Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
159/04.8IDAVR.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ÉLIA SÃO PEDRO
Descritores: CRIME DE FRAUDE FISCAL
CONSUMAÇÃO
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
Nº do Documento: RP20210623159/04.8IDAVR.P1
Data do Acordão: 06/23/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – O elemento literal é desde logo relevante, uma vez que, no domínio do direito penal, a descrição do tipo tem uma especial função de garantia: o tipo legal de crime descreve as condutas ilícitas e, portanto, são apenas essas as condutas relevantes para se aferir a consumação do facto.
II - Uma das condutas típicas é precisamente a “celebração de negócio simulado”. Ou seja, o facto/conduta voluntária descrito no tipo era a celebração de negócio simulado. Foi esta realidade empírica que o legislador recortou como elemento do tipo. Tal significa que, para o tipo de ilícito agora em causa, a conduta típica traduzia-se na celebração do negócio simulado, desde que o mesmo visasse “ (…) a não liquidação, entrega ou pagamento do imposto ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias” (n.º 1 do mesmo preceito legal).
III - A entrega da declaração tributária (ou a sua omissão, quando devida) não tem qualquer correspondência literal, mínima que seja, na descrição típica. O elemento literal é ainda relevante para refutar a relevância do argumento que alguma doutrina retira do actual artigo 103º, n.º 3 do RGIT. Neste preceito legal, actualmente em vigor, a fraude fiscal é descrita em termos algo semelhantes ao preceito legal vigente na data da prática dos factos, mas com uma diferença. No n.º 3 é referido expressamente que, “ (…) Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária”. Este preceito é normalmente invocado para dar especial relevo à declaração a apresentar à administração tributária, considerando-a um acto de execução do crime, ou até mesmo (para alguns) um elemento determinante do número de crimes cometidos: tantos crimes, quantas as declarações a apresentar. Esta posição, no essencial, entende que a fraude fiscal visa proteger o cumprimento da obrigação de apresentar declarações exactas.
IV- O bem jurídico protegido na fraude fiscal não é a exactidão da declaração a apresentar à administração tributária, mas o património do Estado. Daí que só exista crime quando o fim visado pelo agente seja a não liquidação, entrega ou pagamento do imposto, ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais, susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A finalidade da acção típica deve ser (segundo o n.º 1 do preceito incriminador) a de causar diminuição de receitas tributárias. O bem jurídico protegido é, portanto, a preservação da receita tributária efectivamente devida e não o mero cumprimento das obrigações acessórias de declaração tributária.
V - Deste entendimento decorre que um negócio simulado gera apenas um crime de fraude fiscal, cometido pelos vendedores e compradores, ainda que esse facto gere várias declarações tributárias (para efeitos de Sisa e IRC), pois todas elas convergem para a lesão do mesmo bem jurídico. Os agentes apenas cometem um facto típico (negócio simulado), visando a diminuição de receitas tributárias. A responsabilidade de cada interveniente pode ser diferente, porque diferente é também o prejuízo que visam causar ao Estado. No entanto, o facto gerador da diminuição de receitas, almejado pelos simuladores, é apenas um: o negócio simulado. O vendedor visa esconder receitas para efeito de IRC, enquanto o comprador visa pagar um imposto de Sisa de valor inferior. Contudo, o bem jurídico lesado por ambos (vendedor e comprador) é exactamente o mesmo (a obtenção da receita tributária efectivamente devida) e, por essa razão, é cometido apenas um crime de fraude fiscal.
VI- O momento da consumação do crime de fraude fiscal, previsto no art. art. 23° do RJIFNA, aprovado pelo Decreto-Lei n° 20-A/90, de 15 de Janeiro, cometido através da celebração de negócio simulado, é o da data da sua celebração e, consequentemente, o prazo da prescrição começa a correr nessa data.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Recurso Penal 159/04.8IDAVR.P1

Acordam na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto

1. Relatório
1. No processo acima referenciado, o Ministério Público recorreu da decisão instrutória que declarou extinto, por prescrição, o procedimento criminal movido nos autos contra os arguidos B…, C…, D…, E…, “F…, S.A” e “G…, Lda” e consequentemente ordenou o seu arquivamento.
1.2. Terminou a motivação do recurso com as seguintes conclusões (transcrição)
“1- Do objeto do recurso:
Nos presentes autos, o Tribunal decidiu declarar extinto a extinção, por prescrição, do procedimento criminal movido nestes autos aos arguidos B…., C…, D…, E…, "F…, S.A." e "G…, Lda.", desde 14/01/2005, ordenando-se o arquivamento dos autos.
2- Os arguidos estão acusados da prática, em co-autoria, sob a forma consumada, de um crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo art. 23°, n°. 3, al. c) do RJFNA, aprovado pelo DL n° 20-A/90 de 15.01 e alterado pelo DL n° 394/93 de 24.11 (a que corresponde ao atual art. 103°, n° 1, al. c) do Regime Fiscal das Infracções Tributárias - Lei n° 15/2001 de 05.06), respondendo as sociedades arguidas, através da atuação dos seus representantes, nos termos do art. 7º, n° 1 do DL n° 20-A/90 de 15.01 e art. 7° do RGIT.
3- Com o maior respeito pela douta decisão, manifestamos, porém, a nossa discordância.
4- Segundo a imputação efetuada na acusação está em causa a celebração no dia 13 de Janeiro de 2000, no Cartório Notarial de Ovar, de uma escritura pública, no âmbito da qual o arguido B…, na qualidade de administrador e em representação da sociedade "F…, SA.", declarou que a sociedade sua representada era dona do prédio misto, ali melhor descrito, procedeu ao destaque de quatro prédios urbanos desse prédio misto e declarou a venda dos referidos imóveis pelo preço de 250 milhões de escudos, que declarou já ter recebido, correspondendo aos prédios destacados e à parte rústica restante.
Nessa mesma escritura pública os arguidos C… e E…, na qualidade de gerentes e em representação da sociedade "G…, Lda." outorgaram-na e declaram que aceitavam o dito contrato, para a sua representada e que os indicados prédios adquiridos se destinavam a revenda.
Mais consta da acusação que antes da realização da escritura de compra e venda em causa foram canceladas hipotecas que incidiam sobre os imóveis transacionados, sendo que os arguidos, acordaram entre si que a sociedade "G…", para além do pagamento do preço referido na escritura assumia os pagamentos de obrigações assumidas pela sociedade "F…", tendo a primeira realizado os pagamentos a terceiros.
5- Imputa, assim, a acusação aos arguidos que estes, atuando sempre em nome e no interesse das sociedades arguidas, estabeleceram entre si que o pagamento dos prédios adquiridos seria efetuado da seguinte forma: uma parte do valor do negócio seria paga de forma direta pela "G…" à sociedade "F…" (250.000.000$00) e a outra parte, de forma indireta, através de pagamentos realizados pela "G…" a instituições financeiras credoras da "F…" (instituições que tinham garantia hipotecária sobre o imóvel transacionado), sendo este último pagamento efetuado por forma a obter o distrate dessas garantias hipotecárias.
6- Mais refere a Acusação que:
"20°
Com efeito, o pagamento por parte da adquirente «G…» de dívidas da transmitente «F…, SA», por forma a obter o distrate de garantias hipotecárias que sobre o bem imóvel pendiam fez diminuir as disponibilidades financeiras da primeira em relação à diminuição do passivo da segunda empresa.
21°
Do mesmo modo, tendo em conta que as verbas acumuladas pagas pela adquirente no referente à transacção imobiliária somam 618.437.468$00 (3.084.753,08 €), o diferencial declarativo em sede da Escritura Pública e demais documentos tributários permitiu a obtenção de vantagens fiscais ilegítimas por parte das duas empresas, respectivamente, omissão de proveitos sujeitos a tributação em IRC por parte da sociedade transmitente e menor pagamento de SISA e Selo por parte da sociedade adquirente.
22°
A simulação negocial, declarando um preço inferior ao real quanto ao preço de transacção do edifício fabril e outros, proporcionou á sociedade "F…, SA" a diminuição de proveitos fiscais no exercício económico de 2000, a sociedade, através do ora arguido B…, omitiu proveitos no valor de 368.437.468$00 (1.837.758,34 € - um milhão, oitocentos e trinta e sete mil, setecentos e cinquenta e oito euros e trinta e quatro cêntimos), ficando o Estado Português lesado no valor de 802.904,95 € (oitocentos e dois mil, novecentos e quatro euros e noventa e cinco cêntimos).
23°
A simulação negocial no respeitante ao valor de aquisição do imóvel fabril e outros (transacção integrante de cinco artigos matriciais), implícita quer nas Escrituras Públicas, quer na declaração tributária apresentada pela sociedade adquirente «G…» e seus representantes legais e ora arguidos, fez reverter a favor destes, por efeitos de tributação em SISA do valor constante da Escritura Pública (valor inferior ao da efetiva realidade negocial), uma vantagem fiscal ilícita, tal vantagem consubstancia-se no valor de imposto que os mesmos deixaram de pagar ao Estado, e que, nos termos da Liquidação Adicional efetuada, foi de 183.775,83€ (cento e oitenta e três mil, setecentos e setenta e cinco euros e oitenta e três cêntimos).
24°
Os arguidos ao não declararem na escritura pública de compra e venda o valor real da transacção comercial agiram com o propósito, concretizado, de não pagarem ao Estado - Administração Fiscal, os impostos devidos pela transacção de facto realizada, e devidos pelas sociedades que representavam, utilizando antes as quantias em causa no interesse das sociedades arguidas.
25°
Em consequência de tal conduta, os arguidos, obtiveram a seguinte vantagem patrimonial:
- Em relação à sociedade F…, S.A e ao arguido B… o valor de €802.904,95 (oitocentos e dois mil, novecentos e quatro euros e noventa e cinco cêntimos).
- Em relação à sociedade G…, Lda e aos arguidos C…, E… e D… o valor de €183.775,83€ (cento e oitenta e três mil, setecentos e setenta e cinco euros e oitenta e três cêntimos), correspondente ao valor não entregue nos cofres do Estado.
26°
Pelo exposto, através da conduta dos arguidos, o Estado Português sofreu um prejuízo patrimonial no montante global de 986.680,78€ (novecentos e oitenta e seis mil, seiscentos e oitenta euros e setenta e oito cêntimos).
