Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
607/09.0PPPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ARTUR OLIVEIRA
Descritores: VIOLÊNCIA DOMÉSTICA
PROCESSO URGENTE
PRAZOS
DIREITO DE DEFESA
Nº do Documento: RP20110316607/09.0PPPRT.P1
Data do Acordão: 03/16/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL.
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: Em processo por crime de violação doméstica não viola o direito de defesa do arguido o art. 28º da Lei nº 112/2009, interpretado, conjugadamente com os arts. 103º, nº 2, e 104º, nº 2, do Código de Processo Penal, no sentido de que não se suspende em férias o prazo de apresentação da contestação.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: O TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO – SECÇÃO CRIMINAL (QUARTA)
- no processo n.º 607/09.0PPPRT.P1
- com os juízes Artur Oliveira [relator] e José Piedade,
- após conferência, profere, em 16 Março de 2011, o seguinte
Acórdão
I - RELATÓRIO
1. No processo comum (tribunal singular) n.º 607/09.0PPPRT, da 3ª Secção, 2º Juízo Criminal do Tribunal Criminal da Comarca do Porto, em que é assistente e demandante civil B… e é arguido e demandado civil C…, foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos [fls. 495]:
«(…) Pelo exposto, o Tribunal julga procedentes, por provados, a acusação e parcialmente o pedido de indemnização civil, em função do que:
a) Condena o arguido C…, pela prática, como autor material, de um crime de VIOLÊNCIA DOMESTICA a cônjuge, p. e p. pelo art. 152°, n° 1 al. A) 4 e 5 do Código Penal, na pena de 2 (DOIS) ANOS de prisão, cuja execução se suspende pelo período por dois anos, a que acresce as penas acessórias de obrigação de afastamento da residência, isto é da casa morada de família identificada em a) e ainda de proibição de contacto com a assistente, durante tal período, nos termos do n° 4 e 5 do art. 152°, do Código Penal, suspensão da pena principal que ficará ainda condicionada a REGIME DE PROVA assente em plano individual de readaptação social, executado com apoio e vigilância dos serviços de reinserção social, nos termos do art. 53° do Código Penal.
b) Condena o demandado/arguido, C… a pagar à demandante, B…, o valor de € 1.500 (mil e quinhentos euros), acrescida de juros à taxa legal desde a notificação do pedido até efectivo e integral pagamento, absolvendo-o do restante peticionado.
(…)»
2. Antes de iniciada a audiência de julgamento, foi proferido o seguinte despacho [fls. 338]:
“(…) Fls. 331 e segs- Não admito a contestação apresentada por B…, por ser extemporânea já que apresentada após o decurso do prazo prevenido no art. 315. do CPP o qual em concreto, corre em férias uma vez que o processo tem carácter urgente, nos termos do art. 28*. da Lei n°112/09, de 16.09.
Assim determino que se desentranha a contestação e devolva ao apresentante ficando cópia anexa à contra-capa.
(…)”

Inconformado, o arguido recorre de ambos [despacho e sentença], extraindo da respectiva motivação as seguintes conclusões:
1 - Recurso do despacho de não admissão da contestação [fls. 347-349]:
“1 - VEM O PRESENTE RECURSO INTERPOSTO DO ALIÁS DOUTO DESPACHO PROFERIDO EM 15/09/2010, CONSTANTE DE FLS.., QUE, ALÉM DO MAIS, DECIDIU NÃO ADMITIR A CONTESTAÇÃO APRESENTADA PELO ORA RECORRENTE, POR "SER EXTEMPORÂNEA JÁ QUE APRESENTADA APÓS O DECURSO DO PRAZO PREVENIDO NO ART.315, DO CPP O QUAL EM CONCRETO, CORRE EM FÉRIAS UMA VEZ QUE O PROCESSO TEM CARÁCTER URGENTE, NOS TERMOS DO ART.280, DA LEI 112/09, DE 16.09."(SIC)
2 - FENECE-LHE, PORÉM, A RAZÃO.
