Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
11939/16.1T8PRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JERÓNIMO FREITAS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
PRINCÍPIO DA IRREDUTABILIDADE
ISENÇÃO DE HORÁRIO
TRABALHO SUPLEMENTAR
NEGOCIAÇÃO PRÉVIA
DECLARAÇÃO NEGOCIAL
INTERPRETAÇÃO
Nº do Documento: RP2018071111939/16.1T8PRT.P1
Data do Acordão: 07/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÕES EM PROCESSO COMUM E ESPECIAL (2013)
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL) (LIVRO DE REGISTOS Nº 279, FLS 340-376)
Área Temática: .
Sumário: I - As afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado.
II - O princípio da irredutibilidade da retribuição não incide sobre a globalidade da retribuição, mas apenas sobre a retribuição estrita, ficando afastadas as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho, a situações de desempenho específicas, como é o caso da isenção de horário de trabalho, ou a maior trabalho, como ocorre com a prestação de trabalho além do período normal de trabalho (vulgo, trabalho suplementar).
III - Não estando submetidas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, essas prestações retributivas apenas são devidas enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, sendo permitido à entidade empregadora suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.
IV - O Código do trabalho inovou na matéria respeitante ao regime de isenção de horário de trabalho, sendo agora regulada como mais um instrumento de flexibilidade na organização do trabalho, cujo uso nas situações em que é admissível fica dependente do mero acordo das partes.
V - Tendo a celebração do contrato de trabalho sido precedida por uma fase negocial onde se discutiram as condições retributivas que seriam asseguradas pela Ré ao autorem contrapartida da prestação da sua actividade, bem assim que este foi confrontado com uma proposta concreta que satisfez os seus interesses, na interpretação das cláusulas 2.ª e 3.ª do contrato de trabalho não pode deixar de se atender ao que ocorreu na fase pré contratual.
VI - Só essa visão conjugada possibilitará determinar o sentido objectivo da declaração negocial, ou seja, “aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante”, não podendo esquecer-se que a “ normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se (..) também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem na descoberta da vontade real do declarante”.
VII - Sendo seguro dizer-se que o pagamento daqueles complementos retributivos foi elemento essencial para a celebração do contrato e, consequentemente, da relação contratual que se iniciou e desenvolveu, na medida em que resultou de negociação prévia, traduzida no contrato e executada desde início, para ser introduzida qualquer alteração a essa condição, nomeadamente no que respeita ao complemento por isenção de horário de trabalho, era necessário um novo acordo das partes.
VIII - Acontece, porém, que no caso ficou provado que autor e R. celebraram os acordos de isenção de horário de trabalho, nomeadamente, em 21 de Junho de 2004 e 15 de Fevereiro de 2006, consubstanciando um novo acerto de vontades em relação a esse regime e, por inerência, quanto ao complemento salarial pago ao autor em compensação do mesmo, ou seja, o denominado “Isençao Horario” pago mensalmente.
IX - Sendo inequívoco que o autor aceitou essas condições acertadas no acordo de 2006, entre elas a possibilidade de ser denunciado por qualquer uma das partes com a antecedência mínima de dois meses, a decisão unilateral da Ré - que observou aquele prazo por via da comunicação de 9 de abril de 2015, para produzir efeitos a partir de 1 de Julho de 2015 -transmitindo-lhe a cessação do regime de Isenção de horário de Trabalho e, consequentemente, do pagamento da retribuição adicional, não consubstancia violação ao princípio da irredutibilidade da retribuição consagrado no art.º 129.º n.º1, al. d), do CT.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: APELAÇÃO n.º 11939/16.1T8PRT.P1
SECÇÃO SOCIAL

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO
I.RELATÓRIO
I.1 No Tribunal da Comarca do Porto – Juízo do Trabalho do Porto, B... intentou a presente acção declarativa de condenação com processo comum, emergente de contrato de trabalho, contra C..., S.A, pedindo a condenação deste R. no seguinte:
a) A pagar ao A. o complemento mensal acordado com este, no valor mensal de 60% sobre o seu nível de retribuição, enquanto o mesmo se encontrar ao serviço da R.;
b) A pagar ao A. 6.273,02 €, de diferença bruta entre os montantes pagos e os acordados, desde 01.07.2015 à presente data;
c) A pagar ao A. quer os juros vencidos nos montantes indicados e articulados, quer os juros vincendos até efectivo e integral pagamento;
d) A indemnizar o A., a título de danos não patrimoniais, no montante de € 20.000,00;
e) A regularizar junto do Fisco, SAMS e SBN a situação do A. em conformidade com o acordado e supra exposto;
f) A suportar as custas e condigna procuradoria.
Para sustentar os pedidos alegou, no essencial que foi admitido ao serviço da Ré em 14 de Novembro de 1990, para exercer as funções de empregado bancário, tendo-lhe sido atribuído o nível 7 do ACTV do Setor Bancário, sendo acordado que a retribuição mensal do Autor seria acrescida de um complemento retributivo de 60%, incidente sobre a retribuição de nível.
Em abril de 1997 o Autor foi promovido ao nível 8, sendo-lhe pago o complemento de 60% incidente sobre a retribuição e nível.
Tais 60% eram designados nos recibos como IHT – 47% - e sub d exclusiva – 13%.
A 9 de abril de 2015, o Réu comunicou-lhe ter sido decidido cessar o regime de IHT e, consequentemente, o pagamento da retribuição adicional mais informando que, uma vez que parte desse valor tem origem em remuneração complementar, o mesmo será reposto em complemento de vencimento no valor de € 27,00.
A Ré passou a pagar ao Autor a quantia de € 27,00 na rubrica complemento de vencimento suprimindo a rubrica que vinha pagando sob a designação de IHT, o que se traduziu na perda de 43,07% da sua retribuição.
Com a unilateral e ilegal actuação da R., viu-se privado duma relevante parte da sua retribuição, o que dificultou, seriamente, o cumprimento de obrigações assumidas no pressuposto da retribuição que deveria receber da R, provocando-lhe profundo desânimo, tristeza, desgosto, indignação, desmotivação, sentimento de desprestígio e humilhação.
Alegou, ainda, que perante a sua recusa em rescindir o seu contrato de trabalho, foi considerado pela R. como “excedentário” e alocado à Direção de Recuperação de Baixos Montantes (DRBM), composta por trabalhadores que rejeitaram as propostas da R. para que rescindissem os seus contratos de trabalho e/ou passassem à situação de reforma. Esta Direção não tem qualquer tipo de atividade efetiva, servindo, apenas e tão só, para punir os trabalhadores que para lá foram transferidos pela não aceitação da proposta de despedimento e/ou reforma. Além de estar a ser violado o direito do A. à sua ocupação efetiva, também a R. atua em assédio.
Realizou-se a audiência de partes na qual não foi possível obter o acordo das mesmas, razão porque foi a Ré notificada para contestar, o que veio a fazer, em tempo.
Na sua contestação veio a Ré alegar que aquando da celebração do contrato de trabalho, ao Autor foi proposta, porque tal era absolutamente necessário à atividade da Ré, a isenção de horário de trabalho. O autor praticava trabalho em regime de isenção de horário, tendo inclusive sido celebrados acordos de isenção de horário de trabalho. Foi a isenção de horário de trabalho que veio a ser retirada por desnecessária, não estando essa parte da remuneração do autor sujeita à garantia de irredutibilidade da retribuição.
Veio ainda justificar a transferência do Autor para a Direção de Recuperação de Baixos Montantes.
O autor apresentou resposta, contra a qual se insurgiu a R. por a considerar inadmissível, mas que foi mantida pelo Tribunal a quo na consideração de ser admissível em razão da contestação conter defesa por excepção.
Foi proferido despacho saneador, no âmbito do qual foram fixados os factos assentes e definido o objeto do litígio e os temas de prova.
Foi fixado o valor da acção em € 26.372,97. Desse despacho foi interposto recurso pela Ré, o qual foi admitido e subiu em separado – Proc.º 11939/16.1T8PRT-A.P2 – aguardando decisão.
Posteriormente, o autor veio ampliar o pedido, o que lhe foi admitido. A ampliação incidiu nos pedidos sob as alíneas b) e c), que passaram a ter o conteúdo seguinte:
b) A pagar ao A. 14.195,06 €, de diferença bruta entre os montantes pagos e os acordados, desde 01.07.2015 à presente data;
c) A pagar ao A. quer os juros vencidos nos montantes indicados e articulados – que nesta data ascendem a 424,05 € - quer os juros vincendos até efetivo e integral pagamento;
Realizou-se audiência de discussão e julgamento com observância das formalidades legais.
I.2 Subsequentemente, foi proferida sentença encerrada com o dispositivo seguinte:
-“Nestes termos, julgo totalmente improcedente por não provada a ação instaurada por B... contra o C..., SA e, consequentemente, absolvo este dos pedidos.
Custas pelo Autor.
Registe e notifique.
(..)».
I.3 Inconformado com esta sentença o trabalhador autor apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido e fixado o modo de subida e efeito adequados. Encerrou as alegações com as conclusões seguintes:
1.º O presente recurso tem como alvo a sentença que julgou totalmente improcedente a ação instaurada pelo Recorrente, para que o mesmo fosse condenado a pagar a retribuição base que foi retirada no valor mensal de 60% sobre o seu nível de retribuição, enquanto o mesmo se encontrar ao serviço do R.; a pagar ao A. 6.273,02 €, posteriormente, o pedido foi ampliado para 14.195,06€, de diferença bruta entre os montantes pagos e os acordados e devidos, desde 01.07.2015 à presente data; a pagar ao A. quer os juros vencidos nos montantes indicados e articulados, quer os juros vincendos até efetivo e integral pagamento; a indemnizar o A., a título de danos não patrimoniais, no montante de 20.000,00€; a regularizar junto do Fisco, SAMS e SBN a situação do A. em conformidade com o acordado e supra exposto e a suportar as custas e condigna procuradoria.
2.º A Mma. Juiz a quo, entre outros, violou e fez errada aplicação e interpretação do disposto nos artigos 236.º, n.º 1; 238.º, n.º 1; 392.º; 405.º; 483.º e 496.º do Código Civil e artigos 23.º; 26.º; 29.º; 126.º; 129.º, n.º 1, alínea b); 218.º; 219.º e 258.º, n.º 3 do Código do Trabalho.
3.º O Recorrente não se conforma com a sentença entendendo que os factos considerados não provados foram mal julgados face à prova produzida, e que ditaria decisão contrária, bem como deve ser alterado um facto provado.
4.º A decisão sobre a matéria de facto é um elemento integrante da sentença e o dever de fundamentação das decisões judiciais está consagrado no art. 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, e ainda no art. 154.º, n.º 1, do CPC.
5.º O Recorrente tem perfeita consciência dos requisitos e ónus da reapreciação da matéria de facto, mas, no caso concreto, em sede de impugnação da decisão da matéria de facto, lamentavelmente, vai ter de pedir aos Venerandos Desembargadores a reapreciação da maioria dos pontos da matéria de facto dados como não provados. Isto, porque, com o devido respeito, não é hábito do subscritor das presentes alegações pedir a reapreciação de tantos pontos da matéria de facto, porque o mesmo é respeitador dos princípios estruturantes da cooperação e da lealdade e boa-fé processuais e respeita a observância dos citados ónus; todavia, em 20 anos de advogado, nunca viu um julgamento tão errado da matéria de facto.
6.º Ora, a situação é tanto mais grave, pois como veremos, os depoimentos das testemunhas que foram inquiridas em audiência de discussão e julgamento em que fundamos a nossa divergência, não foram sequer colocados em causa pelo Tribunal Recorrido, a Sra. Juiz a quo refere na sentença que as mesmas depuseram com isenção e de forma esclarecida, com conhecimento direto dos factos sobre que prestaram depoimento.
7.º Assim, pelos fundamentos supra expostos entendemos que deveria ter sido dado como não provado o facto 79. O Autor tinha isenção de horário de trabalho. Porquanto, resulta da análise do contrato de trabalho onde a mesma não está prevista ou contratada, que a mesma era dissimulada, o complemento teve diferentes denominações e o Recorrente chegou a receber trabalho suplementar.
8.º Como pelos motivos supra expostos e transcrições efetuadas, deveriam ter sido dados como não provados os pontos 92 e 101 dos factos provados.
9.º O facto de o Banco Réu dissimular ou decompor os 60% de majoração do vencimento base acordado, em subsídio de isenção de horário de trabalho, subsídio de dedicação exclusiva ou outras designações que a seu bel-prazer foi fixando ao longo dos tempos nos recibos do A., juntos aos autos, não pode permitir depois a sua supressão pois os 60% de acréscimo da retribuição mensal, são parte integrante da retribuição do A. e não uma prestação complementar ou acessória atribuída em função de uma situação específica.
10.º Entende o Recorrente que, como concretamente se afere nas passagens da gravação da prova devidamente supratranscritas na motivação do presente recurso, pelo depoimento das testemunhas identificadas e documentação junta aos autos deveriam ter sido dados como provados, sem qualquer margem para dúvidas, os factos:
b) que o complemento era pago conjuntamente com o subsídio de férias e de Natal;
c) que o Autor interpelou diversas vezes a Ré, em nome próprio e através do Sindicato que o representa, sem que a situação fosse regularizada;
d) que a Ré negociou com alguns trabalhadores a substituição de complementos retributivos idênticos aos acordados com o Autor por outras regalias;
e) que o acréscimo retributivo de 60% sobre a remuneração do nível em que se encontrasse foi o principal motivo que levou o Autor a ingressar nos quadros da Ré;
f) que o referido em 61) dificultou, seriamente, o cumprimento de obrigações assumidas no pressuposto da retribuição que deveria receber da Ré;
g) que a atitude da Ré provocou no Autor profundo desânimo, tristeza, desgosto, indignação, desmotivação, sentimento de desprestígio e humilhação;
h) que o Autor passou a sentir desânimo e falta de prazer nas atividades que habitualmente gosta e desenvolveu sentimentos de revolta e injustiça;
i) que os convites referidos em 62) foram feitos sob ameaças e pressões várias;
j) que a DRBM serve apenas para manter artificialmente ocupados os trabalhadores da Ré que se recusaram a aceitar propostas de rescisão contratual e /ou passagem à situação de reforma;
l) que a DRBM não tem qualquer tipo de atividade efetiva;
m) que serve apenas para punir os trabalhadores que para lá foram transferidos pela não aceitação da proposta de despedimento e/ou reforma;
n) que ao Autor, desde a transferência, não foi apresentado trabalho para desenvolver, nem na sua área de competência, nem em qualquer outra da atividade bancária para a qual o Autor tenha aptidão profissional;
o) que tal transferência serviu apenas para a Ré retaliar a não aceitação da proposta de despedimento que apresentou ao Autor;
p) e para pressionar o Autor a aceder aos seus convites para que rescinda o seu contrato de trabalho;
q) que o Autor esteve de baixa médica de 15 de junho de 2015 a 31 de julho de 2015, tendo gozado férias após essa data;
r) que o referido em 68) é causado única e exclusivamente pela atuação da Ré;
s) que em consequência do comportamento da Ré, o Autor desenvolveu uma depressão grave;
11.º Requer-se assim aos Venerandos Desembargadores a reapreciação da matéria factual controvertida e assinalada pelo Recorrente, que entendemos amplamente fundamentada por referência aos meios de prova ponderados, designadamente a prova testemunhal transcrita e documental.
12.º Compete assim, a este douto Tribunal da Relação reapreciar todos os elementos probatórios que foram sido produzidos nos autos e consignar, de acordo com a sua convicção, os factos materiais que julga provados, coincidam eles, ou não, com o juízo alcançado pela 1.ª instância, pois só assim atuando está, efetivamente, a exercitar os poderes que nesse âmbito lhe são legalmente conferidos, o que expressamente se requer seja efetuado no sentido apontado pelo Recorrente.
13.º Acresce que, entendemos que Tribunal a quo também decidiu mal as questões de Direito que foram invocadas na petição inicial, pedindo-se aos Venerandos Desembargadores que apliquem igualmente o Direito e façam Justiça.
14.º Ora, caso em apreço se reporta à mesma situação que foi decidida no Acórdão deste Tribunal, datado de 07-11-2011, relatado pelo Sr. Juiz Desembargador Dr. Ferreira da Costa, Processo n.º 155/10.6TTOAZ.P1, disponível em www.dgsi.pt, cujo sumário refere:
“IV - Atento o princípio da irredutibilidade da retribuição, é proibido ao empregador diminuí-la, no que respeita à retribuição base, mesmo que obtenha a concordância do trabalhador, dados os valores de interesse e de ordem pública em causa, como decorre do disposto no Art.º 122.º, alínea d) do CT2003.
V – Estabelecido que a retribuição base do A. era composta por esta, propriamente dita, correspondente ao nível que estivesse a ser praticado na banca em cada momento, acrescida de 60%, não podia a R. retirar-lhe uma parcela desta última, por ela não integrar qualquer isenção de horário de trabalho, nomeadamente, legal.” 15.º Trata-se de um processo de um Colega do aqui A./Recorrente, que em nossa opinião, foi corretamente julgado na Primeira Instância e neste Venerando Tribunal da Relação do Porto.
16.º Parece-nos muito claro que a retribuição base do A. era composta pelo nível 7, acrescido de 60% e que o Banco Recorrido não poderia retirar qualquer parcela desta retribuição que foi contratualizada por ela não integrar qualquer isenção de horário de trabalho, nomeadamente legal.
17.º Num caso cujo processo é em tudo semelhante ao sub judice, foi decidido por este douto Tribunal o oposto do sentenciado pelo Tribunal Recorrido, relativamente à mesma questão fundamental de direito.
18.º Sendo que a questão de direito fundamental é se os 60% sobre o nível 7 para o qual o A. foi contratado fazem ou não parte da sua retribuição, que não pode ser diminuída, nem com o consentimento do trabalhador, nem sequer para fazer face a crise económica ou quaisquer dificuldades do Banco.
19.º As situações de facto do mencionado Acórdão do TRP de 07-11-2011 são absolutamente idênticas às da sentença recorrida, os sujeitos são os mesmos, pelo que deve ser dada a mesma solução de direito e ser feita justiça, não deverá existir oposição de julgados, sobrepondo-se o mencionado Acórdão a uma sentença do tribunal de primeira instância.
20.º Refira-se que também em requerimento de 15.11.2016, o mandatário do Recorrente, nos termos e para os efeitos previstos no art.º 423.º do CPC aplicável ex vi da alínea a) do n.º 2 do art.º 1.º do CPT, efetuou a junção aos autos de: a) Sentença proferida no âmbito do processo n.º 552/09.0TTFUN, que correu termos na Secção Única do (entretanto extinto) Tribunal do Trabalho do Funchal (Doc. 1); b) Parecer do Digníssimo Procurador-Geral Adjunto junto do Tribunal da Relação de Lisboa (Doc. 2); c) Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, datado de 27 de junho de 2012 (Doc. 3); d) Recente Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra proferido no âmbito do processo n.º 1510/15.0T8FIG datado de 22 de setembro de 2016, Relator Sr. Juiz Desembargador Dr. Felizardo Paiva (Doc. 4).
21.º Porquanto, da mesma forma do que foi alegado, tratando-se de processos que tiveram por objeto a apreciação, essencialmente, de factos idênticos aos que são objeto do presente processo, que incidiram sobre a discussão, exatamente, da mesma matéria de direito que constitui a causa de pedir dos presentes autos e nos quais foram proferidas decisões sobre pedidos equivalentes aos formulados nos presentes autos, considerava-se ser relevante e oportuna a requerida junção com vista a contribuir para a boa apreciação da causa.
22.º Com o devido respeito, a Mma. Juiz a quo ignora o que vem estipulado no contrato de trabalho e depois todos os factos que dá como provados, não os conseguindo interligar num todo lógico e coerente.
23.º Já na petição inicial apresentada se pedia que a interpretação do contrato de trabalho fosse feita em conformidade com as regras estabelecidas nos artigos 236.° a 238.º do Código Civil.
24.º Conforme se alegou na petição inicial, nos presentes autos, o dissenso e a resposta à questão a decidir centra-se na interpretação do texto de uma das cláusulas do contrato de trabalho outorgado entre o A./Recorrente e o R./Recorrido, concretamente no que tange à previsão de que “a retribuição (…) será igual à que, a cada momento, será fixada no Acordo Colectivo de Trabalho do Sector Bancário para os empregados do nível 7, acrescida de 60%”.
25.º Com relevo importa ainda considerar que o A./Recorrente foi admitido ao serviço da R., por contrato de trabalho, celebrado em 14.11.1990 “com a categoria profissional de Grupo I, nível 7”. Categoria e nível salarial – como vimos – semelhante ao que detinha na sua anterior entidade empregadora bancária.
26.º Constituindo a única alteração remuneratória – entre as remunerações auferidas nas duas instituições bancárias – o acréscimo de 60% negociado e outorgado aquando do ingresso do A./Recorrido no Banco R. e que foi fator decisivo para o mesmo ter aceite a mudança de instituição bancária.
27.º Assumindo no caso sub judice especial importância o facto de o A./Recorrente ter rescindido o seu contrato com a sua anterior entidade patronal, o D... (cf. facto 48 dos factos provados).
28.º E só o fez para ingressar na R., a troco de melhores condições remuneratórias.
29.º Sendo que a diferença entre as condições remuneratórias auferidas nas duas instituições bancárias se consubstanciava no acréscimo de 60% sobre o nível remuneratório em que, a cada momento, o Recorrente se encontrasse, porquanto este foi admitido ao serviço da R. para o mesmo nível remuneratório – o nível 7 – em que se encontrava na anterior instituição de crédito (cf. facto 49 dos factos provados).
30.º Este seria sempre o sentido que um declaratário medianamente instruído, diligente e sagaz, colocado na posição do real declaratário poderia deduzir do comportamento do declarante C..., tendo esse sentido total correspondência no texto do contrato assinado entre as partes.
31.º Ademais, se o contrato de trabalho é posterior à carta de admissão unilateralmente enviada pelo Banco Recorrido e no mesmo não consta qualquer referência a isenção de horário de trabalho ou qualquer outro complemento, deverá ser esse acerto de vontades bilateral que prevalece e deve ser esse o regime remuneratório vigente, pois em lado nenhum do contrato se refere que os 60% que acresciam ao nível 7 de destinavam a remunerar trabalho prestado em regime de isenção de horário de trabalho ou qualquer outro subsídio.
32.º O normal em cada pessoa é querer ser pago de acordo com o que foi contratado. Ora, como é consabido a retribuição engloba o conjunto de valores que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da atividade por ele desempenhada ou, mais rigorosamente da disponibilidade de força de trabalho por ele oferecida, sendo que o que foi contratualizado, constitui a retribuição acordada com o Recorrente que foi um valor pecuniário pago regular e periodicamente desde Novembro de 1990 até abril de 2015, data em que o Recorrido ilicitamente suprimiu a parcela que alegou ser referente a isenção de horário de trabalho.
33.º Assim, num primeiro momento, a retribuição, constituída por um conjunto de valores, é determinada pelo clausulado do contrato, por critérios normativos (como sejam o salário mínimo e o princípio da igualdade salarial) e pelos usos da profissão e da empresa; num segundo momento, a retribuição global – no sentido de que exprime o padrão ou módulo do esquema remuneratório do trabalhador, homogeneizando e sintetizando em relação à unidade de tempo, a diversidade de atribuições patrimoniais realizadas ou devidas – engloba não só a remuneração de base, como também prestações acessórias, que preencham os requisitos de regularidade e periodicidade.
34.º No mesmo sentido a Cláusula 82.ª, n.º 1, al. c) do CCT aplicável dispõe que:
1 - Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos deste acordo, das normas que o regem ou dos usos, (...)
c) Todas as outras prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, pela entidade patronal ao trabalhador, incluindo as adicionais ou complementares.
35.º É pacífico que a presunção estabelecida no n.º 3 do art. 258.º, está em perfeita sintonia com o caráter oneroso do contrato de trabalho. Chamando à colação as palavras do Prof. Doutor Bernardo Xavier: “há que ter o maior cuidado com uma política patronal de relações de trabalho assente no disfarce de atribuições remuneratórias com outro título ou com diverso invólucro”, como aconteceu no caso em apreço.
36.º Com isto, pretende-se evitar que as partes, através da simples manipulação do nomen das prestações, impeçam a correta qualificação jurídica de tais prestações. Este é o desiderato que se colocava ao Tribunal Recorrido, nos termos do art. 272.º n.º 2 do Código do Trabalho, competia ao julgador decidir esta questão de direito, qual seja: - a da qualificação ou não como retribuição das atribuições patrimoniais realizadas pelo empregador em proveito do trabalhador.
37.º Ora, tal não foi feito, pelo que se pede aos Venerandos Desembargadores que declarem que interpretando a cláusula 3.ª do contrato de trabalho celebrado pelas partes, qualifique que a retribuição base do A./recorrente era composta por esta, propriamente dita, correspondente ao nível 7 ou ao que estivesse a ser praticado na banca em cada momento, como aconteceu quando foi promovido para o nível 8, acrescida de 60%, pelo que não podia o R./Recorrido retirar-lhe uma parcela desta última, por ela não integrar qualquer isenção de horário de trabalho.
38.º O Banco violou o princípio da irredutibilidade da retribuição, de acordo com o qual a retribuição não pode ser reduzida pela entidade patronal, nem com o consentimento do trabalhador, nem mesmo quando tal seja apresentado como uma forma de superar uma crise financeira da empresa.
39.º Se por mera hipótese académica se entendesse que a parcela retributiva retirada era um efetivo e real subsídio por isenção de horário de trabalho, o que não aceitamos, a mesma não pode igualmente ser retirada.
40.º O exercício profissional em regime de isenção de horário tem origem na vontade das partes. Essa vontade pode ser formada em dois momentos diferentes: no momento da formação do contrato; ou posteriormente, já durante a execução do mesmo.
41.º Esta diferenciação tem consequências no momento do termo, em diferentes aspetos, nomeadamente quanto ao requisito de forma e ainda em termos de retribuição (violação ou não do principio da irredutibilidade).
42.º Há uma diferença, pois a situação de a isenção de horário estar expressa no teor contratual (ou, no caso, em side letter ao mesmo), nestes casos, só a expressão das vontades de ambas as partes pode por fim a esta situação jurídica funcional do trabalhador.
43.º Neste particular, concordamos com a jurisprudência e doutrina portuguesas que consideram que o complemento retributivo relativo à isenção de horário de trabalho, uma vez previsto no contrato de trabalho, não pode ser retirado, pois integra o conteúdo do contrato individual de trabalho e constituía uma modificação substancial, pelo que se exigiria o acordo do Recorrente, o que não ocorreu no caso em apreço.
44.º Isto é, não pode o empregador unilateralmente fazer cessar a isenção e consequentemente retirar a retribuição que lhe está afeta, pelo que também nesse caso o comportamento do Recorrido C... seria ilícito.
45.º Refira-se igualmente que não é possível aceitar que o Recorrido mude o A./Recorrente de funções para a DRBM, para dizer que nessa direção o mesmo não tem trabalho que justifique uma alegada isenção de horário de trabalho.
46.º Ao validar-se tal comportamento, seria permitir ao R./Recorrido a violação do princípio ético-jurídico da confiança, imanente ao princípio do “venire contra factum proprium”, que integra o segmento da norma do abuso de direito, por violação de forma intolerável, clamorosa da boa fé, prevista no artigo 334.º do Código Civil.
47.º Insiste-se que o Recorrido não tinha qualquer direito a retirar qualquer parcela da retribuição do A., mas ainda que se viesse a admitir tal hipótese é incongruente um direito seguro, mas injusto. Daí que a cláusula geral de abuso de direito, tenha a função de colmatar estas situações de injustiça, fazendo prevalecer a ideia de justiça, mesmo sacrificando o valor da segurança, devendo ser este o sentido com que, no entender do Recorrente, a decisão também devia ter sido interpretada e aplicada.