27°
Atento o factualismo descrito, agiram os arguidos, como representantes das arguidas, de forma livre, deliberada e consciente, bem sabendo que a sua conduta era idónea a fazer diminuir as receitas do Estado em termos de I.RC., Imposto de Selo e SISA, pois sabiam que estavam obrigados a entregar à Fazenda Nacional as quantias que resultavam da transmissão do imóvel pelo preço real e não pelo preço inferior que declararam, na escritura pública de compra e venda, mas não obstante isso integraram tais quantias nos patrimónios das arguidas. 280
Os arguidos, na qualidade de sócios das sociedades arguidas sabiam que a sua conduta era proibida e criminalmente punível.
7- Por força do disposto no n° 4 do artigo 2º do Código Penal, quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente.
Efetivamente, como tem vindo a ser sufragado de forma pacífica, em caso de sucessão de leis no tempo, deve sempre ser aplicado o regime concretamente mais favorável ao arguido, que neste caso é o constante do RJIFNA - cfr. assento do STJ de 15/02/89, D.R. I Série, de 17/03/89.
8- No caso dos autos, afigura-se-nos ser mais favorável ao arguido a aplicação do regime em vigor aquando da prática dos factos, isto é, do RJIFNA, uma vez que, no âmbito do RGIT o crime é punível com uma moldura penal superior e o prazo de prescrição do crime é alargado de cinco para dez anos, sendo o crime punível com a mesma pena.
9- Encontrado o regime legal aplicável, que será à luz do RJIFNA, vejamos a questão da prescrição.
Importa, pois, saber a data a partir da qual se devem contar os cinco anos de prescrição, ou seja, data em que o crime se consumou.
10- No que concerne ao início do prazo de prescrição, estabelece o artigo 119° do Código Penal, que o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado, sendo que, nos crimes permanentes, desde o dia em que cessar a consumação; nos crimes continuados e nos crimes habituais, desde o dia da prática do último acto; nos crimes não consumados, desde o dia do último acto de execução.
11- Segundo a douta decisão recorrida "no que se refere ao crime de Fraude Fiscal, no caso de negócio jurídico simulado, constitui entendimento maioritário da jurisprudência e doutrina, que o crime se consuma na data da celebração desse negócio. Com efeito, o crime consuma-se, quer a obrigação declarativa seja inclusive cumprida, quer não, uma vez que pode existir fraude fiscal com a falta de apresentação de declaração que consubstancie uma "ocultação de factos ou valores").
12- Não é esse o nosso entendimento, pois que o momento de consumação do crime é o da entrega da declaração fraudulenta, no crime por ação, ou o termo do prazo para a sua entrega, no crime por omissão.
13- Acontece é que, neste caso específico, o momento de entrega da declaração poderá coincidir com o momento de celebração do negócio, mas não porque se considera o momento de celebração do negócio o momento de consumação, mas sim porque o momento temporal de cumprimento da obrigação declarativa coincide com o momento de celebração do negócio simulado.
Assim, na nossa opinião, mesmo no negócio simulado, o momento consumativo da fraude fiscal é o momento referente à entrega da declaração, ou na sua ausência, o término do prazo legal.
14- Acompanhamos o entendimento constante da tese da Doutora Dora Filipa Milheiro Esteves sobre "O Momento da Consumação do Crime de Fraude Fiscal", sob a Orientação do Professor Doutor Germano Marques da Silva, Universidade Católica do Porto, 2018, que aqui transcrevemos:
É nosso entendimento que o crime se consuma com a entrega da declaração, ou na sua falta, com o término do prazo legalmente previsto.
Neste sentido, citamos Germano Marques da Silva, que refere "aquelas condutas (tipificadas no n°1 do artigo 103° do RGIT) não são puníveis isoladamente, constituindo cada uma delas um crime, mas em razão de cada declaração que tenha aquelas condutas como suporte".
Ainda no seguimento anterior chamamos à colação Alfredo José de Sousa, ao entender que "o momento da consumação do crime fiscal é o da recepção da declaração fraudulenta ou o termo do prazo da sua apresentação nas situações de omissão."
Parecem, portanto, estar em causa dois pontos, por um lado considerar que um ato de execução possa dar origem a várias declarações e consequentemente a vários crimes, e por outro lado, não aceite esta posição, ou seja, considerando a existência de um crime único de fraude fiscal, qual das declarações produzir efeitos para efeitos de consumação, ou como se tem decidido em vários tribunais, considerar a data do ato de execução como o momento de consumação.
Parece-nos que em caso de negócio simulado, ou de emissão de faturas falsas, o momento de consumação deve ser o mesmo do que aquele até aqui considerado, mesmo que existam várias declarações. Como pudemos analisar, para alguns autores nomeadamente Germano Marques da Silva, cada declaração deve ser considerada e analisada individualmente.
Da análise do n°3 do artigo 103° cada imposto, como foi analisado, gera diferentes declarações. Neste sentido, parece justo, que cada declaração seja alvo de juízo autónomo, pois é a declaração que efetiva a lesão do bem jurídico à sociedade.
15- Quando haja, por exemplo uma escritura por parte de uma sociedade de um imóvel, em que o valor declarado seja inferior ao valor efetivamente pago, e como já vimos, haverá hipótese de lesão em dois impostos, IMT e IRC.
Sendo o IMT pago com base no valor declarado, o crime consumar-se-á no momento de liquidação do imposto. E relativamente, ao IRC? A sociedade pode arrepender-se e optar por não declarar essa fraude na Declaração de IRC, corrigindo a situação.
16- Refere o acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 7 de março de 2012, proferido no âmbito do processo 720/08.1 TACBR.C1: "entende-se que a consumação do [único] crime só cessou em 31.05.2002, data em que foi entregue na Repartição de Finanças a declaração modelo 22 IRC respeitante ao exercício do ano de 2001". Este é um dos acórdãos que sufraga a posição até então aqui defendida, considerando o momento da consumação, mesmo em negócio simulado, o momento da entrega da declaração para efeitos fiscais
17-Há jurisprudência que considera o momento da consumação, mesmo em negócio simulado, o momento da entrega da declaração para efeitos fiscais, para além do acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 7 de março de 2012, proferido no âmbito do processo 720/08.1TACBR.C1.
18- Veja-se o acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 17 de abril de 2012, (proc. n° 76/05.41 DFAR.E1. www.dgsi.pt).
“I. Em caso de fraude fiscal por negócio simulado, p. e p. pelo art. 103° n°1 c) do RGIT, só no momento legalmente estabelecido para a entrega da declaração relativa a IRC se confirma, de forma típica, a aptidão da conduta indevida tipificada (o negócio simulado, in casu) da sociedade vendedora para a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária correspondente.
II. Assim, nestes casos, o crime de fraude fiscal consuma-se com a celebração do negócio e a inscrição do preço simulado na declaração de IRC enviada à administração fiscal ou com o decurso do prazo legal sem que o sujeito passivo entregue tal declaração e não com a mera celebração do negócio.
19- Em casos como o presente, isso significa que o crime só se consumará com a apresentação da declaração fiscal de onde conste o elemento simulado (in casu o preço da venda enquanto rendimento sujeito a IRC) ou com o decurso do prazo de entrega da declaração sem que o sujeito passivo tenha prestado aquela informação, o que pode verificar-se tanto pela omissão do valor em causa em declaração entregue, como com a falta de entrega da declaração, como ocorreu no caso concreto. A estar correta esta compreensão do tipo legal, como cremos, a consumação do crime só se verifica, pois, no momento em que o sujeito passivo presta informação errónea à administração fiscal ou em que poderia ter prestado a informação correta à administração fiscal na declaração fiscal incompleta ou omitida, onde devia fazer constar os negócios simulados unificados na declaração periódica, nomeadamente quando se trate da declaração anual para efeitos de IRC, como sucede no caso presente.
20- Veja-se, também, o acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 19/02/2014, (proc. n° 1048/08.2TAVFR. www.dgsi.pt), onde se pode ler:
“A nosso ver, o crime de fraude fiscal cometido através de facturas falsas pode ser realizado de duas formas distintas: (i) pelo emitente das facturas que as entrega a outrem; (ii) por aquele a quem as facturas falsas são entregues e que, por seu turno, as inclui na sua conta-corrente para efeitos de IVA.
Num e noutro caso o crime consuma-se em momentos diferentes: aquele que emite uma factura falsa e a entrega a um terceiro, com a finalidade de este se aproveitar da factura, para cometer o crime de fraude fiscal, vê o seu crime consumado quando entrega a factura; aquele que recebe a factura falsa (isto é, sem que tenha havido qualquer transacção) só comete o crime quando incluir a falsa operação numa declaração fiscal.
O arguido/recorrente está neste último grupo e, portanto, o seu crime só se consumou quando entregou a declaração para efeitos de IVA, reportando transacções inexistentes, justificadas (além do mais) com as facturas falsas.
Nem poderia ser de outro modo, em termos lógicos e de teleologia politico-criminal. O agente que, para ocultar uma operação comercial inexistente, recebe de outrem uma factura falsa, até à entrega da declaração fiscal pode arrepiar caminho e apresentar uma declaração fiscal exacta (sem incluir a operação fantasma). Nesta hipótese, à luz das regras do direito penal que pune o facto (e não a mera intenção) não se pode considerar o crime consumado.
Com efeito, antes da declaração fiscal chegar ao conhecimento da Administração Tributária, o crime pode nunca chegar a ocorrer, o que mostra que o mesmo não se consumou. Não pode (como é óbvio) considerar-se consumado um crime que pode chegar a não existir.".
21 -Os factos que integram o crime de fraude fiscal imputado, tal como se mostram descritos na acusação, são referentes à matéria tributária apurada para efeitos de tributação em sede de IRC, Imposto de Selo e Sisa, referente à transação imobiliária no valor real de 618.437.468$00 (3.084.753,08 €) e não de 250.000.000$00, valor simulado que os arguidos fizeram constar da escritura pública de compra e venda.
22- Tendo em conta que as verbas acumuladas pagas pela adquirente no referente à transacção imobiliária somam 618.437.468$00 (3.084.753,08 €), o diferencial declarativo em sede da Escritura Pública e demais documentos tributários permitiu a obtenção de vantagens fiscais ilegítimas por parte das duas empresas, respectivamente, omissão de proveitos sujeitos a tributação em IRC por parte da sociedade transmitente e menor pagamento de SISA e Selo por parte da sociedade adquirente.
23-A simulação negocial, declarando um preço inferior ao real quanto ao preço de transacção do edifício fabril e outros, proporcionou à sociedade "F…, SA" a diminuição de proveitos fiscais no exercício económico de 2000, a sociedade, através do arguido B…, em co-autoria com os arguidos C…, D…, E… e "G…, Lda.", omitiu proveitos no valor de 368.437.468$00 (1.837.758,34 € - um milhão, oitocentos e trinta e sete mil, setecentos e cinquenta e oito euros e trinta e quatro cêntimos), ficando o Estado Português lesado no valor de 802.904,95 € (oitocentos e dois mil, novecentos e quatro euros e noventa e cinco cêntimos).
