Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
626/07.1TTVFR-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: DOMINGOS MORAIS
Descritores: ACIDENTE DE TRABALHO
INCIDENTE
REVISÃO DA INCAPACIDADE
APLICAÇÃO DA LEI
FACTOR 1.5
CASO JULGADO
Nº do Documento: RP20181108626/07.1TTVFR-A.P1
Data do Acordão: 11/08/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: NÃO PROVIDO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º284, FLS.352-367)
Área Temática: .
Sumário: I - A alínea c) do n.º1 do artigo 6.º do DL n.º352/2007, de 23.10, aplica-se nos incidentes de revisão da incapacidade ou da pensão, prevista no artigo 25.º - Revisão das Prestações - da Lei n.º100/99, de 13.09, e regulada nos artigos 145.º e segs. do CPT, apresentados a partir de 2008.01.01.
II - Atento o teor do ponto 5), alínea a) da TNI, os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados com uma multiplicação pelo factor 1.5, se a vítima tiver 50 anos ou mais.
III - Não tendo o sinistrado beneficiado da aplicação do factor de bonificação 1.5, na fase contenciosa do processo, apesar de já ter completado 50 anos à data do acidente, no âmbito do incidente de revisão da incapacidade impõe-se ao tribunal a excepção, nominada, do caso julgado, quanto à aplicação desse factor.
IV - Diferente seria se a omissão de aplicação do factor 1.5 se verificasse na fase conciliatória do processo no âmbito de uma transacção das partes.
V - A excepção de caso julgado apenas se verifica quando a decisão anterior haja decidido do mérito da causa, o que não sucede quando a primeira acção foi composta por acordo das partes (transacção): nela, a sentença incidente sobre a transacção, não conhece do mérito ou substância da causa, sendo a sua função, apenas a de fiscalizar a regularidade e validade do acordo.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 626/07.1TTVFR-A.P1
Origem: Comarca Aveiro.S.M.Feira. Juízo Trabalho J2
Relator - Domingos Morais – registo 777
Adjuntos: Paula Leal de Carvalho
Rui Penha

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
I. – Relatório
1. - B…, sinistrado, deduziu incidente de revisão da incapacidade (artigos 145.º e ss. CPT) contra C…, S.A., com fundamento na modificação da capacidade de ganho, por agravamento da lesão sofrida no acidente de trabalho, da qual resultara uma IPP de 04%, fixada por sentença de 2010.10.27 na fase contenciosa do processo. E, posteriormente, alterada para 06% por decisão de 2013.09.26, no âmbito de anterior incidente de revisão da incapacidade – cf. fls. 64 a 68 dos autos.
2. - Por despacho de 2015.09.03, foi determinado que se procedesse a exame de revisão, tendo o respectivo perito médico considerado que o sinistrado se encontrava afectada de uma IPP de 15%, por aplicação do factor 1,5 (10% x 1,5), a que alude o ponto 5. das instruções gerais da tabela nacional de incapacidades (TNI), aprovada pela Lei n.º 341/93, de 30.09.
3. - A pedido, o IEFP emitiu parecer datado de 2016.11.23.
4. - Requerida e realizada perícia por junta médica, em 2017.10.10, foi mantida a IPP inicial de 06%.
5. - Foi proferida decisão no incidente de revisão, datada de 2018.02.18, nos seguintes termos:
Por todo o exposto, julgo improcedente o pedido de revisão de incapacidade, mantendo a IPP de 6% já fixada ao sinistrado nos autos, considerando inexistir fundamento fáctico ou legal para atribuição de IPATH ou para atribuição do factor de bonificação em razão da sua idade ser superior a 50 anos.
Custas pelo sinistrado, ficando o pagamento dos encargos a cargo da Ré seguradora, nos termos do artigo 17°, n° 8. do RCP.”.
6. - O sinistrado/requerente, inconformado, interpôs recurso de apelação,
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8. – O Ministério Público, junto deste Tribunal, emitiu parecer no sentido da procedência do recurso.
9. - Corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
II.Fundamentação de facto
1. - Na sentença recorrida foram consignados os seguintes factos provados:
“1. - À data de 10.10.2017, o sinistrado apresenta o seguinte exame físico: atrofia da coxa esquerda de cerca de 4cm, sem instabilidades, sem rigidez e apresenta dor na realização das provas meniscais;
2. - Não apresenta défice da extensão do joelho (15°), nem valgo atrófico à esquerda de 10º.