48.º Com a unilateral e ilegal atuação do Banco Recorrido, o A./Recorrente viu-se privado duma relevante parte da sua retribuição mensal, auferida ao longo de 25 anos.
49.º O que dificultou, seriamente, o cumprimento de obrigações assumidas no pressuposto da retribuição que deveria receber do Recorrido.
50.º A atitude da Recorrido provocou no Recorrente profundo desânimo, tristeza, desgosto, indignação, desmotivação, sentimento de desprestígio e humilhação, conforme os depoimentos testemunhais acima transcritos. Como foi explicado, o A. passou a sentir desânimo e falta de prazer nas atividades que habitualmente gosta e desenvolveu sentimentos de revolta e injustiça. 51.º Sentimentos e sintomatologias decorrentes do arbitrário e ilegal corte que o Recorrido operou na sua retribuição mensal, agravados pela ausência de explicação que permita ao A./Recorrente aceitar como se pode alterar unilateralmente a retribuição acordada e contratualizada aquando do seu ingresso ao serviço do Banco Recorrido.
52.º Acresce que, anteriormente ao ilegal e unilateral locupletamento do Recorrido de parte considerável da retribuição do A., este foi “convidado” – por mais do que uma vez – a rescindir o seu contrato de trabalho.
53.º Convites que eram efetuados sob ameaças e pressões várias, ocorridos desde 2012 até ao presente.
54.º Tendo o aqui Recorrente, com toda a resiliência, resistido e rejeitado todas as propostas de rescisão contratual, sofreu as represálias.
55.º Perante a recusa do Recorrente em rescindir o seu contrato de trabalho, foi considerado pela R. como “excedentário” e alocado a uma unidade orgânica que a R. criou de novo, denominada Direção de Recuperação de Baixos Montantes (DRBM), definida pelas testemunhas inquiridas como um “gueto”, uma “unidade de despejo”, “buraco negro” para onde as pessoas que não aceitavam as propostas do banco ficavam a “marinar” e a fazer o “percurso da morte”.
56.º Unidade orgânica essa – a supra referida DRBM – totalmente composta por trabalhadores que rejeitaram as propostas do Banco para que rescindissem os seus contratos de trabalho e/ou passassem à situação de reforma, situação perfeitamente ilegal, mas que infelizmente é usada, como estratégia para destruir psicologicamente os trabalhadores e forçar a sua auto demissão ou que aceitem acordos que não contemplam os seus direitos legais.
57.º Na verdade, o Recorrente era chamado para reuniões que visavam o seu despedimento “por acordo”, pelos valores que a Banco entendesse.
58.º Ora, o Recorrente como é seu direito – sublinhe-se! – renunciou sempre a assinar qualquer acordo, simplesmente porque pretendia (e pretende) continuar a trabalhar, desempenhando a sua atividade profissional.
59.º Sofrendo assim o castigo de ver reduzida ilegal e ilegitimamente a sua remuneração e conforme supra exposto, foi transferido para um departamento de excedentários e pessoas indesejadas que serve apenas para manter artificialmente ocupados os trabalhadores do C... que se recusaram a aceitar propostas de rescisão contratual e/ou de passagem à situação de reforma.
60.º Servindo, apenas e tão só, para punir os trabalhadores que para lá foram transferidos pela não aceitação da proposta de despedimento e/ou reforma.
61.º Ocorre violação do direito à ocupação efetiva, que a lei consagra na alínea b), do nº 1, do art. 129º, do Código do Trabalho, sempre que uma injustificada inatividade é imposta ao trabalhador pela entidade patronal, ou quando empresa deixa de proporcionar as condições à efetiva realização das tarefas compreendidas no conteúdo funcional da categoria atribuída ao trabalhador, desaproveitando a atividade a que aquele se obrigou e quer prestar condignamente, de forma a realizar-se pessoal e socialmente.
62.º Além de estar a ser violado o direito do A./Recorrente à sua ocupação efetiva, o Recorrido atua em assédio moral. Na verdade, além dos danos causados pela unilateral e ilegítima redução da retribuição do A./Recorrente, o Banco agravou esses danos com a sua transferência para uma Direção que não desenvolve qualquer atividade da competência do Recorrente em clara retaliação pela não aceitação do despedimento.
63.º Tratou-se de claro menosprezo do Recorrido pela dignidade do trabalhador atentando contra o respeito que é merecido a quem prestava a sua atividade há mais de 25 anos, que tem direito a manter a sua honorabilidade que é devida a toda a pessoa humana e especialmente a quem trabalha, expressão que tem que se medir em todos os casos, com um critério social objetivo.
64.º Ora, de acordo com o disposto no art.º 13.º n.º 1 da Constituição da República Portuguesa, “todos os cidadãos têm a mesma dignidade social e são iguais perante a lei” e é neste quadro que, de acordo com o art.º 58º nº 1 da mesma Lei fundamental, “todos têm direito ao trabalho”, em condições de não discriminação, consoante se expressa nesse artigo e no seguinte.
65.º Nos termos do art. 29.º, n.º 1, do Código do Trabalho, entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em fator de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objetivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.
66.º E nos termos do art. 15.º, o empregador, incluindo as pessoas singulares que o representam, e o trabalhador gozam do direito à respetiva integridade física e moral, constituindo justa causa de resolução do contrato a ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticada pelo empregador ou seu representante (art. 394.º, n.º 2, al. f), do Código do Trabalho).
67.º Apesar da ausência de um conceito de assédio moral expressamente consagrado no ordenamento nacional, o apoio normativo basilar, conferido a este fenómeno, encontra-se no art. 25.º da Constituição Portuguesa, mais especificamente no reconhecimento do direito à integridade moral, que por consequência, proscreve todos aqueles tratos comissivos ou omissivos degradantes, humilhantes, vexatórios em salvaguarda do respeito devido a toda a pessoa humana, o que entendemos foram praticados pelo Banco Recorrido ao aqui Recorrente.
68.º Os comportamentos do Banco Recorrido supra descritos constituem assédio laboral pois tinham como objetivo claro intimidar, diminuir, humilhar, amedrontar e consumir emocional e intelectualmente o aqui A./Recorrente, que ficou perturbado e constrangido pelo tratamento conferido pelo Recorrido.
69.º Foi inquirido o psiquiatra que acompanhou o Recorrente, o mesmo teve de recorrer a serviços de Psiquiatria, tendo, inclusivamente, estado de baixa médica de 15.06.2015 a 31.072015, tendo gozado férias após esta data, para conseguir recuperar nesse período de férias, pois ainda não estava bem.
70.º Tendo-lhe sido diagnosticado síndrome depressivo-ansioso – cfr. Doc. 48 junto com a p.i., sintomatologias e patologia esta causada única e exclusivamente pela atuação do Recorrido.
71.º Face a todo o exposto, entendemos que no caso em apreço estão congregados os requisitos permissores da reparação por danos não patrimoniais, talqualmente deflui dos artigos 483.º, n.º 1, e 496.º, n.º 1, ambos do Código Civil, anotando-se, neste ponto, que, claramente, as consequências advindas para o A./Recorrente no seu estado psicológico e anímico são merecedoras da tutela do direito.
72.º Reparação essa que deve ser calculada segundo um juízo de equidade, segundo o qual terão que ser tidos em conta fatores como a gravidade dos danos, o grau de culpabilidade do Recorrente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias.
73.º Trata-se o Recorrido de uma instituição dedicada ao comércio bancário; o A. é empregado bancário, atualmente com 36 anos de antiguidade (27 anos ao serviço da R.) e que vive à custa do seu trabalho; o A., com a situação criada, sente profundo desânimo, tristeza, desgosto, indignação e perda de auto estima, bem como uma dificuldade acrescida em cumprir as obrigações assumidas.
74.º Neste contexto, tal como alegado na petição inicial, afigura-se-nos como iluminado pelo critério da equidade a fixação de uma indemnização por danos não patrimoniais nunca abaixo dos € 20.000,00, montante esse que permitirá ao A., não, evidentemente, uma reparação por prejuízos não quantificáveis, mas uma compensação que porventura lhe proporcione gostos ou prazeres que minimizem o estado de alma em que ficou mergulhado pela ilegítima atuação do Recorrido, que entendemos ser muito grave e merecedor de punição severa.
75.º Concluindo, a sentença traduziu-se num resultado ética e juridicamente injusto, pelo que se pede aos Venerandos Desembargadores que apreciem a matéria de direito e de facto do aresto em crise, elegendo, interpretando e aplicando a lei e julgando procedente a presente apelação. Nos termos expostos, e nos mais de direito que V. Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso de apelação ser julgado provado e procedente e, por via dele, ser revogada a douta sentença recorrida, de acordo com as conclusões acima expressas.
I.4 O recorrido apresentou contra-alegações, mas sem as finalizar com conclusões.
Pugna pela improcedência do recurso.
I.5 O Ministério Público junto desta Relação emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso. Sustenta-se no mesmo, no essencial, que não ocorrem as nulidades da sentença arguidas, antes se tratando de mera discordância do recorrente com o decidido; a impugnação da decisão sobre a matéria de facto deverá improceder; e, por essas razões, mas também por não haver erro na aplicação do direito, deve improceder o recurso.
I.5.1 Respondeu o recorrente autor rebatendo aquele parecer, no essencial reiterando as posições assumidas no recurso sobre essas questões.
I.6 Cumpridos os vistos legais, remeteu-se o projecto de acórdão aos excelentíssimos adjuntos e determinou-se a inscrição para julgamento em conferência.
I.7 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso [artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e artigos 639.º, 635.º n.º 4 e 608.º n.º2, do CPC, aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho] as questões suscitadas para apreciação respeitam ao seguinte:
i) Nulidade da sentença;
ii) Impugnação da decisão sobre a matéria de facto;
iii) Erro de julgamento na aplicação do direito aos factos.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1. MOTIVAÇÃO DE FACTO
O Tribunal a quo fixou o elenco factual seguinte:
1.A Ré é uma instituição de crédito e exerce a atividade bancária.
2.Participou nas negociações e outorgou o ACT-C..., cuja última versão integral se encontra publicada no B.T.E., 1.ª Série, n.º 39, de 22/10/2011, pág. 3681 e ss, instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que aplicou e aplica aos trabalhadores integrados nos seus quadros.
3.O Autor está filiado no Sindicato dos Bancários do Norte, onde figura como o sócio n.º ......
4.Em novembro de 1990, o Autor foi convidado a ingressar nos quadros da Ré.
5.Perante o convite da Ré para que o Autor nela ingressasse, foram negociadas entre as partes as condições retributivas.
6.A Ré, por carta datada de 7 de novembro de 1990, comunicou ao Autor a sua Admissão, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 18 vº, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, onde consta, para além do mais o seguinte:
Com os melhores cumprimentos vimos informá-lo que o Conselho de Administração do C... aprovou a sua admissão para o quadro de pessoal, nas seguintes condições:
-Contrato de trabalho definitivo;
- Classificação na categoria profissional correspondente ao Grupo I, com o Nível 07 do ACTV do sector bancário, sendo a respectiva remuneração acrescida de 60% a título de “isenção de Horário de Trabalho” e de “Subsídio de dedicação exclusiva”.
(..)».
7.A 14 de novembro de 1990, Autor obrigou-se perante a Ré a prestar os seus serviços como empregado bancário, sob a sua autoridade e direção, nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 19 e 20, denominado “Contrato de Trabalho”, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, onde se lê, para além do mais, o seguinte:
-«(..)
-2.ª O segundo outorgante é admitido ao serviço do primeiro na categoria profissional de Grupo I, Nível 07, nos termos estabelecidos no Acordo Colectivo de Trabalho Vertical do Sector Bancário.
3.ª A retribuição mensal do segundo outorgante será igual à que, a cada momento, será fixada no Acordo Colectivo de Trabalho vertical do Sector Bancário para os empregados do Nível 07 acrescida de 60%.
4.ª O segundo outorgante tem ainda direito aos subsídios referidos no Acordo Colectivo de Trabalho Vertical do Sector bancário que não revistam a natureza de remuneração, e ainda às diuturnidades a que eventualmente tenha direito ainda nos termos do referido acordo.
(..)».
8.O referido acordo teve início a 1 de dezembro de 1990.
9.Tendo sido contabilizada a antiguidade e tempo de serviço do Autor, “sem qualquer interrupção e para todos os efeitos”, desde 21 de setembro de 1981.
10.Aceites pelas partes as condições propostas, o Autor passou a exercer a sua atividade profissional para a Ré mediante retribuição e sob as suas ordens, direção e autoridade, desde 1 de dezembro de 1990.
11.A Ré no mês de dezembro de 1990 pagou ao Autor a sua retribuição base no valor de 97.510$00, acrescida de 58.506$00 que a Ré qualificou nos respetivos recibos como “47% ISENCAO HORARIO” (45.830$00) e “13% SUB. D. EXCLUSIVA” (12.676$00), o que perfazia os 60% constantes da carta referida em 6) e da cláusula 3.ª do acordo referido em 7).
12.O valor pago correspondia aos 60% incidentes sobre a retribuição do nível do Autor, conforme acordado (97.510$00 x 60% = 58.506$00);
13.Em abril de 1997, o Autor foi promovido, por mérito, ao nível 8.
14.Tendo ascendido ao nível 8, continuou a Ré a pagar ao Autor um complemento de 60% sobre a retribuição base do seu nível – agora o nível 8 – no valor de Esc. 93.600$00 (Esc.156.00$00 x 60% = 93.600$00).
15.Mantendo o pagamento deste complemento enquanto o Autor se manteve colocado no nível 8.
16.Por carta datada de 9 de abril de 2015, a Ré informou o Autor que “foi superiormente decidido fazer cessar o referido regime [de Isenção de Horário de Trabalho] e, consequentemente, o pagamento da retribuição adicional, com efeitos a partir de 01 de Julho de 2015”, bem assim, que “Atendendo a que parte deste valor tem origem em remuneração complementar, o mesmo será reposto em Complemento de Vencimento, no valor de € 27,00”, conforme consta do documento junto aos autos a fls. 41 vº, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
17.Por carta datada de 6 de maio de 2015, o Autor respondeu àquela missiva, não dando o seu acordo à retirada daquele complemento e informando que o mesmo “foi negociado e contratualizado” aquando da sua admissão ao serviço da Ré e que “o mesmo constitui, indubitavelmente um complemento remuneratório”, anexando o contrato individual de trabalho celebrado e carta com as condições de admissão que se juntaram supra sob, respetivamente, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 42, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
18.A Ré respondeu, por carta datada de 18 de maio de 2015, mantendo a sua posição, nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 42 vº, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, onde se lê, para além do mais: “Relativamente ao reportado em assunto, confirmamos que teve isenção de horário de trabalho devidamente formalizada e remunerada nos termos do ACT e da Lei, mas que a mesma é susceptível de cessação nos mesmos termos, pelo que, não se verificando a sua necessidade na situação atual de colocação, função e horário de trabalho, foi decidida a sua extinção”.
19.No mês de julho de 2015, a Ré aumentou a rubrica que lhe vinha pagando sob a designação de “COMPLEM. VENCIMENTO” de € 162,69 para € 189,69.
20.Tendo suprimido a rubrica que vinha pagando ao Autor sob a designação “ISENCAO HORARIO”.
21.O Autor ingressou na Ré em 1 de dezembro de 1990, tendo-lhe sido atribuído o nível 7 do ACT para o Sector Bancário.
22.Ascendeu ao nível 8 em abril de 1997.
23.Em 1990, o valor da retribuição base para o nível 7 era de 97.510$00.
24.Em 1991, o valor da retribuição base para o nível 7 era de 110.600$00.
25.Em 1992, o valor da retribuição base para o nível 7 era de 121.900$00.
26.Em 1993, o valor da retribuição base para o nível 7 era de 128.650$00.
27.Em 1994, o valor da retribuição base para o nível 7 era de 133.800$00.
28.Em 1995, o valor da retribuição base para o nível 7 era de 133.800$00, passando em Novembro desse ano a ser de 139.800$00.
29.Em 1996, o valor da retribuição base para o nível 7 era de 139.800$00.
30.Em 1997, o valor da retribuição base para o nível 7 era de 144.350$00 e para o nível 8 era de 156.000$00.
31.Em 1998, o valor da retribuição base para o nível 8 era de 160.700$00.
32.Em 1999, o valor da retribuição base para o nível 8 era de 165.950$00.
33.Em 2000, o valor da retribuição base para o nível 8 era de 171.350$00.
34.Em 2001, o valor da retribuição base para o nível 8 era de € 906,50.
35.Em 2002, o valor da retribuição base para o nível 8 era de € 935,50.
36.Em 2003, o valor da retribuição base para o nível 8 era de € 960,00.
37.Em 2004, o valor da retribuição base para o nível 8 era de € 986,00.
38.Em 2005, o valor da retribuição base para o nível 8 era de € 1.011,00.
39.Em 2006, o valor da retribuição base para o nível 8 era de € 1.036,50.
40.Em 2007, o valor da retribuição base para o nível 8 era de € 1.065,21.
41.Em 2008, o valor da retribuição base para o nível 8 era de € 1.092,91.
42.Em 2009, o valor da retribuição base para o nível 8 era de € 1.109,30.
43.Em 2010, o valor da retribuição base para o nível 8 era de € 1.120,39.
44.Desde essa data que a tabela salarial em vigor na Ré não é alterada.
45.Desde essa data, o valor da retribuição base para o nível 8 é de € 1.120,39.
46.Complementos retributivos idênticos aos acordados com o Autor constavam em inúmeros contratos individuais de trabalho de trabalhadores ao serviço da Ré.
47.Tendo a Ré negociado com alguns desses trabalhadores a sua substituição por outras regalias.
48.Aquando do convite da Ré para que ingressasse nos seus quadros, o Autor desempenhava a sua atividade profissional no D....
49.Encontrando-se, à data, posicionado no nível 7 do ACTV do Setor Bancário.
50.O Autor renunciou sempre a assinar qualquer acordo de cessação do contrato de trabalho.
51.A Ré transferiu o Autor para a DRBM.
52.Na época da contratação do Autor, a Ré tinha uma política de remuneração muito genuína que se distanciava das demais Instituições Financeiras que na altura operavam em Portugal.
53.As condições fornecidas pela Ré constituíam uma melhoria face às condições remuneratórias em prática no Sector, por que significavam o pagamento de um valor acima do que no sector (ACT) é considerado remuneração base, ou de nível, que noutras Instituições Concorrentes ou não era pago, ou era consubstanciado em prestações de duvidosa natureza retributiva.
54.Constituindo uma vantagem relativamente aos seus concorrentes.
55.A Ré pagava uma retribuição demarcando-se do resto do mercado e estabelecia uma estrutura retributiva que, com exceção da isenção de horário de trabalho, estava sujeita ao princípio da irredutibilidade da retribuição.
56.A Ré sempre pagou ao Autor e demais trabalhadores um valor superior a 60% (percentagem varia no contratos) sobre o valor do nível que este e os seus colegas em situações idênticas, teve/tiveram em cada momento e até ao ano de 2000, muito embora com a convicção que a isso não estava obrigada, sem prejuízo da irredutibilidade da retribuição.
57.Esta prática aritmética, transversal aos trabalhadores contratados na mesma época do Autor, pese embora a existência de particularidades em cada contrato, gerou, pelo uso e costume a convicção de que teriam tais trabalhadores, como o Autor, o direito a uma retribuição composta pelo ordenado do nível remuneratório acrescida de 60% do mesmo, relevando o nível em cada momento, uma vez que o conjunto da retribuição por isenção de horário de trabalho e do complemento era em regra superior a 60% do nível que os trabalhadores tinham em cada momento.
58.Aquando do referido em 7) foi atribuído ao Autor o Nível 7, nos termos estabelecidos no Acordo Coletivo de Trabalho Vertical do Setor Bancário.
59.Aquando do referido em 7) acordaram Autor e Ré que a retribuição mensal daquele era igual à que, a cada momento, fosse fixada no Acordo Coletivo de Trabalho Vertical do Setor Bancário para os empregados do Nível 7, acrescida de 60%.
60.Ao longo dos anos a Ré pagou ao Autor os 60% com diversas denominações.
61.O Autor viu-se privado de uma parte da sua “retribuição mensal”.
62.O Autor foi convidado, por mais de uma vez, a rescindir o contrato de trabalho, tendo rejeitado tais propostas.
63.O Autor foi considerado como “excedentário”.
64.E alocado a uma unidade orgânica que a Ré criou de novo, denominada Direção de Recuperação de Baixos Montantes (DRBM).
65.Tal unidade orgânica era composta por trabalhadores que rejeitaram as propostas da Ré para rescindirem os seus contratos de trabalho e/ou passarem à situação de reforma.
66.O Autor foi convocado para reuniões com a Ré com vista à rescisão do contrato, tendo renunciado a qualquer acordo.
67.Pretendendo continuar a trabalhar.
68.A 15 de junho de 2015, o Autor recorreu a serviços de psiquiatria, apresentando síndrome depressivo – ansioso, mantendo-se em consulta ambulatória da especialidade até 2 de junho de 2016.
69.No momento da contratação do Autor existia no mercado de trabalho bancário uma concorrência entre as diversas Instituições que nele operavam, e que procuravam cativar para as suas equipas quadros de outras Instituições concorrentes, ou no mercado de trabalho, oferendo-lhes condições, não só remuneratórias, mais vantajosas que a concorrência.
70.A Ré, que dava os primeiros passos como Instituição Financeira, num esforço de ganhar presença orgânica num mercado de grande concorrência, disponibilizava aos Trabalhadores que convidava, e recrutava junto de outras Instituições de Crédito, entre outras condições, uma verdadeira estrutura remuneratória.
71.A Ré promoveu contratações em massa que visavam essencialmente criar um corpo de recursos humanos que permitisse uma assistência ao Cliente que ultrapassasse largamente os praticados na Banca em geral.
72.A Ré não pagou ao Autor trabalho suplementar sempre que este laborou para além do horário, nem este lho pediu.
73.Ao longo da relação laboral, e por imperativos atinentes à regularização da isenção de horário de trabalho junto da Inspeção do Trabalho, Autor e Ré documentaram o acordo de isenção de horário de trabalho.
74.A Ré enveredou em meados dos anos 90 por acompanhar o processo de fusões e aquisições no Sector, de modo a poder alcançar uma maior quota de mercado.
75.Nessa época o contexto remuneratório na Banca em geral caracterizava-se pelo pagamento da retribuição base, ou do nível, acrescida do mais diverso tipo de prestações, que variavam de Banco para Banco, mas que iam do pagamento de remunerações complementares com as mais diversas denominações, ao plafond de cartão de crédito, passando por senhas de combustível, ou alimentação, automóvel, telemóvel.
76.Neste processo a Ré integrou por fusão o E..., o F..., e o G..., com todas as empresas satélites, provocando subfusões ou cisões e alienações de empresas orbitrais.
77.A união na Ré, de um conjunto de culturas e políticas remuneratórias totalmente dispares, provocou, um conjunto de movimentos pluridirecionais, que geraram um turbilhão retributivo, que exigiu uma ação homogeneizadora por parte da Ré.
78.Este esforço homogeneizador não teve expressão significativa na estrutura remuneratória do Autor porquanto este se encontrava nos parâmetros a seguir.
79.O Autor tinha isenção de horário de trabalho.
80.Entre 2013/2015, internamente a Ré viu-se a braços com um mercado completamente arruinado, quer no plano dos particulares, com um desemprego altíssimo, que provocou uma enorme quebra na poupança e consequentemente nos depósitos, e uma impossibilidade prática de os particulares acederem ao crédito, e, ou, uma enorme dificuldade em cumprirem com as suas obrigações em curso.
81.A Ré viu-se confrontada com crédito mal parado, obrigando a proceder a aumentos de capital onde o já acionistas participaram com grande presença, e à injeção de capital do Estado, por meio dos conhecidos Cocos, cfr. BTE 12/2014 publicado em 29.03.2014, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
82.Situação que foi agravada por ter sido chamado, à semelhança de outras Instituições Financeiras a contribuir para o Fundo de Garantia de Depósitos e Fundo de Resolução, a fim de suportar o funcionamento do sistema bancário, e evitar uma crise sistémica no Sector.
83.No plano internacional a Ré teve de lutar, contra a queda de outras economias onde tinha investimentos muito significativos em relação à sua dimensão, e que entraram em colapso, como foi o caso da Grécia e Roménia, ou de países onde ainda mantém investimentos como em Angola e Polónia, cujas economias criaram climas económicos de grande adversidade aos investimentos feitos pela Ré.
84.Foi necessário, e reconhecido pelos Sindicatos que representam os trabalhadores, proceder, entre outras dimensões, à diminuição da massa salarial da Ré e o ajuste dos seus recursos humanos à realidade em curso.
85.Da articulação entre a Ré e os Sindicatos representativos dos Trabalhadores se conseguiu alcançar um Memoradum de Entendimento, publicado em BTE (BTE 12/2014 publicado em 29.03.2014, e extensível ao Sindicato em que o Autor é filiado por Portaria 113/2014 de 26 de Maio), que procurando a estabilização financeira da Ré, alterou diversas cláusulas do ACT aplicável, designadamente a 156ª.
86.E em que os Trabalhadores admitiam a tomada de algumas medidas restritivas dos salários, incluindo a sua não evolução e a realização de cortes salariais, e por seu lado o Banco Réu comprometia-se a não proceder a despedimentos coletivos, se conseguisse com as medidas tomadas, alcançar os parâmetros impostos pela Direção Geral da Concorrência da União Europeia (cfr. cláusula 156ª – F acrescida pelo Memorandum mencionado),
87.Permitindo-se negociar nas melhores condições possíveis a saída de algumas centenas de trabalhadores, que, de acordo com o citado memorandum deveriam ser 7.100, até 2017.
88.A Ré promoveu um conjunto de condições negociais que apresentou aos trabalhadores que desejassem sair do Banco, ou que a Ré com base nas avaliações e prestações desempenhadas ao longo do contrato de trabalho tivesse a perceção de que aportavam menos eficiência.
89.Nem todos os trabalhadores que foram abordados tinham interesse nas propostas apresentadas, e nem todos os que não foram abordados lhes ficaram indiferentes, auto propondo-se para cessar os contratos de trabalho nas condições propostas.
90.A Ré ajustou a sua organização interna, introduzindo alterações que permitissem fazer face a realidade imposta pelo mercado, como a de resolver a questão do crédito designado vulgarmente por “mal parado”.
91.Foi criada a Direção de Recuperação de Baixos Montantes (DRBM), à qual foram afetos os recursos humanos possíveis, sendo um o Autor.
92.A colocação do Autor na Direção de Recuperação de Baixos Montantes (DRBM), garantiu a sua ocupação efetiva.
93.A DRBM é responsável pela recuperação de baixos montantes, atividade que, à data da criação daquela direção, era parcialmente assegurada por uma empresa prestadora de serviços, e passou a ser assegurada por Trabalhadores do Banco.
94.Em março de 2015, após ter sido prestada formação específica a todos os Trabalhadores (de 24 a 27 de fevereiro), foi entregue a cada um deles uma carteira de clientes em incumprimento há mais de 45 dias, e com exposição até € 2.000,00.
95.As tarefas atribuídas aos Trabalhadores da DRBM passavam por contactar esses clientes, estabelecer acordos de pagamento e garantir o cumprimento dos acordos Estabelecidos.
96.Houve trabalhadores da DRBM que foram entretanto recolocados noutras áreas da Ré.
97.A dimensão das carteiras dos que permaneceram nesta Direção aumentou uma vez que foi incluída nas filas de trabalho da DRBM uma carteira de clientes com exposição de € 2.000,00 até € 25.000,00.