24- Em consequência de tal conduta de todos os arguidos, em co-autoria, obtiveram a seguinte vantagem patrimonial: - Em relação à sociedade F…, S.A e ao arguido B… o valor de €802.904,95 (oitocentos e dois mil, novecentos e quatro euros e noventa e cinco cêntimos), em sede de IRC.
25- O prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado - artigo 119°, n.° 1 do Código Penal -, sendo certo que o facto se considera praticado no momento em que o agente atuou ou deixou de atuar - artigo 3o do Código Penal.
A sociedade F…, S.A, através do arguido B…, enquanto sujeito fiscal, estava obrigada ao envio da declaração periódica de rendimentos Modelo 22, pelas entidades sujeitas a IRC, cujo período de tributação seja coincidente com o ano civil, até ao dia 31 de maio de 2001, nos termos do art° 120° do Código do IRC, data até à qual deveria ter comunicado o valor real da venda dos imóveis em causa nos autos.
26- Assim, o momento da prática dos factos situa-se no dia 31 de maio de 2001.
27- À luz do RJIFNA, o prazo prescricional a considerar é o geral, de 5 anos, ressalvadas as interrupções e as suspensões ocorridas, conforme prevê o artigo 15°, n° 1 do RJIFNA.
28- Como causas interruptivas da prescrição temos, segundo a regra geral do artigo 121° do Código Penal:
e) a constituição de arguido;
f) a notificação da acusação, ou não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento para aplicação da sanção em processo sumaríssimo;
g) a declaração de contumácia;
h) a notificação do despacho que designa dia para audiência de julgamento na ausência do arguido;
Estabelece ainda o respetivo n° 3 que "(...) A prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal da prescrição acrescido de metade, (...)".
29- No concernente à suspensão do prazo de prescrição, rege o artigo 120° do Código Penal:
«1. A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além, dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
e) O procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal;
f) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação, ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação da sanção em processo sumaríssimo;
g) Vigorar a declaração de contumácia;
h) A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência;
e) O delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade;
2. No caso previsto na al. b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar 3 anos.».
30- No caso dos autos, temos, também, que considerar a causa de suspensão, especificamente prevista no artigo 15°, n° 2 do RJFNA, que nos remete para as situações em que não está ainda definida a situação tributária, por estar pendente processo tributário instaurado com essa finalidade, definição da qual dependa a qualificação jurídica dos factos - artigos 42°, n 0 2 e 47° do RGIT, antigos artigos 43°/4 e 50° do RJIFNA. Sempre que se verifica uma das enunciadas causas interruptivas, começa a correr novo prazo de prescrição - artigo 121°, n.° 2 do Código Penal.
Já quando se verifica alguma das causas suspensivas, o prazo prescricional não corre enquanto durar a mesma, voltando a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão - artigo 120°, n.° 3 do Código Penal.
31 -Vejamos as datas relevantes no acaso em apreço:
- Data da prática dos factos, 31/05/2001, data limite para a declaração de IRC por parte dos arguidos F…, S.A, através do arguido B…, que deveriam ter englobado na declaração de IRC o valor real da venda dos imóveis em causa nos autos.
32- Assim, o prazo de prescrição do procedimento criminal iniciou-se a 01/06/2001.
33 -Em 13/04/2006 e a 21/03/2011, as sociedades arguidas impugnaram as liquidações do ano de 2000, cfr fls.1012, tendo a primeira impugnação originado os autos de Impugnação Judicial n.° 635/06.8BEVIS.
34- A 28/02/2005 e 01/03/2005, todos os arguidos dos autos foram constituídos como tal, fls. 385-411.
35- Em 07/05/2019, transitou em julgado o acórdão proferido pelo TAF no proc. n° 635/06.8BEVIS, como resulta de fls. 1476.
36- Em 11/09/2006, foram os arguidos notificados da acusação - cfr. fls. 591-594.
37- Temos, assim, que se verificam nos autos causas de suspensão e interrupção da prescrição;
- a impugnação judicial das liquidações, nos termos do art° 15º do RJIFNA;
- a constituição de arguido;
- e a notificação da acusação.
38- Os arguidos impugnaram judicialmente as liquidações, a 13/04/2006, fls. 1012.
Como decorre da jurisprudência uniformizada fixada pelo Acórdão n.° 3/2007, que decidiu que "Na vigência do artigo 50°, n.° 1, do Decreto-Lei n.° 20-A/90, de 15 de Janeiro, na redacção do Decreto-Lei n.° 394/93, de 24 de Novembro, a impugnação judicial tributária determinava, independentemente de despacho, a suspensão do processo penal fiscal e, enquanto esta suspensão se mantivesse, a suspensão da prescrição do procedimento penal por crime fiscal."
39- Nessa data, ainda só tinham decorrido 3 anos e 9 meses do prazo de prescrição (contados de 01/06/2001 a 28/02/2005).
40- Este facto interrompeu a prescrição, pelo que o prazo começou a correr de novo, de acordo com o art° 121°, n°1, a) e n°2 do Código Penal, o que ocorreu a partir de 07/05/2019, data em que transitou em julgado o acórdão proferido pelo TAF.
41- No entanto, e como prescreve o disposto no art° 121°, n°3 do Código Penal, a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, ressalvado o tempo de suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade, pelo no caso dos autos não pode exceder 7 anos e 6 meses.
42- Assim, tendo até 07/05/2019 (trânsito em julgado o acórdão proferido pelo TAF, como resulta de fls. 1476) decorrido 3 anos e 9 meses do prazo de prescrição, ainda faltavam 3 anos e 9 meses, até se atingir o prazo máximo de prescrição, de 7 anos e 6 meses, tendo até ao presente dia (25/02/2021) decorrido 5 anos e 6 meses e 17 dias, portanto, não se atingiu o prazo máximo de prescrição de 7 anos e 6 meses.
43- Conclui-se, assim, que o prazo de prescrição do procedimento criminal não se encontra esgotado, no que se refere ao crime de fraude fiscal, previsto e punido pelo art. 23°, n° 3, al. c) do RJFNA, aprovado pelo DL n°. 20-A/90 de 15.01 e alterado pelo DL n°. 394/93 de 24.11, praticado pelos arguidos F…, S.A, B…, C…, D…, E… e "G…, Lda.
44- O douto despacho violou o disposto no art° 15° do RJIFNA e os art°s 120°, n°1, a) e b) e 121°, n°1, a), n°2 e n°3 do Código Penal.
45- Conclui-se, assim, que o prazo de prescrição do procedimento criminal só ocorrerá a 07/02/2023.
Pelo exposto, deve o Tribunal da Relação do Porto:
-revogar o douto despacho de não pronúncia, julgando não verificada a prescrição, com as consequências legais, determinando a pronúncia dos arguidos F…, S.A, B…, C…, D…., E… e "G…, Lda, pela prática, em co-autoria, de um de fraude fiscal, previsto e punido pelo art. 23°, n°. 3, al. c) do RJFNA, aprovado pelo DL n°. 20-A/90 de 15.01 e alterado pelo DL n° 394/93 de 24.11, fazendo, assim, os Exm°s Juízes Desembargadores, JUSTIÇA!
1.3. Respondeu o arguido C…, pugnando pela improcedência do recurso na parte que lhe diz respeito, concluindo:
“A) O eventual crime fiscal do aqui arguido e contra - alegante C…, ocorreu em 13-01-2000 e não em 01-06-2000;
B) - A prescrição do procedimento criminal verificou-se, em consequência, em 14-01-2005 e não em 01-06-2005;
C) Louvamo-nos, totunri' na argumentação de facto e jurídica contida na Douta Decisão Instrutória "a quod')
D) Houve um erro relativamente ao pressuposto de facto inicial e decisivo, por parte do Distinto Procurador do Ministério Público, o que invalida toda a argumentação expendida.
1.4. Nesta Relação, o Ex.º Procurador -geral Adjunto emitiu parecer inconclusivo (não se pronunciando pela procedência ou improcedência do recurso), nos seguintes termos:
“(…) Neste contexto, tendo em atenção também a fundamentação da decisão recorrida que, além do mais, segue a jurisprudência maioritária produzida quanto à questão em análise, entende-se que o recurso interposto merece apreciação deste Tribunal, apondo-se o competente visto.
1.5. Deu-se cumprimento ao disposto no art. 417º, 2 do CPP.
1.6. Colhidos os vistos legais, foi o processo submetido à conferência.
2. Fundamentação
2.1. Matéria de facto
A decisão recorrida (declarando extinto, por prescrição, o procedimento criminal movido nos autos contra os arguidos) é do seguinte teor:
1. Relatório:
No termo do Inquérito a que respeitam os presentes autos o Ministério Público proferiu despacho final deduzindo Acusação, como de fls. 564 e segs. resulta, imputando aos arguidos:
- B…,
- C…,
- D…,
- E…,
- "F…, S.A." e
- "G…, Lda." a prática, em co- autoria, sob a forma consumada, de Um Crime de Fraude Fiscal, previsto e punido pelo art. 23°, n° 3, al. c) do RJFNA, aprovado pelo DL n° 20-A/90 de 15.01 e alterado pelo DL n° 394/93 de 24.11 (a que corresponde ao actual art. 103°, n°. 1, al. c) do Regime Fiscal das Infracções Tributárias - Lei n° 15/2001 de 05.06), respondendo as sociedades arguidas, através da actuação dos seus representantes, nos termos do art. 7°, n° 1 do DL n° 20-A/90 de 15.01 e art. 7° do RGIT.
Na sequência de tal decisão, os arguidos vieram requerer a Abertura de Instrução, da seguinte forma:
1 - Requerimento de Abertura de Instrução apresentado a fls. 601 e segs., pela sociedade arguida "G…, Lda.":
A sociedade arguida invoca que o preço real praticado pela aquisição dos imóveis em causa nos autos foi efectivamente o declarado na escritura, mencionando que ocorreram duas operações distintas, sendo a primeira a que se traduziu numa cessão de créditos, que por sua vez procedeu a uma outra consistente na aquisição onerosa do imóvel referenciado. Assim, a sociedade arguida acordou com os credores da sociedade "F…, S.A." a cedência dos créditos que estas entidades detinham sobre aquela e esta foi a primeira das operações em causa, distinta da que se seguiu que se tratou da aquisição. Daí que o imóvel tenha sido transmitido livre de ónus ou encargos. Recusa, assim, a sociedade arguida ter ocorrido qualquer simulação negocial.