3 - AO PROFERIR O ALUDIDO DESPACHO, DA FORMA E COM O CONTEÚDO COM O QUE FEZ, NÃO SÓ IGNOROU A DIMENSÃO PROCEDIMENTAL DA TUTELA DE UM DIREITO FUNDAMENTAL (DEFESA DO ARGUIDO), COMO A OPORTUNIDADE E PRÁTICA DO ACTO PROCESSUAL EM ANÁLISE (APRESENTAÇÃO CONTESTAÇÃO) EM NADA CONTENDE COM A CELERIDADE OU COM OS "DIREITOS DA VÍTIMA" DOS PRESENTES AUTOS;
4 - TUDO SE TRADUZINDO NUMA ERRADA (E INCONSTITUCIONAL) INTERPRETAÇÃO DOS PRECEITOS ANTERIORMENTE CITADOS, V.G. ART° 315°, 103°, 104°, TODOS DO C.P.P, E AINDA ART°28°, DA LEI 112/09, DE 16/09, POR VIOLAÇÃO V.G. DOS ART°S 32° IN FINE, 20° N°5, DA C.R.P. - O QUE SE INVOCA PARA TODOS OS EFEITOS LEGAIS
5 - O PRAZO PARA A PRÁTICA DO ACTO PROCESSUAL EM QUESTÃO (APRESENTAÇÃO CONTESTAÇÃO / DEFESA DO ARGUIDO), NÃO CONSTA DO ELENCO DOS ACTOS EXCEPCIONADOS E CONSTANTES DOS ARTIGOS 103°N°.2 E 104°N02, DO C.P.P. - O QUE SE INVOCA PARA TODOS OS EFEITOS LEGAIS.
6 - RAZÃO PELA QUAL DEVE A CONTESTAÇÃO SER CONSIDERADA APRESENTADA DENTRO DO PRAZO LEGAL, E ASSIM SER ADMITIDA.
NESTES TERMOS E NOS MAIS DE DIREITO APLICÁVEL, SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V.EXAS, SE DEVE CONCEDER PROVIMENTO AO PRESENTE RECURSO, COM TODAS AS CONSEQUÊNCIAS LEGAIS, SUBSTITUINDO-SE O DOUTO DESPACHO RECORRIDO POR OUTRO QUE JULGUE NO SENTIDO DEFENDIDO PELO ORA RECORRENTE, POIS SÓ ASSIM SE FARÁ JUSTIÇA.
(…)”

2 - Recurso da sentença [fls. 548-552]:
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4. Na resposta, o Ministério Público refuta, de forma rigorosa e desenvolvida, todos os argumentos dos os recursos, pugnando pela manutenção do ora decidido [fls. 378-382 e 560-570].
5. Neste Tribunal da Relação, o Exmo. Procurador-geral Adjunto emitiu parecer que, no que se refere ao recurso da sentença, vai no sentido de ser negado provimento ao mesmo [fls. 583-584].
6. Corre termos, nesta secção, o recurso (em separado) relativo ao despacho que julgou não justificada a falta do arguido à sessão da audiência de julgamento do dia 18 de outubro de 2010, período da manhã.
7. Colhidos os vistos, realizou-se a conferência.
8. A sentença recorrida deu como provados e não provados os seguintes factos, seguidos da respectiva motivação [fls. 478-486]:
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II – FUNDAMENTAÇÃO
9. Face às conclusões apresentadas, que delimitam o objecto do recurso, importa decidir as seguintes questões:
1 - Recurso do despacho que ordenou o desentranhamento da contestação:
● Violação do direito de defesa do arguido;
2 – Recurso da sentença:
● Vícios previstos pelo artigo 410.º, n.º 2, do CPP;
● Violação do princípio in dubio pro reo;
● Impugnação da decisão proferida sobre matéria de facto;
● Medida da pena.

Recurso do despacho que ordenou o desentranhamento da contestação
10. Diz o recorrente que o despacho recorrido violou o seu direito de defesa ao considerar que o prazo para apresentação da contestação corre em férias, impedindo-o de praticar um ato que “em nada contende com a celeridade ou com os ‘direitos da vítima’ dos presentes autos” [conclusão 3.].