98.Este alargamento a clientes com níveis de exposição até € 25.000,00, exigiu nova ação de formação para todos os Trabalhadores, dado que o processo de recuperação nesses clientes implica um grau de complexidade acrescido.
99.Essa formação teve lugar nos dias 30 de junho e 3 de julho de 2015.
100.Até final do ano de 2015, foi recuperado para o Banco um valor superior a € 3.000.000,00 em clientes pertencentes à sua carteira, e nas primeiras 24 semanas de 2016 já recuperou mais de 2.000.000,00 euros.
101.Esta atividade não justifica a atribuição de isenção de horário de trabalho ao Autor.
*
Factos não provados:
a)que aquando do referido em 7), a Ré não praticava IHT;
b)que o complemento era pago conjuntamente com o subsídio de férias e de Natal;
c)que o Autor interpelou diversas vezes a Ré, em nome próprio e através do Sindicato que o representa, sem que a situação fosse regularizada;
d)que a Ré negociou com alguns trabalhadores a substituição de complementos retributivos idênticos aos acordados com o Autor por outras regalias;
e)que o acréscimo retributivo de 60% sobre a remuneração do nível em que se encontrasse foi o principal motivo que levou o Autor a ingressar nos quadros da Ré;
f)que o referido em 61) dificultou, seriamente, o cumprimento de obrigações assumidas no pressuposto da retribuição que deveria receber da Ré;
g)que a atitude da Ré provocou no Autor profundo desânimo, tristeza, desgosto, indignação, desmotivação, sentimento de desprestígio e humilhação;
h)que o Autor passou a sentir desânimo e falta de prazer nas atividades que habitualmente gosta e desenvolveu sentimentos de revolta e injustiça;
i)que os convites referidos em 62) foram feitos sob ameaças e pressões várias;
j)que a DRBM serve apenas para manter artificialmente ocupados os trabalhadores da Ré que se recusaram a aceitar propostas de rescisão contratual e /ou passagem à situação de reforma;
l)que a DRBM não tem qualquer tipo de atividade efetiva;
m)que serve apenas para punir os trabalhadores que para lá forma transferidos pela não aceitação da proposta de despedimento e/ou reforma;
n)que ao Autor, desde a transferência, não foi apresentado trabalho para desenvolver, nem na sua área de competência, nem em qualquer outra da atividade bancária para a qual o Autor tenha aptidão profissional;
o)que tal transferência serviu apenas para a Ré retaliar a não aceitação da proposta de despedimento que apresentou ao Autor;
p)e para pressionar o Autor a aceder aos seus convites para que rescinda o seu contrato de trabalho;
q)que o Autor esteve de baixa médica de 15 de junho de 2015 a 31 de julho de 2015, tendo gozado férias após essa data;
r)que o referido em 68) é causado única e exclusivamente pela atuação da Ré;
s)que em consequência do comportamento da Ré, o Autor desenvolveu uma depressão grave;
t)que a Ré exigia uma prestação de trabalho que não era compaginável com a prática de horário de trabalho;
u)que em junho de 2015, na sequência de uma queixa apresentada pela FEBASE, o Banco Réu prestou ACT todos os esclarecimentos necessários acerca da ocupação efetiva dos Colaboradores colocados na DRBM;
II.2 Nulidade da sentença
O recorrente vem arguir a nulidade da sentença, com dois argumentos distintos.
No primeiro, alega entender «que em sede de decisão sobre a matéria de facto, se verifica uma contradição insanável entre a materialidade constante do ponto 47 dos factos provados e o descrita no ponto d) dos factos não provados”. Defende que o facto do ponto d) dos factos não provados – “que a Ré negociou com alguns trabalhadores a substituição de complementos retributivos idênticos aos acordados com o Autor por outras regaliasse refere rigorosamente à mesma matéria do facto provado 47 – “Tendo a Ré negociado com alguns desses trabalhadores a sua substituição por outras regalias”.
Refere verificar-se o vício da contradição contemplado na aludida alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC.
Nesse pressuposto, entende que deverá proceder a arguida nulidade da sentença.
No segundo, vem defender que o Tribunal a quo não se pronunciou quanto ao pedido do Recorrente que o Banco fosse condenado a pagar a retribuição base que foi retirada no valor mensal de 60% sobre o seu nível de retribuição, enquanto o mesmo se encontrar ao serviço do Banco Recorrido, pelo que a sentença é igualmente nula por violação do art. 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC.
Sustenta o seguinte:
Este é o pedido que está feito na petição inicial, mas o Tribunal Recorrido entendeu erradamente na sentença recorrida (pág. 20), que o que está em causa no caso sub judice é: “a retirada ao Autor, por parte da Ré, da retribuição especial por isenção de horário de trabalho”, que não está no contrato de trabalho, sendo que a Mma. Juiz a quo dá como provado:
60.Ao longo dos anos a Ré pagou ao Autor os 60% com diversas denominações.
61.O Autor viu-se privado de uma parte da sua “retribuição mensal”.
Ora, a prova dos pontos factuais provados n.º 59, 60 e 61, impunha decisão diversa, (..)».
As causas de nulidade da sentença constam taxativamente previstas no art.º 615.º n.º 1 do CPC.
Resulta do nº 4 do mesmo art.º 615.º, que a arguição de nulidades (salvo a respeitante à falta de assinatura do juiz) deve ser feita perante o tribunal que proferiu a decisão, se esta não admitir recurso ordinário. No caso contrário, o recurso pode ter como fundamento qualquer dessas nulidades.
Este é o regime do Código de Processo Civil.
O processo laboral contém, porém, uma particularidade, decorrente do disposto no n.º1 do art.º 77.º do CPT. Em concreto, “a arguição de nulidade da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso”.
Esta redacção, pese embora as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei nº 295/2009, de 13 de Outubro, corresponde à introduzida na versão inicial deste CPT, aprovado pelo Decreto-Lei nº 480/99, de 9 de Novembro.
De resto, já antes se estabelecia idêntica solução no anterior Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo artigo 1º do Decreto-Lei n.º 272-A/81, de 30/9, em cujo art.º 72º, nº 1, constava o seguinte:
- "A arguição de nulidade da sentença é feita no requerimento de interposição do recurso".
Esta regra é ditada por razões de economia e celeridade processuais e prende-se com a faculdade que o juiz tem de poder sempre suprir a nulidade antes da subida do recurso (n.º 3 do art.º 77º). Precisamente por isso, para que possa ser exercida, é necessário que a nulidade seja arguida no requerimento de interposição do recurso que é dirigido ao juiz e não nas alegações do recurso que são dirigidas ao tribunal superior, o que implica, naturalmente, que a motivação da arguição também conste daquele requerimento.
É entendimento pacífico da jurisprudência, reafirmado sucessivamente na vigência dos diplomas acima referidos, que o tribunal superior não deve conhecer da nulidade ou nulidades da sentença que não tenham sido arguidas, expressa e separadamente, no requerimento de interposição do recurso, mas somente nas respectivas alegações [cfr., a título de exemplo, os Acórdãos do STJ de 25/10/95, Col. Jur.- Ac. do STJ de 1995, III, 279;e de 23/4/98, BMJ, 476, 297; de 24-06-2003, proc.º 03S1388, Conselheiro Dinis Roldão; de 16-03-2017, proc.º 518/14.8TTBRG.G1.S1, Conselheiro Ferreira Pinto; de 22-02-2018, proc.º 8948/15.1T8CBR.C1.S1, Conselheiro Ribeiro Cardoso (estes últimos disponíveis em www.dgsi.pt/jstj)].
Nessa consideração, como se escreve no recente Acórdão do STJ de 03/06/2015, “Se, não obstante a inobservância por parte do recorrente daquele formalismo processual, o Tribunal da Relação conhece da nulidade em questão, ao fazê-lo, conhece de questão cujo conhecimento lhe estava vedado, incorrendo, nessa parte, em nulidade de acórdão por excesso de pronúncia” [Processo 297/12.3TTCTB.C1.S1, Conselheiro Melo Lima, disponível em www.dgsi.pt].
No caso em apreço, verifica-se que o recorrente observou o disposto no art.º 77º, nº 1, do C.P.T., nada obstando à apreciação das arguidas nulidades da sentença.
II.2.1 Na primeira linha de argumentação, o recorrente alega entender «que em sede de decisão sobre a matéria de facto, se verifica uma contradição insanável entre a materialidade constante do ponto 47 dos factos provados e o descrita no ponto d) dos factos não provados”. Defende que o facto do ponto d) dos factos não provados – “que a Ré negociou com alguns trabalhadores a substituição de complementos retributivos idênticos aos acordados com o Autor por outras regaliasse refere rigorosamente à mesma matéria do facto provado 47 – “Tendo a Ré negociado com alguns desses trabalhadores a sua substituição por outras regalias”.
Refere verificar-se o vício da contradição contemplado na aludida alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do CPC.
Nesse pressuposto, entende que deverá a arguida nulidade da sentença.
Não aponta o recorrente qual a nulidade da sentença que afinal se verifica.
Dispõe a norma invocada pelo recorrente – art.º 662.º/2 al. c) do CPC - que a Relação deve, mesmo oficiosamente, “Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta”.
Decorre da norma que nas situações ai previstas, entre elas quando se verifique existir contradição na decisão sobre a matéria de facto – fundamento aqui invocado – e a Relação não a possa ultrapassar, por não constarem do processo todos os elementos que permitam a alteração daquela decisão nessa parte, que então deverá anular a decisão proferida em 1.ª instância.
Embora a norma preveja a anulação da decisão da 1.ª instância, a situação regulada nada tem a ver com a nulidade da sentença. Como é sabido, por um lado, as causas de nulidade da sentença constam taxativamente previstas no art.º 615.º n.º 1 do CPC; e, por outro, não deve confundir-se nulidade da sentença com erro de julgamento, seja na fixação dos factos ou na aplicação do direito aos factos.
Improcede, pois a arguida nulidade da sentença.
Na segunda linha de argumentação, vem o recorrente defender que o Tribunal a quo não se pronunciou quanto ao seu pedido de que o Banco fosse condenado a pagar a retribuição base que foi retirada no valor mensal de 60% sobre o seu nível de retribuição, enquanto o mesmo se encontrar ao serviço do Banco Recorrido, pelo que a sentença é igualmente nula por violação do art. 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC. Sustenta o seguinte:
Este é o pedido que está feito na petição inicial, mas o Tribunal Recorrido entendeu erradamente na sentença recorrida (pág. 20), que o que está em causa no caso sub judice é: “a retirada ao Autor, por parte da Ré, da retribuição especial por isenção de horário de trabalho”, que não está no contrato de trabalho, sendo que a Mma. Juiz a quo dá como provado:
60.Ao longo dos anos a Ré pagou ao Autor os 60% com diversas denominações.
61.O Autor viu-se privado de uma parte da sua “retribuição mensal”.
Ora, a prova dos pontos factuais provados n.º 59, 60 e 61, impunha decisão diversa, (..)».
Vejamos então.
O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras (n.º 2 do art.º 608.º do CPC].
O incumprimento desse dever conduz à nulidade por omissão de pronúncia, prevista na alínea d) do nº 1, do artigo 615º do CPC, ocorrendo, assim, quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questão que devesse conhecer.
Este regime provém já do CPC de 1939.
Sendo entendimento pacífico, quer da doutrina quer da jurisprudência, que uma sentença só é nula por omissão de pronúncia quando o Tribunal deixe de se pronunciar sobre questões relativamente às quais deveria ter-se pronunciado, mas não pelo facto de não ter apreciado todos os argumentos invocados pelo interessado.
Com já elucidava o Prof. J. Alberto dos Reis, “Quando as partes põem ao tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão” [Código de Processo Civil anotado, Vol. V., Reimpressão, Coimbra Editora, 1984, pp. 143].
Por «questões» entende-se «os pedidos deduzidos, toda as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cumpre [ao juiz] conhecer (art.660-2)» [Lebre de Freitas, Montalvão Machado, e Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra Editora, vol. II, 2ª edição, pg. 704].
Por outras palavras, as questões a que se reporta a alínea d) do nº 1 do artigo 615.º do CPC, vistas na perspectiva do direito substantivo, são os pontos de facto e ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.
O autor pede a condenação da Ré a pagar-lhe o complemento mensal acordado com este, no valor mensal de 60% sobre o seu nível de retribuição, enquanto o mesmo se encontrar ao serviço da R.
Sustenta o pedido, no que aqui releva, no essencial com base nas alegações seguintes:
- [6.º/pi] “A R., por carta datada de 7 de Novembro de 1990 (cfr. Doc. 2), comunicou ao A. a sua admissão “nas seguintes condições:
- Contrato de trabalho definitivo;
- Classificação na categoria profissional correspondente ao Grupo I, com o Nível 07 do A.C.T.V. do sector bancário, sendo a respectiva remuneração acrescida de 60%, a título de “Isenção de Horário de Trabalho” e de “Subsídio de Dedicação Exclusiva”;
- (…)”.
-[7.º/pi] A 14 de Novembro de 1990, A. e R. celebraram contrato de trabalho pelo qual aquele foi admitido ao serviço desta, como empregado bancário, obrigando-se a prestar à ora R. os seus serviços profissionais, sob a sua autoridade e direcção – cfr. Doc. 3.
[11.º/pi] Nesse contrato, foi atribuído ao A. o nível 7 do ACTV do Sector Bancário, sendo ainda acordado que a retribuição mensal do nível do A. seria acrescida de um complemento retributivo de 60%, condições que o A. aceitou (cfr. cláusulas 2º e 3º do contrato junto como Doc. 3).
[12.º/p1] A R. no mês de Dezembro de 1990 pagou ao A. a sua retribuição base no valor de 97.510$00, acrescida de 58.506$00 que a R. qualificou nos respectivos recibos como “47% ISENCAO HORARIO” (45.830$00) e “13% SUB. D. EXCLUSIVA” (12.676$00), o que perfazia os 60% constantes da carta que constitui o Doc. 2 e da cláusula 3.ª do contrato que constitui o Doc. 3– cfr. Doc. 6.
[13.º/pi) O certo é que o valor pago correspondia aos 60% incidentes sobre a retribuição do nível do A., conforme acordado (97.510$00 x 60% = 58.506$00);
[14.º/pi] E que o A. não praticava IHT.
[21.º/pi] Embora com as mais diversas designações, a R. sempre foi pagando ao A. uma importância, pelo menos próxima, da devida e acordada aquando da sua admissão ao seu serviço (e ínsita no carta que constitui o Doc. 2 e na cláusula 3.ª do contrato que constitui o Doc. 3) até Julho de 2015 – cfr. Docs. 24 a 40.
[22.º/pi] Por carta datada de 09.04.2015, a R. informou o A. que “foi superiormente decidido fazer cessar o referido regime [de Isenção de Horário de Trabalho] e, consequentemente, o pagamento da retribuição adicional, com efeitos a partir de 01 de Julho de 2015” – cfr. Doc. 41.
[24.º/pi] Por carta datada de 06.05.2015, o A. respondeu àquela missiva, não dando o seu acordo à retirada daquele complemento e informando que o mesmo “foi negociado e contratualizado” aquando da sua admissão ao serviço da R. e que “o mesmo constitui, indubitavelmente um complemento remuneratório”, anexando o contrato individual de trabalho celebrado e carta com as condições de admissão que se juntaram supra sob, respetivamente, os Docs. 3 e 2 – cfr. Doc. 42.
[25.º/pi] A R. respondeu, por carta datada de 18.05.2015, mantendo a sua posição – cfr. Doc. 43.
[26.º/pi] No mês de Julho de 2015, a R. aumentou a rubrica que lhe vinha pagando sob a designação de “COMPLEM. VENCIMENTO” de € 162,69 para € 189,69 – cfr. Docs. 40 e 44;
[27.º/pi] Tendo suprimido a rubrica que vinha pagando ao A. sob a designação “ISENCAO HORARIO” – cfr. Doc. 44.
Como se retira desta alegação, na negociação pré-contratual a R. assumiu que pagaria ao autor “(..) a respectiva remuneração acrescida de 60%, a título de “Isenção de Horário de Trabalho” e de “Subsídio de Dedicação Exclusiva o invocado complemento de 60%”. Ao longo dos anos, até Junho de 2015, sempre lhe pagou 60% sobre o vencimento, resultando o valor correspondente àquela percentagem da soma de um complemento pago sob a designação ISENCAO HORARIO e de outro denominado SUB. D. EXCLUSIVA, sendo que esse terá tido outras denominações.
A partir de Julho de 2015, na sequência da carta que dirigiu ao Autor, informando-o que “foi superiormente decidido fazer cessar o referido regime [de Isenção de Horário de Trabalho] e, consequentemente, o pagamento da retribuição adicional, com efeitos a partir de 01 de Julho de 2015”, a Ré deixou de lhe pagar o valor que até então vinha pagando mensalmente sob aquele título.
Daí o autor ter-se insurgido, invocando que o mesmo «(..) “foi negociado e contratualizado” aquando da sua admissão ao serviço da R. e que “o mesmo constitui, indubitavelmente um complemento remuneratório”».
Por conseguinte, do alegado complemento mensal de 60% acordado entre A. e R., a parte que está em causa por ter sido suprimido o pagamento a partir de Julho de 2015, é a que era paga sob a designação ISENÇAO HORARIO.
Na sentença, sobre esta questão lê-se o seguinte:
-«(…)
Ora, desde a data da contratação foi paga ao Autor complemento a título de isenção parcial de horário de trabalho, pagamento esse que se manteve até que a Ré, por carta de 9 de fevereiro de 2015, comunicou à A. a cessação de tal isenção a partir de 1 de julho de 2015.
(..)
Ora, no caso sub judice, em causa está a retirada ao Autor, por parte da Ré, da retribuição especial por isenção de horário de trabalho.
(..)
No caso em apreço, considerando que a Ré se obrigou a pagar, e pagou, à Autora, mensalmente, desde 12 de Agosto de 1995 até 13 de Maio de 2015, uma importância a título de retribuição especial por isenção de horário de trabalho, a referida prestação dadas as características de periodicidade e regularidade (no sentido de que a Ré empregadora se obrigou a pagar, e pagou, com determinada normalidade temporal, o valor em causa) não podem deixar de assumir natureza retributiva, mormente mostrando-se provado que a prestação em causa se manteve, mesmo no período de ausência por doença.
Todavia, embora assente o carácter retributivo daquela prestação, daí não se pode concluir, sem mais, que a mesma não possa ser retirada à Autora.
(..)
Ora, a Ré vem fundamentar a supressão do acréscimo remuneratório em causa no nº 6 da cláusula 55º do ACT aplicável ao sector bancário que dispõe que por acordo escrito, podem ser isentos de horário de trabalho os trabalhadores com funções específicas ou de enquadramento e todos aqueles cujas funções o justifiquem, tendo direito a uma retribuição adicional e que tal regime de isenção de horário de trabalho cessará nos termos acordados ou, se o acordo for omisso, mediante denúncia de qualquer das partes feita com a antecedência mínima de um mês.
Analisada a comunicação da Ré ao Autor datada de 7 de novembro de 1990, verifica-se a remuneração aí estabelecida a título de isenção de horário de trabalho.
Por seu lado a comunicação datada de 9 de abril de 2015, deu a conhecer ao Autor a decisão de cancelamento da isenção parcial da prestação de isenção de horário de trabalho a que se encontra vinculada, o que veio a acontecer a 1 de julho de 2015.
Operou assim a denúncia do acordo com mais de um mês de antecedência e, com a antecedência concedida, garantiu o pagamento da retribuição adicional até três meses depois de a mesma ter sido comunicada. (neste sentido veja-se o Ac.TRC de 26.03.2015, in www.dgsi.pt.).
Podemos, assim, concluir que lícita foi a cessação do pagamento correspondente à isenção cessada, tendo em conta que a mesma não é irredutível nos termos já acima indicados.
(..)».
Não cremos, pois, que haja nulidade da sentença por omissão de pronúncia, pois do transcrito decorre que o Tribunal a quo apreciou e decidiu a questão. O que pode haver é erro de julgamento, mas como já de disse, tal não deve confundir-se com a nulidade da sentença.
E, salvo o devido respeito, o recorrente incorre nessa confusão, pois apesar de vir arguir a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, depois acaba por assumir que o Tribunal se pronunciou, mas que errou. Senão veja-se: “Ora, a prova dos pontos factuais provados n.º 59, 60 e 61, impunha decisão diversa”.
Por conseguinte, improcede igualmente mais esta alegada nulidade da sentença.
II.3 Alteração da decisão sobre a matéria de facto por iniciativa deste Tribunal de recurso
Percorrida a matéria de facto fixada, constata-se que o Tribunal a quo pronunciou-se sobre alegações conclusivas das partes, quer para as dar como provadas quer para as considerar não provadas.
Assim, antes de prosseguirmos para a apreciação da impugnação da decisão sobre a matéria de facto suscitada pelo recorrente, fazendo uso dos poderes oficiosos que nos estão cometidos (art.º 662.º 1, do CPC), impõe-se começar por expurgar a matéria de facto das partes conclusivas sobre as quais se pronunciou a 1.ª instância.
Com efeito, conforme é entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça, as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos que tenham sido alegados, sobre os quais tenha recaído prova que suporte o sentido dessas alegações, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto provada. Dito de outro modo, só os factos materiais são susceptíveis de prova e, como tal, podem considerar-se provados. As conclusões, envolvam elas juízos valorativos ou um juízo jurídico, devem decorrer dos factos provados, não podendo elas mesmas serem objecto de prova [cfr. Acórdão de 23.9.2009, Proc. n.º 238/06.7TTBGR.S1, Bravo Serra; e, mais recentemente, reiterando igual entendimento jurisprudencial: de 19.4.2012, Proc.º 30/08.4TTLSB.L1.S1, Pinto Hespanhol; de 23/05/2012, proc.º 240/10.4TTLMG.P1.S1, Sampaio Gomes; de 29/04/2015, Proc.º 306/12.6TTCVL.C1.S1, Fernandes da Silva; de 14/01/2015, Proc.º 488/11.4TTVFR.P1.S1, Fernandes da Silva; 14/01/2015, Proc.º 497/12.6TTVRL.P1.S1, Pinto Hespanhol; todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj].
Segundo elucida Anselmo de Castro “são factos não só os acontecimentos externos, como os internos ou psíquicos, e tanto os factos reais, como os simplesmente hipotéticos”, depois acrescentando que “só, (…), acontecimentos ou factos concretos no sentido indicado podem constituir objecto da especificação e questionário (isto é, matéria de facto assente e factos controvertidos), o que importa não poderem aí figurar nos termos gerais e abstractos com que os descreve a norma legal, porque tanto envolveria já conterem a valoração jurídica própria do juízo de direito ou da aplicação deste” [Direito Processual Civil Declaratório, Almedina, Coimbra, vol. III, 1982, p. 268/269].
No mesmo sentido, o Senhor Desembargador Henrique Araújo [no estudo “A MATÉRIA DE FACTO NO PROCESSO CIVIL”, publicado no sítio desta Relação do Porto, acessível em www.trp.pt] observa que “(..) questão de facto é (..) tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrências da vida real e de quaisquer mudanças ocorridas no mundo exterior, bem como à averiguação do estado, qualidade ou situação real das pessoas ou das coisas” e que “(..) além dos factos reais e dos factos externos, a doutrina também considera matéria de facto os factos internos, isto é, aqueles que respeitam à vida psíquica e sensorial do indivíduo, e os factos hipotéticos, ou seja, os que se referem a ocorrências virtuais”.
Entendimento igualmente afirmado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-03-2014, afirmando-se que “Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar a seleção da matéria de facto relevante para a decisão, sendo, embora, de equiparar aos factos os conceitos jurídicos geralmente conhecidos e utilizados na linguagem comum, verificado que esteja um requisito: não integrar o conceito o próprio objeto do processo ou, mais rigorosa e latamente, não constituir a sua verificação, sentido, conteúdo ou limites objeto de disputa das partes” [Proc.º n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado, disponível em www.dgsi.pt].
Assim, as afirmações de natureza conclusiva devem ser excluídas do elenco factual a considerar, se integrarem o thema decidendum, entendendo-se como tal o conjunto de questões de natureza jurídica que integram o objeto do processo a decidir, no fundo, a componente jurídica que suporta a decisão. Daí que sempre que um ponto da matéria de facto integre uma afirmação ou valoração de factos que se insira na análise das questões jurídicas a decidir, comportando uma resposta, ou componente de resposta àquelas questões, tal ponto da matéria de facto deve ser eliminado [Ac. STJ de 28-01-2016, Proc. nº 1715/12.6TTPRT.P1.S1, António Leones Dantas, www.dgsi.pt.].
Significando isto, que quando tal não tenha sido observado pelo tribunal a quo e este tenha emitido pronúncia sobre afirmações conclusivas, deve a mesma ter-se por não escrita. E, pela mesma ordem de razões, que deve ser desconsiderado um facto controvertido cuja enunciação se revele conclusiva, desde que o mesmo se reconduza ao thema decidendum”, não podendo esquecer-se que o juiz só pode servir-se dos factos alegados pelas partes e que “Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir (..)” [art.º 5.º 1 do CPC].
O primeiro conjunto de factos com partes conclusivas ou inteiramente conclusivos foi logo fixado no saneamento, por acordo das partes e respeita a alegações da Ré. São os seguintes:
52.Na época da contratação do Autor, a Ré tinha uma política de remuneração muito genuína que se distanciava das demais Instituições Financeiras que na altura operavam em Portugal.
53.As condições fornecidas pela Ré constituíam uma melhoria face às condições remuneratórias em prática no Sector, por que significavam o pagamento de um valor acima do que no sector (ACT) é considerado remuneração base, ou de nível, que noutras Instituições Concorrentes ou não era pago, ou era consubstanciado em prestações de duvidosa natureza retributiva.
54.Constituindo uma vantagem relativamente aos seus concorrentes.
55.A Ré pagava uma retribuição demarcando-se do resto do mercado e estabelecia uma estrutura retributiva que, com exceção da isenção de horário de trabalho, estava sujeita ao princípio da irredutibilidade da retribuição.
56.A Ré sempre pagou ao Autor e demais trabalhadores um valor superior a 60% (percentagem varia nos contratos) sobre o valor do nível que este e os seus colegas em situações idênticas, teve/tiveram em cada momento e até ao ano de 2000, muito embora com a convicção que a isso não estava obrigada, sem prejuízo da irredutibilidade da retribuição.
57.Esta prática aritmética, transversal aos trabalhadores contratados na mesma época do Autor, pese embora a existência de particularidades em cada contrato, gerou, pelo uso e costume a convicção de que teriam tais trabalhadores, como o Autor, o direito a uma retribuição composta pelo ordenado do nível remuneratório acrescida de 60% do mesmo, relevando o nível em cada momento, uma vez que o conjunto da retribuição por isenção de horário de trabalho e do complemento era em regra superior a 60% do nível que os trabalhadores tinham em cada momento.
Para além desses, na fixação dos factos após a realização do julgamento, o Tribunal a quo considerou provados os facto, igualmente conclusivos ou com partes conclusivas seguintes:
70.A Ré, que dava os primeiros passos como Instituição Financeira, num esforço de ganhar presença orgânica num mercado de grande concorrência, disponibilizava aos Trabalhadores que convidava, e recrutava junto de outras Instituições de Crédito, entre outras condições, uma verdadeira estrutura remuneratória.
71.A Ré promoveu contratações em massa que visavam essencialmente criar um corpo de recursos humanos que permitisse uma assistência ao Cliente que ultrapassasse largamente os praticados na Banca em geral.
73.Ao longo da relação laboral, e por imperativos atinentes à regularização da isenção de horário de trabalho junto da Inspeção do Trabalho, Autor e Ré documentaram o acordo de isenção de horário de trabalho.