3. - O sinistrado apresentou-se no exame com marcha normal, sem apoio nem claudicação;
4. - O sinistrado refere dores ao nível do joelho esquerdo, agravadas pelos esforços;
5. - O sinistrado exercia as funções de bate-chapas, executando tarefas inerentes a essa função, nomeadamente, desrebita as peças em chapa, desamolga-as a maneio e “encontrador”, aplica peças novas, estica as peças tortas amolgadas com recurso a esticadores, levanta e movimenta peças a força de braços, procede a trabalhos de soldadura e operações de polimento para a preparação das peças para posterior pintura;
6. - Na execução de tais tarefas, por vezes, o sinistrado tinha de se pôr de cócoras (posição agachada) e de joelhos, e dc inclinar o tronco sob o peso das peças ou para as levantar ou aplicar e de manter em esforço os braços esticados e estar de pé, exercendo força.
7. - As limitações que o sinistrado apresenta e supra descritas, pela sua natureza e extensão, não são impeditivas da sua atividade profissional, embora o limitem no exercício da sua profissão, na exata medida da IPP que lhe foi atribuída por unanimidade pelos senhores peritos médicos de 6°%.
8. - O sinistrado tem mais de 50 anos de idade e nunca beneficiou da aplicação do factor de bonificação 1,5 em razão desse facto.”.
2. - Da motivação:
Face à fundamentação unânime dos Srs. Peritos que intervieram em sede de junta médica, concluímos não estar demonstrada qualquer modificação da capacidade de ganho do sinistrado, não se verificando os pressupostos necessários à revisão da incapacidade.
Com efeito, inexiste qualquer motivo fundado para discordar da fundamentação unânime dos senhores peritos no sentido de que não há qualquer agravamento do quadro sequelar do sinistrado e que, por isso, se mantém a IPP anteriormente atribuída de 6% (por referência ao ponto 12.l.3.b), do capítulo 1 da TNI, onde se enquadram as sequelas de meniscectomia, com sequelas e sintomas articulares moderados: dor e hipotrofia muscular superior a 2 cm), o que face à natureza e extensão das sequelas descritas se nos afigura adequado e correto.
Por todo o exposto, concluímos não estar demonstrada qualquer modificação da capacidade de ganho do sinistrado, não se verificando os pressupostos necessários à revisão da incapacidade.”.
3. - Aditam-se ainda os seguintes factos, com interesse para a decisão:
9. - O autor/sinistrado nasceu em 28 de maio de 1954.
10. – O acidente de trabalho descrito nos autos ocorreu em 6 de julho de 2005.
11. – O sinistrado teve alta médica em 20 de novembro de 2006.
11. - Por sentença de 2010.10.27, na fase contenciosa do processo principal, foi fixada a IPP de 04%.
12. – Em anterior incidente de revisão da incapacidade, a IPP foi alterada para 06% por decisão de 2013.09.26.
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2. - Objecto do recurso:
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- A aplicação do factor 1.5 à IPP atribuída, em função da idade do sinistrado.
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6. - Da aplicação do factor 1.5 à IPP de 0,06%.
6.1.Questão prévia: legislação aplicável.
6.1.1. – Resultando dos autos que o acidente de trabalho ocorreu no dia 2005.07.06, aplicando-se ao caso, o estatuído na Lei n.º 100/99, de 13.09, em vigor à data do acidente. [Revogada pela Lei n.º 98/2009, de 4.09, em vigor desde 2010.01.01, e aplicável aos acidentes de trabalho, ocorridos após essa data.].
Em 2005.07.06, vigorava a Tabela Nacional de Incapacidades, aprovada pela Lei n.º 341/93, de 30.09, a qual foi revogada pelo DL n.º 352/2007, de 23 de Outubro, em vigor desde 2008.01.01 – cf. artigo 7.º.
E o seu artigo 6.º - Norma de aplicação no tempo - estatui:
1 - As tabelas aprovadas pelo presente decreto-lei aplicam-se respectivamente:
a) Aos acidentes de trabalho ocorridos após a sua entrada em vigor;
b) Às doenças profissionais (…);
c) A todas as peritagens de danos corporais efectuadas após a sua entrada em vigor.”.