11. Não tem razão. O despacho recorrido invoca o disposto no artigo 28.º, da Lei n.º Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro [regime jurídico aplicável à prevenção da violência doméstica e à protecção e à assistência das suas vítimas] onde, sob a epígrafe “Celeridade processual”, se estabelece:
"1 - Os processos por crime de violência doméstica têm natureza urgente, ainda que não haja arguidos presos.
2 - A natureza urgente dos processos por crime de violência doméstica implica a aplicação do regime previsto no n.º 2 do artigo 103.º do Código de Processo Penal." [sublinhado nosso]
12. Assim, a natureza urgente atribuída aos processos por crime de violência doméstica implica que os prazos processuais corram durante os fins-de-semana, férias e feriados para todos os sujeitos e intervenientes processuais e para a secretaria, mesmo que não hajam arguidos presos (como no caso presente). É o que decorre do disposto no artigo 103.º, n.º 2 – cujo âmbito de aplicação é extensivo aos crimes de violência doméstica por remissão expressa daquela norma – conjugado com o artigo 104.º, n.º 2, ambos do CPP.
13. Assim se tem pronunciado esta Relação [ver AcRP de 19/1/2011 (Eduarda Lobo) e decisão de Reclamação de 07/06/2010 (Vice-Pres. Élia São Pedro)] e o Supremo Tribunal de Justiça [v.g. AcSTJ de 29/1/2007 (Cons. Sousa Fonte)] — este realçando que tal interpretação tem sido julgada conforme pelo Tribunal Constitucional, designadamente por se entender que não viola os princípios da igualdade e das garantias de defesa [“(…) como o atestam os Acs. n.ºs 213/93, de 16-03-1993, Proc. n.º 404/91 - 2.ª, 47/95, de 02-02-1995, Proc. n.º 125/94 (onde se refere o anterior e o n.º 384/93) e 353/97, de 30-04-1997, Proc. n.º 127/97 - 2.ª (onde se referem os Acs. n.ºs 566/94 e 47/95” – todos disponíveis em www.dgsi.pt].
14. Compreende-se que assim seja. Desde logo, pela necessidade de acautelar a defesa de valores constitucionalmente relevantes como a celeridade e eficiência do sistema penal, a liberdade do arguido, o interesse punitivo do Estado e, particularmente no caso presente, a integridade moral e física da vítima de violência doméstica, assim como a sua segurança e tranquilidade. A Lei não retira ao arguido o direito praticar atos processuais em sua defesa: limita-se a, perante circunstâncias muito específicas e como forma de compatibilizar a tutela efetiva de diversos direitos e liberdades individuais, estabelecer uma regra própria de contagem de prazos que, ao contrário da regra geral [artigo 103.º, n.º 1, do CPP], não prevê a suspensão no período de férias judiciais.
15. Lembramos o que não pode ser ignorado: que os casos de violência doméstica atingem inquietantes índices de intensidade, gravidade e frequência. A benéfica visibilidade que, ultimamente, sobre eles tem recaído incitou o legislador a abranger os processos por crime de violência doméstica no regime excepcional de contagem de prazos de atos processuais — regime que, avisadamente, o recorrente observou, por exemplo, na interposição dos recursos seguintes.
16. Assim, no respeito das normas de contagem de prazos estabelecidas para o processo [de “natureza urgente”] conclui-se que a contestação apresentada pelo recorrente deu entrada em juízo muito para além do prazo fixado [artigos 315.º, n.º 1, 104.º, n.º 2, 103.º, n.º 2, do CPP e 28.º, n.º 1 e 2, da Lei n.º 112/2009, de 16 de Setembro]. Com o que improcedem as razões invocadas pelo recorrente.
Recurso da sentença
Vícios previstos pelo artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal [CPP].
17. O recorrente começa por referir, sem qualquer concretização consistente, que a sentença “padece” de insuficiência para a decisão da matéria de facto provada e de contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão [conclusões 5 e 6]. Trata-se, de todo o modo, de matéria de conhecimento oficioso [Acórdão n.º 7/95, do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995].