77.A união na Ré, de um conjunto de culturas e políticas remuneratórias totalmente dispares, provocou, um conjunto de movimentos pluridirecionais, que geraram um turbilhão retributivo, que exigiu uma ação homogeneizadora por parte da Ré.
78.Este esforço homogeneizador não teve expressão significativa na estrutura remuneratória do Autor porquanto este se encontrava nos parâmetros a seguir.
79.O Autor tinha isenção de horário de trabalho.
92.A colocação do Autor na Direção de Recuperação de Baixos Montantes (DRBM), garantiu a sua ocupação efetiva.
Por último, acrescem ainda outras alegações conclusivas sobre as quais foi emitida pronúncia pelo tribunal a quo para as considerar não provadas, em concreto, as seguintes:
c)que o Autor interpelou diversas vezes a Ré, em nome próprio e através do Sindicato que o representa, sem que a situação fosse regularizada;
d)que a Ré negociou com alguns trabalhadores a substituição de complementos retributivos idênticos aos acordados com o Autor por outras regalias;
f)que o referido em 61) dificultou, seriamente, o cumprimento de obrigações assumidas no pressuposto da retribuição que deveria receber da Ré;
i)que os convites referidos em 62) foram feitos sob ameaças e pressões várias;
j)que a DRBM serve apenas para manter artificialmente ocupados os trabalhadores da Ré que se recusaram a aceitar propostas de rescisão contratual e /ou passagem à situação de reforma;
m)que serve apenas para punir os trabalhadores que para lá forma transferidos pela não aceitação da proposta de despedimento e/ou reforma;
o)que tal transferência serviu apenas para a Ré retaliar a não aceitação da proposta de despedimento que apresentou ao Autor;
p)e para pressionar o Autor a aceder aos seus convites para que rescinda o seu contrato de trabalho;
r)que o referido em 68) é causado única e exclusivamente pela atuação da Ré;
s) que em consequência do comportamento da Ré, o Autor desenvolveu uma depressão grave;
No caso vertente o thema decidendum ou, por outras palavras, a questão essencial em discussão, é a de saber se a Ré podia retirar unilateralmente ao autor o pagamento da quantia que desde o início do contrato e até Junho de 2015 lhe pagava mensalmente, sob a designação de ISENÇAO HORARIO e as alegadas consequências que dai resultaram para aquele, designadamente a nível psicológico.
Todas as alegações acima transcritas reconduzem-se às questões controvertidas relativas a esse núcleo essencial e são, no seu todo, ou pelo menos em parte, manifestamente conclusivas, visto nuns casos integrarem conclusões de facto, noutros juízos conclusivos de direito, noutros ainda juízos valorativos ou expressões com natureza jurídica. Por conseguinte, o tribunal a quo nunca poderia dar como provadas ou não provadas aquelas alegações.
Vejamos então, caso a caso, se devem ser considerar-se não escritos na totalidade ou se apenas é necessário eliminar as partes conclusivas.
As alegações consideradas como provadas sob os números 52, 53 e 54, respeitam à política de remuneração da Ré na época de contratação do autor. Todas elas têm partes conclusivas e outras que são alegações factuais.
Procurando aproveitar o que é factual, reduzimos esses factos a um único, com o conteúdo seguinte:
[52, 53 e 54] Na época da contratação do Autor, a Ré tinha uma política de remuneração cujas condições constituíam uma melhoria face às condições remuneratórias em prática no Sector, por significarem o pagamento de um valor acima do que no sector (ACT) é considerado remuneração base, ou de nível, que noutras Instituições Concorrentes ou não era pago, ou era consubstanciado em outras prestações.
Segue-se o facto 55, que por ser todo ele conclusivo é eliminado.
Quanto ao facto 57, altera-se a redacção para passar a ser a seguinte: Na prática retributiva da Ré, transversal aos trabalhadores contratados na mesma época do Autor, pese embora a existência de particularidades em cada contrato, o conjunto da retribuição por isenção de horário de trabalho e do complemento era em regra superior a 60% do nível que os trabalhadores tinham em cada momento.
No que respeita aos factos provados, restam os sob os números 70, 71, 77, 78, 79 e 92, que se eliminam por inteiramente conclusivos. Em suma, que ai consta provado só poderia ser concluído na sentença com base em factos alegados e provados pelas partes.
Quanto ao facto provado 73, a redacção dada corresponde à alegação da R. no art.º 39.º da Contestação, onde se lê: Mas mais, ao longo da relação laboral, e por imperativos atinentes à regularização da isenção de horário de trabalho junto da Inspeção do Trabalho, A. e R. documentaram o acordo de isenção de horário de trabalho. Cfr. docs. 1, 2 e 3.
A redacção é conclusiva, na medida em que não concretiza como, quando e em que termos “A. e R. documentaram o acordo de isenção de horário de trabalho”. Por essa razão, não podia simplesmente ser dada como provada nesses termos, havendo que verificar através dos documentos juntos para demonstrar o alegado – não impugnados pelo autor – se era possível uma resposta explicativa. Os documentos em causa consistem no seguinte:
i) Uma “declaração”, que acima dessa menção consta dirigida ao Inspector Delegado do Instituto de Desenvolvimento e Inspecção das Condições do Trabalho, com o teor “O empregado abaixo assinado declara ar o seu acordo ao pedido de isenção de horário d trabalho formulado pelo C..., SA, e que no seu vencimento já consta um acréscimo para esse fim”, depois constando o nome completo do autor e a sua assinatura; não apresenta qualquer data ou carimbo que demonstre a apresentação no serviço para que se mostra dirigido.
ii) Um documento com o título “Acordo de Isenção de horário de Trabalho”, onde começa por se invocar o art.º 177.º n.º2, do CT e a Cláusula 51.ª do ACT celebrado entre a Ré e os Sindicatos do Centro, Norte e Sul e Ilhas, publicado no BTE 1.ª Série – n.º48, de 19.12.2001, para depois constar, além do mais, o seguinte:
- «(..) “é celebrado o presente acordo entre o empregador (..) e o trabalhador B..., que desenvolve a sua actividade no estabelecimento desta entidade (..) com a categoria profissional de Assistente Operacional, desempenhando regularmente funções de confiança, com carácter de autonomia, representação, lealdade e confidência, envolvendo a delegação de poderes para atender, representar ou negociar com os clientes em nome da entidade patronal.
Colocado no nível 08 do IRCT acima referido, com uma retribuição base de € 960,00 acrescida do valor das diuturnidades de € 176,26, é acordado que o desempenho da actividade laboral contratada entre as partes passará a estar sob regime de ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO sem sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho.
Pela isenção do horário de trabalho, o trabalhador tem direito a receber uma retribuição especial, no montante de € 528,36, estipulada na Clª 91 do IRCT aplicável, que não é inferior à retribuição correspondente a duas horas de trabalho suplementar por dia calculada sobre a retribuição base acrescida do valor das diuturnidades, a ser paga com periodicidade mensal.
(..)
O presente acordo vigora até que uma das partes o denuncie.
Celebrado no Porto, em 21 de Junho de 2004, constando de três exemplares, destinando-se um a cada um dos outorgantes e o outro à Inspecção –Geral do Trabalho, Delegação do Porto”.
Logo abaixo constam as assinaturas de um Director Adjunto e de um director da Ré e, abaixo destas, o nome do autor e a sua assinatura.
iii) Outro documento com o título “Acordo de Isenção de horário de Trabalho”, onde começa por se invocar o art.º 177.º n.º2, do CT e a Cláusula 53.ª do ACT celebrado entre a Ré e os Sindicatos do Centro, Norte e Sul e Ilhas, publicado no BTE 1.ª Série – n.º4, de 20.01.2005, depois constando, para além do mais, o seguinte:
- «(..) “é celebrado o presente acordo entre o empregador C..., SA (..) e o colaborador B..., que desenvolve a sua actividade no estabelecimento desta entidade (..) com a categoria profissional de Assistente Operacional, desempenhando regularmente funções de confiança, com carácter de autonomia, representação, lealdade e confidência, envolvendo a delegação de poderes para atender, representar ou negociar com os clientes, em nome da entidade patronal.
Colocado no nível 08 do IRCT acima referido, com uma retribuição base de € 1011 acrescida do valor das diuturnidades de € 222,6, é acordado que o desempenho da actividade laboral contratada entre as partes passará a estar sob regime de ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO sem sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho.
Pela isenção do horário de trabalho, o trabalhador tem direito a receber uma retribuição especial, no montante de € 673,62, estipulada na Clª 93 do IRCT aplicável, que não é inferior à retribuição correspondente a duas horas de trabalho suplementar por dia calculada sobre a retribuição base acrescida do valor das diuturnidades, a ser paga com periodicidade mensal.
(..)
O presente acordo vigora até que uma das partes o denuncie, com a antecedência mínima de dois meses.
Celebrado no Porto, em 15 de Fevereiro de 2006, constando de três exemplares, destinando-se um a cada um dos outorgantes e o outro à Inspecção –Geral do Trabalho, Delegação do Porto”.
Logo abaixo constam as assinaturas de um Director Adjunto e de um Director Central da Ré e, abaixo destas, o nome do autor e a sua assinatura.
O primeiro daqueles documentos, só por si, é absolutamente irrelevante. Embora esteja subscrito pelo autor, não se sabe quando foi elaborado, nem tão pouco se foi apresentado junto da Inspecção do Trabalho e quando.
Diferentemente, os outros dois estão consubstanciam um acordo de isenção de horário, celebrado nos termos permitidos pelo art.º 177.º, do CT/03, devidamente assinados pelas partes, pelo que o seu conteúdo deverá ser levado aos factos provados e, concomitantemente, alterado o facto 73, expurgando-o das partes conclusivas.
Assim, altera-se a redacção do facto provado 73, para passar a ser a seguinte:
[73] Ao longo da relação laboral, por imperativos atinentes à regularização da isenção de horário de trabalho junto da Inspeção do Trabalho, A. e R. documentaram o acordo de isenção de horário de trabalho, em 21 de Junho de 2004 e 15 de Fevereiro, em documentos com o título “Acordo de Isenção de horário de Trabalho”, que se mostram assinados por representantes da Ré e pelo autor, onde consta, respectivamente:
i) [documento de 21/06/2004]
«(..) é celebrado o presente acordo entre o empregador (..) e o trabalhador B..., que desenvolve a sua actividade no estabelecimento desta entidade (..) com a categoria profissional de Assistente Operacional, desempenhando regularmente funções de confiança, com carácter de autonomia, representação, lealdade e confidência, envolvendo a delegação de poderes para atender, representar ou negociar com os clientes em nome da entidade patronal.
Colocado no nível 08 do IRCT acima referido, com uma retribuição base de € 960,00 acrescida do valor das diuturnidades de € 176,26, é acordado que o desempenho da actividade laboral contratada entre as partes passará a estar sob regime de ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO sem sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho.
Pela isenção do horário de trabalho, o trabalhador tem direito a receber uma retribuição especial, no montante de € 528,36, estipulada na Clª 91 do IRCT aplicável, que não é inferior à retribuição correspondente a duas horas de trabalho suplementar por dia calculada sobre a retribuição base acrescida do valor das diuturnidades, a ser paga com periodicidade mensal.
(..)
O presente acordo vigora até que uma das partes o denuncie.
Celebrado no Porto, em 21 de Junho de 2004, constando de três exemplares, destinando-se um a cada um dos outorgantes e o outro à Inspecção –Geral do Trabalho, Delegação do Porto”.
ii) [documento de 15/02/2006]
«(..) é celebrado o presente acordo entre o empregador C..., SA (..) e o colaborador B...., que desenvolve a sua actividade no estabelecimento desta entidade (..) com a categoria profissional de Assistente Operacional, desempenhando regularmente funções de confiança, com carácter de autonomia, representação, lealdade e confidência, envolvendo a delegação de poderes para atender, representar ou negociar com os clientes, em nome da entidade patronal.
Colocado no nível 08 do IRCT acima referido, com uma retribuição base de € 1011 acrescida do valor das diuturnidades de € 222,6, é acordado que o desempenho da actividade laboral contratada entre as partes passará a estar sob regime de ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO sem sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho.
Pela isenção do horário de trabalho, o trabalhador tem direito a receber uma retribuição especial, no montante de € 673,62, estipulada na Clª 93 do IRCT aplicável, que não é inferior à retribuição correspondente a duas horas de trabalho suplementar por dia calculada sobre a retribuição base acrescida do valor das diuturnidades, a ser paga com periodicidade mensal.
(..)
O presente acordo vigora até que uma das partes o denuncie, com a antecedência mínima de dois meses.
Celebrado no Porto, em 15 de Fevereiro de 2006, constando de três exemplares, destinando-se um a cada um dos outorgantes e o outro à Inspecção –Geral do Trabalho, Delegação do Porto”».
Prosseguindo para os “factos não provados” das alíneas c), d), f), i), j), m), n), o), p), r) e s), consideram-se todas elas não escritas, por serem conclusivas ou conterem afirmações vagas e genéricas – não se sabendo, por exemplo qual a acção ou acto concreto e quando, como, onde e por quem foi praticado. Em suma, todas elas são insusceptíveis de prova, por não consubstanciarem alegações de facto.
Por outro lado, impõe-se ainda intervir na decisão sobre a matéria de facto para aditar dois factos indispensáveis para a boa decisão da causa, suficientemente alegados pelo autor e inequivocamente demonstrados, nomeadamente, através dos recibos de vencimento do autor juntos aos autos pela Ré, não só não impugnados por aquele, mas até invocados em seu benefício na impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
O tribunal a quo não cuidou de os fixar e o autor também não lhes fez menção na impugnação, mas o certo é que em caso de procedência da acção são imprescindíveis para se determinar a real diferença dos valores que, caso seja essa a solução, serão devidos ao autor.
A Ré juntou aos autos, em sucessivos requerimentos apresentados via Citius, a 11 de Novembro de 2016, os recibos de vencimento do autor desde Abril de 1999 até Outubro de 2016, sendo que por ora apenas nos interessam os respeitantes a partir de Janeiro de 2015. Retira-se dos mesmos que no ano de 2015, entre Janeiro e Junho, ou seja, até ao último mês em que a ré pagava ao autor o complemento retributivo sob o título “ISENÇAO HORARIO”, que a remuneração auferida pelo autor era composta, conforme expresso nos recibos, pelas componentes seguintes:
- Vencimento Base: 1.120,33 €
- Diuturnidades: 328,72 €
- Isenção Horário – 46,50 (sob o título taxa) – 673,84 €
- Complem. Vencimento – 162,69 €
Por outro lado, resulta também que a partir de Julho de 2015 (inclusive), a remuneração auferida pelo autor, conforme discriminado nos recibos, passou a ser composta pelas prestações seguintes:
- Vencimento Base: 1.120,33 €
- Diuturnidades: 328,72 €
- Complem. Vencimento: 189,69 €.
Assim, aditam-se dois factos, inserindo-os sob os n.ºs 20A e 20B, por forma a preservar a sequência lógica introduzida pela 1.ª instância, com o seguinte teor:
20A. Entre Janeiro e Junho de 2015, a remuneração auferida pelo autor era composta, conforme expresso nos recibos, pelas componentes seguintes:
- Vencimento Base: 1.120,33 €
- Diuturnidades: 328,72 €
- Isenção Horário – 46,50 (sob o título taxa) – 673,84 €
- Complem. Vencimento – 162,69 €
20B. A partir de Julho de 2015 (inclusive), a remuneração auferida pelo autor, conforme discriminado nos recibos, passou a ser composta pelas prestações seguintes:
- Vencimento Base: 1.120,33 €
- Diuturnidades: 328,72 €
- Complem. Vencimento: 189,69 €.
II.4 Impugnação da decisão sobre a matéria de facto
O recorrente vem impugnar a decisão sobre a matéria de facto por considerar que o tribunal a quo errou na apreciação da prova e fixação dos factos ao considerar provados os factos 79, 92 e 101, e não provado o que consta sob as alíneas b), c), d), e), f), g), h), i), j), l), m), n), o), p), q), r) e s).
Em face do decidido por nossa iniciativa no ponto anterior, parte da impugnação está prejudicada visto terem-se eliminado, de entre os factos provados impugnados pelo autor, os sob os números 79 e 92; e, no que concerne aos não provados, considerados não escritas as alegações constantes das alíneas c), d), f), i), j), m), n), o) p), r) e s).
Assim, para apreciação ficam apenas o facto provado 101 e os factos não provados das alíneas b), e), g), h), l) e q).
Conforme decorre do n.º1 do art.º 662.º do CPC, a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa. Nas palavas de Abrantes Geraldes, “(..) a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância” [Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, Coimbra, 2013, p. 221/222].
Pretendendo a parte impugnar a decisão sobre a matéria de facto, deve observar os ónus de impugnação indicados no art.º 640.º do CPC, isto é, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso, nomeadamente os seguintes:
- Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados;
- Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
- A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
- Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, a indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes.
A propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, sendo estas não apenas a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações, mas atendendo sobretudo à sua função definidora do objeto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração [cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: de 23-02-2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, Conselheiro FONSECA RAMOS; de 04/03/2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, Conselheiro ANTÓNIO LEONES DANTAS; de 19/02/2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, Conselheiro TOMÉ GOMES; de 12-05-2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, Conselheira ANA LUÍSA GERALDES; de 27/10/2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1, Conselheiro RIBEIRO CARDOSO; e, de 03/11/2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1, Conselheiro GONÇALVES ROCHA (todos eles disponíveis em www.dgsi.pt)].
Para além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa” [cfr. Ac. STJ de 01-10-2015, [Proc.º n.º 824/11.3TTLRS.L1.S1, Conselheira Ana Luísa Geraldes, disponível em www.dgsi.pt].
Atentos estes princípios, como primeiro passo, impõe-se verificar se algo obsta à apreciação da impugnação.
Nas conclusões está feita a individualização dos factos impugnados e da resposta alternativa pretendida, pelo que consideramos observado o que se entende como minimamente suficiente.
Quanto ao mais, nomeadamente, no que concerne aos meios de prova, o recorrente sustenta-se em documentos que identifica e em testemunhos que indica, fazendo a menção aos pontos da gravação em que se encontram os excertos que invoca e transcreve. Aliás, refira-se, o recorrente optou por trazer a transcrição integral da prova gravada- Para além disso, com base nesses meios de prova explica as razões que, na sua perspectiva, justificam as pretendidas alterações.
Conclui-se, pois, que o recorrente observou os ónus de impugnação impostos pelo art.º 640.º nºs 1, al. b), e 2, al. a), do CPC, nada obstando à sua apreciação.
II.4.1 Vejamos se assiste razão ao recorrente, começando por enunciar o facto provado e os factos não provados que são objecto da impugnação, nomeadamente os seguintes:
Facto provado 101: Esta atividade não justifica a atribuição de isenção de horário de trabalho ao Autor.
Factos não provados:
- b) que o complemento era pago conjuntamente com o subsídio de férias e de Natal;
- e) que o acréscimo retributivo de 60% sobre a remuneração do nível em que se encontrasse foi o principal motivo que levou o Autor a ingressar nos quadros da Ré;
- g) que a atitude da Ré provocou no Autor profundo desânimo, tristeza, desgosto, indignação, desmotivação, sentimento de desprestígio e humilhação;
- h) que o Autor passou a sentir desânimo e falta de prazer nas atividades que habitualmente gosta e desenvolveu sentimentos de revolta e injustiça
- l) que a DRBM não tem qualquer tipo de atividade efetiva;
- q) que o Autor esteve de baixa médica de 15 de junho de 2015 a 31 de julho de 2015, tendo gozado férias após essa data.
O Tribunal a quo fundamentou a sua convicção para proceder à fixação da matéria de facto nos ermos que seguem:
Na determinação da matéria de facto atrás assente – com exceção dos itens 1º a 57º que se deram por assentes em sede de despacho saneador - teve o Tribunal por base a apreciação crítica e conjunta de todos os meios de prova carreados para os autos pelas partes.
Vejamos.
O Autor trouxe aos autos as testemunhas H..., I..., J..., K..., L..., M... e N..., todos eles bancários, colegas do Autor e funcionários do Réu e que como este viveram a maior parte da sua atividade profissional ao serviço do banco Réu, vivendo as mudanças deste e sendo também conduzidos à Direção de Recuperação de Baixos Montantes nos últimos anos.
Por seu lado, o Réu trouxe aos autos as testemunhas O..., P..., Q... e S..., também eles bancários, ao serviço do Réu.
Ora, tais testemunhas depuseram com isenção e de forma esclarecida apesar de algumas terem ações semelhantes à presente contra o banco Réu e, face às funções exercidas neste, com conhecimento direto dos factos sobre que prestaram depoimento.
Ora, as testemunhas arroladas pelo Autor descreveram o momento da contratação, os valores combinados bem como as expectativas que cada um tinha naquela altura.
Destes depoimentos resultou ainda as alterações que a nível do banco Réu foram surgindo, designadamente a nível salarial e de condições de trabalho.
Dos depoimentos destas testemunhas conjugadas com as arroladas pelo Réu foi possível ao Tribunal aferir da crise que assolou a atividade e entidades bancárias, quer a nível nacional quer a nível internacional, dos compromissos a que se sujeitou o banco Réu designadamente, redução de despesas e de funcionários, as diligências realizadas com vista à rescisão de contratos de trabalho, que abrangeram também o Autor, a situação de excedentário e a colocação do mesmo, bem como de outros funcionários na DRBM.
Destes depoimentos foi ainda possível aferir da atividade inicialmente tímida desta DRBM e a evolução e relevo da mesma.
Por outro lado, forma relevantes os documentos juntos aos autos e não impugnados pelas partes, quais sejam, a carta remetida pelo Réu ao Autor antes da celebração do contrato de trabalho, junto a fls. 18 vº, o contrato de trabalho de fls. 19 a 20, a ficha de trabalhador do Autor junta a fls. 20 vº a 21, os recibos de vencimento de fls. 21 vº a 32, 35 a 41, 43, 151 vº a 264 e ainda a correspondência trocada entre as partes.
Daqui foi possível ao Tribunal aferir das negociações prévias existentes entre Autor e Ré e da composição da sua remuneração, que veio depois a resultar no contrato firmado. Foi ainda possível ao Tribunal aferir da remuneração efetivamente paga ao Autor ao longo do contrato e da distribuição desta.
Relevante foi ainda a declaração médica junta aos autos a fls. 45, da qual retirou o Tribunal a doença e o período desta. Em sede de audiência de discussão e julgamento foi ouvido T..., Médico Especialista em Psiquiatria, que confirmou o teor de tal declaração, assumindo-se seu autor, tendo referido que o Autor apresentava uma situação depressiva reativa a situações de stress que vinha passando. Como não tinha antecedentes procurou apoio. O que lhe pareceu relevante para o estado era um conflito laboral. Este seria o fator estruturante, uma vez que tal lhe era dito pelo próprio Autor.
No demais, a prova produzida não logrou convencer o Tribunal no sentido de lhe responder afirmativamente».
Para justificar a alteração pretendida ao facto 101, o recorrente invoca os testemunhos de P... e Q..., indicando a localização das passagens que entende relevantes. Neste caso não refere o que disseram em concreto, alegando “Que confirmam integralmente este facto, declarando que a DRBM foi criada exatamente para cumprir o dever de ocupação efetiva para com os trabalhadores que sendo excendentários no contexto descrito nos factos provados 80 a 92, e não aderiram aos programas de cessação de contrato de trabalho, tivessem ocupação efectiva, o que foi feito trazendo de outsourcers o trabalho necessário para preencher o horário de trabalho das pessoas que compunham aquela Direção, entre os quais o A.”.
Com o devido respeito, não conseguimos perceber o sentido lógico deste argumento. Com efeito, se as testemunhas em causa vieram dizer que “a DRBM foi criada exatamente para cumprir o dever de ocupação efetiva para com os trabalhadores que sendo excendentários (..)”, etc, o que tem isso a ver com o desempenho dessas funções justificar, ou não, o seu exercício em regime de isenção de horário de trabalho?
Dito por outras palavras, com base no sentido daqueles testemunhos não se vê como possa sustentar-se que, ao contrário do que ficou provado, as funções que passaram a ser atribuídas ao autor na nova direcção criada pela Ré -(facto 91) a Direção de Recuperação de Baixos Montantes (DRBM) – justificassem a prática de um regime de isenção de horário de trabalho.
Assim, quanto a este ponto improcede a impugnação.
Passamos, pois, aos factos não provados impugnados.
Considerou-se não provado [al. b)] que o complemento era pago conjuntamente com o subsídio de férias e de Natal.
Da fundamentação do tribunal a quo aplica-se a parte final: No demais, a prova produzida não logrou convencer o Tribunal no sentido de lhe responder afirmativamente.
Contrapõe o autor que não entende como este facto não foi dado como provado, quando tal está cabalmente demonstrado pelos recibos de vencimento juntos aos autos, quer pelo A./Recorrente (vd. docs. 11 a 22 da p.i.), quer pelos recibos de vencimento juntos pelo R./Recorrido.
O facto dado como não provado reporta-se ao alegado no artigo 16.º da PI, no qual, referindo-se ao complemento que lhe era pago com a designação Isenção horário, alega o seguinte: (art.º 16.º) “Este complemento era também pago conjuntamente com o subsídio de férias e o subsídio de Natal - cfr. Docs. 11 a 22.”.
Não primando pela clareza, percebe-se que o autor está a querer significar que a média anual daquele complemento pago mensalmente integrava o cálculo dos subsídios de férias e de Natal, traduzindo-se isso, visto ser pago em todos os meses, no pagamento em 14 vezes ao ano.
Portanto, o que o autor quer ver provado é o que alegou na PI (com aquele sentido) e que foi considerado não provado com a redacção do art.º 16.º da pi. E, a prova em que se sustenta, são os recibos de vencimento, uns juntos por ele com a petição inicial – documentos 11 a 22 – outros juntos pela Ré.
Cabe aqui fazer um reparo à impugnação do recorrente. Em rigor cumpria-lhe indicar com a precisão mínima quais são os recibos a que se refere em concreto, nomeadamente, no que respeita aos juntos pela R., dado que se reportam ao período compreendido entre Abril de 1999 e Outubro de 2016, tendo sido apresentados em sucessivos requerimentos entrados a 11 de Novembro de 2016.
Não obstante essa falta, uma vez que lográmos identificar todos os recibos em causa, prosseguiremos.
Pois bem, assiste inteira razão ao recorrente, sendo incompreensível que o Tribunal a quo mencione que atendeu aos “recibos de vencimento de fls. 21 vº a 32, 35 a 41, 43, 151 vº a 264”, mas não tenha retirado dos mesmos o que ressalta com evidência e levaria a dar o facto como provado, ainda que exigindo uma resposta explicativa para colmatar a alegação algo imprecisa do autor.
Melhor explicando, nos recibos juntos pelo autor, se bem que não abranjam todos os meses do ano, constam os que respeitam aos meses em que foram efectuados os pagamentos dos subsídios de férias e de Natal, respectivamente, em Abril e Novembro, dos anos de 1992 a 1997 (neste último ano não consta o de Novembro). Por outro lado, a Ré juntou os recibos de Abril de 1999 até Outubro de 2016, sendo que nestes anos o subsídio de férias foi sempre pago em Janeiro de cada ano e o subsídio de Natal em Novembro, tal como anteriormente.
É ponto assente entre as partes que ao longo de todos esses anos, até Junho de 2015, a Ré sempre pagou ao autor uma prestação sob a designação “Isençao Horario”. Acresce referir que nos primeiros anos o valor pago a esse título correspondia a 47% da retribuição base, percentagem que passou a 46,43% (pelo menos a partir de Abril de 1999) e mais tarde, a partir de janeiro de 2002 em diante, para 46,50%.