Sem prescindir a sociedade arguida alega que se se entender que a cessão não respeitou, do aspecto formal, todos os procedimentos, sempre estaríamos perante um financiamento, daí que tais créditos tenham posteriormente sido adquiridos por uma sociedade "H…". O certo é que à data da aquisição os bens já não estavam hipotecados.
Pugna, assim, a sociedade arguida, pela prolação de decisão instrutória de não pronúncia, juntando prova documental e indicando prova testemunhal.
2 - Requerimento de Abertura de Instrução apresentado a fls. 645 e segs., pelo arguido E…:
O RAI é idêntico, na alegação efectuada, relativamente ao primeiro mencionado, concluindo pugnando da mesma forma.
3 - Requerimento de Abertura de Instrução apresentado a fls. 689 e segs., pelo arguido E…:
Neste RAI o arguido alega a mesma factualidade do RAI apresentado pela sociedade que o arguido representa, "G…, Lda.", pugnado, igualmente, pela prolação de decisão instrutória de não pronúncia.
4 - Requerimento de Abertura de Instrução apresentado a fls. 733 e segs., pelo arguido C…:
O RAI é idêntico, na alegação efectuada, relativamente ao primeiro mencionado, concluindo de idêntica forma.
5 - Requerimento de Abertura de Instrução apresentado a fls. 777 e segs., pelos arguidos B… e "F…, S.A.":
Os arguidos pronunciam-se sobre o enquadramento jurídico efectuado na Acusação, bem como, alegam que a ter ocorrido a prática do crime imputado este consumou-se no momento da celebração da aludida escritura de compra e venda, ou seja, no dia 13.01.2000.
A ser assim, alegam, os arguidos, que o procedimento criminal encontra-se prescrito, pois que à data da constituição como arguidos já teriam decorrido mais de cinco anos sobre a data da celebração da referida escritura pública.
Sem prescindir, referem os arguidos que a sociedade adquirente procedeu ao depósito do valor do preço estabelecido para a aquisição dos imóveis em 27.12.1999, tomando a posse efectiva destes.
Por outro lado, alegam que a considerar-se a existência de valor simulado, inexistiria prejuízo para a Fazenda Pública, dado que tal seria apurado mais à frente, aquando da venda dos imóveis a construir.
Mais referem que não releva, para efeitos de tributação, a data dos lançamentos contabilísticos, mas sim a data da efetivação económica das operações, sendo que tendo a situação a tributar ocorrido em 1999 já havia decorrido a caducidade do direito da Administração Fiscal liquidar o imposto devido àquele exercício.
Concluem, os arguidos, reforçando o pedido de declaração de extinção do procedimento criminal por Prescrição.
Sem prescindir, os arguidos alegam que dado que a simulação não opera automaticamente devendo ser invocada perante o Tribunal e judicialmente decretada a nulidade do negócio jurídico (art. 286° do Código Civil), o Tribunal só poderá considerar a existência desse negócio simulado depois de proferida sentença judicial que conheça a simulação, e não a Administração Tributária.
Por fim, alegam os arguidos a inexistência de indícios suficientes recolhidos que permitam concluir como advém da Acusação deduzida nos autos, descrevendo, na sua versão, as negociações e os negócios encetados.
Concluem, os arguidos, pugnando pela prolação de Decisão Instrutória de Não Pronúncia.
Importa salientar que ao abrigo do disposto no artigo 47° do RGIT os presentes autos estiveram suspensos a aguardar a prolação de decisão final no âmbito de processo de Impugnação Judicial instaurada no Tribunal Administrativo e Fiscal, tendo essa suspensão sido declarada por despacho proferido nos autos em 07.04.2008 - cfr. fls. 1037 e segs.
Na presente fase de Instrução procedeu-se à realização de diligências várias de Instrução, bem como à realização de Debate Instrutório, como documentam os autos.
2. Fundamentação:
2.1. Das finalidades da instrução:
A fase de instrução visa a "comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento" - art. 286°, n°1 -", cabendo ao juiz de instrução praticar todos os actos necessários à realização desta finalidade, para o que dispõe de poderes autónomos de investigação - art. 288°, n° 4 e 289°, n° 1, todos do Código de Processo Penal.
Realizadas as diligências tidas por úteis e necessárias à descoberta da verdade material, conforme consta do art. 308°, n.° 1, do Código de Processo Penal "se, até ao encerramento da instrução, tiverem sido recolhidos indícios suficientes de se terem verificado os pressupostos de que depende a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança, o juiz, por despacho, pronuncia o arguido pelos factos respectivos; caso contrário, profere um despacho de não pronúncia.".
O critério da suficiência de indícios é o mesmo que subjaz ao da acusação - art. 283°, n°2 do Código de Processo Penal, por força do art. 308°, n° 2 do mesmo diploma que considera como suficientes os indícios sempre que deles resultar uma possibilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força deles, em julgamento, uma pena ou medida de segurança.
Por indícios suficientes deve entender-se, assim, o "conjunto de elementos convincentes de que o arguido praticou os factos incrimináveis que lhe são imputáveis (...); vestígios, suspeitas, presunções, sinais, indicações suficientes e bastantes para convencer que há crime e é o arguido responsável por ele; porém, para a pronúncia, não é preciso uma certeza da existência da infracção, mas os factos indiciários devem ser suficientes e bastantes, por forma a que, logicamente relacionados e conjugados, formem um todo persuasivo de culpabilidade do arguido, impondo um juízo de probabilidade do que lhe é imputado" - Ac. RC de 31/03/93, CJ, T. II, p. 65.
Como ensina o Prof. Figueiredo Dias, in Direito Processual Penal, Vol. I, " (…) os indícios só serão suficientes e a prova bastante quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando esta seja mais provável do que a absolvição".
Ou seja, se no âmbito do julgamento, o julgador tem de fazer um juízo de certeza, já na instrução deve haver um juízo de probabilidade séria, no sentido de que, com toda a probabilidade o arguido será condenado, ou seja, a possibilidade razoável de condenação tem de ser uma possibilidade mais positiva do que negativa, tem de haver uma probabilidade mais forte de condenação do que de absolvição, caso contrário deverá elaborar-se despacho de não pronúncia.
Contudo, "Não se basta a lei, (...), com um mero juízo subjectivo, mas antes exige um juízo objectivo fundamentado nas provas dos autos. Da apreciação crítica das provas recolhidas no inquérito e na instrução há-de resultar a convicção da forte probabilidade ou possibilidade razoável de que o arguido seja responsável pelos factos da acusação" - cfr. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, Vol. III, pág. 183.
Não se visa a demonstração da realidade dos factos, as provas recolhidas nestas fases preliminares do processo não constituem pressuposto da decisão jurisdicional de mérito, mas antes de mera decisão processual quanto à persecução do processo até à fase de julgamento. Como refere António Augusto Tolda Pinto, in ob. cit. a instrução visa a formulação de um juízo de probabilidade para legitimar a sujeição do arguido a julgamento.
Cumpre, pois, aferir, após a realização do Debate Instrutório, da suficiência ou insuficiência dos indícios da prática pelos arguidos dos factos denunciados e do crime imputado.
3. Questão Prévia - Da Prescrição do Procedimento Criminal:
Os arguidos B…, C…, D…, E…, F…, S.A." e "G…, Lda." encontram-se acusados da prática, em co-autoria, sob a forma consumada, de Um Crime de Fraude Fiscal, previsto e punido pelo art. 23°, n° 3, al. c) do RJFNA, aprovado pelo DL n° 20-A/90 de 15.01 e alterado pelo DL n° 394/93 de 24.11 (a que corresponde ao actual art. 103°, n°. 1, al. c) do Regime Fiscal das Infracções Tributárias - Lei n° 15/2001 de 05.06), respondendo as sociedades arguidas, através da actuação dos seus representantes, nos termos do art. 7°, n° 1 do DL n° 20-A/90 de 15.01 e art. 7° do RGIT, como decorre da Acusação deduzida a fls. 564 e segs.
Segundo a imputação efectuada na Acusação está em causa a celebração no dia 13 de Janeiro de 2000, no Cartório Notarial de Ovar, de uma escritura pública, no âmbito da qual o arguido B…, na qualidade de administrador e em representação da sociedade "F…, S.A.", declarou que a sociedade sua representada era dona do prédio misto, ali melhor descrito, procedeu ao destaque de quatro prédios urbanos desse prédio misto e declarou a venda dos referidos imóveis pelo preço de 250 milhões de escudos, que declarou já ter recebido, correspondendo aos prédios destacados e à parte rústica restante.
Nessa mesma escritura pública os arguidos C… e E…, na qualidade de gerentes e em representação da sociedade "G…, Lda." outorgaram-na e declaram que aceitavam o dito contrato, para a sua representada e que os indicados prédios adquiridos se destinavam a revenda.
Mais é dito no texto acusatório que antes da realização da escritura de compra e venda em causa foram canceladas hipotecas que incidiam sobre os imóveis transacionados, sendo que os arguidos, acordaram entre si que a sociedade "G…", para além do pagamento do preço referido na escritura assumia os pagamentos de obrigações assumidas pela sociedade "F…", tendo a primeira realizado os pagamentos a terceiros.
Imputa, assim, a acusação aos arguidos que estes, actuando sempre em nome e no interesse das sociedades arguidas, estabeleceram entre si que o pagamento dos prédios adquiridos seria efectuado da seguinte forma: uma parte do valor do negócio seria paga de forma directa pela "G…" à sociedade "F…" (250.000.000$00) e a outra parte, de forma indirecta, através de pagamentos realizados pela "G…" a instituições financeiras credoras da "F…" (instituições que tinham garantia hipotecária sobre o imóvel transacionado), sendo este último pagamento efectuado por forma a obter o distrate dessas garantias hipotecárias.
Mais refere a Acusação que:
Com efeito, o pagamento por parte da adquirente «G…» de dívidas da transmitente «F…, SA», por forma a obter o distrate de garantias hipotecárias que sobre o bem imóvel pendiam fez diminuir as disponibilidades financeiras da primeira em relação à diminuição do passivo da segunda empresa.
21°
Do mesmo modo, tendo em conta que as verbas acumuladas pagas pela adquirente no referente à transacção imobiliária somam 618.437.468$00 (3.084.753,08 €), o diferencial declarativo em sede da Escritura Pública e demais documentos tributários permitiu a obtenção de vantagens fiscais ilegítimas por parte das duas empresas, respectivamente, omissão de proveitos sujeitos a tributação em IRC por parte da sociedade transmitente e menor pagamento de SISA e Selo por parte da sociedade adquirente.