A questão que se coloca é a de saber se a alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º do DL n.º 352/2007, de 23.10, se aplica, ou não, nos incidentes de revisão da incapacidade ou da pensão, prevista no artigo 25.º - Revisão das prestações – da Lei n.º 100/99, de 13.09, e regulada nos artigos 145.º e segs. do CPT, apresentados a partir de 2008.01.01.
Esta mesma questão já foi decidida, nesta Secção Social, no acórdão de 2016.04.18, proferido no Processo n.º 722/06.2TTVFR.2.P1, no sentido da aplicação da alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º do DL n.º 352/2007, de 23.10.
Com respeito, discordamos de tal entendimento, pelas razões que expusemos no acórdão de 2017.01.30, proferido no proc. n.º 79/2007.4TTAVR.2.P1, e que aqui transcrevemos:
3.2.Resenha histórica.
Em toda a legislação que conhecemos (admitindo que possa haver mais) sobre acidentes de trabalho, a regra tem sido a da nova lei se aplicar, apenas, aos acidentes de trabalho ocorridos após a sua entrada em vigor.
Senão, vejamos:
A) - Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965:
- BASE LI (disposição revogatória) - “1. Esta lei entra em vigor com o decreto que a regulamentar e será aplicável:
a) Quanto aos acidentes de trabalho, aos que ocorrerem após aquela entrada em vigor”.
- O Decreto n.º 360/71, de 21 de Agosto, apenas estabeleceu regime transitório para a remição das pensões – cf. artigo 85.º - e não também para os incidentes de revisão da incapacidade ou da pensão.
B) - Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro:
- Artigo 41.º - Produção de efeitos -:
“1- Esta lei produz efeitos à data da entrada em vigor do decreto-lei que a regulamentar e será aplicável:
a) Aos acidentes de trabalho que ocorrerem após aquela entrada em vigor;
2- O diploma regulamentar referido no número anterior estabelecerá o regime transitório, a aplicar:
a) À remição de pensões em pagamento, à data da sua entrada em vigor, e que digam respeito a incapacidades permanentes inferiores a 30% ou a pensões vitalícias de reduzido montante e às remições previstas no artigo 33.º, n.º 2;
b) Ao fundo existente no âmbito previsto no artigo 39.º.
3- A presente lei será regulamentada no prazo máximo de 180 dias a contar da sua publicação.”.
- O Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, apenas estabeleceu regime transitório para a remição das pensões - cf. artigo 74.º - e não também para os incidentes de revisão da incapacidade ou da pensão.
C) - Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro:
Artigo 187.º - Norma de aplicação no tempo -:
“1 - O disposto no capítulo ii aplica-se a acidentes de trabalho ocorridos após a entrada em vigor da presente lei.”.
D) – O DL n.º 341/93, de 30 de Setembro, que publicou a Tabela Nacional de Incapacidades por acidentes de trabalho, estipulava no artigo 4.º: “A Tabela aprovada pelo presente diploma aplica-se aos acidentes ocorridos e às doenças profissionais manifestadas após a sua entrada em vigor.”.
3.3.Novas tabelas
Pela 1.ª vez, o legislador publicou, num só diploma, “duas tabelas de avaliação de incapacidades, uma destinada a proteger os trabalhadores no domínio particular da sua actividade como tal, isto é, no âmbito do direito laboral, e outra direccionada para a reparação do dano em direito civil.”, como é assumido no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 352/2007, de 23 de Outubro, isto é, a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais e Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil.
No mesmo preâmbulo, o legislador assume ainda que “a avaliação médico-legal do dano corporal, isto é, de alterações na integridade psico-física constitui matéria de particular importância, mas também de assinalável complexidade. (…).