Ora, constata-se que até Janeiro de 2015, em todos os meses em que foram pagos os subsídios de férias e o subsídio de Natal, o valor destes atinge um montante que necessariamente integra o valor do complemento de retribuição pago a título de “Isençao Horario”, dado este ser o complemento com valor mais elevado que lhe era pago. Seguia-se o complemento exclusividade, mas em valor correspondente a 13% da retribuição base. Por exemplo, no ano de 1992, em Abril o Autor auferia de retribuição base 110.600$00 e o valor do subsídio de férias foi de 208 580$00; e, no ano de 2015, em Janeiro auferia € 1 120,39, acrescido de 673,84 a título de “Isençao Horario”, tendo sido pago subsídio de férias no valor de € 2 285, 64. Em contraponto, no ano de 2016, após ter sido retirado o pagamento daquela prestação, o autor em Janeiro auferia € 1.110,39 e o valor do subsídio de férias foi de € 1.638,80, superior àquele por integrar os valores correspondentes a diuturnidades (€ 328,72) e Complemento vencimento (€ 189,69).
Neste quadro, altera-se a alínea b) dos factos não provados, para passar a considerar-se provado, como facto 102 o seguinte:
[102] O complemento retributivo com a designação “Isençao Horario” pago mensalmente ao autor integrou os valores pagos a titulo de subsídio de férias e subsídio de Natal, em todos os anos até Janeiro de 2015.
Avançamos para a alínea e) dos factos não provados: que o acréscimo retributivo de 60% sobre a remuneração do nível em que se encontrasse foi o principal motivo que levou o Autor a ingressar nos quadros da Ré;
Defende o autor que “Tal facto decorre das regras de experiência comum, decorre da própria natureza humana, que para na mudança todos querem estabilidade e melhores condições remuneratórias. De outra forma – como é, aliás, bom de ver – o A./Recorrente não teria rescindido o seu contrato de trabalho com o D... e aceitado ingressar nos quadros do R./Recorrido; mas tal foi igualmente testemunhado”. Refere-se ao testemunho de M..., à data namorada do autor e actualmente sua esposa, que transcreve.
Decorre da fundamentação que a aludida – tal como as demais testemunhas – depôs com isenção e de forma esclarecida”. Na fundamentação refere-se, ainda, que “as testemunhas arroladas pelo Autor descreveram o momento da contratação, os valores combinados bem como as expectativas que cada um tinha naquela altura”.
Certo é que a resposta negativa é justificada no parágrafo genérico final: No demais, a prova produzida não logrou convencer o Tribunal no sentido de lhe responder afirmativamente.
Ora, também aqui não podemos acolher a posição do tribunal a quo. O facto deveria ter sido respondido no sentido do alegado, se bem que, mais uma vez, em termos explicativos.
Do testemunho decorre, sem qualquer dúvida, que o facto do autor ir auferir um valor mensal superior ao que auferia ao serviço de outra entidade bancária, em mais 60%, foi determinante para a sua tomada de decisão, aceitando o que lhe era proposto pelo Réu. Veja-se, a título de exemplo:
Test. De ainda ser namorada… participava bastante e ainda o incentivei a ele mudar, não é?
Porque de facto…
Adv. A mudar? Ele estava empregado?
Test. Ele estava empregado no D..., no D....
Adv.Sim.
Test. E quando recebeu o convite para integrar-se no C... com uma remuneração acima de 60% é muito bom, não é? Ainda para mais nós que queríamos fazer… fui eu que, digamos, o incentivei a isso.
Contudo, não poderá considerar-se provado que foi a “principal” razão. Houve outras que pesaram na decisão do autor e a testemunha também as refere nestas passagens:
- Um acréscimo de 60% mantendo o mesmo nível, mantendo as mesmas condições com o acréscimo de 60% no ordenado.
- Ah, foi mesmo porque também com essa condição que a antiguidade era…
Por conseguinte, sendo isso que em bom rigor “decorre das regras de experiência comum”, o autor ponderou todas as condições propostas: manutenção da categoria e nível remuneratório; contrato definitivo; contabilização da antiguidade e tempo de serviço do Autor, “sem qualquer interrupção e para todos os efeitos”, desde 21 de setembro de 1981; e, o acréscimo no valor global da remuneração mensal.
Assim, altera-se a resposta não provado dada à matéria da alínea e), para passar a considerar-se provado, como facto 103, o seguinte:
[103] O acréscimo retributivo de 60% sobre a remuneração do nível em que se encontrasse foi um facto determinante para levar o autor a decidir ingressar nos quadros da Ré.
Avançamos para as alíneas g) e h) dos factos não provados: que a atitude da Ré provocou no Autor profundo desânimo, tristeza, desgosto, indignação, desmotivação, sentimento de desprestígio e humilhação; que o Autor passou a sentir desânimo e falta de prazer nas atividades que habitualmente gosta e desenvolveu sentimentos de revolta e injustiça.
O autor invoca os testemunhos de I..., L..., M..., Dr. T... (médico).
Quanto à testemunha M... já referimos o que é mencionado na fundamentação do Tribunal a quo. No que concerne a I... e L..., são “colegas do Autor e funcionários do Réu e que como este viveram a maior parte da sua atividade profissional ao serviço do banco Réu, vivendo as mudanças deste e sendo também conduzidos à Direção de Recuperação de Baixos Montantes nos últimos anos. (..)tais testemunhas depuseram com isenção e de forma esclarecida apesar de algumas terem ações semelhantes à presente contra o banco Réu e, face às funções exercidas neste, com conhecimento direto dos factos sobre que prestaram depoimento”.
Relativamente ao testemunho do Dr. T... (médico), menciona-se ser “especialista em Psiquiatria, que confirmou o teor de tal declaração, assumindo-se seu autor, tendo referido que o Autor apresentava uma situação depressiva reativa a situações de stress que vinha passando. Como não tinha antecedentes procurou apoio. O que lhe pareceu relevante para o estado era um conflito laboral. Este seria o fator estruturante, uma vez que tal lhe era dito pelo próprio Autor”.
Não há qualquer referência específica a estes facos não provados, entrando, pois, na afirmação genérica final que, mais uma vez, repetimos: No demais, a prova produzida não logrou convencer o Tribunal no sentido de lhe responder afirmativamente.
Importa começar por referir que os interrogatórios feitos pelo ilustre mandatário do autor a estas testemunhas e sobre esta matéria foram essencialmente conclusivos, ou seja, colocava as testemunhas perante respostas a que apenas respondiam confirmativamente. Significa isto, que em grande parte estes testemunhos não foram espontâneos, mas antes induzidos a uma determinada resposta confirmativa, por isso não devendo ser valorados. Para que não haja dúvidas, vejam-se os extractos que seguem (tal como transcrito):
i) Testemunha I...
Adv. Desanimado? Triste?
I...: Sim.
Adv. Desgostoso?
I...: Sem dúvida.
Adv. Indignado?
I...: Também.
Adv. Desmotivado?
I...: Desmotivado... Uma pessoa tem que trabalhar, não é?
Adv. Pronto...
I...: Tem que manter a vontade de trabalhar. Tem que se auto-motivar...
Adv. Mas sentiu-se humilhado, digamos assim pela...?
I...: Sim. Sentiu. Isso sem dúvida.
Adv. Com certeza que sentiu este tipo de sentimentos?
I...: Sim. Sim.
ii) Testemunha L...
Adv. O Sr. B... sentiu-se desprestigiado e humilhado pelo próprio banco?
L...: Sentiu.
Adv. Então passou a ser uma pessoa amargurada?
L...: Completamente.
Adv. Mal humorada?
L...: Completamente outro B.... Completamente outro. Nunca mais foi o mesmo homem, temos que ser sinceros.
iii) Testemunha M...
Adv. Podemos dizer que o Sr. B... sentiu um profundo desânimo?
M...: Muito.
Adv. Tristeza?
M...: Tristeza, ansiedade…
Adv. Desgosto?
M...: Desgosto. Deixou de dormir. Andou ali…
Adv.O Sr. B... era uma pessoa motivada para o trabalho? Era uma pessoa…?
M...: Sim, muito.
Adv. O seu marido sentiu-se desprestigiado e humilhado pelo banco?
M...: Foi. Exatamente. É mesmo isso Sr. Dr.
Não obstante, as testemunhas sempre disseram algo a este propósito de forma que se pode aceitar como válida em termos de testemunho. Nomeadamente, pelas suas próprias palavras e por iniciativa própria, as testemunhas I..., L... e M..., foram consonantes ao referiram que o autor, após lhe ter sido retirada a parcela da retribuição mensal e colocado na DRBM, revelou os estados seguintes:
- “Ficou completamente desanimado”;
- “comecei a ver nele sinais de desânimo, de desalento…”;
- “Evidentemente que se sentiu desolado, sentiu-se destroçado”;
- “deixou de ter aquela alegria, aquela satisfação que nós deveremos ter quando nos sentimos bem numa profissão”;
- O corte é evidente que ele ficou muito abalado psicologicamente. Portanto, ele inclusivamente teve que recorrer a um médico. Teve que recorrer ao psiquiatra.
Por último, o testemunho do DR. T..., Médico Psiquiatra, que referiu, no essencial, que o autor apresentava “Basicamente (..) uma situação depressiva que (lhe) pareceu reativa a situações de stress que o doente vinha atravessando, (..) reagiu de uma forma depressiva, sendo que essa reação estava a ser prolongada”, parecendo-lhe que “a circunstância (..) determinante e que realmente se observou era um conflito laboral que se vinha arrastando...”. Mais adiante explicando: “Como fator desencadeante, portanto, no sentido de ação sobre a estrutura da pessoa, penso que sim. É essa a minha opinião. Foi a ideia com que fiquei, do ponto de vista médico. (..) Quer dizer, para mim, o fator desencadeante primacial foi o conflito de trabalho”.
Em face desta prova, as alíneas em causa não deveriam ter sido dadas como não provadas. É certo ser necessário uma resposta explicativa e restritiva, por um lado para retirar as partes conclusivas das alegações, por outro para apenas se dar como provado o que resulta da prova. No que concerne às partes conclusivas, referimo-nos às partes seguintes: “que a atitude da Ré provocou no Autor profundo” e “passou a sentir desânimo e falta de prazer nas atividades que habitualmente gosta”.
Assim, altera-se a resposta não provado dada à matéria das alíneas g) e h), para passar a considerar-se provado, em resposta conjunta, como facto 104, o seguinte:
[104] Na sequência da retirada do complemento “isenção horário” e colocação na DRBM, o Autor sentiu desânimo, desalento e deixou de ter satisfação no desempenho profissional, tendo iniciado um quadro psicológico que foi medicamente diagnosticado como reacção depressiva.
Seguimos para a apreciação da al. l) dos factos não provados: “que a DRBM não tem qualquer tipo de atividade efetiva”.
Devemos deixar assinalado que a expressão raia a alegação conclusiva. Para ter um sentido factual apenas pode ser entendida como significado que a actividade da DRBM é nula, inexistente.
O recorrente invoca os testemunhos de I..., J..., K... e N....
Como segunda nota repetiremos o que já dissemos atrás sobre as questões colocadas pelo ilustre mandatário às testemunhas. Com o devido respeito, na generalidade são conclusivas ou sugestivas, levando a respostas igualmente conclusivas, de confirmação ou de opiniões subjectivas sobre a DRBM, onde falta a espontaneidade e, além disso, a descrição objectiva sobre a realidade daquela direcção. Vejam-se os exemplos que seguem.
i) Testemunha I...
Adv. Diga-me uma coisa: esta direção, tem uma atividade efetiva, ou é uma direção que foi criada para manter aparentemente ocupados alguns trabalhadores?
I...: No meu entender é essa a função da direção. É para manter a ocupação efetiva dos trabalhadores. Portanto, não tem uma atividade... Vamos tendo algum trabalho, mas um volume reduzido e com alguma imaginação dos diretores vão criando ali algum trabalho, rodando carteiras, etc, mas não é uma atividade...
Adv. Não é uma atividade, digamos, que justifique...
I...: Aliás, o próprio nome... são baixos montantes, mas têm que ser recuperados, não é... mas não... foi criada para alocar as pessoas... é aquilo que eu entendo. Pra colocar estas pessoas que não aceitam... não aceitaram...
Adv. Vocês estão a exercer, segundo me parece, e confirme-me se estou correto ou não, estão a exercer as funções de operadores de call center, praticamente?
I...: Sim. Fazemos a recuperação via telefone. Contactamos os clientes...
ii) J...
Adv. Esteve cerca de 2 anos a trabalhar nesta direção quando se diz trabalhar se se pode trabalhar, pelo menos aí é um trabalhar em aspas. Tem alguma atividade efetiva que desenvolva?
J...: Nós temos listagens e vamos mastigando digamos as listagens uns dos outros normalmente. Eram umas listagens que já tinham sido entregues em outsourcers, que já tinham vindo de lá com créditos não recuperados muito antigos, com mais de 10 anos, com muitos anos e, portanto, as listagens tem sido, passam uns para os outros e andamos ali de listagem em listagem a fazer as mais diversas tarefas que também vão alterando, de vez em quando.
Adv. O trabalho que vos é distribuído é incipiente? Intermitente?
J...: É um dever de ocupação. Aliás eu falei com a U... que é a diretora de recursos humanos há pouco tempo e ela falou no dever de ocupação. O banco quer mandar as pessoas embora e tem o dever de ocupação.
Adv. E das áreas por onde passou no banco, conhece bem porque já passou por diversas áreas, o trabalho que vocês estão a efetuar é um trabalho… efetivo, digamos assim, ou vocês limitam-se a ser meros trabalhadores do call center e a fazer umas chamadas?
J...: Nós somos trabalhadores de call center. No fundo fazemos chamadas. A maior parte dos telefones como já são muitos antigos já nem atendem do outro lado. Portanto, aquilo são coisas muito antigas… são créditos na sua géneses, créditos que tinham sido entregues as empresas, às Intrum e a empresas outsourcing e de repente vieram para dentro, puseram-nos a fazer a mastigar passo a expressão mas acho que é o termo que melhor se aplica, puseram-nos novamente a pegar naquilo e a telefonar aos clientes, clientes que quanto mais tempo passa menos contactos têm e, portanto, a maior parte já nem tem contactos efetivos e aquilo eventualmente muitas delas serão irrecuperáveis.
Iii) L...
Adv. É uma unidade de despejo, para esse efeito?
N...: Sim, para efeito de ir embora, ou por uma via, ou pela outra, o efeito é ir embora. A finalidade do banco com a criação daquela unidade, daquela direção, é mandar as pessoas embora. É uma forma de contornar, digamos assim, outras situações que teria de cumprir, outros critérios que teria de cumprir, portanto, cria uma unidade, uma unidade de despejo, para, de alguma forma, e a principal delas é reduzir o salário às pessoas, mandá-las embora por essa via, ou cansá-las até ao ponto de elas desistirem e se irem embora.
Adv. Digamos que é uma Direção, uma entidade orgânica que serve apenas para manter artificialmente ocupados os trabalhadores que lá estão?
Emanuel Lima: Sim, é uma unidade operacional que, enfim… é uma unidade para esse efeito.
Por último, no que respeita à testemunha K... - dirigente sindical que tem acompanhado a situação dos trabalhadores desde a criação da DRBM, cabe realçar que não lhe foi colocada qualquer questão objectiva sobre a actividade desenvolvida por essa direcção, antes tendo o interrogatório sido dirigido para o questionar sobre a finalidade da sua criação e sobre quais os trabalhadores que nela foram colocados. No essencial, referiu a testemunha que os trabalhadores colocados nessa direcção foram convidados a sair, em razão do Banco não ter trabalho para eles, mas não aceitaram; e, para evitar um despedimento colectivo, foram considerados excedentários e transferidos para a Direção de Recuperação de Baixo Montante.
Como se disse inicialmente, a questão colocada, tal qual foi alegado pelo Autor, é a de saber se a DRBM não tinha qualquer actividade, ou seja, se era uma direcção de actividade nula, inexistente.
Ora, objectivamente, sendo essa a perspectiva que deve ser observada para responder aos factos controvertidos, dos testemunhos não pode retirar-se essa ideia.
Dai que, também quanto a este ponto improceda a impugnação.
Por último, cabe apreciar a impugnação dirigida à al. q), dos factos não provados: que o Autor esteve de baixa médica de 15 de junho de 2015 a 31 de julho de 2015, tendo gozado férias após essa data.
Invoca o autor que “Tal facto foi demonstrado com prova documental. Foi igualmente referido em declarações de parte do A./Recorrente e no depoimento testemunhal de M...”.
Contudo, não indica quais os documentos, nem tão pouco especifica o que declarou o autor em concreto a este propósito, apenas o fazendo quanto à testemunha M....
O facto não provado resulta do alegado pelo autor no artigo 94.º da PI, sendo de assinalar que nesse artigo não é feita indicação de qualquer documento para comprovar o alegado. Ela surge, mas no artigo seguinte, com o seguinte teor:
[art.º 95.º] Tendo-lhe sido diagnosticado síndrome depressivo-ansioso – cfr. Doc. 48.
Ora, o doc. 48 consiste numa “Declaração Médica”, passada pelo Dr. T..., especialista em psiquiatria (que foi ouvido como testemunha), data de 2 de Junho de 2016, ou seja, um ano após as datas mencionadas no facto alegado e considerado não provado, onde se lê:
-«(..) declara para os devidos efeitos que o Sr. B..., portador (..), tem vindo a ser seguido em consultas ambulatórias de especialidade desde 15 de Junho de 2015.
O doente apresenta síndrome depressivo ansioso correlacionado a situação de conflito laboral intenso.
(..)».
Por conseguinte, não há prova ou não foi devidamente indicada pelo autor, para demonstrar o que alegou. É certo que a testemunha M... disse que “ele conseguiu conciliar a baixa com as férias e…”; “Para ter mais tempo e esteve seguramente 2 meses… fora do banco que foi o que deu a ajuda para ele conseguir algumas melhoras”, mas o testemunho é insuficiente, acrescendo que nem revela conhecimento sobre datas de uma alegada situação e outra.
Por conseguinte, improcede também este ponto da impugnação.
II.4.1 Elenco factual a considerar após as alterações introduzidas
Considerando que se introduziram alterações de relevo à matéria de facto, quer por nossa iniciativa quer pela procedência parcial da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, mostra-se adequado proceder à transcrição dos factos provados e não provados a considerar na apreciação da impugnação da sentença na verte da aplicação do direito aos factos. Assim:
Factos provados
1.A Ré é uma instituição de crédito e exerce a atividade bancária.
2.Participou nas negociações e outorgou o ACT-C..., cuja última versão integral se encontra publicada no B.T.E., 1.ª Série, n.º 39, de 22/10/2011, pág. 3681 e ss, instrumento de regulamentação coletiva de trabalho que aplicou e aplica aos trabalhadores integrados nos seus quadros.
3.O Autor está filiado no Sindicato dos Bancários do Norte, onde figura como o sócio n.º ......
4.Em novembro de 1990, o Autor foi convidado a ingressar nos quadros da Ré.
5.Perante o convite da Ré para que o Autor nela ingressasse, foram negociadas entre as partes as condições retributivas.
6.A Ré, por carta datada de 7 de novembro de 1990, comunicou ao Autor a sua Admissão, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 18 vº, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, onde consta, para além do mais o seguinte:
Com os melhores cumprimentos vimos informá-lo que o Conselho de Administração do C... aprovou a sua admissão para o quadro de pessoal, nas seguintes condições:
-Contrato de trabalho definitivo;
- Classificação na categoria profissional correspondente ao Grupo I, com o Nível 07 do ACTV do sector bancário, sendo a respectiva remuneração acrescida de 60% a título de “isenção de Horário de Trabalho” e de “Subsídio de dedicação exclusiva”.
(..)».
7.A 14 de novembro de 1990, Autor obrigou-se perante a Ré a prestar os seus serviços como empregado bancário, sob a sua autoridade e direção, nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 19 e 20, denominado “Contrato de Trabalho”, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, onde se lê, para além do mais, o seguinte:
-«(..)
-2.ª O segundo outorgante é admitido ao serviço do primeiro na categoria profissional de Grupo I, Nível 07, nos termos estabelecidos no Acordo Colectivo de Trabalho Vertical do Sector Bancário.
3.ª A retribuição mensal do segundo outorgante será igual à que, a cada momento, será fixada no Acordo Colectivo de Trabalho vertical do Sector Bancário para os empregados do Nível 07 acrescida de 60%.
4.ª O segundo outorgante tem ainda direito aos subsídios referidos no Acordo Colectivo de Trabalho Vertical do Sector bancário que não revistam a natureza de remuneração, e ainda às diuturnidades a que eventualmente tenha direito ainda nos termos do referido acordo.
(..)».
8.O referido acordo teve início a 1 de dezembro de 1990.
9.Tendo sido contabilizada a antiguidade e tempo de serviço do Autor, “sem qualquer interrupção e para todos os efeitos”, desde 21 de setembro de 1981.
10.Aceites pelas partes as condições propostas, o Autor passou a exercer a sua atividade profissional para a Ré mediante retribuição e sob as suas ordens, direção e autoridade, desde 1 de dezembro de 1990.
11.A Ré no mês de dezembro de 1990 pagou ao Autor a sua retribuição base no valor de 97.510$00, acrescida de 58.506$00 que a Ré qualificou nos respetivos recibos como “47% ISENCAO HORARIO” (45.830$00) e “13% SUB. D. EXCLUSIVA” (12.676$00), o que perfazia os 60% constantes da carta referida em 6) e da cláusula 3.ª do acordo referido em 7).
12.O valor pago correspondia aos 60% incidentes sobre a retribuição do nível do Autor, conforme acordado (97.510$00 x 60% = 58.506$00);
13.Em abril de 1997, o Autor foi promovido, por mérito, ao nível 8.
14.Tendo ascendido ao nível 8, continuou a Ré a pagar ao Autor um complemento de 60% sobre a retribuição base do seu nível – agora o nível 8 – no valor de Esc. 93.600$00 (Esc.156.00$00 x 60% = 93.600$00).
15.Mantendo o pagamento deste complemento enquanto o Autor se manteve colocado no nível 8.
16.Por carta datada de 9 de abril de 2015, a Ré informou o Autor que “foi superiormente decidido fazer cessar o referido regime [de Isenção de Horário de Trabalho] e, consequentemente, o pagamento da retribuição adicional, com efeitos a partir de 01 de Julho de 2015”, bem assim, que “Atendendo a que parte deste valor tem origem em remuneração complementar, o mesmo será reposto em Complemento de Vencimento, no valor de € 27,00”, conforme consta do documento junto aos autos a fls. 41 vº, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
17.Por carta datada de 6 de maio de 2015, o Autor respondeu àquela missiva, não dando o seu acordo à retirada daquele complemento e informando que o mesmo “foi negociado e contratualizado” aquando da sua admissão ao serviço da Ré e que “o mesmo constitui, indubitavelmente um complemento remuneratório”, anexando o contrato individual de trabalho celebrado e carta com as condições de admissão que se juntaram supra sob, respetivamente, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 42, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
18.A Ré respondeu, por carta datada de 18 de maio de 2015, mantendo a sua posição, nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 42 vº, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, onde se lê, para além do mais: “Relativamente ao reportado em assunto, confirmamos que teve isenção de horário de trabalho devidamente formalizada e remunerada nos termos do ACT e da Lei, mas que a mesma é susceptível de cessação nos mesmos termos, pelo que, não se verificando a sua necessidade na situação atual de colocação, função e horário de trabalho, foi decidida a sua extinção”.
19.No mês de julho de 2015, a Ré aumentou a rubrica que lhe vinha pagando sob a designação de “COMPLEM. VENCIMENTO” de € 162,69 para € 189,69.
20.Tendo suprimido a rubrica que vinha pagando ao Autor sob a designação “ISENCAO HORARIO”.
20A. Entre Janeiro e Junho de 2015, a remuneração auferida pelo autor era composta, conforme expresso nos recibos, pelas componentes seguintes:
- Vencimento Base: 1.120,33 €
- Diuturnidades: 328,72 €
- Isenção Horário – 46,50 (sob o título taxa) – 673,84 €
- Complem. Vencimento – 162,69 €
20B. A partir de Julho de 2015 (inclusive), a remuneração auferida pelo autor, conforme discriminado nos recibos, passou a ser composta pelas prestações seguintes:
- Vencimento Base: 1.120,33 €
- Diuturnidades: 328,72 €
- Complem. Vencimento: 189,69 €.
21.O Autor ingressou na Ré em 1 de dezembro de 1990, tendo-lhe sido atribuído o nível 7 do ACT para o Sector Bancário.
22.Ascendeu ao nível 8 em abril de 1997.
23.Em 1990, o valor da retribuição base para o nível 7 era de 97.510$00.
24.Em 1991, o valor da retribuição base para o nível 7 era de 110.600$00.
25.Em 1992, o valor da retribuição base para o nível 7 era de 121.900$00.
26.Em 1993, o valor da retribuição base para o nível 7 era de 128.650$00.
27.Em 1994, o valor da retribuição base para o nível 7 era de 133.800$00.
28.Em 1995, o valor da retribuição base para o nível 7 era de 133.800$00, passando em Novembro desse ano a ser de 139.800$00.
29.Em 1996, o valor da retribuição base para o nível 7 era de 139.800$00.
30.Em 1997, o valor da retribuição base para o nível 7 era de 144.350$00 e para o nível 8 era de 156.000$00.
31.Em 1998, o valor da retribuição base para o nível 8 era de 160.700$00.
32.Em 1999, o valor da retribuição base para o nível 8 era de 165.950$00.
33.Em 2000, o valor da retribuição base para o nível 8 era de 171.350$00.
34.Em 2001, o valor da retribuição base para o nível 8 era de € 906,50.
35.Em 2002, o valor da retribuição base para o nível 8 era de € 935,50.
36.Em 2003, o valor da retribuição base para o nível 8 era de € 960,00.
37.Em 2004, o valor da retribuição base para o nível 8 era de € 986,00.
38.Em 2005, o valor da retribuição base para o nível 8 era de € 1.011,00.
39.Em 2006, o valor da retribuição base para o nível 8 era de € 1.036,50.
40.Em 2007, o valor da retribuição base para o nível 8 era de € 1.065,21.
41.Em 2008, o valor da retribuição base para o nível 8 era de € 1.092,91.
42.Em 2009, o valor da retribuição base para o nível 8 era de € 1.109,30.
43.Em 2010, o valor da retribuição base para o nível 8 era de € 1.120,39.
44.Desde essa data que a tabela salarial em vigor na Ré não é alterada.
45.Desde essa data, o valor da retribuição base para o nível 8 é de € 1.120,39.
46.Complementos retributivos idênticos aos acordados com o Autor constavam em inúmeros contratos individuais de trabalho de trabalhadores ao serviço da Ré.
47.Tendo a Ré negociado com alguns desses trabalhadores a sua substituição por outras regalias.
48.Aquando do convite da Ré para que ingressasse nos seus quadros, o Autor desempenhava a sua atividade profissional no D....
49.Encontrando-se, à data, posicionado no nível 7 do ACTV do Setor Bancário.
50.O Autor renunciou sempre a assinar qualquer acordo de cessação do contrato de trabalho.
51.A Ré transferiu o Autor para a DRBM.
[52, 53 e 54] (alterada a redacção e resposta conjunta) Na época da contratação do Autor, a Ré tinha uma política de remuneração cujas condições constituíam uma melhoria face às condições remuneratórias em prática no Sector, por significarem o pagamento de um valor acima do que no sector (ACT) é considerado remuneração base, ou de nível, que noutras Instituições Concorrentes ou não era pago, ou era consubstanciado em outras prestações.
55.Eliminado
56.A Ré sempre pagou ao Autor e demais trabalhadores um valor superior a 60% (percentagem varia no contratos) sobre o valor do nível que este e os seus colegas em situações idênticas, teve/tiveram em cada momento e até ao ano de 2000, muito embora com a convicção que a isso não estava obrigada, sem prejuízo da irredutibilidade da retribuição.