22°
A simulação negocial, declarando um preço inferior ao real quanto ao preço de transacção do edifício fabril e outros, proporcionou à sociedade "F…, SA" a diminuição de proveitos fiscais no exercício económico de 2000, a sociedade, através do ora arguido B…, omitiu proveitos no valor de 368.437.468$00 (1.837.758,34 € - um milhão, oitocentos e trinta e sete mil, setecentos e cinquenta e oito euros e trinta e quatro cêntimos), ficando o Estado Português lesado no valor de 802.904,95 € (oitocentos e dois mil, novecentos e quatro euros e noventa e cinco cêntimos).
23°
A simulação negocial no respeitante ao valor de aquisição do imóvel fabril e outros (transacção integrante de cinco artigos matriciais), implícita quer nas Escrituras Públicas, quer na declaração tributária apresentada pela sociedade adquirente «G…» e seus representantes legais e ora arguidos, fez reverter a favor destes, por efeitos de tributação em SISA do valor constante da Escritura Pública (valor inferior ao da efectiva realidade negocial), uma vantagem fiscal ilícita, tal vantagem consubstancia-se no valor de imposto que os mesmos deixaram de pagar ao Estado, e que, nos termos da Liquidação Adicional efectuada, foi de 183.775,83€ (cento e oitenta e três mil, setecentos e setenta e cinco euros e oitenta e três cêntimos).
24°
Os arguidos ao não declararem na escritura pública de compra e venda o valor real da transacção comercial agiram com o propósito, concretizado, de não pagarem ao Estado - Administração Fiscal, os impostos devidos pela transacção de facto realizada, e devidos pelas sociedades que representavam, utilizando antes as quantias em causa no interesse das sociedades arguidas".
Como consequência de tal conduta, os arguidos, obtiveram a seguinte vantagem patrimonial, segundo a Acusação:
-em relação à sociedade "F…" e ao arguido B… o valor de € 802.904,95;
-em relação à sociedade "G…" e aos restantes arguidos o valor de € 183.775,83, correspondente ao valor não entregue nos cofres do Estado.
Como é sabido o RJIFNA vigorou até 05 de Julho de 2001, data em que entrou em vigor a Lei n.° 5/2001, de 05 de Junho, que aprovou o Regime Geral das Infrações Tributárias, cuja vigência se mantém até ao momento presente.
Consagrava o artigo 15°, n° l do RJIFNA que "o procedimento criminal por crime fiscal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do mesmo sejam decorridos cinco anos".
Actualmente, por força da entrada em vigor do RGIT, o prazo da prescrição do procedimento criminal, por factos como os imputados aos arguidos nestes autos, é de 10 anos, atento o disposto nos artigos 21°, n° 2, e 104°, n° 2, do RGIT e 118°, n°. 1, al. b), do Código Penal.
Porém, uma vez que a lei actual não se assume como mais favorável aos arguidos, em termos de prescrição do procedimento criminal, aplica-se o regime vigente à data dos factos, pelo que o prazo de prescrição é de 5 anos contados desde a data em que o crime se tiver consumado.
Com efeito, no que refere à sucessão de leis penais no tempo, rege o disposto no artigo 2°, n° 1 do Código Penal, que estipula que as penas são determinadas pela lei vigente no momento do facto ou do preenchimento dos pressupostos de que dependem.
Todavia, por força do disposto no n° 4 do artigo 2° do Código Penal, quando as disposições penais vigentes no momento da prática do facto punível forem diferentes das estabelecidas em leis posteriores, é sempre aplicado o regime que concretamente se mostrar mais favorável ao agente.
Importa, pois, saber a data a partir da qual se devem contar os cinco anos de prescrição, ou seja, a data em que o crime se consumou.
No que concerne ao início do prazo de prescrição, estabelece o artigo 119° do Código Penal, que o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado, sendo que, nos crimes permanentes, desde o dia em que cessar a consumação; nos crimes continuados e nos crimes habituais, desde o dia da prática do último acto; nos crimes não consumados, desde o dia do último acto de execução.
No que se refere ao crime de Fraude Fiscal, no caso de negócio jurídico simulado, constitui entendimento maioritário da jurisprudência e doutrina, que o crime se consuma na data da celebração desse negócio. Com efeito, o crime consuma-se, quer a obrigação declarativa seja inclusive cumprida, quer não, uma vez que pode existir fraude fiscal com a falta de apresentação de declaração que consubstancie uma "ocultação de factos ou valores").
Efectivamente conforme se refere no Ac. STJ de 05.07.2003 "na fraude fiscal, a consumação ocorre logo que o agente efectiva a lesão da verdade e da transparência exigidas nas relações fisco/contribuinte, ficando o resultado lesivo sobre o património fiscal para a medida da pena (proferido no processo n°. 4000/00-3, citado por J. Lopes de Sousa e M Simas Santos, em Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 2a. Ed., p. 640).
O crime consuma-se mesmo que nenhum dano ou vantagem patrimonial indevido venha a ter lugar. Basta que as condutas ilegítimas tipificadas visando a obtenção de vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias, se realizem.
Dispunha o artigo 23° do RJIFNA, aprovado pelo Decreto-Lei n° 20-A/90, de 15 de Janeiro, que
"1 - Constituem fraude fiscal as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento do imposto ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias.
2 - A fraude fiscal pode ter lugar por:
a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;
b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração fiscal;
c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.
3 - Para efeitos do número anterior considera-se que tem lugar a ocultação ou alteração de factos e valores quando se verifique qualquer das seguintes circunstâncias:
a) A vantagem patrimonial ilegítima pretendida for superior a 1000 contos para as pessoas singulares e 2000 contos para as pessoas colectivas ou entes fiscalmente equiparados;
b) O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária;
c) O agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções;
d) O agente se tiver socorrido do auxílio do funcionário público com grave abuso das suas funções;
e) O agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei fiscal;
f) O agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiros.
4 - A pena aplicável à fraude fiscal é de prisão até três anos ou de multa não inferior ao valor da vantagem patrimonial pretendida, nem superior ao dobro, sem que esta possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido, salvo se, tratando-se de pessoas singulares, na ocultação ou alteração dos factos ou valores ou na simulação se verificar a acumulação de mais de uma das circunstâncias referidas nas alíneas c) a f) do número anterior, caso em que é exclusivamente aplicável a pena de prisão de um até cinco anos.
5 - Se a vantagem patrimonial pretendida não for superior a 100 000$00, a pena será de multa até 60 dias".
Como é referido no Acórdão do TR de Coimbra de 04.05.2011, in www.dgsi.pt "Resulta pois, expressamente, que a fraude fiscal pode ter lugar por negócio simulado.
A fraude fiscal abrange todas as condutas ilegítimas que tenham em vista a não liquidação, entrega ou pagamento do imposto ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causar a diminuição das receitas tributárias. Tal pode processar-se por ocultação ou alteração dos factos ou valores que devam constar das declarações apresentadas ou prestadas, a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria tributável, a ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração fiscal e a celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas. Cfr. Sara Marques "A Fraude Fiscal e a Simulação" Curso de pós graduação em Direito Fiscal, FDUP.
A fraude fiscal pode ter lugar por uma de três vias:
- Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar dos livros de contabilidade ou escrituração, ou das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;
- Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados á administração tributária;
- Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.
Só poderá ser qualificada determinada conduta como fraude fiscal quando a vantagem patrimonial ilegítima for superior a €15.000,00 (quinze mil euros). Caso esse valor seja inferior, haverá mera contra-ordenação fiscal.
De acordo com o disposto no art. 103 n° 3 do RGIT, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária.
Numa análise rápida parece, como o faz a recorrente que, a lei considera como relevante não a conduta em si mesma, mas a declaração apresentada pelo contribuinte.
Podendo levar a considerar-se que não é a conduta em si mesma que se mostra lesiva, mas antes a projecção desta por via das declarações apresentadas.
Mas, não deve ser a declaração o ponto central, mas antes a conduta do agente.
Conduta de ocultação ou de alteração de factos ou valores, ou conduta de celebração de negócio simulado.
O crime de fraude fiscal é um crime comum, na medida em que pode ser praticado por qualquer pessoa e é um crime de perigo em que o bem jurídico protegido é a ofensa à Conta do Estado na rubrica que inclui as receitas fiscais destinadas à realização de fins públicos de natureza financeira, económica ou social.
Em caso de simulação de negócio jurídico, a tributação recai sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado.
Como refere Jorge Manuel Bravo, in Regime Geral das Infracções Tributárias, anotado, em anotação ao art. 103°, e relativamente ao crime de fraude fiscal, «este crime classificado doutrinalmente como um crime de resultado cortado ou de tendência interna transcendente, o mesmo consuma-se ainda que nenhum dano ou vantagem patrimonial indevida venha a ocorrer efectivamente, bastando-se a lei com a circunstância de "as condutas ilegítimas tipificadas" visem ou sejam preordenadas à obtenção de vantagens patrimoniais "susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias". Isto é, será suficiente que a conduta seja preordenada a tal fim, sendo a eventual verificação do resultado lesivo apenas relevante em sede de aplicação concreta e medida da pena».
Neste sentido, Ac. desta Relação de 09-05-2007, proc. 11/04.7IDCBR.C1, que refere, "o crime de fraude fiscal, previsto na al. b) do art. 103° do RGIT, consuma-se ainda que nenhum dano ou vantagem patrimonial venha a ocorrer efectivamente".
"Para a punição do agente basta comprovar que este quis as respectivas (acções ou) omissões e que elas eram adequadas à obtenção das pretendidas vantagens patrimoniais e à consequente diminuição das receitas tributárias".
Também neste sentido se pronunciou e decidiu no Acórdão do TR de Guimarães de 11.06.2019, in www.dgsi.pt onde se lê:
“Atendendo à classificação dogmática dos crimes de perigo em crimes de perigo abstracto, de perigo abstracto-concreto e de perigo concreto, o crime de fraude fiscal através de facturas falsas ou de favor insere-se na categoria de crime de perigo abstracto na forma de crime de aptidão.
Enquanto crime de perigo, a realização do tipo não pressupõe a lesão efectiva do bem jurídico protegido, mas o perigo é parte integrante do tipo e não um mero motivo da incriminação, como sucede nos autênticos crimes de perigo abstracto. Por outro lado, porém, a realização típica destes crimes não exige a produção de um resultado de perigo concreto.
Ainda assim, a idoneidade objectiva da concreta actividade ou conduta desenvolvidas para criar alguma das situações expressamente previstas no preceito incriminador (não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem a diminuição das receitas tributárias), integra a factualidade típica, encontra-se sujeita a prova e a valoração judicial.