18. Mas não tem razão. O vício da insuficiência para a decisão da matéria de facto provada, previsto pela alínea a) do n.º 2 do artigo 410.º, do CPP, tem de resultar do texto da decisão recorrida, por si ou conjugada com as regras da experiência e traduz-se em uma exiguidade [insuficiência] dos factos provados para as conclusões jurídicas que deles se extraem: verifica-se quando a solução de direito, seja ela condenatória ou absolutória, não tem suporte seguro e bastante nos elementos de facto dados como provados [v.g., AcRP de 24.2.2010, de 23.9.209 e de 10.12.2003; e AcSTJ de 22-04-2004, in CJ–STJ, Ano XII, tomo II, pp. 166-167].
19. Por seu lado, a contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão prevista pela alínea b) da mesma disposição, pressupõe que do texto da decisão resulte evidente uma notória divergência entre duas ou mais premissas da fundamentação [“(…) quando, de acordo com um raciocínio lógico na base do texto da decisão, por si ou conjugado com as regras da experiência comum, seja de concluir que a fundamentação justifica decisão oposta, ou não justifica a decisão, ou torna-a fundamentalmente insuficiente, por contradição insanável entre os factos provados, entre os factos provados e não provados, entre uns e outros e a indicação e a análise dos meios de prova fundamentos da convicção do Tribunal” – AcSTJ de 13 de Outubro de 1999, CJ–STJ, Ano VII, Tomo III, p. 184; e AcRP de 24.2.2010, 3.2.2010, de 26.6.2002].
20. Ora, nem um nem outro se evidencia no texto da sentença recorrida – que se apresenta coerente, plausível e justificado à luz de detalhada fundamentação: por um lado, os factos descritos bastam-se para a decisão proferida; por outro lado, articulam-se entre si sem qualquer antinomia e a descrição da motivação não colide com eles, apresentando-se de forma consistente e coerente com as regras da experiência comum [artigo 127.º. do CPP].
21. Também não descortinamos outros vícios susceptíveis de atingir a validade da matéria de facto dada como provada [alínea c) do n.º 2 do citado artigo 410.º], nem detectamos a inobservância de requisitos cominados sob pena de nulidade que não deva considerar-se sanada [n.º 3]. Assim, para efeitos do presente recurso, deve-se considerar assente a matéria de facto constante da decisão recorrida.
22. Com o que improcede este primeiro fundamento do recurso.
Violação do princípio in dubio pro reo
23. De forma igualmente superficial, o recorrente invoca a violação deste princípio. Também aqui a jurisprudência se tem apresentado uniforme e constante: o princípio in dubio pro reo pressupõe que após a produção e a apreciação dos meios de prova relevantes, o julgador se defronte com a existência de uma dúvida razoável sobre a verificação dos factos e, perante ela, decida “contra” o arguido. Não se trata de uma dúvida hipotética, abstrata ou de uma mera hipótese sugerida pela apreciação da prova feita pelo recorrente, mas de uma dúvida assumida pelo próprio julgador: só haverá violação do princípio in dubio pro reo se for manifesto que o julgador, perante uma dúvida relevante, decidiu contra o arguido, acolhendo a versão que o desfavorece [Ac. STJ de 15-07-2008, Processo n.º 1787/08 - 5.ª Secção: “I - A invocação do princípio in dubio pro reo só tem razão de ser se, depois do tribunal a quo reconhecer ter caído num estado de dúvida, contornasse um non licet decidindo-se, sem mais, no sentido mais desfavorável para o arguido. Mas já não assim se, depois de ultrapassadas as dúvidas que o pudessem ter assaltado, perfilhasse uma determinada convicção e decidisse coerentemente” – in Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça - Secções Criminais, disponível em www.stj.pt; e AcRP de 17.11.2010, de 2.12.2009, de 9.9.2009 e de 11.1.2006].
24. Ora, a decisão impugnada não revela, em momento algum, que o tribunal recorrido tenha experimentado uma hesitação ou indecisão em relação a qualquer facto. Bem pelo contrário, afirma convictamente a matéria dada como provada. Com o que improcede mais este fundamento do recurso.