57. [alterada a redacção) Na prática retributiva da Ré, transversal aos trabalhadores contratados na mesma época do Autor, pese embora a existência de particularidades em cada contrato, o conjunto da retribuição por isenção de horário de trabalho e do complemento era em regra superior a 60% do nível que os trabalhadores tinham em cada momento.
58.Aquando do referido em 7) foi atribuído ao Autor o Nível 7, nos termos estabelecidos no Acordo Coletivo de Trabalho Vertical do Setor Bancário.
59.Aquando do referido em 7) acordaram Autor e Ré que a retribuição mensal daquele era igual à que, a cada momento, fosse fixada no Acordo Coletivo de Trabalho Vertical do Setor Bancário para os empregados do Nível 7, acrescida de 60%.
60.Ao longo dos anos a Ré pagou ao Autor os 60% com diversas denominações.
61.O Autor viu-se privado de uma parte da sua “retribuição mensal”.
62.O Autor foi convidado, por mais de uma vez, a rescindir o contrato de trabalho, tendo rejeitado tais propostas.
63.O Autor foi considerado como “excedentário”.
64.E alocado a uma unidade orgânica que a Ré criou de novo, denominada Direção de Recuperação de Baixos Montantes (DRBM).
65.Tal unidade orgânica era composta por trabalhadores que rejeitaram as propostas da Ré para rescindirem os seus contratos de trabalho e/ou passarem à situação de reforma.
66.O Autor foi convocado para reuniões com a Ré com vista à rescisão do contrato, tendo renunciado a qualquer acordo.
67.Pretendendo continuar a trabalhar.
68.A 15 de junho de 2015, o Autor recorreu a serviços de psiquiatria, apresentando síndrome depressivo – ansioso, mantendo-se em consulta ambulatória da especialidade até 2 de junho de 2016.
69.No momento da contratação do Autor existia no mercado de trabalho bancário uma concorrência entre as diversas Instituições que nele operavam, e que procuravam cativar para as suas equipas quadros de outras Instituições concorrentes, ou no mercado de trabalho, oferendo-lhes condições, não só remuneratórias, mais vantajosas que a concorrência.
70.Eliminado
71.Eliminado
72.A Ré não pagou ao Autor trabalho suplementar sempre que este laborou para além do horário, nem este lho pediu.
[73] (alterado) Ao longo da relação laboral, por imperativos atinentes à regularização da isenção de horário de trabalho junto da Inspeção do Trabalho, A. e R. documentaram o acordo de isenção de horário de trabalho, em 21 de Junho de 2004 e 15 de Fevereiro de 2006, em documentos com o título “Acordo de Isenção de horário de Trabalho”, que se mostram assinados por representantes da Ré e pelo autor, onde consta, respectivamente:
i) [documento de 21/06/2004]
«(..) é celebrado o presente acordo entre o empregador (..) e o trabalhador B..., que desenvolve a sua actividade no estabelecimento desta entidade (..) com a categoria profissional de Assistente Operacional, desempenhando regularmente funções de confiança, com carácter de autonomia, representação, lealdade e confidência, envolvendo a delegação de poderes para atender, representar ou negociar com os clientes em nome da entidade patronal.
Colocado no nível 08 do IRCT acima referido, com uma retribuição base de € 960,00 acrescida do valor das diuturnidades de € 176,26, é acordado que o desempenho da actividade laboral contratada entre as partes passará a estar sob regime de ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO sem sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho.
Pela isenção do horário de trabalho, o trabalhador tem direito a receber uma retribuição especial, no montante de € 528,36, estipulada na Clª 91 do IRCT aplicável, que não é inferior à retribuição correspondente a duas horas de trabalho suplementar por dia calculada sobre a retribuição base acrescida do valor das diuturnidades, a ser paga com periodicidade mensal.
(..)
O presente acordo vigora até que uma das partes o denuncie.
Celebrado no Porto, em 21 de Junho de 2004, constando de três exemplares, destinando-se um a cada um dos outorgantes e o outro à Inspecção –Geral do Trabalho, Delegação do Porto”.
ii) [documento de 15/02/2006]
«(..) é celebrado o presente acordo entre o empregador C..., SA (..) e o colaborador B..., que desenvolve a sua actividade no estabelecimento desta entidade (..) com a categoria profissional de Assistente Operacional, desempenhando regularmente funções de confiança, com carácter de autonomia, representação, lealdade e confidência, envolvendo a delegação de poderes para atender, representar ou negociar com os clientes, em nome da entidade patronal.
Colocado no nível 08 do IRCT acima referido, com uma retribuição base de € 1011 acrescida do valor das diuturnidades de € 222,6, é acordado que o desempenho da actividade laboral contratada entre as partes passará a estar sob regime de ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO sem sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho.
Pela isenção do horário de trabalho, o trabalhador tem direito a receber uma retribuição especial, no montante de € 673,62, estipulada na Clª 93 do IRCT aplicável, que não é inferior à retribuição correspondente a duas horas de trabalho suplementar por dia calculada sobre a retribuição base acrescida do valor das diuturnidades, a ser paga com periodicidade mensal.
(..)
O presente acordo vigora até que uma das partes o denuncie, com a antecedência mínima de dois meses.
Celebrado no Porto, em 15 de Fevereiro de 2006, constando de três exemplares, destinando-se um a cada um dos outorgantes e o outro à Inspecção –Geral do Trabalho, Delegação do Porto”».
74.A Ré enveredou em meados dos anos 90 por acompanhar o processo de fusões e aquisições no Sector, de modo a poder alcançar uma maior quota de mercado.
75.Nessa época o contexto remuneratório na Banca em geral caracterizava-se pelo pagamento da retribuição base, ou do nível, acrescida do mais diverso tipo de prestações, que variavam de Banco para Banco, mas que iam do pagamento de remunerações complementares com as mais diversas denominações, ao plafond de cartão de crédito, passando por senhas de combustível, ou alimentação, automóvel, telemóvel.
76.Neste processo a Ré integrou por fusão o E..., o F..., e o G..., com todas as empresas satélites, provocando subfusões ou cisões e alienações de empresas orbitrais.
77.Eliminado
78.Eliminado
79.Eliminado
80.Entre 2013/2015, internamente a Ré viu-se a braços com um mercado completamente arruinado, quer no plano dos particulares, com um desemprego altíssimo, que provocou uma enorme quebra na poupança e consequentemente nos depósitos, e uma impossibilidade prática de os particulares acederem ao crédito, e, ou, uma enorme dificuldade em cumprirem com as suas obrigações em curso.
81.A Ré viu-se confrontada com crédito mal parado, obrigando a proceder a aumentos de capital onde o já acionistas participaram com grande presença, e à injeção de capital do Estado, por meio dos conhecidos Cocos, cfr. BTE 12/2014 publicado em 29.03.2014, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
82.Situação que foi agravada por ter sido chamado, à semelhança de outras Instituições Financeiras a contribuir para o Fundo de Garantia de Depósitos e Fundo de Resolução, a fim de suportar o funcionamento do sistema bancário, e evitar uma crise sistémica no Sector.
83.No plano internacional a Ré teve de lutar, contra a queda de outras economias onde tinha investimentos muito significativos em relação à sua dimensão, e que entraram em colapso, como foi o caso da Grécia e Roménia, ou de países onde ainda mantém investimentos como em Angola e Polónia, cujas economias criaram climas económicos de grande adversidade aos investimentos feitos pela Ré.
84.Foi necessário, e reconhecido pelos Sindicatos que representam os trabalhadores, proceder, entre outras dimensões, à diminuição da massa salarial da Ré e o ajuste dos seus recursos humanos à realidade em curso.
85.Da articulação entre a Ré e os Sindicatos representativos dos Trabalhadores se conseguiu alcançar um Memoradum de Entendimento, publicado em BTE (BTE 12/2014 publicado em 29.03.2014, e extensível ao Sindicato em que o Autor é filiado por Portaria 113/2014 de 26 de Maio), que procurando a estabilização financeira da Ré, alterou diversas cláusulas do ACT aplicável, designadamente a 156ª.
86.E em que os Trabalhadores admitiam a tomada de algumas medidas restritivas dos salários, incluindo a sua não evolução e a realização de cortes salariais, e por seu lado o Banco Réu comprometia-se a não proceder a despedimentos coletivos, se conseguisse com as medidas tomadas, alcançar os parâmetros impostos pela Direção Geral da Concorrência da União Europeia (cfr. cláusula 156ª – F acrescida pelo Memorandum mencionado),
87.Permitindo-se negociar nas melhores condições possíveis a saída de algumas centenas de trabalhadores, que, de acordo com o citado memorandum deveriam ser 7.100, até 2017.
88.A Ré promoveu um conjunto de condições negociais que apresentou aos trabalhadores que desejassem sair do Banco, ou que a Ré com base nas avaliações e prestações desempenhadas ao longo do contrato de trabalho tivesse a perceção de que aportavam menos eficiência.
89.Nem todos os trabalhadores que foram abordados tinham interesse nas propostas apresentadas, e nem todos os que não foram abordados lhes ficaram indiferentes, auto propondo-se para cessar os contratos de trabalho nas condições propostas.
90.A Ré ajustou a sua organização interna, introduzindo alterações que permitissem fazer face a realidade imposta pelo mercado, como a de resolver a questão do crédito designado vulgarmente por “mal parado”.
91.Foi criada a Direção de Recuperação de Baixos Montantes (DRBM), à qual foram afetos os recursos humanos possíveis, sendo um o Autor.
92.Eliminado.
93.A DRBM é responsável pela recuperação de baixos montantes, atividade que, à data da criação daquela direção, era parcialmente assegurada por uma empresa prestadora de serviços, e passou a ser assegurada por Trabalhadores do Banco.
94.Em março de 2015, após ter sido prestada formação específica a todos os Trabalhadores (de 24 a 27 de fevereiro), foi entregue a cada um deles uma carteira de clientes em incumprimento há mais de 45 dias, e com exposição até € 2.000,00.
95.As tarefas atribuídas aos Trabalhadores da DRBM passavam por contactar esses clientes, estabelecer acordos de pagamento e garantir o cumprimento dos acordos Estabelecidos.
96.Houve trabalhadores da DRBM que foram entretanto recolocados noutras áreas da Ré.
97.A dimensão das carteiras dos que permaneceram nesta Direção aumentou uma vez que foi incluída nas filas de trabalho da DRBM uma carteira de clientes com exposição de € 2.000,00 até € 25.000,00.
98.Este alargamento a clientes com níveis de exposição até € 25.000,00, exigiu nova ação de formação para todos os Trabalhadores, dado que o processo de recuperação nesses clientes implica um grau de complexidade acrescido.
99.Essa formação teve lugar nos dias 30 de junho e 3 de julho de 2015.
100.Até final do ano de 2015, foi recuperado para o Banco um valor superior a € 3.000.000,00 em clientes pertencentes à sua carteira, e nas primeiras 24 semanas de 2016 já recuperou mais de 2.000.000,00 euros.
101.Esta atividade não justifica a atribuição de isenção de horário de trabalho ao Autor.
[102] O complemento retributivo com a designação “Isençao Horario” pago mensalmente ao autor integrou os valores pagos a titulo de subsídio de férias e subsídio de Natal, em todos os anos até Janeiro de 2015.
[103] O acréscimo retributivo de 60% sobre a remuneração do nível em que se encontrasse foi um facto determinante para levar o a decidir a ingressar nos quadros da Ré.
[104] Na sequência da retirada do complemento “isenção horário” e colocação na DRBM, o Autor sentiu desânimo, desalento e deixou de ter satisfação no desempenho profissional, tendo iniciado um quadro psicológico que foi medicamente diagnosticado como reacção depressiva.
Factos não provados:
a) que aquando do referido em 7), a Ré não praticava IHT;
b) alterada/facto provado 102
c) Eliminado
d) Eliminado
e) Alterada/ facto provado 103
f) Eliminado
g) eh) Alteradas /facto provado 104
i) Eliminado
j) Eliminado
l) que a DRBM não tem qualquer tipo de atividade efetiva;
m) Eliminado
n) Eliminado
o) Eliminado
p) Eliminado
q) que o Autor esteve de baixa médica de 15 de junho de 2015 a 31 de julho de 2015, tendo gozado férias após essa data;
r) Eliminado
s)Eliminado
t)que a Ré exigia uma prestação de trabalho que não era compaginável com a prática de horário de trabalho;
u)que em junho de 2015, na sequência de uma queixa apresentada pela FEBASE, o Banco Réu prestou ACT todos os esclarecimentos necessários acerca da ocupação efetiva dos Colaboradores colocados na DRBM;
II.5 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
O recorrente, reiterando a posição assumida na petição inicial, insurge-se contra a decisão recorrida, sustentando que a sua retribuição base - acordada com a celebração do contrato de trabalho e com menção no contrato formalizado por escrito do A. - era acrescida de 60%, não podendo o Banco Recorrido retirar qualquer parcela desta retribuição que foi contratualizada por ela não integrar qualquer isenção de horário de trabalho, nomeadamente legal.
Relembra-se que a essa posição contrapôs a Ré que foi proposto ao Autor, por ser absolutamente necessário à sua atividade, a isenção de horário de trabalho. Foi esta que, dadas as vicissitudes do contrato ao longo do tempo, veio a ser retirada em Julho de 2015, por desnecessária, sendo tal permitido pela lei laboral.
Atentemos na fundamentação da sentença recorrida a este propósito.
Refere o Tribunal a quo no início da fundamentação, que estando demonstrado que “desde a data da contratação foi paga ao Autor complemento a título de isenção parcial de horário de trabalho, pagamento esse que se manteve até que a Ré, por carta de 9 de fevereiro de 2015, comunicou à A. a cessação de tal isenção a partir de 1 de julho de 2015”, em causa está a retirada ao Autor, por parte da Ré, da retribuição especial por isenção de horário de trabalho”, dado “a retribuição do trabalhador goza(r) de irredutibilidade, nos termos do disposto no artº 129º, nº 1, d), do Código do Trabalho (2009)”.
Nessa consideração vindo a concluir que, embora essa prestação tenha carácter retributivo, dada a regularidade e periocidade do seu pagamento embora assente o carácter retributivo daquela prestação, que tal não significava, sem mais, “que a mesma não possa ser retirada à Autora”.
Num breve parêntesis que se nos afigura necessário, devemos assinalar que a dado passo da fundamentação, o Tribunal a quo refere-se à “Autora” e invoca factos que não respeitam ao caso em apreço:
No caso em apreço, considerando que a Ré se obrigou a pagar, e pagou, à Autora, mensalmente, desde 12 de Agosto de 1995 até 13 de Maio de 2015, uma importância a título de retribuição especial por isenção de horário de trabalho, a referida prestação dadas as características de periodicidade e regularidade (no sentido de que a Ré empregadora se obrigou a pagar, e pagou, com determinada normalidade temporal, o valor em causa) não podem deixar de assumir natureza retributiva, mormente mostrando-se provado que a prestação em causa se manteve, mesmo no período de ausência por doença”.
Com efeito, aqui temos um autor e não uma autora, o pagamento da prestação a título de isenção de horário de trabalho ocorreu desde dezembro de 1990 até Junho de 2015 (factos 11, 17 e 20) e não há qualquer facto, nem foi alegado, que o pagamento se manteve em períodos de doença. Aquela situação será similar, mas não respeita a estes autos.
A fundamentação prossegue para se afirmar, com apoio na doutrina citada, o entendimento de que “a irredutibilidade da retribuição não significa que não possam diminuir-se ou extinguir-se certas prestações retributivas complementares”, sendo “permitido ao empregador retirar ao trabalhador determinados complementos salariais se cessar, licitamente, a situação que serviu de fundamento à atribuição dos mesmos, sem que daí decorra a violação do princípio da irreversibilidade da retribuição”, vindo a concluir-se o seguinte:
Analisada a comunicação da Ré ao Autor datada de 7 de novembro de 1990, verifica-se a remuneração aí estabelecida a título de isenção de horário de trabalho.
Por seu lado a comunicação datada de 9 de abril de 2015, deu a conhecer ao Autor a decisão de cancelamento da isenção parcial da prestação de isenção de horário de trabalho a que se encontra vinculada, o que veio a acontecer a 1 de julho de 2015.
Operou assim a denúncia do acordo com mais de um mês de antecedência e, com a antecedência concedida, garantiu o pagamento da retribuição adicional até três meses depois de a mesma ter sido comunicada. (neste sentido veja-se o Ac.TRC de 26.03.2015, in www.dgsi.pt.).
Podemos, assim, concluir que lícita foi a cessação do pagamento correspondente à isenção cessada, tendo em conta que a mesma não é irredutível nos termos já acima indicados.».
Na parte em se menciona que «Analisada a comunicação da Ré ao Autor datada de 7 de novembro de 1990, verifica-se a remuneração aí estabelecida a título de isenção de horário de trabalho», a Senhora Juíza está a referir-se à carta referida no facto 6 (ao qual acrescentámos o conteúdo da mesma, por apenas ter sido dada por reproduzia) de onde resulta que a Ré comunicou ao autor “que o Conselho de Administração do C... aprovou a sua admissão para o quadro de pessoal, nas seguintes condições:
-Contrato de trabalho definitivo;
- Classificação na categoria profissional correspondente ao Grupo I, com o Nível 07 do ACTV do sector bancário, sendo a respectiva remuneração acrescida de 60% a título de “isenção de Horário de Trabalho” e de “Subsídio de dedicação exclusiva”.
(..)».
Conjugando esta afirmação final – “verifica-se a remuneração aí estabelecida a título de isenção de horário de trabalho” - com o início da fundamentação, nomeadamente na parte onde se assinala estar demonstrado que “desde a data da contratação foi paga ao Autor complemento a título de isenção parcial de horário de trabalho, pagamento esse que se manteve até que a Ré (..) comunicou à A. a cessação de tal isenção a partir de 1 de julho de 2015”, constata-se que o percurso lógico seguido pelo Tribunal a quo, pese embora sinuoso e pouco claro, assenta no pressuposto de que a prestação retributiva paga ao autor sob a designação ”Isençao Horario”, por ter sido estabelecida a esse título e, concomitantemente, sempre paga a esse título, podia ser retirada ao autor, cessada a sua causa de atribuição, sem violação do princípio da irreversibilidade da retribuição. Em suma, é nesta base que o Tribunal a quo conclui “que lícita foi a cessação do pagamento correspondente à isenção cessada, tendo em conta que a mesma não é irredutível nos termos já acima indicados”.
II.5.1 O fulcro da questão prende-se com a noção de retribuição e o princípio da irredutibilidade da retribuição.
Impõe-se, desde logo, apurar se prestação paga pela R. sob a denominação “Isençao Horario” integra a retribuição do Autor e, em caso afirmativo, se a mesma podia ser retirada sem que tal consubstanciasse violação das garantias do trabalhador quanto à não diminuição da retribuição.
Estando em causa uma situação iniciada em Novembro de 1999, na vigência do Decreto-lei 49408, de 24 de Novembro, usualmente designada por LCT, mas que se manteve até Julho de 2015, sendo transversal ao CT/03, aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 Agosto, bem assim ao CT/09, aprovado pela Lei 7/2009, de 12 de Fevereiro, começaremos por atentar nas normas legais relevantes, cabendo referir, para justificar e validar referências da doutrina ou jurisprudência mais recentes, que esta matéria não sofreu alterações substanciais nos sucessivos diplomas.
A LCT dispunha:
- Artigo 21.º (Garantias do trabalhador)
1. É proibido à entidade patronal:
c) Diminuir a retribuição, salvo nos casos expressamente previstos na lei, nas portarias de regulamentação de trabalho e nas convenções colectivas, ou quando, precedendo autorização do Instituto Nacional do Trabalho e Previdência, haja acordo do trabalhador;
- Artigo 82.º (Retribuição)
1. Só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho.
2. A retribuição compreende a remuneração de base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, directa ou indirectamente, em dinheiro ou em espécie.
3. Até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador.
Da noção legal de retribuição retira-se que a mesma compreende o conjunto de valores que a entidade empregadora está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em contrapartida da actividade por ele desempenhada, presumindo-se, até prova em contrário, constituir retribuição toda e qualquer prestação da entidade patronal ao trabalhador (art.º 82.º LCT/ art.º 249.º CT/03/ art.º 258.º CT/09).
Tratando-se de uma presunção ilidível recai sobre a entidade empregadora o ónus de alegar e provar os factos necessários para a afastar (art.º 350.º CC).
Como melhor elucida Monteiro Fernandes, reportando-se ao actual art.º 258.º do CT/09, correspondente ao art.º 249.º do CT/03, a noção legal de retribuição consiste no conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida) [Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, 2009, p. 479].
Assim, esta noção mais ampla de retribuição, abrange quer a retribuição base, isto é, “aquela que, nos termos do contrato ou instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, corresponde ao exercício da actividade desempenhada pelo trabalhador de acordo com o período normal de trabalho que tenha sido definido” [n.º2, al.a) art.º 250.º CT/03], quer todas as demais que tenham caráter regular e periódico, feitas directa ou indiretamente, em dinheiro ou espécie, quer seja por força da lei, quer por imposição de instrumento de regulamentação colectiva ou, ainda, decorrente de prática da empresa, também elas correspondendo ao direito do trabalhador como contrapartida do seu trabalho [n.ºs 1 e 2, art.º 249.º CT/03].
A Lei não diz quando se deve considerar que uma prestação é regular e periódica.
Como assinala aquele mesmo autor, “O problema da qualificação jurídica de cada uma das atribuições patrimoniais feitas pelo empregador ao trabalhador, por referência ao conceito de retribuição, ganhou uma acuidade singular com a amplificação do leque daqueles atribuições, na contratação colectiva e na prática das empresas. (..). Em muitos casos, com efeito, o trabalhador não recebe apenas da entidade patronal a quantia certa, paga no fim de cada semana, quinzena ou mês, que vulgarmente se designa salário, ordenado ou vencimento (e a que, tecnicamente, se costuma aplicar o rótulo de vencimento base). Certo é que essa prestação regular e periódica é aquela que não só pretende corresponder directamente a uma certa «medida» da prestação de trabalho, mas também acompanha um dado «ritmo» de satisfação de necessidades – a das necessidades correntes, do dia a dia – do trabalhador e da sua família” [Op. cit. pp. 476/477].
Na verdade, é sabido existir um vasto leque de outras prestações complementares que tanto poderão ser regulares e periódicas – p. ex. acompanhando o pagamento da retribuição base – como nem sequer terem periocidade – p. ex. por estar dependente de serem atingidos determinados resultados pela empresa. Por um lado, por efeito da lei ou de instrumento de regulação colectiva, a par da retribuição base são devidas outras prestações pecuniárias de diversa natureza e periodicidade. Por outro, como também assinala Monteiro Fernandes, “(..) por razões diversas – desde as que se relacionam com propósitos de aligeiramento da carga fiscal e para-fiscal até às derivadas da intenção de ladear limitações governamentais em matéria de políticas de rendimentos – se registou, sobretudo a partir dos anos oitenta do século passado, uma considerável proliferação de «títulos» pelos quais são efectivadas vantagens económicas aos trabalhadores. Essa proliferação originou uma nebulosa de conceitos (subsídios, abonos, compensações, indemnizações, prémios, complementos de prestações de segurança social, valores de uso de bens da empresa) que, referidos ou não ao pilar central do «sistema» remuneratório (a retribuição «certa» ou «de base» que o empregador está obrigado a pagar por mês ou com diferente periodicidade, transportam consigo uma certa indeterminação quanto ao nexo de correspectividade com a prestação de trabalho» [Op. cit, p. 476].
No mesmo sentido, Maria do Rosário Palma Ramalho, reportando-se igualmente ao CT/09, sobre o conceito de retribuição escreve o seguinte: “Reportando-nos agora especificamente ao conceito de retribuição a sua noção legal, (…) permite isolar os seguintes elementos essenciais: a retribuição constituiu um direito do trabalhador; (…) que decorre do próprio contrato; (…) é a contrapartida da actividade laboral; (…) é regular e periódica; (…) é uma prestação patrimonial”. Mais adiante, prossegue para observar que “Para além da retribuição base, o trabalhador pode ter direito a determinados complementos remuneratórios, os quais integram ou não o conceito de retribuição, consoante partilhem os respectivos elementos essenciais. No caso afirmativo, estes complementos beneficiam da tutela da irredutibilidade e do regime de tutela dos créditos retributivos; no caso negativo poderão ser retirados ao trabalhador, se a razão pela qual foram atribuídos deixar de existir. A multiplicidade e diversidade dos complementos remuneratórios auferidos pelo trabalhador em execução do contrato de trabalho, tornam difícil a sua enumeração e, sobretudo a sua qualificação, que só pode ser feita no caso concreto, aferindo da presença, em cada um deles das características que permitem a sua recondução ao conceito de retribuição” [Tratado do Direito do Trabalho, Dogmática Geral, 4º Ed., Almedina 2015, p. 571 e 574].
Essas prestações complementares, embora não se possa dizer que essa seja a regra, em muitos casos estão ligadas a particularidades da prestação do trabalho. Assim acontece, com mais evidência, entre outros, nos casos da prestação de trabalho suplementar, da prestação de trabalho nocturno, da deslocação em trabalho, do trabalho com penosidade ou com perigo ou, ainda, com determinados níveis de produtividade.
Nesses casos, em que são pagas como contrapartida da prestação de trabalho em determinadas condições, por regra, essas prestações complementares apenas são devidas quando se verifique uma efectiva prestação de trabalho no condicionalismo que justificou o seu estabelecimento e apenas integrarão o conceito de retribuição se forem percebidas com uma regularidade e periodicidade tal que criem no trabalhador uma legítima expectativa quanto ao seu recebimento.
Nesse pressuposto, de acordo com o entendimento pacífico dos tribunais superiores, mormente do Supremo Tribunal de Justiça - assinalado no acórdão de 22-09-2011 - consistem em “(..) prestações complementares auferidas em função da natureza das funções ou da especificidade do desempenho (subsídio nocturno, isenção de horário e outros subsídios) [que] apenas são devidas enquanto persistirem as situações que lhes servem de fundamento, podendo a entidade empregadora suprimir as mesmas logo que cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição, sem que isso implique violação do princípio da irredutibilidade da retribuição“ [proc.º 913/08.1TTPNF.P1.S1, Conselheiro SAMPAIO GOMES, disponível em www.dgsi.pt].
Estes ensinamentos permitem retirar uma ideia fulcral, em suma, não basta o mero recebimento regular e periódico de uma dada prestação para lhe atribuir a natureza de retribuição, por força da presunção (ilidível) estabelecida na lei (n.º3, do art.º 82.º da LCT e n.º 3 do artigo 249.º do CT/03), impondo-se, concomitantemente, num trabalho de interpretação sobre a sua fonte legal ou convencional, indagar sobre a razão de ser da sua atribuição.
O princípio da irredutibilidade da retribuição consta actualmente consagrado no art.º 129.º/1 al. d), do CT, em termos idênticos aos que eram enunciados pelo art. 21. n.º 1 al. c), da LCT, estabelecendo-se agora: (1) É proibido ao empregador: [d)] Diminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.
Porém, a irredutibilidade da retribuição não significa que não possam diminuir-se ou extinguir-se certas prestações retributivas complementares.
Com efeito, o princípio da irredutibilidade da retribuição não incide sobre a globalidade da retribuição, mas apenas sobre a retribuição estrita, ficando afastadas as parcelas correspondentes a maior esforço ou penosidade do trabalho, a situações de desempenho específicas, como é o caso da isenção de horário de trabalho, ou a maior trabalho, como ocorre com a prestação de trabalho além do período normal de trabalho (vulgo, trabalho suplementar).