Retomando a apreciação da questão suscitada, interessa recordar que o prazo de prescrição do procedimento criminal corre desde o dia em que o facto se tiver consumado (cf. art.° 119.° do Código Penal, subsidiariamente aplicável por força do disposto na alínea a) do artigo 3.° do RGIT) e que as infracções tributárias consideram-se praticadas no momento e no lugar em que, total ou parcialmente, e sob qualquer forma de comparticipação, o agente actuou, ou, no caso de omissão, devia ter atuado, ou naqueles em que o resultado típico se tiver produzido, sem prejuízo do disposto no n.° 3 (artigo 5.° do RGIT).
A doutrina distingue a consumação formal que ocorre quando se verifica no facto todos os elementos constitutivos do tipo, da consumação material, terminação ou conclusão que se dá apenas quando se verifica a realização completa do conteúdo do ilícito em vista da qual foi erigida a incriminação.
Nos crimes de perigo o que releva é a consumação típica ou formal, ou seja, a ocasião em que o comportamento doloso preenche a totalidade dos elementos do tipo objectivo de ilícito.
Nesta ordem de ideias, a consumação do crime de fraude fiscal indiciado nestes autos ocorre no momento da celebração do negócio simulado, ou seja, da emissão dolosa da factura falsa adequada a diminuir as receitas tributárias, sendo a eventual verificação do resultado lesivo apenas relevante na escolha e determinação da medida concreta da pena, ou seja, independentemente de ter havido ou não declaração do contribuinte.
Não se desconhece a orientação da doutrina no sentido de que a consumação se verifica no termo do prazo para apresentação da declaração à administração judiciária ou no momento da entrega da declaração ou ainda no momento da liquidação pela autoridade tributária.
Sempre com o devido respeito por entendimento diverso, não encontramos fundamento bastante para postergar a consumação para o momento da entrega da declaração, necessariamente posterior ao preenchimento dos elementos objectivos do tipo de fraude fiscal.
A propósito, interessa recordar que a mesma emissão de factura fictícia pode dar origem a duas ou mais declarações a apresentar à administração tributária, tudo dependendo dos impostos em causa. Como alerta Sara Raquel Pereira Marques [Fraude Fiscal e Evasão Fiscal, Faculdade de Direito da Universidade do Porto, acedido em www.cije.up.pt/download- file/160] citando Nuno Pombo [A Fraude Fiscal, A Norma Incriminadora, a simulação e outras reflexões, Almedina, p.86-87], o entendimento de que não é a conduta em si mesma que se mostra lesiva, mas antes a projecção desta por via das declarações apresentadas, pode levar a concluir que se cada declaração apresentada consubstanciar a obtenção de vantagem patrimonial inferior a €15.000,00 (quinze mil euros), não obstante o contribuinte apresentar mais que uma declaração respeitante à mesma conduta, não estaríamos perante um crime de fraude fiscal. No inverso, teríamos tantos crimes puníveis quanto as declarações, se todas fossem, e per se de montante superior a 15000€.
O entendimento de que a fraude fiscal só se consuma com a declaração levaria a concluir que uma mesma conduta de emissão de factura fictícia tanto poderia conduzir a inexistência de crime, como à verificação de um ou de dois crimes.
A aptidão objectiva da factura fictícia para influenciar o cálculo do imposto ou a obtenção indevida de beneficio fiscal, reembolso, ou outra vantagem patrimonial e a subsequente aptidão desse beneficio fiscal, reembolso ou vantagem para a diminuição das receitas fiscais dependem de prova e de valoração judicial, com base nas circunstâncias concretas e seguindo regras retiradas da experiência comum.
A formulação do juízo judicial de aptidão não exige nem depende da entrada da declaração fiscal na autoridade fiscal.
Perfilhamos então o entendimento que julgamos ser dominante nos tribunais superiores de que o crime de fraude fiscal com recurso a facturas falsas ou fictícias se consuma na data da emissão dessas facturas, independentemente de ter havido ou não declaração do contribuinte (declaração periódica do IVA ou a entrega anual da declaração do IRC, sendo para efeitos de consumação irrelevantes tais declarações). (Neste sentido, entre outros, o já citado Ac. RL o Ac. da Rel. do Porto de 5/01/2011 e de 3.12.2012 e Ac. do TRG de 3.11.2014).
Assim, o crime de fraude fiscal, na modalidade de utilização de facturas de venda, a que não corresponde verdadeira transacção (que é, indiscutivelmente, a dos autos), consuma-se no dia da emissão das facturas. Em conclusão: a consumação do crime de fraude fiscal, enquanto momento relevante para a fixação do início do decurso do prazo de prescrição do procedimento, ocorre na ocasião da emissão da factura falsa, independentemente de ter havido ou não declaração do contribuinte. [neste sentido Ac. do TRL de 25-02-2015, processo n° 709/08.0IDFUN-A.L1-3] Temos, assim, como referência, para este efeito, a data de emissão da última factura, em 08-03-2010 (uma vez que está imputada a prática de 1 crime que lhe teve subjacente uma única resolução), data em que ocorreu a consumação do crime cuja prática está imputada aos arguidos".
Neste mesmo sentido ainda o Acórdão do TR de Lisboa de 08.03.2017, in www.dgsi.pt onde se decidiu que "A consumação do crime de fraude fiscal, enquanto momento relevante para a fixação do início do decurso do prazo de prescrição do procedimento, ocorre na ocasião da emissão da factura falsa, independentemente de ter havido ou não declaração do contribuinte".
De idêntica forma o Acórdão do TR do Porto de 09.11.2016, in www.dgsi.pt decidiu:
"Quanto à alínea c) e nos termos do art. 240° do Código Civil, há negócio simulado se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante. Qualquer forma de simulação, desde que objectivamente vise a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária e seja susceptível de causar diminuição das receitas tributárias, constitui a conduta típica prevista na alínea c) do n° 1 do art. 103°. As situações mais conhecidas de negócios jurídicos simulados para efeitos fiscais, visam o não pagamento de sisa ou imposto sobre sucessões e doações por valor inferior ao devido, sendo também frequentes as operações simuladas em que é simulado o preço constante de facturas para efeitos de dedução ou reembolsos indevidos de IVA e de IRC (como é o caso dos autos). (...)
Importa ainda referir que este crime é classificado como um crime de resultado cortado, ou seja, o mesmo consuma-se ainda que nenhum dano ou vantagem patrimonial indevida venha a ocorrer efectivamente, bastando-se a lei com a circunstância de que "as condutas ilegítimas tipificadas" visem ou sejam preordenadas à obtenção de vantagens patrimoniais "susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias", ou seja, é suficiente que a conduta seja preordenada a tal fim, sendo a eventual verificação do resultado lesivo apenas relevante em sede de aplicação concreta da pena (neste sentido, cf. Acórdão do TRP de 03/04/2002, proferido no processo n° 0110306, disponível in www.dgsi.pt/jtrp).
O tipo de crime em apreço é essencialmente doloso, podendo aparecer sob todas as formas desta categoria da culpa, não se exigindo qualquer espécie de dolo específico.
Ora, face aos factos dados como provados (que nos abstemos de reproduzir) - e sendo certo que o arguido decidiu ocultar à Administração Fiscal e não fazer constar da contabilidade da sociedade os verdadeiros rendimentos auferidos com a actividade comercial desenvolvida pela mesma sociedade durante o ano de 2006 (devidamente enunciados nos factos provados), bem sabendo que a declaração de rendimento "Modelo 22" de IRC e as respectivas declarações anuais de informação contabilística e fiscal entregues não iriam conter os verdadeiros e todos os valores dos proveitos obtidos no ano de 2006 -, e apesar de o arguido não ter tido já qualquer intervenção na entrega das declarações em questão (vide, por todos o Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra de 04.05.2011, disponível na internet via www.dgsi.pt, no qual se escreveu, com efeito, e entre o mais: "para a punição do agente basta comprovar que este quis as respectivas (acções ou) omissões e que elas eram adequadas à obtenção das pretendidas vantagens patrimoniais e à consequente diminuição das receitas tributárias"), dúvidas não restam de que praticou o crime de fraude fiscal pelo qual vinha acusado.»
Posta a referida fundamentação para subsunção dos factos ao direito, com a qual concordamos, sendo a celebração de negócio simulado quando ao valor [vide o artigo 240° do CC] o meio pelo qual teve lugar a fraude, pois que aquela simulação visou enganar o Estado quanto aos rendimentos realmente auferidos pela sociedade com a venda das identificadas frações, realizada no ano de 2006, e assim visou um pagamento em termos de IRC inferior ao devido.
Mas, indo directamente ao ponto atacado pelo recorrente.
Há jurisprudência e doutrina no sentido de que o momento relevante para a consumação do crime é aquele em que o contribuinte dá conhecimento às autoridades fiscais de declaração fraudulenta, já que só aí as induz em erro susceptível de provocar prejuízo patrimonial para as receitas fiscais [v. Carlos Teixeira/Sofia Gaspar, in Comentário das Leis Penais Extravagantes, vol. 2, Lisboa, 2011, pág. 455 e segs.]
Contudo, a jurisprudência dominante dos Tribunais Superiores (vide a título meramente exemplificativo, os Acs. do TRC, de 04.05.2011, Rel. Jorge Dias; do TRP de 3.12.2012, Rel. Deolinda Dionísio) nos casos de crime fiscal com recurso a negócio simulado, vai no sentido de que o crime se consuma na data da celebração desse negócio (normalmente data da emissão da factura (falsa) ou de escrituração do negócio simulado, na realidade não querido), na peugada da posição expressa no Acórdão de fixação de jurisprudência n.° 3/2003 de 7/5/2003, onde se consagrou que a celebração de negócios simulados, (quer no caso de simulação absoluta, quer relativa) integra o crime previsto no artigo 23° do RJIFNA e que à luz do bem jurídico protegido não pode deixar de se entender que o crime se consuma independentemente de ter havido ou não declaração do contribuinte.
Consequentemente sobrevêm o entendimento de que para efeitos de consumação do delito fiscal, no caso de simulação, são irrelevantes a data da última entrega das declarações periódicas do IVA em que foram contabilizadas as facturas falsas ou, no caso, a data da entrega anual da declaração de IRC.
Pelo que a consumação do delito em causa nos presentes autos ocorreu com a celebração dos negócios jurídicos simulados pelo recorrente e a contraparte negocial".