Complexidade que resulta também da circunstância de serem necessariamente diferentes os parâmetros de dano a avaliar consoante o domínio do direito em que essa avaliação se processa, face aos distintos princípios jurídicos que os caracterizam. Assim sucede nomeadamente em termos das incapacidades a avaliar e valorizar. No direito laboral, por exemplo, está em causa a avaliação da incapacidade de trabalho resultante de acidente de trabalho ou doença profissional que determina perda da capacidade de ganho, enquanto que no âmbito do direito civil, e face ao princípio da reparação integral do dano nele vigente, se deve valorizar percentualmente a incapacidade permanente em geral, isto é, a incapacidade para os actos e gestos correntes do dia-a-dia, assinalando depois e suplementarmente o seu reflexo em termos da actividade profissional específica do examinando.”. (negritos nossos).
Mas a diferença não está só na existência de duas tabelas, mas também na terminologia utilizada nos dois ramos do direito: laboral e civil.
Na verdade, “dano corporal” é uma expressão, essencialmente, “civilista”, ao passo que, no âmbito dos acidentes de trabalho, a terminologia é “lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho” – cf. artigo 6.º da Lei n.º 100/97, de 30.09 – ou “prejuízo funcional” – cf. Instruções gerais, da Tabela nacional de incapacidades por acidentes de trabalho ou doenças profissionais.
Aliás, tanto o Decreto n.º 360/71, de 21.08, como o DL n.º 143/99, de 30 de Abril, dedicavam o artigo 2.º à “terminologia”, contendo a alínea b) deste último: ““lesão”: lesão, perturbação funcional ou doença, consequente a acidente de trabalho”.
De resto, em nenhuma das restantes alíneas daqueles artigos 2.º é contemplada a expressão “dano corporal”.
O artigo 9.º (Interpretação da lei) do Código Civil, dispõe:
1. A interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada.
3. Na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados.”.
Ora, do supra exposto, facilmente se concluiu, atento o elemento histórico - evolução da regulamentação legal sobre a matéria -; o elemento sistemáticoas leis interpretam-se umas às outras – e o elemento literalsentido dos termos e sua correlação -, que o teor da alínea c) do n.º 1 do artigo 6.º do DL n.º 352/2007, de 23.10, não se aplica aos incidentes de revisão da incapacidade ou da pensão, porque inseridos na lei dos acidentes de trabalho, cujo regime expresso de aplicação no tempo é o estatuído na alínea a), do n.º 1, do artigo 6.º, do citado DL n.º 352/2007, de 23.10: “As tabelas aprovadas pelo presente decreto-lei aplicam-se aos acidentes de trabalho ocorridos após a sua entrada em vigor.”. “Tout court”.
6.2.O caso dos autos – factor 1.5
6.2.1. - Sobre a aplicação do factor 1.5, previsto no ponto 5. das instruções gerais da tabela nacional de incapacidades (TNI), publicada pela Lei n.º 341/93, de 30.09, já se pronunciou esta Secção Social em várias das suas vertentes, incluindo a que é suscitada nos presentes autos.
[cf., por exemplo, acórdãos de 01.02.2016, processo n.º 975/08.1TTPNF.P1 – relatado pela Desemb. Fernanda Soares; de 11.09.2017, procº nº 706/11.9TTVFR.P1 – relatado pela Desemb. Paula Leal de Carvalho) e de proc. n.º 326/2008.5TTVNG.P1 – relatado pelo relator destes autos].
O mencionado ponto 5., alínea a), estatuía:
5 - Na determinação do valor final da incapacidade devem ser observadas as seguintes normas, para além e sem prejuízo das que são específicas de cada capítulo ou número:
a) Sempre que se verifique perda ou diminuição de função inerente ou imprescindível ao desempenho do posto de trabalho que ocupava com carácter permanente, os coeficientes de incapacidade previstos são bonificados com uma multiplicação pelo factor 1,5, se a vítima não for reconvertível em relação ao posto de trabalho ou tiver 50 anos ou mais. (negrito nosso).
O sinistrado/recorrente, nascido a 28 de maio de 1954, tinha, à data do acidente (2005.07.06), 51 anos de idade e, à data da alta (2006.11.20), contava, já, com 52 anos de idade.
Apesar dessa idade, o sinistrado nunca beneficiou da aplicação do factor de bonificação 1.5, como resulta dos factos provados.
Se no acórdão de 01.02.2016, processo n.º 975/08.1TTPNF.P1, o sinistrado tinha apenas 49 de idade à data do acidente, no processo n.º 326/2008.5TTVNG.P1 o sinistrado já tinha 53 anos de idade.