Como decorre do aresto do STJ acima citada, essas prestações remuneratórias não se encontram submetidas ao princípio da irredutibilidade da retribuição, por essa razão apenas sendo devidas enquanto perdurar a situação em que assenta o seu fundamento, sendo permitido à entidade empregadora suprimi-las quando cesse a situação específica que esteve na base da sua atribuição.
Nesse sentido, Pedro Romano Martinez, observa que «(..) os complementos salariais que são devidos enquanto contrapartida do modo específico do trabalho – como um subsídio de “penosidade”, de “isolamento”, de “toxicidade”, de “trabalho nocturno”, de “turnos”, de “risco” ou de “isenção de horário de trabalho” – podem ser reduzidos, ou até suprimidos, na exacta medida em que se verifique modificações ou a supressão dos mencionados condicionalismos externos do serviço prestado.
O princípio da irredutibilidade da retribuição não obsta a que sejam afectadas as parcelas correspondentes ao maior esforço ou penosidade do trabalho sempre que ocorram, factualmente, modificações ao nível do modo específico de execução da prestação laboral.
Tais subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação de base que lhes serve de fundamento».- [Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, pág. 595.].
Na mesma linha de entendimento, Monteiro Fernandes, reportando-se às “prestações complementares que são determinadas pela penosidade, pelo risco, pelo isolamento, etc. (..), ou seja, pelo próprio condicionalismo externo da prestação de trabalho”, para equacionar se “face ao princípio da irredutibilidade da retribuição (art.º 129.º al. d) CT), eles deverão ser mantidos mesmo quando se alterem condições externas do serviço prestado (..)”, refere que a seu ver a resposta afirmativa conduziria a um patente absurdo, para concluir, afirmando que “(..) os referidos subsídios apenas são devidos enquanto persistir a situação que lhes serve de fundamento (..)” [Op. cit. p. 494/495].
Em suma, parafraseando o Acórdão desta Relação e Secção 10-10-2016 [Proc.º 25236/15.6T8PRT.P1, Desembargadora Paula Leal de Carvalho, disponível em www.dgsi.pt], no qual interveio como adjunto o aqui relator, diremos:
I. O princípio da irredutibilidade da retribuição não é extensivo a toda e qualquer prestação que tenha natureza retributiva, havendo que apreciar, caso a caso, da concreta função ou razão da sua atribuição de tal modo que, cessando licitamente a causa justificativa da sua atribuição, poderá igualmente cessar o pagamento da contrapartida correspondente.
II - É este o caso da isenção de horário de trabalho, em que o trabalhador não fica sujeito, na medida da isenção concedida, aos limites do horário de trabalho fixado, podendo, dentro do limite dessa isenção, ser-lhe exigida a prestação de trabalho e sem que o trabalhador possa reclamar o pagamento do correspondente trabalho que seria considerado como suplementar. E, daí, que deva o trabalhador ser por isso compensado com a atribuição de um acréscimo remuneratório, vulgo subsídio de isenção de horário de trabalho.
III - Mas, pese embora a natureza retributiva de tal prestação, ela não está sujeita ao princípio da irredutibilidade da retribuição, podendo deixar de ser paga se cessar licitamente a causa justificativa da sua atribuição, qual seja a prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho.
Reportando-se especificamente às importâncias pagas a título de retribuição especial por isenção de horário de trabalho, no Acórdão do STJ de 9 de Janeiro de 2011 [Proc. 557/06.2TTPRT.P1.S1, Conselheiro Pinto Hespanhol, www.dgsi.pt], escreve-se o seguinte:
«(..) o regime de isenção de horário de trabalho é, por natureza, transitório e reversível, dependendo de uma acção cuja iniciativa repousa na vontade da entidade empregadora, sendo que a correspectiva retribuição especial só é devida se e enquanto o trabalhador desfrutar dele.
Assim, tal como afirma o acórdão deste Supremo Tribunal, de 9 de Janeiro de 2008, Processo n.º 2906/07, da 4.ª Secção, disponível em www.dgsi.pt, com o n.º de documento SJ200801090029064, embora as importâncias pagas a título de retribuição especial por isenção de horário de trabalho, dadas as características de periodicidade e regularidade, não possam deixar de assumir natureza retributiva, daí não se pode concluir, sem mais, que as mesmas não possam ser retiradas».
II.5.2 Importa agora que nos detenhamos sobre a figura da “isenção de horário de trabalho”.
Na LCT, dispunha o artigo 50.º, com a epígrafe “Isenção de horário de trabalho”:
1. Os trabalhadores isentos de horário de trabalho, nos casos e condições a estabelecer na respectiva legislação, têm direito, em regra, a retribuição especial.
2. Essa retribuição nunca será inferior à remuneração correspondente a uma hora de trabalho extraordinário por dia, sempre que a isenção implicar a possibilidade de prestação do trabalho para além do período normal de trabalho.
3. Podem renunciar à retribuição referida no número anterior os trabalhadores isentos de horário de trabalho que exerçam funções de direcção na empresa ou aufiram remuneração superior à que, para o efeito, for estabelecida por portaria de regulamentação de trabalho ou convenção colectiva.
Como resulta do n.º1, “os casos e condições” em que era admissível a prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho seriam regulados em legislação especial.
O Regime Jurídico da Duração do Trabalho veio a ser regulado pelo Decreto-lei 409/71, de 27 de Setembro, sendo a matéria relativa à isenção de horário de trabalho regulada nos artigos 13.º, 14.º e 15.º, dispondo:
[Artigo 13.º Isenção de horário de trabalho]
1. Poderão ser isentos de horário de trabalho, mediante requerimento das entidades patronais, os trabalhadores que exerçam cargos de direcção, de confiança ou de fiscalização.
2. Os requerimentos de isenção de horário de trabalho, dirigidos ao I. N. T. P., serão acompanhados da declaração de concordância dos trabalhadores, bem como dos documentos que sejam necessários para comprovar os factos alegados.
[Artigo 14.º Condições da isenção de horário de trabalho]
1. Os instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho fixarão as retribuições mínimas a que, no caso de serem isentos, terão direito os trabalhadores por eles abrangidos.
2. Na falta de disposições incluídas nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho, os trabalhadores isentos de horário de trabalho têm direito a uma retribuição especial, que não será inferior à remuneração correspondente a uma hora de trabalho extraordinário por dia.
3. Podem renunciar à retribuição referida no número anterior os trabalhadores que exerçam funções de direcção na empresa.
[Artigo 15.º Efeitos da isenção de horário de trabalho]
Os trabalhadores isentos de horário de trabalho não estão sujeitos aos limites máximos dos períodos normais de trabalho, mas a isenção não prejudica o direito aos dias de descanso semanal, aos feriados obrigatórios e aos dias e meios dias de descanso concedidos pelos instrumentos de regulamentação colectiva por despacho do Ministro das Corporações e Previdência Social ou pelos contratos individuais de trabalho.
Em suma, como se refere no Acórdão Uniformizador de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça 6/2012, proferido em 23-05-2014 [Proc.º 407/08.5TTMTS.P1.S1, Conselheiro Gonçalves Rocha, disponível em www.dgsi.pt]:
- “(..) admitiu o legislador que os trabalhadores que exerciam cargos de direcção, de confiança ou de fiscalização, podiam ficar isentos de horário de trabalho, desde que as entidades patronais o solicitassem ao INTP, requerimentos que tinham de ser acompanhados de uma declaração de concordância do trabalhador, conforme resultava do artigo 13.º, n.ºs 1 e 2.
No entanto, conferia-se-lhes uma remuneração especial, a fixar nos instrumentos de regulamentação colectiva, mas que nunca poderia ser inferior à remuneração correspondente a uma hora de trabalho extraordinário por dia (artigo 14.º).
Quanto aos efeitos desta isenção, prescrevia o artigo 15.º que estes trabalhadores não ficavam sujeitos aos limites máximos dos períodos normais de trabalho, embora não ficassem prejudicados os direitos aos dias de descanso semanal, aos feriados e aos dias ou meios dias de descanso concedidos pelos instrumentos de regulamentação colectiva aplicável, ou resultantes dos contratos individuais».
No Código do Trabalho de 2003, sobre esta matéria regiam os artigos 177.º e 178.º, referindo-se o primeiro artigo às “Condições de isenção de horário de trabalho” e o segundo aos “Efeitos da isenção de horário de trabalho”.
No primeiro deles, cingindo-nos ao que aqui interessa, estabelecia-se o seguinte:
[1] Por acordo escrito, pode ser isento de horário de trabalho o trabalhador que se encontre numa das seguintes situações:
[a] Exercício de cargos de administração, de direcção, de confiança, de fiscalização ou de apoio aos titulares desses cargos;
[b] Execução de trabalhos preparatórios ou complementares que, pela sua natureza, só possam ser efectuados fora dos limites dos horários normais de trabalho;
[c] Exercício regular da actividade fora do estabelecimento, sem controlo imediato da hierarquia.
[2] Podem ser previstas em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho outras situações de admissibilidade de isenção de horário de trabalho para além dos indicados nas alíneas do número anterior.
[3] O acordo referido no n.º 1 deve ser enviado à Inspecção-Geral do Trabalho.
E, no segundo (178.º), estabelecia-se:
1 - Nos termos do que for acordado, a isenção de horário pode compreender as seguintes modalidades:
a) Não sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho;
b) Possibilidade de alargamento da prestação a um determinado número de horas, por dia ou por semana;
c) Observância dos períodos normais de trabalho acordados.
2 - Na falta de estipulação das partes o regime de isenção de horário segue o disposto na alínea a) do número anterior.
3 - A isenção não prejudica o direito aos dias de descanso semanal obrigatório, aos feriados obrigatórios e aos dias e meios dias de descanso complementar, nem ao descanso diário a que se refere o n.º 1 do artigo 176.º, excepto nos casos previstos no n.º 2 desse artigo.
4 - Nos casos previstos no n.º 2 do artigo 176.º deve ser observado um período de descanso que permita a recuperação do trabalhador entre dois períodos diários de trabalho consecutivos.
Decorre do primeiro artigo, em continuidade do regime anterior, que a lei não admite genericamente a possibilidade do trabalhador exercer as suas funções em regime de isenção de horário de trabalho, antes a limitando quanto a determinados trabalhadores, indicados na lei, nomeadamente, os que exercem “cargos de administração, de direcção, de confiança, de fiscalização, ou de apoio a titulares desses órgãos”, mas agora, em termos inovatórios, alargando essa possibilidade aos que executem a prestação de trabalho nas condições referidas nas alíneas b) e c). Constituindo igualmente uma inovação, veio também admitir-se outras situações de isenção de horário de trabalho, para além daquelas indicadas na lei, mediante previsão em instrumentos de regulamentação colectiva (n.º 3).
Outra inovação resulta do facto da isenção de horário, que no domínio da LDT apenas abrangia a modalidade dos trabalhadores não ficarem sujeitos aos limites máximos dos períodos normais, poder agora corresponder a uma das modalidades especificadas nas três alíneas do n.º1 do art.º 178.º.
E, mais uma outra, resultante logo do n.º 1, do art.º 177.º, quando começa por fazer depender a isenção de horário de trabalho de “acordo escrito” entre o trabalhador e o empregador, que “deve ser enviado à Inspecção-Geral do Trabalho” (n.º3, do mesmo artigo), solução que se distancia do regime anterior, no qual a atribuição de isenção de horário de trabalho nas situações em que era permitida, para ser válida dependia de “requerimento das entidades patronais”, que deviam ser “dirigidos ao I. N. T. P., (..) acompanhados da declaração de concordância dos trabalhadores, bem como dos documentos que sejam necessários para comprovar os factos alegados” (art.º 13.º 1 e 2, do Decreto-lei 409/71). No Ac. da Relação de Coimbra de 19-01-2005 [proc.º 3379/04, Desembargador Fernandes da Silva, disponível em www.dgsi.pt], sobre esta última inovação, levou-se ao sumário o seguinte:
-«[I] Sendo determinante para efeito de haver isenção de horário de trabalho a ocorrência de manifestação de vontades dos respectivos interessados, hoje em dia a autorização do IDICT é uma mera formalidade burocrática, que confirma apenas a verificação dos seus pressupostos legais.[II] Actualmente, como resulta do artº 177º do CPT, a prática do regime de isenção de horário de trabalho pode ser conferida ao trabalhador que se encontre numa das situações elencadas no nº 1 do artº 177º do CPT e apenas por acordo escrito, tendo o empregador apenas de enviar esse acordo à IGT».
Por último, no actual Código do Trabalho/09, a figura da isenção de horário de trabalho encontra-se regulada nos artigos 218.º e 219.º.
No primeiro deles (218.º), com a epígrafe “Condições de isenção de horário de trabalho”, consta o seguinte:
1 - Por acordo escrito, pode ser isento de horário de trabalho o trabalhador que se encontre numa das seguintes situações:
a) Exercício de cargo de administração ou direcção, ou de funções de confiança, fiscalização ou apoio a titular desses cargos;
b) Execução de trabalhos preparatórios ou complementares que, pela sua natureza, só possam ser efectuados fora dos limites do horário de trabalho;
c) Teletrabalho e outros casos de exercício regular de actividade fora do estabelecimento, sem controlo imediato por superior hierárquico.
2 - O instrumento de regulamentação colectiva de trabalho pode prever outras situações de admissibilidade de isenção de horário de trabalho.
No segundo (219.º), com epígrafe “Modalidades e efeitos de isenção de horário de trabalho”, estabelece-se o seguinte:
1 - As partes podem acordar numa das seguintes modalidades de isenção de horário de trabalho:
a) Não sujeição aos limites máximos do período normal de trabalho;
b) Possibilidade de determinado aumento do período normal de trabalho, por dia ou por semana;
c) Observância do período normal de trabalho acordado.
2 - Na falta de estipulação das partes, aplica-se o disposto na alínea a) do número anterior.
3 - A isenção não prejudica o direito a dia de descanso semanal, obrigatório ou complementar, a feriado ou a descanso diário.
4 - Constitui contra-ordenação grave a violação do disposto no número anterior.
Não se regista alteração de relevo em relação ao precedente CT/03, apenas sendo de assinalar que o legislador veio fazer referência expressa ao “teletrabalho”, como uma das situações de “exercício regular de actividade fora do estabelecimento, sem controlo imediato por superior hierárquico”, em que é admissível a prestação de trabalho em regime de isenção de horário de trabalho. As alterações de relevo haviam já sido introduzidas com o CT/03.
A este propósito, Monteiro Fernandes defende o seguinte:
O CT inova consideravelmente nesta matéria. A isenção de horário de trabalho, outrora tratada como um mecanismo absolutamente excepcional, cuja aplicação estava sujeita a controlo administrativo – tendo em vista que a existência de horário de trabalho era de interesse de ordem pública -, é agora regulada como mais um instrumento de flexibilidade na organização do trabalho, entre outros cujo uso fica entregue à gestão dos interessados.
Desde logo, o CT admite a previsão (por via regulamentar colectiva) de novas hipóteses de isenção, para além daquelas que são contempladas nas alíneas do art.º 218.º/1.
Depois, faz depender a isenção de mero acordo das partes (empregador e trabalhador), que tem que ser escrito e enviado (para efeitos de fiscalização) à inspecção do trabalho (art. 218.º/1 e 3). Esse acordo só pode ser eficaz se ocorrer alguma das situações descritas na lei. Mas não há dúvida de que –tendo em conta o que está essencialmente em causa: a inexistência de horário de trabalho e a possibilidade de ultrapassagem dos limites de tempo de trabalho legalmente definidos – o CT baixou aqui, consideravelmente, o nível de tutela, abrindo largo espaço à transacção entre as partes» [Op. cit. p. 383].
Prossegue mais adiante para afirmar o entendimento seguinte:
- «Desta mudança de regime decorre uma consequência importante. Encarada na lei anterior, fundamentalmente como uma facilidade ou um benefício para o empregador, que, assim, adquiria um meio excepcional de dispor flexivelmente da força de trabalho, ela podia cessar por sua iniciativa unilateral, que, em regra, se exprimiria pela omissão do pedido de renovação anual a dirigir à Inspecção-Geral do Trabalho. E, cessando a isenção, cessaria também, o direito à correspondente retribuição especial. O CT, ao invés, confia a gestão do assunto a ambas as partes, faz assentar a isenção por escrito e inviabiliza, com isso, a hipótese de cessação por vontade unilateral do empregador» [Op. cit. p. 384].
Por último, sendo certo que o autor está filiado no Sindicato dos Bancários do Norte (facto 3), à relação laboral entre si e a Ré aplica-se o ACT celebrado entre o Réu e aquela associação sindical, nomeadamente, o invocado na carta datada de 7 de novembro de 1990 – relativo à negociação prévia à celebração do contrato de trabalho (facto 6) – bem como no contrato de trabalho celebrado em 14 de novembro de 1990 (facto 7) e, ainda, nos “Acordos de Isenção de Horário de Trabalho” documentados e transcritos (facto 73).
Por conseguinte, é ainda imprescindível atentar no que ai consta a propósito da isenção de horário de trabalho, nomeadamente, nas cláusulas para onde é feita remissão naqueles “Acordo(s) de Isenção de Horário de Trabalho”.
No ACT entre o Grupo C... e o Sindicato dos Bancários do Norte, o Sindicato dos Bancários do Centro e o Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, publicado no BTE 1.ª série, n.º48, de 29/12/2001 – referido no acordo de isenção de horário de trabalho celebrado em 21 de Junho de 2004 -, essa matéria encontra-se regulada na cláusula 51.ª, também invocada no acordo, com a epígrafe “Isenção de horário de trabalho”, estabelecendo, no que aqui interessa, o seguinte:
[Cláusula 51.ª]
1 — Poderão ser isentos de horário de trabalho os trabalhadores que desempenhem funções de direcção, de gerência, de chefia ou funções técnicas e, em geral, todos os que desempenhem cargos de confiança.
2 — Para efeitos do disposto no número anterior, consideram-se cargos de confiança todos aqueles a que o conselho de administração especificamente atribua o carácter de autonomia, representação, lealdade, fiscalização, formação específica ou confidência, independentemente da categoria profissional do trabalhador, sendo como tal ser considerados, nomeadamente, os seguintes:
a) (..);
b) Os que envolvam poderes delegados para atender, representar ou negociar com os clientes ou outras entidades, em nome da entidade patronal;
c) (..);
d) (..);
e) (..);
f) (..)
3 — O regime de isenção termina com a verificação do prazo pelo qual foi estabelecido ou, não tendo sido fixado qualquer prazo, por determinação unilateral da entidade patronal comunicada ao trabalhador com a antecedência mínima de dois meses.
4 — A isenção de horário de trabalho não pode determinar a prestação de trabalho por um período superior a duas horas para além do período normal de trabalho diário, sendo o tempo diário de trabalho máximo aferido em termos médios, pelo período de referência de dois meses.
5 — A isenção de horário de trabalho não prejudica direito aos dias de descanso semanal e aos feriados previstos neste acordo.
No ACT entre o Grupo C... e o Sindicato dos Bancários do Norte, o Sindicato dos Bancários do Centro e o Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, publicado no BTE 1.ª série, n.º 4, de 29/1/2005, que substituiu e revogou o acima indicado – também referido no acordo de isenção de horário de trabalho celebrado em 15 de Fevereiro de 2006 -, a matéria em causa essa matéria passou a constar da cláusula 53.ª, acrescendo que lhe foram introduzidas alterações -ainda que para o caso sem relevo -, estabelecendo, no que aqui interessa, o seguinte:
Cláusula 53.ª Isenção de horário de trabalho
1 — Poderão ser isentos de horário de trabalho os trabalhadores que desempenhem funções de direcção, de gerência, de chefia ou funções técnicas e, em geral, todos os que desempenhem cargos de confiança.
2 — Para efeitos do disposto no número anterior, consideram- se cargos de confiança todos aqueles a que o conselho de administração especificamente atribua o carácter de autonomia, representação, fiscalização, formação específica ou confidência, independentemente da categoria profissional do trabalhador, podendo como tal ser considerados, nomeadamente, os seguintes:
a) (..)
b) Os que envolvam poderes delegados para atender, representar ou negociar com os clientes ou outras entidades, em nome da entidade patronal;
c) (..)
d) (..)
e) (..)
f) (..)
3 — O alargamento da prestação a um determinado número de horas por semana, a título de isenção de horário de trabalho, não pode determinar a prestação de trabalho por um período superior a dez horas para além do período normal de trabalho semanal, sendo o tempo diário de trabalho máximo aferido em termos médios, pelo período de referência previsto no n.º 1 ou no n.º 2 da cláusula 48.ª.
4 — A isenção de horário de trabalho não prejudica o direito aos dias de descanso previstos na lei e na cláusula 56.ª deste acordo, incluindo o descanso mínimo de onze horas seguidas entre dois períodos diários de trabalho consecutivos.
5—Os n.ºs 2 e 3 da cláusula 47.ª não são aplicáveis aos trabalhadores isentos de horário de trabalho.
6 — O regime de isenção termina com a verificação do prazo pelo qual foi estabelecido ou, não tendo sido fixado qualquer prazo, por comunicação da entidade patronal ou do trabalhador com a antecedência mínima de dois meses.
Cabe aqui deixar uma nota. Se tivermos presente o conteúdo dos Acordos de Isenção de Horário de Trabalho transcritos no facto 73, imediatamente se constata que ambos foram celebrados em conformidade com o disposto nos n.º 1 e 2 al. b) de ambas as cláusulas, isto é, na consideração do autor desempenhar “regularmente funções de confiança, com carácter de autonomia, representação, lealdade e confidência, envolvendo a delegação de poderes para atender, representar ou negociar com os clientes, em nome da entidade patronal”. Para além disso, verifica-se, também, que em ambos os documentos, na parte final, foi expressamente acordada a possibilidade de denúncia por qualquer das partes - conforme permitido pelo ACT para os casos em não foi logo estabelecido um prazo para a vigência do acordo -, sendo que no mais recente deles se fez também menção à antecedência mínima de dois meses para a denúncia, nos termos também estabelecidos, respectivamente, nas cláusulas 51ª /3, do ACT de 2001 e 53.ª/6 do ACT de 2005.
II.5.3 Revertendo ao caso, o Autor veio defender na acção, por um lado, que foram negociadas entre as partes as condições retributivas nos termos constantes da carta que lhe foi dirigida pela R. em 7 de Novembro de 1990 e que depois foi celebrado contrato de trabalho onde foi acordado que a retribuição mensal do nível A, que lhe foi atribuído, seria acrescida de um complemento retributivo de 60%, valor que logo passou a ser-lhe pago surgindo no recibo “47% Isenção Horario” e “13% Sub. D. Exclusiva”. E, por outro, “que não praticava horário de trabalho”.
Centra a sua posição nas cláusulas 2.ª e 3.ª do contrato de trabalho. Melhor explicando, apesar de ter alegado que [5.ºPi]”Perante o convite da R. para que o A. nela ingressasse, foram negociadas entre as partes as condições retributivas. Nesta sequência,[6.º] A R., por carta datada de 7 de Novembro de 1990 (cfr. Doc. 2), comunicou ao A. a sua admissão “nas seguintes condições: - Contrato de trabalho definitivo; - Classificação na categoria profissional correspondente ao Grupo I, com o Nível 07 do A.C.T.V. do sector bancário, sendo a respectiva remuneração acrescida de 60%, a título de “Isenção de Horário de Trabalho” e de “Subsídio de Dedicação Exclusiva (…)”,aparentemente não atribui depois relevância ao conteúdo da mesma para efeito de interpretação das cláusulas 2.ª e 3.ª do contrato, mormente, quando agora, no recurso, pretende que se declare “que interpretando a cláusula 3.ª do contrato de trabalho celebrado pelas partes, qualifique que a retribuição base do A./recorrente era composta por esta, propriamente dita, correspondente ao nível 7 ou ao que estivesse a ser praticado na banca em cada momento, como aconteceu quando foi promovido para o nível 8, acrescida de 60%, pelo que não podia o R./Recorrido retirar-lhe uma parcela desta última, por ela não integrar qualquer isenção de horário de trabalho”.
Ainda sobre a posição assumida pelo autor na acção e reiterada no recurso, releva também assinalar que em parte alguma fez ou faz referência aos acordos de isenção de horário de trabalho que celebrou e estão documentados nos autos, nomeadamente os referidos no facto 73.
Discordou a R., por um lado fazendo apelo ao que comunicou ao autor na carta de 7 de Novembro de 1990, como factor a considerar na interpretação do contrato, por outro defendendo que o autor sempre praticou trabalho em regime de isenção de horário, tendo inclusive celebrado acordos nesse sentido.
Importa, pois, interpretar as declarações de vontade das partes, à luz do disposto no art.º 236.º do CC, onde se estabelece:
Artigo 236.º (Sentido normal da declaração)
1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.
2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida.
Recorrendo ao ensinamento de Pires de Lima e Antunes Varela, como contributo para melhor interpretarmos estas normas, são essenciais as ideias seguintes:
-« (..)
A regra estabelecida no n.º1, para o problema básico da interpretação das declarações de vontade, é esta: o sentido objectivo da declaração negocial é aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante. Exceptuam-se apenas os casos de não poder ser imputado ao declarante, razoavelmente, aquele sentido (n.º1), ou de o declaratário conhecer a vontade real do declarante (n.º2).
(..)
O objectivo da solução aceite na lei é proteger o declaratário, conferindo à declaração o sentido que seria razoável presumir em face do comportamento do declarante, e não o sentido que este lhe quis efectivamente atribuir.
(..)
A normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se não só pela capacidade para entender o texto ou conteúdo da declaração, mas também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem na descoberta da vontade real do declarante” [Código Civil Anotado, Vol. I, 4.ª edição, Coimbra Editora, 1987, p. 223].
Está provado, conforme alegado pelo autor, que este, em novembro de 1990, foi convidado a ingressar nos quadros da Ré, na sequência do qual "foram negociadas entre as partes as condições retributivas” (factos 4 e 5).
No seguimento desse convite e negociação, a R. formalizou uma proposta de condições por escrito ao autor, em concreto, (facto 6) por carta datada de 7 de novembro de 1990, comunicou-lhe para além do mais, “(..) vimos informá-lo que o Conselho de Administração do Banco comercial Português aprovou a sua admissão para o quadro de pessoal, nas seguintes condições:
-Contrato de trabalho definitivo;
- Classificação na categoria profissional correspondente ao Grupo I, com o Nível 07 do ACTV do sector bancário, sendo a respectiva remuneração acrescida de 60% a título de “isenção de Horário de Trabalho” e de “Subsídio de dedicação exclusiva”.
(..)».
Alguns dias decorridos, a 14 de novembro de 1990 (facto 7) o autor celebrou um contrato de trabalho com a Ré, reduzido a escrito, constando do clausulado, no que concerne à retribuição o seguinte:
-«(..)
-2.ª O segundo outorgante é admitido ao serviço do primeiro na categoria profissional de Grupo I, Nível 07, nos termos estabelecidos no Acordo Colectivo de Trabalho Vertical do Sector Bancário.
3.ª A retribuição mensal do segundo outorgante será igual à que, a cada momento, será fixada no Acordo Colectivo de Trabalho vertical do Sector Bancário para os empregados do Nível 07 acrescida de 60%.
4.ª O segundo outorgante tem ainda direito aos subsídios referidos no Acordo Colectivo de Trabalho Vertical do Sector bancário que não revistam a natureza de remuneração, e ainda às diuturnidades a que eventualmente tenha direito ainda nos termos do referido acordo.
(..)».
É inquestionável que a celebração do contrato de trabalho foi precedida por uma fase negocial onde se discutiram as condições retributivas que seriam asseguradas pela Ré ao autor, caso aceitasse celebrar o contrato de trabalho, em contrapartida da prestação da sua actividade, bem assim que este foi confrontado com uma proposta concreta que satisfez os seus interesses, visto ter aceitado a celebração do contrato.