Efectuadas estas considerações, entendemos, tal como tem defendido maioritariamente a Doutrina e a Jurisprudência, das quais efectuamos alguns destaques supra, que o momento da consumação do ilícito criminal nos presentes autos consistiu no momento da celebração do negócio simulado, ou seja, na data da celebração da escritura pública que ocorreu no dia 13 de Janeiro de 2000.
Ainda como supra dito, nos termos do preceituado no artigo 15°, n°. l do RJIFNA "o procedimento criminal por crime fiscal extingue-se, por efeito de prescrição, logo que sobre a prática do mesmo sejam decorridos cinco anos".
A prescrição do procedimento criminal suspende-se e interrompe-se nos termos referidos no Código Penal.
A este respeito, e com relevância para os factos em questão nestes autos, salienta- se o disposto no artigo 121° do Código Penal, que consagra que:
"1 - A prescrição do procedimento criminal interrompe-se:
a) com a constituição de arguido;
b) com a notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, com a notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou com a notificação do requerimento para aplicação sanção em processo sumaríssimo;
c) com a declaração de contumácia;
d) com a notificação do despacho que designa dia para audiência na ausência do arguido.
2 - Depois de cada interrupção começa a correr novo prazo de prescrição.
3 - (...), a prescrição do procedimento criminal tem sempre lugar quando, desde o seu início e ressalvado o tempo da suspensão, tiver decorrido o prazo normal de prescrição acrescido de metade …".
Relativamente à suspensão da prescrição do procedimento criminal, consagra o artigo 120° do Código Penal, no que assume relevância para os presentes autos, que:
"1 - A prescrição do procedimento criminal suspende-se, para além dos casos especialmente previstos na lei, durante o tempo em que:
a) O procedimento criminal não puder legalmente iniciar-se ou continuar por falta de autorização legal ou de sentença a proferir por tribunal não penal, ou por efeito da devolução de uma questão prejudicial a juízo não penal;
b) O procedimento criminal estiver pendente a partir da notificação da acusação ou, não tendo esta sido deduzida, a partir da notificação da decisão instrutória que pronunciar o arguido ou do requerimento para aplicação de sanção em processo sumaríssimo;
c) Vigorar a declaração de contumácia; ou
d) A sentença não puder ser notificada ao arguido julgado na ausência;
e) A sentença condenatória, após notificação ao arguido, não transitar em julgado;
f) O delinquente cumprir no estrangeiro pena ou medida de segurança privativas da liberdade.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior a suspensão não pode ultrapassar 3 anos.
3 - No caso previsto na alínea c) do n.° 1 a suspensão não pode ultrapassar o prazo normal de prescrição.
4 - No caso previsto na alínea e) do n.° 1 a suspensão não pode ultrapassar 5 anos, elevando-se para 10 anos no caso de ter sido declarada a excecional complexidade do processo.
5 - Os prazos a que alude o número anterior são elevados para o dobro se tiver havido recurso para o Tribunal Constitucional.
6 - A prescrição volta a correr a partir do dia em que cessar a causa da suspensão ".
Nos presentes autos importa referir que desde a data da consumação do ilícito criminal (13 de Janeiro de 2000/data de celebração do negócio simulado), data a partir da qual se inicia a contagem do prazo de prescrição (de cinco anos), não ocorreu qualquer causa de interrupção e/ou suspensão do prazo de prescrição.
Com efeito, a constituição como arguidos ocorreu em 28.02.2005 (cfr. fls. 385, 391 - arguidos B…, C…) e em 01.03.2005 (cfr. fls. 398, 405 - arguidos D…, E…).
Antes de tais datas não havia ocorrido qualquer outra causa de interrupção e/ou suspensão do prazo de prescrição, sendo que a constituição de arguidos ocorreu, relativamente a todos os arguidos, em data posterior ao decurso de cinco anos, contado da data da prática dos factos.
Concluímos, assim, que à data da constituição como arguidos já se encontrava extinto o procedimento criminal pelo decurso do prazo de cinco anos.
Pelo exposto, declara-se a extinção, por prescrição, do procedimento criminal movido nestes autos aos arguidos, ordenando-se o oportunamente arquivamento dos autos.
Em face do ora decidido fica prejudicada a apreciação das demais questões colocadas nos RAI apresentados.
4. Decisão:
Pelo exposto, e por força do disposto nos arts 307° e 308°, ambos do Código de Processo Penal, decide-se:
- Declarar extinto a extinção, por prescrição, do procedimento criminal movido nestes autos aos arguidos B…, C…, D…, E…, "F…, S.A." e "G…, Lda.", desde 14.01.2005, ordenando-se o oportunamente arquivamento dos autos.
5. Custas: Sem Custas, por não serem devidas.
2.2. Matéria de direito
2.2.1. Objecto do recurso
É objecto do presente recurso a decisão instrutória que julgou prescrito o procedimento criminal relativamente ao crime de fraude fiscal imputado, em co-autoria, aos arguidos e consequentemente ordenou o arquivamento dos autos.
Na base do crime de fraude fiscal imputado aos arguidos estava o facto de os mesmos, concertadamente, terem simulado o preço real de um contrato de compra e venda de imóveis.
A decisão recorrida julgou prescrito o procedimento criminal, por entender que o prazo da prescrição teve o seu início na data da celebração do negócio simulado. Uma vez que entre essa data (celebração do negócio) e a data de constituição de arguidos (primeiro facto interruptivo da prescrição) decorreram mais de cinco anos, concluiu que que o procedimento criminal estava prescrito.
O MP, por seu turno, sustenta que o prazo da prescrição só começa a correr a partir da entrega da declaração fiscal (quando o crime é cometido por acção) ou do termo do prazo da sua entrega (quando o crime for cometido por omissão). E, sendo assim, o procedimento criminal não se mostra prescrito.
C…, representante da sociedade vendedora dos imóveis - único arguido que respondeu ao recurso do MP - sustenta que, relativamente ao seu comportamento, o crime se consumou na data da escritura pública, isto é, 13-01-2000 (e não em 01-06-2000), louvando-se na argumentação da decisão recorrida.
A questão fundamental a decidir é, portanto, a de saber quando se consuma o crime de fraude fiscal, cometido através da simulação do preço de um contrato de compra e venda.
2.2.2. Análise dos fundamentos do recurso e da decisão recorrida.
A questão a decidir tem suscitado distintas soluções, sendo certo que tanto a decisão recorrida como o recurso do MP se mostram bem fundamentados, com exposição clara e congruente das respectivas posições, citando jurisprudência e doutrina pertinente, dando conta do estado actual da controvérsia.
Efectivamente, e embora sem tomar uma posição concreta sobre a solução a dar ao caso, o Ex.º Procurador-geral Adjunto esta Relação recortou a controvérsia, referindo as posições em confronto, mas acabando por referir que, “Neste contexto, tendo em atenção também a fundamentação da decisão recorrida que, além do mais, segue a jurisprudência maioritária produzida quanto à questão em análise, entende-se que o recurso interposto merece apreciação deste Tribunal, apondo-se o competente visto”.
Vejamos então.
Em primeiro lugar, importa sublinhar que não há qualquer dúvida sobre o prazo de prescrição aqui aplicável - 5 anos -, por ser esse o prazo previsto na lei em vigor na data do facto imputável aos arguidos.
E também não há qualquer dúvida sobre a data da celebração do negócio simulado - 13-01-2000 –, nem sobre a data em que os arguidos foram constituídos nessa qualidade - 28.02.2005 (cfr. fls. 385, 391 - arguidos B…, C…) e 01.03.2005 (cfr. fls. 398, 405 - arguidos D…, E…).
A questão controversa emerge da circunstância de a sociedade vendedora dos imóveis estar legalmente obrigada a entregar a declaração fiscal, para efeitos de IRC, relativamente aos rendimentos obtidos em 2005, até 31 de Maio de 2006.
Daí que a única questão em discussão seja a seguinte: o crime de fraude fiscal imputado aos arguidos consumou-se na data da celebração da escritura de compra e venda (13-01-2000), ou na data em que terminou o prazo para a entrega da declaração de IRC, de onde constavam os valores simulados da venda dos imóveis (31 de Maio de 2006)?
Da resposta a esta questão resulta o acerto, ou desacerto, da decisão recorrida.
Como acima referimos, a decisão recorrida entendeu que o crime de fraude fiscal se consuma na data da celebração do negócio simulado (e, consequentemente, o prazo da prescrição se iniciou nessa data). Justificou a sua posição com os seguintes fundamentos:
(i) A doutrina do Acórdão do STJ, de 05-07-2003, segundo o qual “na fraude fiscal, a consumação ocorre logo que o agente efectiva a lesão da verdade e da transparência exigidas nas relações fisco/contribuinte, ficando o resultado lesivo sobre o património fiscal para a medida da pena (proferido no processo n°. 4000/00-3, citado por J. Lopes de Sousa e M Simas Santos, em Regime Geral das Infracções Tributárias anotado, 2ª. Ed., p. 640) ”. O crime consuma-se mesmo que nenhum dano ou vantagem patrimonial indevido venha a ter lugar. Basta que as condutas ilegítimas tipificadas visando a obtenção de vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias, se realizem.
(ii) No teor literal do art. 23° do RJIFNA, aprovado pelo Decreto-Lei n° 20-A/90, de 15 de Janeiro, aplicável ao presente caso, por ser mais favorável que a lei vigente actualmente (onde o prazo da prescrição é de 10 anos), segundo o qual:
"1 - Constituem fraude fiscal as condutas ilegítimas tipificadas no presente artigo que visem a não liquidação, entrega ou pagamento do imposto ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias.
2 - A fraude fiscal pode ter lugar por:
a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;
b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração fiscal;
c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas.
3 - Para efeitos do número anterior considera-se que tem lugar a ocultação ou alteração de factos e valores quando se verifique qualquer das seguintes circunstâncias:
a) A vantagem patrimonial ilegítima pretendida for superior a 1000 contos para as pessoas singulares e 2000 contos para as pessoas colectivas ou entes fiscalmente equiparados;
b) O agente se tiver conluiado com terceiros que estejam sujeitos a obrigações acessórias para efeitos de fiscalização tributária;
c) O agente for funcionário público e tiver abusado gravemente das suas funções;
d) O agente se tiver socorrido do auxílio do funcionário público com grave abuso das suas funções;
e) O agente falsificar ou viciar, ocultar, destruir, inutilizar ou recusar entregar, exibir ou apresentar livros e quaisquer outros documentos ou elementos probatórios exigidos pela lei fiscal;
f) O agente usar os livros ou quaisquer outros elementos referidos no número anterior sabendo-os falsificados ou viciados por terceiros.