Impugnação da decisão sobre matéria de facto
25. O recorrente impugna a decisão de dar como provados os factos constantes das alíneas c) a k), n), o), p), r) e t). Pretende que os factos sejam dados como não provados. Para o efeito, transcreve excertos das declarações da assistente B… e das testemunhas D…, E… e F….
26. Se bem entendemos a alegação do recorrente, mais do que negar a existência das agressões o que ele procura é “minimizá-las” realçando factos que, em seu entender, comprovam situações de “provocação, levadas a cabo pela ofendida” susceptíveis de integrar “legítima defesa” [fls. 527, 529 e 532]. E concretiza:
- relativamente à agressão perpetrada no dia 30 de Abril de 2009, o facto da ofendida ter confrontado o arguido com a indicação (fornecida por um cunhado) de que ele havia dado Xanax à sogra (mãe da assistente), atitude que, desprezando “o estado de saúde e a personalidade” do arguido, “foi directa, necessária e adequada a gerar um possível estado psicológico de fúria e susceptível de justificar as expressões imediatas e incontidas por parte do arguido” [sic - fls. 529];
- relativamente à ameaça do dia 15 de Maio, o facto da assistente ter retirado o bilhete de identidade ao arguido, para evitar que este levantasse dinheiro no Banco e o gastasse no consumo de bebidas alcoólicas – “provocação” que, no entender do recorrente, “foi directa, necessária e adequada a gerar um possível estado psicológico de fúria e susceptível de justificar as expressões imediatas e incontidas por parte do arguido” [sic – fls. 532];
- relativamente à ameaça com faca do dia 29 de Maio de 2009, o facto da assistente ter “chamada à atenção do marido” (hora tardia de chegada a casa?) – comportamento que, no entender do recorrente, “provocou a (eventual) reacção do arguido – o que se invoca para todos os efeitos legais” [sic – fls. 533];
- relativamente à injúria do dia 15 de Julho, o “signatário ficou com a ideia (…) de que nada tivesse ocorrido que justificasse a intervenção policial” [sic – fls. 535];
- relativamente às injúrias e ameaças do dia 21 de Julho de 2009, porque, na sequência da chamada telefónica dando conta que o arguido estava em casa e dizia que quando ela chegasse a matava, a assistente ter chamado a polícia antes de entrar em casa – o Tribunal “novamente esteve mal na ‘livre apreciação’ que fez de tais factos o que contraria a verdade e realidade dos factos nem resulta, tão pouco, da sua análise crítica e conjugada da prova documental e testemunhal – o que se invoca para todos os efeitos legais” [sic - fls. 536-537].
27. Deste repositório de argumentos logo se percebe a falta de alcance da impugnação formulada. Digamos que ela está em linha com a perceção que o arguido tem do que deve ser a “vida a dois”. Vejam-se os Factos Provados, onde se acolhem afirmações pessoais como estas: "O mais importante para as crianças é que a família permaneça unida, mesmo quando há violência no casal"; "É a ideia de as mulheres quererem tantos direitos como os homens que causa problemas entre o casal"; “A preocupação com a situação das mulheres que são maltratadas no casamento só serve para separar famílias"; "Os homens batem nas mulheres apenas quando «estão de cabeça perdida», por algum problema nas suas vidas ou por alguma coisa que elas fizerem"; "Se as mulheres se portarem como boas esposas não serão maltratadas"; "Uma parceira infiel merece ser maltratada"; "Se a minha parceira me insulta, tenho razões para a agredir"; "Algumas mulheres merecem que lhes batam"; "Um homem tem o direito de castigar a mulher se ela faltar ao respeito no cumprimento dos seus deveres conjugais"; "Em casos de violência conjugal, a polícia deve apenas tentar acalmar os ânimos e reconciliar o casal"; "A violência conjugal é um assunto privado, deve ser resolvido em casa"; e "Os insultos são normais entre um casal" [supra pág. 13].
28. A impugnação está, de facto, em linha com o pensamento do arguido, mas em desconformidade com o Direito. E o mesmo se diga dos restantes pontos: com a sua própria avaliação dos factos, o recorrente questiona a convicção do Tribunal expressa em termos coerentes e razoáveis na motivação [Ac.RP de 1.10.2008].