Assim, a interpretação das cláusulas 2.ª e 3.ª não podem ser vistas sem atender ao que ocorreu na fase pré contratual, isto é, à proposta formalizada por escrito e aceite pelo autor, dado ter-se disposto a celebrar o contrato de trabalho. Só essa visão conjugada possibilitará determinar o sentido objectivo da declaração negocial, ou seja, “aquele que seria apreendido por um declaratário normal, ou seja, medianamente instruído e diligente, colocado na posição do declaratário real, em face do comportamento do declarante”, não podendo esquecer-se que a “ normalidade do declaratário, que a lei toma como padrão, exprime-se (..) também na diligência para recolher todos os elementos que, coadjuvando a declaração, auxiliem na descoberta da vontade real do declarante”.
Assim, atendendo aquele quadro negocial, marcado por duas fases distintas, uma com a prática de actos tendentes à celebração do contrato e a outra com a concretização dessa celebração, afigura-se-nos que a interpretação da cláusula 2.ª, ao dizer que a retribuição será “acrescida de 60%”, mas sem concretizar em que termos, deve ser entendida em conformidade com a proposta feita na carta e aceite pelo Autor, ou seja, “sendo a respectiva remuneração acrescida de 60% a título de “isenção de Horário de Trabalho” e de “Subsídio de dedicação exclusiva”.
Em suma, uma parte desse acréscimo de 60% seria proporcionado ao autor através do complemento retributivo devido pelo regime de isenção de horário de trabalho, para o compensar pela disponibilidade para trabalhar mais horas do que o normal, se necessário fosse, sem estar sujeito a horário de trabalho e haver lugar ao pagamento de trabalho suplementar. Aliás, é isso que explica que a não tenha pago ao Autor trabalho suplementar sempre que este laborou para além do horário, nem este lho tenha pedido (facto 72).
Dito de outro modo, não cremos que possa interpretar-se a cláusula 2.ª, como visando garantir ao autor a retribuição correspondente ao seu nível salarial acrescida de 60% independentemente da causa justificativa do pagamento desses complementos, mormente do respeitante à isenção de horário de trabalho.
Justamente por isso, conforme alegado pelo autor e provado, iniciada a execução do em 1 de Dezembro de 1990 a Ré nesse mês pagou ao autor “a sua retribuição base no valor de 97.510$00, acrescida de 58.506$00 que a Ré qualificou nos respetivos recibos como “47% ISENCAO HORARIO” (45.830$00) e “13% SUB. D. EXCLUSIVA” (12.676$00), o que perfazia os 60% constantes da carta referida em 6) e da cláusula 3.ª do acordo referido em 7) [facto 8 e 11].
Mais, prática que se manteve até Junho de 2015, último mês em que lhe pagou o complemento “Isençao Horario”, na sequência da carta de 9 de Abril de 2015, comunicando-lhe a decisão de fazer cessar o regime de Isenção de Horário de trabalho e, consequentemente, o pagamento da retribuição adicional, com efeitos a partir de 1 de Julho de 2015 (factos 12, 12, 15, 16 e 20).
Neste quadro, sendo seguro dizer-se que o pagamento daqueles complementos retributivos foi elemento essencial para a celebração do contrato - ademais, como provado, o acréscimo retributivo de 60% sobre a remuneração do nível em que se encontrasse foi um facto determinante para levar o a decidir a ingressar nos quadros da Ré (facto 103) - e, consequentemente, da relação contratual que se iniciou e desenvolveu, na medida em que resultou de negociação prévia, traduzida no contrato e executada desde início, para ser introduzida qualquer alteração a essa condição, nomeadamente no que respeita ao complemento por isenção de horário de trabalho, era necessário um novo acordo das partes.
Dito de outro modo, embora, em regra, o complemento por isenção de horário de trabalho possa ser retirado unilateralmente por decisão do empregador quando cesse a causa que o justifique, diferentemente acontece quanto aos casos em que é acordado desde início, ou seja, com a celebração do contrato, que a prestação de trabalho é realizada ao abrigo desse regime com a correspondente compensação, entendendo-se que qualquer alteração daquele primitivo acordo depende de novo acerto de vontades da entidade empregadora e do trabalhador.
Acontece, porém, que no caso ficou provado que autor e R. celebraram os acordos de isenção de horário de trabalho, nomeadamente, em 21 de Junho de 2004 e 15 de Fevereiro de 2006, referidos e transcritos no facto 73, em qualquer deles constando expressamente estipulado que vigoraria até que uma das partes o denunciasse. Interessa-nos particularmente o último deles, desde logo por consubstanciar a manifestação de vontades mais recente a esse propósito, que por isso se sobrepõe ao anterior, quer por dele decorrer a base de incidência do cálculo da compensação e o consequente valor desta, pago até Junho de 2015. Dele consta:
- «(..) é celebrado o presente acordo entre o empregador C..., SA (..) e o colaborador B..., que desenvolve a sua actividade no estabelecimento desta entidade (..) com a categoria profissional de Assistente Operacional, desempenhando regularmente funções de confiança, com carácter de autonomia, representação, lealdade e confidência, envolvendo a delegação de poderes para atender, representar ou negociar com os clientes, em nome da entidade patronal.
Colocado no nível 08 do IRCT acima referido, com uma retribuição base de € 1011 acrescida do valor das diuturnidades de € 222,6, é acordado que o desempenho da actividade laboral contratada entre as partes passará a estar sob regime de ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO sem sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho.
Pela isenção do horário de trabalho, o trabalhador tem direito a receber uma retribuição especial, no montante de € 673,62, estipulada na Clª 93 do IRCT aplicável, que não é inferior à retribuição correspondente a duas horas de trabalho suplementar por dia calculada sobre a retribuição base acrescida do valor das diuturnidades, a ser paga com periodicidade mensal.
(..)
O presente acordo vigora até que uma das partes o denuncie, com a antecedência mínima de dois meses.
Celebrado no Porto, em 15 de Fevereiro de 2006, constando de três exemplares, destinando-se um a cada um dos outorgantes e o outro à Inspecção –Geral do Trabalho, Delegação do Porto”».
Este acordo consubstancia um novo acerto de vontades quer em relação ao regime de isenção de horário de trabalho e, por inerência, quanto ao complemento salarial pago ao autor em compensação do mesmo, ou seja, o denominado “Isençao Horario” pago mensalmente. Dele resulta, conforme expressamente estipulado:
i) A razão que o justificava – o desempenho regular de “funções de confiança, com carácter de autonomia, representação, lealdade e confidência, envolvendo a delegação de poderes para atender, representar ou negociar com os clientes, em nome da entidade patronal”;
ii) Estar a ser “acordado que o desempenho da actividade laboral contratada entre as partes passará a estar sob regime de ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO sem sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho”.
iii) A definição da base de cálculo da compensação e o respectivo valor - Pela isenção do horário de trabalho, o trabalhador tem direito a receber uma retribuição especial, no montante de € 673,62, estipulada na Clª 93 do IRCT aplicável, que não é inferior à retribuição correspondente a duas horas de trabalho suplementar por dia calculada sobre a retribuição base acrescida do valor das diuturnidades, a ser paga com periodicidade mensal.
iv) A possibilidade de ser denunciado por qualquer das partes: O presente acordo vigora até que uma das partes o denuncie, com a antecedência mínima de dois meses.
Acordo que colhe enquadramento na previsão do ACT entre o Grupo C... e o Sindicato dos Bancários do Norte, o Sindicato dos Bancários do Centro e o Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas, publicado no BTE 1.ª série, n.º 4, de 29/1/20056, nomeadamente na cláusula 53.º, inclusive quanto à possibilidade de denúncia (n.º6).
Por ainda não lhe termos feito referência, importa deixar nota da cláusula 93.ª, com a epígrafe “Retribuição de Isenção de horário de trabalho”, também invocada no acordo, onde se estipula, no que aqui interessa, o seguinte: [1] Os trabalhadores isentos de horário de trabalho têm direito a uma retribuição mensal adicional que não será inferior ao valor resultante da aplicação das percentagens de 21,5% ou 46,5% ao montante do nível pelo qual estão a ser remunerados acrescido das diuturnidade a que tenham direito, consoante os trabalhadores prestem trabalho por um período médio de cinco ou dez horas para além do correspondente período semanal de trabalho, respectivamente.
Num breve parêntesis, não é despiciendo assinalar que reside nesta cláusula a explicação para o facto, apontado pelo autor e que se constata pelos recibos – como já referimos na parte em que alterámos a matéria de facto – da percentagem de 47% da “Isenção Horario” ter passado a 46,5% a partir de 2006.
Retomando o ponto, já deixámos sintetizado acima, através do Ac. STJ de 9 de Janeiro de 2011 «(..) o regime de isenção de horário de trabalho é, por natureza, transitório e reversível, dependendo de uma acção cuja iniciativa repousa na vontade da entidade empregadora, sendo que a correspectiva retribuição especial só é devida se e enquanto o trabalhador desfrutar dele”.
Ora, sendo inequívoco que o autor aceitou essas condições acertadas no acordo de 2006, entre elas a possibilidade de ser denunciado por qualquer uma das partes com a antecedência mínima de dois meses, a decisão unilateral da Ré - que observou aquele prazo por via da comunicação de 9 de abril de 2015, para produzir efeitos a partir de 1 de Julho de 2015 -transmitindo-lhe a cessação do regime de Isenção de horário de Trabalho e, consequentemente, do pagamento da retribuição adicional, não consubstancia violação ao princípio da irredutibilidade da retribuição consagrado no art.º 129.º n.º1, al. d), do CT.
Mais, no anterior acordo celebrado em 21 de Junho de 2004, já o autor tinha “acordado que o desempenho da actividade laboral contratada entre as partes passará a estar sob regime de ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO sem sujeição aos limites máximos dos períodos normais de trabalho”, a base de cálculo e valor da retribuição especial a ser-lhe paga em compensação e, também, que o acordo apenas vigoraria até que uma das partes o denunciasse.
Por conseguinte, não tem razão o autor quando admite, por concordância com a jurisprudência e doutrina portuguesas, que o complemento retributivo relativo à isenção de horário de trabalho, ainda que previsto no contrato de trabalho, pode ser retirado por acordo entre empregador e trabalhador, mas vindo defender “pelo que se exigiria o acordo do Recorrente, o que não ocorreu no caso em apreço” (conclusão 43.ª). Esse acordo existiu e foi firmado mais do que uma vez, nos termos acima referidos. O autor é que esqueceu ou desvalorizou o sentido e alcance desses acordos, nunca lhes tendo feito qualquer referência na acção, nem no recurso.
Uma última nota. Contrariamente ao que o Autor veio defender na acção e no recurso (cfr. conclusões 14, 19, 20 e 21), o seu caso não é similar aos apreciados e decididos nos acórdãos desta Relação, de 07-11-2011 [proc.º 155/10.6TTOAZ.P1, Desembargador Ferreira da Costa, disponível em www.dgsi. pt], da Relação de Lisboa, de 24 de Junho de 2014 [proc.º 552/09.0TTFUN.L1, Desembargadora Filomena Manso Carvalho (não publicado, mas junta cópia no decurso da acção – requerimento de 15-11-2016)] e da Relação de Coimbra, de 22 de Setembro de 2016 [proc.º 1150/15.0TTFIG.C1, Desembargador Felizardo Paiva (não publicado, mas junta cópia no decurso da acção – requerimento de 15-11-2016)].
A razão é simples, a matéria de facto não é similar, nomeadamente, quanto a um aspecto determinante: em nenhum desses casos consta que os autores tenham celebrados acordos de isenção de horário de trabalho no decurso da relação laboral e, especificamente, com o conteúdo dos que foram celebrados pelo aqui autor.
Concluindo, quanto a esta questão improcede o recurso e, consequentemente, fica prejudicada a apreciação quanto aos pedidos as alíneas b) e c).
II.6 Numa segunda linha de fundamentação vem o Autor insurgir-se contra a sentença por ter absolvido a Ré do pedido de condenação desta em indemnização, a título de danos não patrimoniais, no montante de € 20.000,00.
Sobre este pedido, da fundamentação da sentença consta, no essencial, o seguinte:
- «Alega o Autor que porquanto pretendia levar o mesmo a rescindir o contrato, a Ré não só lhe retirou o subsídio de isenção de horário de trabalho como acabou por o colocar, sem qualquer atividade, na Direção de Recuperação de Baixos Montantes.
(..)
Por seu lado, o artº 29º nº 1 do Código do Trabalho, estabelece que se entende por assédio (…).
(..)
Por seu lado, importa ter atenção que nem todos os conflitos no local de trabalho podem entender-se como “mobbing”, sob pena de se banalizar o conceito de assédio. No obra citada, a saber, pág 160, refere o Dr. Monteiro Fernandes que “(…) entrando em conta com o texto da lei e os contributos da jurisprudência, parece possível identificar os seguintes traços estruturais da noção de assédio no trabalho:
a)um comportamento (não um ato isolado) indesejado, por representar incómodo injusto ou mesmo prejuízo para a vítima (…);
b)uma intenção imediata de, com esse comportamento, exercer pressão moral sobre o outro (…);
c)um objetivo final ilícito ou, no mínimo, eticamente reprovável, consistente na obtenção de um efeito psicológico na vítima, desejado pelo assediante (…)”.
Resumindo também esta orientação, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 13 de janeiro de 2010, www.dgsi.pt, refere que a figura do mobbing “se caracteriza por três facetas: a prática de determinados comportamentos; a sua duração e as consequências destes, sendo usual associar-se a intencionalidade da conduta persecutória, o seu carácter repetitivo e a verificação de consequências na saúde física e psíquica do trabalhador e no próprio emprego”.
O disposto no artº 29º do Código do Trabalho, encontra-se estreitamente relacionada com o disposto no artº 15º do mesmo diploma, que consagra expressamente o direito do trabalhador à sua integridade física e moral.
Conforme resulta dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de março de 2012 e de 16 de maio de 2012, in www.dgsi.pt, configura-se uma situação de assédio moral - ou “mobbing” - quando há aspetos na conduta do empregador para com o trabalhador (através do respetivo superior hierárquico), que apesar de isoladamente analisados não poderem ser considerados ilícitos, quando globalmente considerados, no seu conjunto, dado o seu prolongamento no tempo (ao longo de vários anos), são aptos a criar no trabalhador um desconforto e mal estar no trabalho que ferem a respetiva dignidade profissional e integridade moral e psíquica.
(..)
Ou seja, o mobbing laboral traduz-se em comportamentos, ações ou omissões hostis, dirigidas, ao longo do tempo e de uma forma sistemática por um ou alguns indivíduos contra um trabalhador que, em virtude do mesmo se vê numa situação de desamparo, receio, medo.
Com tal atuação visa-se ostracizar, isolar, desprezar, humilhar, amedrontar e eliminar a pessoa visada.
A distinção entre conflito e mobbing não se foca no que é feito ou como é feito, mas na frequência ou duração do que é feito. Ou seja, o mobbing deve ser visto como um conflito exagerado.
O assédio laboral tem como fim intimidar, diminuir, humilhar, amedrontar e consumir emocional e intelectualmente a vítima, com o objetivo de eliminá-la da organização ou satisfazer a necessidade insaciável de agredir, controlar e destruir que é apresentada pelo assediador que aproveita a situação organizacional particular (reorganização, redução de custos, burocratização, mudanças drástica, etc.) para canalizar uma série de impulsos e tendências psicopáticas.
Importa, todavia, ter presente que o conceito de assédio não se subsume, unicamente, às situações motivadas por tais objetivos ou intenção. Na verdade, face ao disposto no artº 29º nº 1 do Código do Trabalho, o mesmo é extensível às situações em que, embora não visando um qualquer objetivo, têm o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afetar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador, como se diz em tal preceito.
(..)
No caso presente, o Autor alegou efetivamente toda uma série de factos com os quais pretendia demonstrar a verificação daquele comportamento reiterado e persecutório por parte da Ré.
Com relevo para a questão ficaram apurados os seguintes factos:
a)Autor passou a exercer a sua atividade profissional para a Ré mediante retribuição e sob as suas ordens, direção e autoridade, desde 1 de dezembro de 1990, sendo-lhe paga desde aí quantia a título de isenção de horário de trabalho.
b)por carta datada de 9 de abril de 2015, a Ré informou o Autor que “foi superiormente decidido fazer cessar o referido regime [de Isenção de Horário de Trabalho] e, consequentemente, o pagamento da retribuição adicional, com efeitos a partir de 01 de Julho de 2015”, tudo nos termos constantes do documento junto aos autos a fls. 41 vº, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, sendo que, no mês de julho de 2015, a Ré aumentou a rubrica que lhe vinha pagando sob a designação de “COMPLEM. VENCIMENTO” de € 162,69 para € 189,69, tendo suprimido a rubrica que vinha pagando ao Autor sob a designação “ISENCAO HORARIO”.
c)o Autor foi convidado, por mais de uma vez, a rescindir o contrato de trabalho, tendo rejeitado tais propostas, renunciando sempre a assinar qualquer acordo de cessação do contrato de trabalho.
d)o Autor foi considerado como “excedentário”.
e)o Autor foi alocado a uma unidade orgânica que a Ré criou de novo, denominada Direção de Recuperação de Baixos Montantes (DRBM).
f) tal unidade orgânica era composta por trabalhadores que rejeitaram as propostas da Ré para rescindirem os seus contratos de trabalho e/ou passarem à situação de reforma.
g)o Autor foi convocado para reuniões com a Ré com vista à rescisão do contrato, tendo renunciado a qualquer acordo, pretendendo continuar a trabalhar.
Ora, se tais factos poderiam ser, objetivamente, vistos como factos que visavam pressionar o Autor no sentido de por fim ao contrato que com a Ré celebrara, a verdade é que esta veio demonstrar nos autos que:
a)Ré não pagou ao Autor trabalho suplementar sempre que este laborou para além do horário, nem este lho pediu.
b)ao longo da relação laboral, e por imperativos atinentes à regularização da isenção de horário de trabalho junto da Inspeção do Trabalho, Autor e Ré documentaram o acordo de isenção de horário de trabalho.
c)o Autor tinha isenção de horário de trabalho.
d)entre 2013/2015, internamente a Ré viu-se a braços com um mercado completamente arruinado, quer no plano dos particulares, com um desemprego altíssimo, que provocou uma enorme quebra na poupança e consequentemente nos depósitos, e uma impossibilidade prática de os particulares acederem ao crédito, e, ou, uma enorme dificuldade em cumprirem com as suas obrigações em curso.
e)a Ré viu-se confrontada com crédito mal parado, obrigando a proceder a aumentos de capital onde os já acionistas participaram com grande presença, e à injeção de capital do Estado, por meio dos conhecidos Cocos, cfr. BTE 12/2014 publicado em 29.03.2014, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
f)situação que foi agravada por ter sido chamado, à semelhança de outras Instituições Financeiras a contribuir para o Fundo de Garantia de Depósitos e Fundo de Resolução, a fim de suportar o funcionamento do sistema bancário, e evitar uma crise sistémica no Sector.
g)no plano internacional a Ré teve de lutar, contra a queda de outras economias onde tinha investimentos muito significativos em relação à sua dimensão, e que entraram em colapso, como foi o caso da Grécia e Roménia, ou de países onde ainda mantém investimentos como em Angola e Polónia, cujas economias criaram climas económicos de grande adversidade aos investimentos feitos pela Ré.
h)foi necessário, e reconhecido pelos Sindicatos que representam os trabalhadores, proceder, entre outras dimensões, à diminuição da massa salarial da Ré e o ajuste dos seus recursos humanos à realidade em curso.
i)a articulação entre a Ré e os Sindicatos representativos dos Trabalhadores se conseguiu alcançar um Memoradum de Entendimento, publicado em BTE (BTE 12/2014 publicado em 29.03.2014, e extensível ao Sindicato em que o Autor é filiado por Portaria 113/2014 de 26 de Maio), que procurando a estabilização financeira da Ré, alterou diversas cláusulas do ACT aplicável, designadamente a 156ª, em que os Trabalhadores
admitiam a tomada de algumas medidas restritivas dos salários, incluindo a sua não evolução e a realização de cortes salariais, e por seu lado o Banco Réu comprometia-se a não proceder a despedimentos coletivos, se conseguisse com as medidas tomadas, alcançar os parâmetros impostos pela Direção Geral da Concorrência da União Europeia (cfr. cláusula 156ª – F acrescida pelo Memorandum mencionado), permitindo-se negociar nas melhores condições possíveis a saída de algumas centenas de trabalhadores, que, de acordo com o citado memorandum deveriam ser 7.100, até 2017.
j)a Ré promoveu um conjunto de condições negociais que apresentou aos trabalhadores que desejassem sair do Banco, ou que a Ré com base nas avaliações e prestações desempenhadas ao longo do contrato de trabalho tivesse a perceção de que aportavam menos eficiência.
l)nem todos os trabalhadores que foram abordados tinham interesse nas propostas apresentadas, e nem todos os que não foram abordados lhes ficaram indiferentes, auto propondo-se para cessar os contratos de trabalho nas condições propostas.
m)a Ré ajustou a sua organização interna, introduzindo alterações que permitissem fazer face a realidade imposta pelo mercado, como a de resolver a questão do crédito designado vulgarmente por “mal parado”.
o)foi criada a Direção de Recuperação de Baixos Montantes (DRBM), à qual foram afetos os recursos humanos possíveis, sendo um o Autor.
p)a colocação do Autor na Direção de Recuperação de Baixos Montantes (DRBM), garantiu a sua ocupação efetiva.
q)a DRBM é responsável pela recuperação de baixos montantes, atividade que, à data da criação daquela direção, era parcialmente assegurada por uma empresa prestadora de serviços, e passou a ser assegurada por Trabalhadores do Banco.
r)em março de 2015, após ter sido prestada formação específica a todos os Trabalhadores (de 24 a 27 de fevereiro), foi entregue a cada um deles uma cparteira de clientes em incumprimento há mais de 45 dias, e com exposição até € 2.000,00.
s)as tarefas atribuídas aos Trabalhadores da DRBM passavam por contactar esses clientes, estabelecer acordos de pagamento e garantir o cumprimento dos acordos Estabelecidos.
t)houve trabalhadores da DRBM que foram entretanto recolocados noutras áreas da Ré.
u)a dimensão das carteiras dos que permaneceram nesta Direção aumentou uma vez que foi incluída nas filas de trabalho da DRBM uma carteira de clientes com exposição de € 2.000,00 até € 25.000,00.
v)este alargamento a clientes com níveis de exposição até € 25.000,00, exigiu nova ação de formação para todos os Trabalhadores, dado que o processo de recuperação nesses clientes implica um grau de complexidade acrescido.
x)essa formação teve lugar nos dias 30 de junho e 3 de julho de 2015.
z)até final do ano de 2015, foi recuperado para o Banco um valor superior a € 3.000.000,00 em clientes pertencentes à sua carteira, e nas primeiras 24 semanas de 2016 já recuperou mais de 2.000.000,00 euros.
aa)esta atividade não justifica a atribuição de isenção de horário de trabalho ao Autor.
Destes factos, somos levados a concluir que a retirada da isenção e horário de trabalho e colocação do Autor na DRBM não podem ser consideradas como condutas que configurem “assédio” por parte da Ré, uma vez que as mesmas justificam-se não só pelo contexto económico e financeiro vivido quer internamente quer internacionalmente pelo Réu, pelas medidas de contenção e despesas e consequente diminuição de funcionários que lhe foram impostas e vieram a ser acordadas com os Sindicatos.
Por outro lado, apurado ficou que, embora não exatamente nas funções para que fora contratado, o Autor continuou a trabalhar numa Direção distinta, para a qual lhe foi dada formação específica, Direção essa que veio a mostrar resultados na recuperação de crédito. Acresce que, conforme atrás referimos, a retirada da isenção de horário de trabalho não configura uma violação da irredutibilidade da retribuição, sendo certo que, face às novas funções exercidas pelo Autor na nova Direção, aquela isenção deixou de ser justificada.
Diga-se ainda que o Autor não demonstrou a intenção da Ré em o perturbar ou constranger ou em afetar a dignidade deste.
Ora, não demonstrada a intencionalidade da Ré, nem a permanente pressão no sentido da rescisão ou a não ocupação do mesmo, entendemos não estarem preenchidos todos os requisitos que permitem concluir pelo assédio e, consequentemente, que permitem a condenação da Ré no pagamento de danos de natureza não patrimonial.
Assim, julga-se improcedente, nesta parte, o pedido».
Das conclusões resulta que o autor sustenta a impugnação dirigida a esta questão, invocando o seguinte:
- O Banco actuou ilicitamente ao retirar-lhe a parte da retribuição que era paga sob a designação Isenção Horario.
- Com a unilateral e ilegal atuação do Banco Recorrido, viu-se privado duma relevante parte da sua retribuição mensal, o que dificultou, seriamente, o cumprimento de obrigações assumidas no pressuposto da retribuição que deveria receber do Recorrido.
- A atitude da Recorrido provocou no Recorrente profundo desânimo, tristeza, desgosto, indignação, desmotivação, sentimento de desprestígio e humilhação.
- Sentimentos e sintomatologias decorrentes do arbitrário e ilegal corte que o Recorrido operou na sua retribuição mensal.
- Foi convidado por mais do que uma vez a rescindir o seu contrato de trabalho, “sob ameaças e pressões várias, ocorridos desde 2012 até ao presente”.
- O seu direito à ocupação efetiva, que a lei consagra na alínea b), do nº 1, do art. 129º, do Código do Trabalho, está a ser violado.
- O Recorrido atua em assédio moral, com a sua transferência para uma Direção que não desenvolve qualquer atividade da competência do Recorrente em clara retaliação pela não aceitação do despedimento.
Em suma, é com base nestes pressupostos que defende estarem reunidos os requisitos do direito à reparação por danos não patrimoniais, nos termos dos artigos 483.º, n.º 1, e 496.º, n.º 1, ambos do Código Civil.
Resulta da recolha do essencial dos argumentos do recorrente acima elencada, mas se dúvidas houver, das conclusões do recurso na parte dirigida a esta questão, que o recorrente não põe em causa a fundamentação jurídica do Tribunal a quo, ou seja, não suscita qualquer questão de direito. Insurge-se é quanto à aplicação do direito aos factos, mas limitando-se a reiterar a posição assumida na acção, sem apontar eventual erro de enquadramento dos factos considerados pelo Tribunal a quo, antes assentando em dois pressupostos:
i) de ver alterada a decisão da 1.ª instância na parte em que conclui pela licitude da decisão da Ré ao fazer cessar o regime de isenção de horário de trabalho e, consequentemente, o pagamento do correspondente acréscimo retributivo;
ii) de ver alterada a decisão sobre a matéria de facto nos termos pretendidos na impugnação.
Pois bem, adianta-se já, sem que lhe assista fundamento, dado que nenhum desses pressupostos está verificado. Não se acolheu a impugnação do recorrente no que respeita à retirada do complemento retributivo que lhe era pago sob a designação “Isenção Horario”, nem a impugnação da decisão sobre a matéria de facto, se bem que parcialmente procedente, trouxe qualquer facto com relevo para esta questão. Acresce dizer que, do mesmo modo, as alterações introduzidas oficiosamente por este Tribunal de recurso também não assumem relevo para sustentarem o pedido em causa.
Por conseguinte, não tendo o decidido por este Tribunal posto em causa a fundamentação da sentença e merecendo a mesma a nossa concordância, não se perfila qualquer razão, quer no plano do direito quer no dos factos, para a alterar.
Conclui-se, pois, pela improcedência do recurso também quanto a este ponto.
III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso improcedente, em consequência confirmando-se a sentença recorrida.
Custas pelo recorrente, atento o decaimento (art.º 527.º 2, CPC).

Porto, 11 de Julho de 2018
Jerónimo Freitas
Nelson Fernandes
Rita Romeira