4 - A pena aplicável à fraude fiscal é de prisão até três anos ou de multa não inferior ao valor da vantagem patrimonial pretendida, nem superior ao dobro, sem que esta possa ultrapassar o limite máximo abstractamente estabelecido, salvo se, tratando-se de pessoas singulares, na ocultação ou alteração dos factos ou valores ou na simulação se verificar a acumulação de mais de uma das circunstâncias referidas nas alíneas c) a f) do número anterior, caso em que é exclusivamente aplicável a pena de prisão de um até cinco anos.
5 - Se a vantagem patrimonial pretendida não for superior a 100 000$00, a pena será de multa até 60 dias".
(iii) Na irrelevância da apresentação da declaração fiscal, por entender que o ponto central não deve ser a declaração, mas a conduta do agente: “Conduta de ocultação ou de alteração de factos ou valores, ou conduta de celebração de negócio simulado. O crime de fraude fiscal é um crime comum, na medida em que pode ser praticado por qualquer pessoa e é um crime de perigo em que o bem jurídico protegido é a ofensa à Conta do Estado na rubrica que inclui as receitas fiscais destinadas à realização de fins públicos de natureza financeira, económica ou social. Em caso de simulação de negócio jurídico, a tributação recai sobre o negócio jurídico real e não sobre o negócio jurídico simulado”.
Citou, neste sentido, a seguinte corrente jurisprudencial:
-o Acórdão do TR de Coimbra, de 04.05.2011, in www.dgsi.pt;
-o Acórdão do TRC, de 09-05-2007, proc. 11/04.7IDCBR.C1, referindo que "o crime de fraude fiscal, previsto na al. b) do art. 103° do RGIT, consuma-se ainda que nenhum dano ou vantagem patrimonial venha a ocorrer efectivamente". "Para a punição do agente basta comprovar que este quis as respectivas (acções ou) omissões e que elas eram adequadas à obtenção das pretendidas vantagens patrimoniais e à consequente diminuição das receitas tributárias".
-o Acórdão do TR de Guimarães, de 11.06.2019, in www.dgsi.pt:
“(…)
Perfilhamos então o entendimento que julgamos ser dominante nos tribunais superiores de que o crime de fraude fiscal com recurso a facturas falsas ou fictícias se consuma na data da emissão dessas facturas, independentemente de ter havido ou não declaração do contribuinte (declaração periódica do IVA ou a entrega anual da declaração do IRC, sendo para efeitos de consumação irrelevantes tais declarações). (Neste sentido, entre outros, o já citado Ac. RL o Ac. da Rel. do Porto de 5/01/2011 e de 3.12.2012 e Ac. do TRG de 3.11.2014).
Assim, o crime de fraude fiscal, na modalidade de utilização de facturas de venda, a que não corresponde verdadeira transacção (que é, indiscutivelmente, a dos autos), consuma-se no dia da emissão das facturas. Em conclusão: a consumação do crime de fraude fiscal, enquanto momento relevante para a fixação do início do decurso do prazo de prescrição do procedimento, ocorre na ocasião da emissão da factura falsa, independentemente de ter havido ou não declaração do contribuinte. [neste sentido Ac. do TRL de 25-02-2015, processo n° 709/08.0IDFUN-A.L1-3] Temos, assim, como referência, para este efeito, a data de emissão da última factura, em 08-03-2010 (uma vez que está imputada a prática de 1 crime que lhe teve subjacente uma única resolução), data em que ocorreu a consumação do crime cuja prática está imputada aos arguidos.
(…) ”
-o Acórdão do TR de Lisboa, de 08.03.2017, in www.dgsi.pt, onde se decidiu que "A consumação do crime de fraude fiscal, enquanto momento relevante para a fixação do início do decurso do prazo de prescrição do procedimento, ocorre na ocasião da emissão da factura falsa, independentemente de ter havido ou não declaração do contribuinte".
-o Acórdão do TR do Porto, de 09.11.2016, in www.dgsi.pt, onde também se referiu: "Quanto à alínea c) e nos termos do art. 240° do Código Civil, há negócio simulado se, por acordo entre declarante e declaratário, e no intuito de enganar terceiros, houver divergência entre a declaração negocial e a vontade real do declarante. Qualquer forma de simulação, desde que objectivamente vise a não liquidação, entrega ou pagamento da prestação tributária e seja susceptível de causar diminuição das receitas tributárias, constitui a conduta típica prevista na alínea c) do n° 1 do art. 103°. As situações mais conhecidas de negócios jurídicos simulados para efeitos fiscais, visam o não pagamento de sisa ou imposto sobre sucessões e doações por valor inferior ao devido, sendo também frequentes as operações simuladas em que é simulado o preço constante de facturas para efeitos de dedução ou reembolsos indevidos de IVA e de IRC (como é o caso dos autos). (...)
Julgamos que a decisão recorrida deve manter-se.
Com efeito, o elemento literal é desde logo relevante, uma vez que, no domínio do direito penal, a descrição do tipo tem uma especial função de garantia: o tipo legal de crime descreve as condutas ilícitas e, portanto, são apenas essas as condutas relevantes para se aferir a consumação do facto.
Ora, no regime vigente na data dos factos, a fraude fiscal podia ser praticada (preenchida) através de várias condutas típicas:
a) Ocultação ou alteração de factos ou valores que devam constar das declarações apresentadas ou prestadas a fim de que a administração fiscal especificamente fiscalize, determine, avalie ou controle a matéria colectável;
b) Ocultação de factos ou valores não declarados e que devam ser revelados à administração fiscal;
c) Celebração de negócio simulado, quer quanto ao valor, quer quanto à natureza, quer por interposição, omissão ou substituição de pessoas” - art. 23°, 2 do RJIFNA, aprovado pelo Decreto-Lei n° 20-A/90, de 15 de Janeiro.
Como se vê, uma das condutas típicas era precisamente a “celebração de negócio simulado”. Ou seja, o facto/conduta voluntária descrito no tipo era a celebração de negócio simulado. Foi esta realidade empírica que o legislador recortou como elemento do tipo. Tal significa que, para o tipo de ilícito agora em causa, a conduta típica traduzia-se na celebração do negócio simulado, desde que o mesmo visasse “(…) a não liquidação, entrega ou pagamento do imposto ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias” (n.º 1 do mesmo preceito legal).
Podemos pois concluir, sem qualquer dúvida, que a entrega da declaração tributária (ou a sua omissão, quando devida) não tem qualquer correspondência literal, mínima que seja, na descrição típica.
O elemento literal é ainda relevante para refutar a relevância do argumento que alguma doutrina retira do actual artigo 103º, n.º 3 do RGIT. Neste preceito legal, actualmente em vigor, a fraude fiscal é descrita em termos algo semelhantes ao preceito legal vigente na data da prática dos factos, mas com uma diferença. No n.º 3 é referido expressamente que, “(…) Para efeitos do disposto nos números anteriores, os valores a considerar são os que, nos termos da legislação aplicável, devam constar de cada declaração a apresentar à administração tributária”. Este preceito é normalmente invocado para dar especial relevo à declaração a apresentar à administração tributária, considerando-a um acto de execução do crime, ou até mesmo (para alguns) um elemento determinante do número de crimes cometidos: tantos crimes, quantas as declarações a apresentar. Esta posição, no essencial, entende que a fraude fiscal visa proteger o cumprimento da obrigação de apresentar declarações exactas.
Ora, para esta construção – com apoio literal no actual art. 103º, 3 do RGIT – é relevante algo que faltava no domínio de vigência do RJIFNA (Dec. Lei aprovado pelo Decreto-Lei n° 20-A/90, de 15 de Janeiro), ou seja, a referência expressa e literal à declaração a apresentar à administração tributária. Na verdade, na redacção do art. 23º do RJIFNA, aplicável ao presente caso por ser mais favorável que a lei vigente actualmente (onde o prazo da prescrição é de 10 anos), falta esse elemento literal, relevante para que a declaração a apresentar fosse um elemento do tipo e, portanto, uma parte da conduta voluntária que integrasse o facto típico.
Por outro lado, para além do elemento literal, julgamos que o bem jurídico protegido na fraude fiscal não é a exactidão da declaração a apresentar à administração tributária, mas o património do Estado. Daí que só exista crime quando o fim visado pelo agente seja a não liquidação, entrega ou pagamento do imposto, ou a obtenção indevida de benefícios fiscais, reembolsos ou outras vantagens patrimoniais, susceptíveis de causarem diminuição das receitas tributárias. A finalidade da acção típica deve ser (segundo o n.º 1 do preceito incriminador) a de causar diminuição de receitas tributárias. O bem jurídico protegido é, portanto, a preservação da receita tributária efectivamente devida e não o mero cumprimento das obrigações acessórias de declaração tributária.
Deste entendimento decorre que um negócio simulado gera apenas um crime de fraude fiscal, cometido pelos vendedores e compradores, ainda que esse facto gere várias declarações tributárias (para efeitos de Sisa e IRC), pois todas elas convergem para a lesão do mesmo bem jurídico. Os agentes apenas cometem um facto típico (negócio simulado), visando a diminuição de receitas tributárias. A responsabilidade de cada interveniente pode ser diferente, porque diferente é também o prejuízo que visam causar ao Estado. No entanto, o facto gerador da diminuição de receitas, almejado pelos simuladores, é apenas um: o negócio simulado. O vendedor visa esconder receitas para efeito de IRC, enquanto o comprador visa pagar um imposto de Sisa de valor inferior. Contudo, o bem jurídico lesado por ambos (vendedor e comprador) é exactamente o mesmo (a obtenção da receita tributária efectivamente devida) e, por essa razão, é cometido apenas um crime de fraude fiscal.
Do exposto resulta que, tendo em conta os elementos constitutivos do tipo e o bem jurídico protegido pelo crime de fraude fiscal, o momento da consumação do crime de fraude fiscal, previsto no art. art. 23° do RJIFNA, aprovado pelo Decreto-Lei n° 20-A/90, de 15 de Janeiro, cometido através da celebração de negócio simulado, é o da data da sua celebração e, consequentemente, o prazo da prescrição começa a correr nessa data.
Dado que foi este o entendimento da decisão recorrida - julgando prescrito o procedimento criminal reportado nos autos, por entender que o prazo da prescrição (5 anos) teve o seu início na data da celebração do negócio simulado e entre essa data (celebração do negócio) e a data de constituição de arguidos (primeiro facto interruptivo da prescrição) decorreram mais de 5 anos - deve negar-se provimento ao recurso.
3. Decisão
Face ao exposto os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto acordam em negar provimento ao recurso.
Sem custas.

Porto, 23 de junho de 2021
Élia São Pedro
Donas Botto