores do seu incumprimento por parte do requerido. A indicação das faturas não corresponde à alegação da origem do crédito, certo que esta se traduz no contrato, que deve ser identificado quanto aos aspetos de tempo, espaço e objeto, tal como a obrigação o deve ser no que concerne ao valor e à data do vencimento”[13]
No caso em apreço, como se pode ler na sentença: “(…) conforme resulta dos autos, na exposição dos factos contante do requerimento de injunção, a exequente alegou genericamente que a ora executada lhe solicitou a execução de trabalhos de ampliação e remodelação de um imóvel, tendo-se limitado a remeter para os autos de medição aos quais atribuiu datas de emissão, atribuindo ainda a cada um dos referidos autos de medição determinado valor, contabilizando ainda juros de mora a partir da respetiva data de emissão.
Deste modo, compulsada a exposição de factos constantes do requerimento de injunção, é de concluir que a exequente não alegou nenhum concreto facto relativamente ao tipo de trabalhos que tivesse sido contratado e realizado pela mesma na execução do invocado contrato de empreitada outorgado com a executada, nem os valores respetivos.
Na verdade, não constitui qualquer facto concreto a referência genérica a “trabalhos de ampliação e remodelação de um imóvel”, pois que tal referência genérica nada concretiza em relação ao tipo de obra ou trabalho contratado.
Na verdade, que tipo de trabalho ou obra foram contratados e realizados pela exequente e qual o preço respetivo, e que tipo de trabalho contempla cada auto de medição?(…)”
O art.º 552.º, n.º 1, alínea d), que “Na petição, com que propõe a ação, deve o autor: (…) Expor os factos essenciais que constituem a causa de pedir e as razões de direito que servem de fundamento à ação.”
Manuel de Andrade define a causa de pedir como “ato ou facto jurídico (contrato, testamento, facto ilícito, etc..) donde o Autor pretende ter derivado o direito a tutelar; o ato ou facto jurídico que ele aduz como título aquisitivo desse direito.”[14]
Abrantes Geraldes,[15] (mais recentemente) identifica a causa de pedir como os “factos essenciais que se inserem na previsão abstrata da norma ou normas jurídicas definidoras do direito cuja tutela jurisdicional se busca através do processo civil”.
Relativamente á norma em apreço, refere ainda Paulo Pimenta [16],o seguinte: “(…) é de salientar que a formulação deste normativo assenta na dicotomia entre das grandes categorias de factos: os essenciais, isto é, aqueles de cuja verificação depende a procedência das pretensões deduzidas, e os instrumentais, ou seja, aqueles que permitem a prova indiciária dos factos essenciais.” Acrescenta, mais à frente, que “Já os factos complementares e os factos concretizadores, embora também integrem a causa de pedir ou a exceção, não têm uma função individualizadora, pelo que a omissão da respetiva alegação não é passível de gerar ineptidão da petição inicial (ou nulidade da exceção).”
Consequentemente, ao referir-se no art.º 186.º do CPC que é nulo todo o processo quando – entre o mais – “falte ou seja ininteligível a indicação do pedido ou da causa de pedir” (cf. art.º 186.º, n.º 1 e 2, alínea a), do CP Civil), pretende-se referir, no que a esta respeita, aos factos essenciais da causa de pedir.
Da leitura dos factos invocados na injunção, apesar de termos presente a limitação de espaço que o requerente dispõe, não se mostram alegados os factos essenciais da causa de pedir complexa invocada, nomeadamente quanto aos contornos do contrato de empreitada celebrado, tal como entendeu o Tribunal a quo.
A mera remessa para os valores constantes dos “autos de medição” indicados, com a alegação de que foi incumprido o contrato de empreitada, não tendo sido alegados os factos que integram os elementos constitutivos do contrato de empreitada celebrado, implica o vício da ineptidão do requerimento injuntivo, vício que é do conhecimento oficioso do tribunal (artigos 576º nº 2, 577º alínea b) e 595º nº 1 alínea a) do Código de Processo Civil), podendo fundamentar a Oposição á Execução baseada em requerimento de injunção, com a consequente extinção da execução nos termos do art. 732º nº 4 do CPC.
Não obstante a defesa ora apresentada pela embargante, na petição inicial, que alegou genericamente que a exequente não realizou integralmente os trabalhos a que se propôs, que parte dos trabalhos, não obstante não terem sido realizados, foram pagos, que a exequente abandonou a obra, não concluindo os trabalhos a que se obrigara, e que a embargante resolveu o contrato de empreitada por carta registada remetida a 20 de Setembro de 2018, tal não significa que tivesse cabalmente compreendido o requerimento injuntivo.
Ocorre assim a nulidade do título executivo, por ineptidão do requerimento de injunção, com a consequente extinção da execução.

V-DECISÃO
Pelo exposto e em conclusão, acordam os Juízes que compõem este Tribunal da Relação em julgar improcedente o recurso e em confirmar a decisão recorrida.
Custas pela Apelante.

Porto, 21.6.2022
Alexandra Pelayo
Fernando Vilares Ferreira
Maria Eiró
______________
[1] Ver entre outros, o Ac acórdão do STJ, de 2011.02.08, disponível in www.dgsi.pt.
[2] in A Acão Executiva, Coimbra Editora, 1993, pg. 162.
[3] ibidem, pg. 164.
[4] J. P. Remédios Marques, Curso de Processo Executivo Comum, pg.151.
[5] Esta discussão, culminou no âmbito do C.P.C anterior com o Acórdão nº 388/2013 do Tribunal Constitucional publicado do DR I série de 24.9.2013, que decidiu: “o Tribunal Constitucional declara, com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 814.º, nº 2 do Código de Processo Civil (CPC), na redação do Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20 de novembro, quando interpretada no sentido de limitar os fundamentos de oposição à execução instaurada com base em requerimentos de injunção à qual foi aposta a fórmula executória, por violação do princípio da proibição da indefesa, consagrado no artigo 20º, nº 1 da Constituição”.
[6] Publicado do DR 1ª serie nº 110 de 8 de Junho de 2015.
[7] Publicado no DR 1ª série nº 52 de 14 de Março de 2019.
[8] Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo in A Ação Executiva Anotada e comentada, 3ª edição, pg. 614.
[9] Neste sentido o acórdãos da Relação do Porto de 18 de novembro no processo 20212918/20.5T8LOU-A.P1, disponível in www.dgsi.pt. Ver também Virgínio da Costa Ribeiro e Sérgio Rebelo, ob cit. em nota de rodapé, pg. 613.
[10] C. Mendes, Lições de Processo Civil, 69170 e Manuel de Andrade, Noções Elementares, pág. 60.
[11] Alberto dos Reis, Processo de Execução, I, pág. 125).
[12] in A Injunção e as Conexas Ação e Execução, 6ª Edição, 2008, p. 209
[13] Salvador da Costa, op. cit., p. 209 e 210
[14] In Noções Elementares de Processo Civil, 1993, Coimbra Editora, pág. 322
[15] In Temas da Reforma do Processo Civil, I Volume, 1999, Almedina, pág. 193 e ss.
[16] In “Ónus de alegação e de impugnação das partes e poderes de cognição do tribunal” in II Colóquio de Processo Civil de Santo Tirso, 2016, Almedina, pág. 93.