Neste último acórdão escrevemos:
“O recorrente nascido a 1953.11.12, à data do acidente (2007.02.27) tinha 53 anos de idade e à data da alta (2008.02.14) contava, já, com 54 anos de idade.
Apesar do disposto na instrução supra citada, o tribunal recorrido proferiu despacho homologatório de transacção, em que as partes acordaram o grau de incapacidade de que sofria o sinistrado, desconsiderando o fator, nela determinado.
Tendo tal despacho transitado em julgado, a decisão, ora sob censura, entendeu que a força do caso julgado vedava a sua aplicação no presente incidente, consignando, a tal propósito, que «reunindo o sinistrado, à data da alta, as condições jurídicas para lhe ser aplicado o fator de bonificação 1,5, não lhe tendo esse fator, contudo, sido aplicado, (…) aplicar o fator de bonificação ao sinistrado em sede de incidente este incidente – modificação na capacidade de ganho do sinistrado – estaríamos a utilizar este incidente como forma de suprir o erro de julgamento de que padece o despacho homologatório da transação de fls. 374 a 375, o que manifestamente redundaria numa violação frontal e indiscutível do caso julgado que cobre aquele despacho homologatório», escudando-se no entendimento do acórdão do Tribunal de Relação de Lisboa de 2013.05.22, Processo 183/03.8TTBRR.1.L1-4, Alda Martins, (relatora), disponível in www.itij.pt.
Nele se consignou que “tendo o sinistrado 51 anos à data da alta e 59 anos à data em que apresentou o requerimento de revisão das prestações, preenchia o requisito da idade até aos 55 anos para lhe ser reconhecido na sentença o factor de bonificação previsto no 4.º parágrafo das “Condições prévias” do ponto “B) Aparelho genital masculino” do Capítulo XII da Tabela Nacional de Incapacidades e Doenças Profissionais, aprovada pelo DL n.º 341/93, de 30 de Setembro, mas não o detinha mais para efeitos de ser considerado na decisão do incidente de revisão.
Assim, se entre os momentos da prolação da sentença e da decisão de revisão ocorrer alteração da idade do sinistrado que a torne relevante para efeitos de aplicação de algum factor de bonificação, quando antes não o era, deve o mesmo ser tido em conta, assim como, na hipótese inversa, deve deixar de ser considerado”.
Isto porque, continua o aresto em questão, «Trata-se, afinal, da concretização, em matéria de prestações decorrentes de acidente de trabalho, do princípio constante do art. 671.º do Código de Processo Civil, segundo o qual, em termos básicos, transitada em julgado a sentença que decida do mérito da causa, a decisão sobre a relação material controvertida fica a ter força obrigatória dentro do processo e fora dele, embora, se o réu tiver sido condenado a satisfazer prestações dependentes de circunstâncias especiais quanto à sua medida ou à sua duração, pode a sentença ser alterada desde que se modifiquem as circunstâncias que determinaram a condenação».
O caso julgado – regulado nos artigos 619.º a 625.º do CPC - visa, essencialmente, “obstar à contradição prática” entre duas decisões – “decisões contraditórias concretamente incompatíveis” –, ou seja, que o tribunal decida de modo diverso sobre o direito, situação ou posição jurídica concreta, já definida por decisão anterior, isto é, desconheça de todo ou em parte os bens por ela reconhecidos e tutelados”.
Trata-se de um corolário, do conhecido princípio dos praxistas, enunciado na fórmula latina tantum judicatum quantum disputatum vel disputari debebat, taxativamente consagrado no artigo 621.º do CPC, nos termos do qual a sentença constitui caso julgado nos precisos termos e limites em que julga: e os limites dentro dos quais opera a força do caso julgado são traçados pelos elementos identificadores da relação ou situação jurídica substancial definida pela sentença, a saber, os sujeitos, o pedido e a causa de pedir.
Quanto ao seu fundamento, ele reside em imperativos de certeza e segurança jurídica e na necessidade de salvaguardar o prestígio dos tribunais, os quais se desenvolvem numa dupla vertente: uma vertente negativa (excepção do caso julgado) e uma vertente positiva (autoridade do caso julgado).