29. Ou seja: as circunstâncias relatadas não configuram casos de exclusão da ilicitude dos factos ou da culpa do arguido, mormente por actuação em legítima defesa [art. 31.º e 33.º, do CP]; nem têm a relevância necessária para imporem uma decisão diversa da recorrida, designadamente, a de absolvição do arguido [art. 412.º, n.º 3, alínea b), do CPP]. Com o que improcede este fundamento do recurso.
Medida da pena
30. Por fim, o recorrente insurge-se contra a pena aplicada que reputa “desajustada e desproporcionada”. Alega, designadamente, que não foram ponderadas as “provocações” feitas pela assistente e o “estado de saúde do arguido” [fls. 547].
31. Não tem razão: a sentença recorrida dá indicação de ter valorado todas as circunstâncias dos factos e, em especial, o quadro clínico do arguido [fls. 491].
32. Como se sabe, a intervenção correctiva do tribunal superior no que diz respeito à medida da pena aplicada só se justifica quando o processo da sua determinação revelar que foram violadas as regras da experiência ou a quantificação se mostrar desproporcionada [Figueiredo Dias, Direito Penal Português, Parte Geral, II - As Consequências Jurídicas do Crime, §§ 254 e 255].
33. Tal não é o caso dos autos. Na verdade, se tivermos em consideração a acentuada ilicitude dos factos decorrente dos diversos tipos de bens jurídicos violados, a reiteração dos comportamentos, a falta de sentido crítico sobre a sua atuação, os antecedentes criminais conhecidos e as especiais exigências de prevenção expressas na necessidade de tutela dos concretos bens jurídicos violados indo ao encontro das expectativas da comunidade na manutenção (se não mesmo no reforço) da vigência de tais normas [artigo 71.º, n.º 1 e 2, do Código Penal] — facilmente concluímos que a pena aplicada não se mostra desproporcionada nem merece censura por ser excessiva.
34. O mesmo se diga das penas acessórias de afastamento da residência [casa de morada da família] e de proibição de contacto com a vítima. Como a sentença refere, a personalidade do arguido e o risco de violência e até de homicídio conjugal determinado pelas perturbações relacionadas com o consumo de álcool, assim como o espetro de violência generalizada, a ameaça do uso de armas, a extensão e reiteração dos ocorrências de violência e a presença de comportamentos obsessivos não só justificam, como impõem, a aplicação das referidas penas acessórias [art. 152.º, n.º 4 e 5, do CP].
35. O impacto dos números deste tipo de criminalidade e a gravidade de certos atos facilitados pela proximidade do agressor em relação à vítima, justificam uma abordagem punitiva alargada [“um tratamento holístico – transversal e integrado” nas palavras da exposição de motivos do III Plano Nacional Contra a Violência Doméstica (2007-2009)] que procure garantir não só a segurança, a tranquilidade e o restabelecimento da vítima mas, também, a recuperação física e psicológica do agressor, através de adequado tratamento e acompanhamento médicos.
36. Com o que improcede mais este fundamento e com ele todo o recurso.
37. O pedido de realização de nova perícia sobre a personalidade do arguido e, agora também, da ofendida estava dependente da procedência do recurso relativo ao não recebimento da contestação – pressuposto que, como vimos, não se cumpriu. Fica, assim, prejudicado o conhecimento de tal questão.
A responsabilidade pela taxa de justiça
Uma vez que o arguido decaiu totalmente no recurso que interpôs é responsável pelo pagamento da taxa de justiça [artigos 513.º, do CPP], cujo valor é fixado entre 3 e 6 UC [Tabela III, anexa ao Regulamento das Custas Processuais]. Tendo em conta a complexidade da causa julga-se adequado fixar essa taxa em 4 [quatro] UC.

III – DISPOSITIVO
Pelo exposto, os Juízes acordam em:
● Negar provimento a ambos os recursos interposto pelo recorrente C…, mantendo o despacho e a sentença recorridos.
[Elaborado e revisto pelo relator – em grafia conforme ao Acordo Ortográfico de 1990]

Porto, 16 de Março de 2011
Artur Manuel da Silva Oliveira
José Joaquim Aniceto Piedade