A função negativa do caso julgado é exercida através da excepção dilatória do caso julgado, a qual tem por fim evitar a repetição de causas (artigo 580.º n.ºs 1 e 2 do CPC), implicando a tríplice identidade a que se reporta o artigo 581.º, n.º 1 do CPC, a saber, os sujeitos, o pedido e a causa de pedir.
Por via dela, o caso julgado material pode mesmo produzir efeitos num processo distinto daquele em que foi proferida a sentença transitada, aí valendo como excepção de caso julgado.
a autoridade do caso julgado, por via da qual é exercida a sua função positiva, pode funcionar independentemente da verificação da aludida tríplice identidade, pressupondo, todavia, a decisão de determinada questão que não pode voltar a ser discutida.
Como se refere no acórdão do Supremo tribunal de Justiça, de 2014.06.18, «A autoridade de caso julgado é um conceito que tem sido usado para extrair efeitos de uma sentença em determinadas situações em que não se verifica a conjugação dos três elementos de identidade: sujeitos, pedido e causa de pedir”.
Ainda assim, Manuel de Andrade excluía da eficácia externa do caso julgado os terceiros interessados, isto é os terceiros relativamente aos quais a sentença determina um “prejuízo jurídico, invalidando a própria existência ou reduzindo o conteúdo do seu direito”, exclusão ainda mais absoluta tratando-se de “terceiros que são sujeitos de uma relação ou posição jurídica independente e incompatível” (Noções Elementares de Processo Civil, págs. 311 e 312).
Noutros casos a afirmação da “autoridade de caso julgado” é usada para atribuir relevo não apenas ao segmento decisório, mas também aos fundamentos da decisão ou aos pressupostos de que o Tribunal necessariamente partiu para a afirmação do resultado declarado.
Tal pode ocorrer, segundo Teixeira de Sousa, quando os “fundamentos de facto, considerados em si mesmos (e, portanto desligados da respectiva decisão), adquirem valor de caso julgado”, o que sucede quando “haja que respeitar e observar certas conexões entre o objecto decidido e outro objecto”, mencionando uma diversidade de arestos que têm relevado para o efeito as questões que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da sentença. Ainda assim, acrescenta o mesmo autor, “a extensão de caso julgado a relações de prejudicialidade ou sinalagmáticas apenas se pode verificar quando no processo em que a decisão foi proferida forem concedidas, pelo menos, as mesmas garantias às partes que lhe são concedidas no processo em que é invocado o valor vinculativo daqueles fundamentos” (Estudos Sobre o Novo Processo Civil, 2ª ed., págs. 580 e 581). Acresce que todos os exemplos apresentados acerca dos efeitos da sentença relativamente a terceiros (efeitos directos ou efeitos reflexos) não encontram qualquer paralelo com a concreta situação dos autos.
O cuidado com que é tratada a eficácia externa do caso julgado também é bem visível em Antunes Varela que, depois de abordar a problemática dos efeitos da sentença relativamente a terceiros juridicamente indiferentes, acrescentou, relativamente aos terceiros titulares de uma relação jurídica incompatível com a litigada, que “nenhuma razão há, de acordo com o espírito da norma que prescreve a eficácia relativa do caso julgado, para impor a sentença ao terceiro, titular da posição incompatível com a declarada na sentença transitada” (Manual de Processo Civil, 2ª ed. pág. 727). Nas demais situações cobertas pelas regras gerais, a invocação da “autoridade de caso julgado” formado num processo não pode conduzir a que se produzam na esfera de terceiros efeitos com que este não poderia contar, pelo facto de emergirem de um processo em que não teve qualquer intervenção»[1].
Admitindo-se que sejam abrangidos pelo caso julgado os fundamentos lógico-jurídicos que constituam antecedente lógico indispensável da parte dispositiva da decisão, supõe, sempre, que a mesma seja concretamente proferida, ou seja, que haja uma decisão de mérito sobre o fundo da causa.
E esse pressuposto não se verifica no caso em apreço, já que a primeira acção não foi decidida por sentença – foi composta por acordo das partes.
Não se ignora que sobre a transacção judicial tem de incidir – como ali aconteceu – uma sentença do tribunal, sem o que o acto de vontade das partes não produz efeito.
Mas essa sentença não conhece do mérito ou substância da causa – a sua função é apenas a de fiscalizar a regularidade e validade do acordo.
Assim, como acentua o Prof. Alberto dos Reis, “a verdadeira fonte da solução do litígio é o acto de vontade das partes e não a sentença do juiz”[2].
Para concluir que a excepção de caso julgado apenas se verifica quando a decisão anterior haja decidido do mérito da causa, o que não sucede quando a primeira acção foi composta por acordo das partes (transacção): nela a sentença incidente sobre a transacção não conhece do mérito ou substância da causa, sendo a sua função, apenas a de fiscalizar a regularidade e validade do acordo.
Pelo que, ao tribunal recorrido não se impunha a excepção, nominada, do caso julgado.
Assim, como não se impunha a excepção, inominada, de transacção.
A transacção, ainda que não integre o elenco das excepções expressamente referidas no artigo 577.º do CPC, configura uma excepção dilatória, em sentido impróprio[3], por obstar à apreciação do mérito da ação.
Segundo – também aqui – o que a propósito se consignou no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2008.07.03[4], e citando Alberto dos Reis, «opondo a excepção de transacção, o réu alega essencialmente o seguinte: a questão ou causa, objecto da acção, foi arrumada e resolvida pela transacção entre as partes (e…) pretendeu dar cabal resposta ao litígio, resolvendo-o de forma definitiva», ou, não o fazendo, não veda o seu conhecimento pelo tribunal.
Ora, da transacção efectuada nos autos, não resulta que as partes hajam fixado o grau de incapacidade para o futuro, matéria que, além do mais, lhes estaria vedada por se inserir no campo dos direitos indisponíveis, não podendo ser vedado o seu conhecimento pelo tribunal – artigo 74.º do CPT.
Por outro lado, como refere o acórdão da Relação de Lisboa, de 2012.05.30, «o factor de bonificação de 1,5 previsto na alínea a) da 5.ª Instrução Geral da TNI deve ser ponderado e aplicado desde que se mostrem verificados os requisitos legalmente previstos para o efeito, não estando a sua posterior atribuição em incidente de revisão dependente da circunstância de, no momento da fixação originária da desvalorização ao sinistrado, já o mesmo ter sido considerado e reconhecido»[5].
Para concluir, que ao sinistrado/recorrente deveria ter sido fixada a incapacidade de 87,30% (58,20% x 1,5), com IPATH.”.
6.2.2. - No caso em apreço, a situação é diferente, pois, apesar do sinistrado já ter mais de 50 anos de idade à data do acidente e da alta médica, as partes não se conciliaram na fase conciliatória do processo.
Na verdade, tendo o processo principal entrado na fase contenciosa, por via de requerimento para perícia por junta médica – cf. artigo 117.º, n.º 1, al. b) do CPT) -, foi proferida decisão sobre o mérito (em 2010.10.27), que fixou a natureza e o grau de incapacidade para o futuro – cf. artigo 140.º, n.º 1 do CPT -, sem que a mesma tenha sido objecto de recurso.
E, posteriormente, em anterior incidente de revisão da incapacidade, a IPP foi alterada para 06% por despacho de 2013.09.26, por “agravamento de 2%” – cf. artigo 145.º, n.º 6, do CPT -, também não objecto de recurso.
Assim sendo, neste segundo incidente de revisão da incapacidade, por maioria de razão, impunha-se ao tribunal recorrido a excepção, nominada, do caso julgado, quanto à aplicação do factor 1.5.
IV – A decisão
Atento o exposto, acordam os juízes que compõem esta Secção Social do Tribunal da Relação do Porto julgar o recurso improcedente e, consequentemente, manter a decisão recorrida.
Custas a cargo do recorrente.

Porto, 2018.11.08
Domingos Morais
Paula Leal de Carvalho
Rui Penha
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[1] Processo 209/09.1PTPTL.G1.S1, Abrantes Geraldes (relator), disponível in www.igjef.pt.
[2] Alberto dos Reis, Comentário, vol. 3.º, pág. 499.
[3] Não assenta num direito potestativo do réu, sendo de conhecimento ex officio.
[4] Santos Bernardino (relator), disponível in www.igjef.pt.
[5] Eduardo Sapateiro (relator), disponível in www.igjef.pt.