Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
7045/10.0TBVNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA ADELAIDE DOMINGOS
Descritores: RECONHECIMENTO DE SENTENÇA
Nº do Documento: RP201109127045/10.0TBVNG.P1
Data do Acordão: 09/12/2011
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO.
Decisão: CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Legislação Nacional: REG. (CE) Nº 44/2001
Sumário: I - Só não será reconhecida executoriedade a uma decisão proferida num Estado-Membro, nos casos previstos nos artigos 34.º e 35.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22/12/200, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial.
II - A atribuição de força executiva provisória a um decreto ingiuntivo previsto no direito italiano, não obsta à emissão da declaração de executoriedade, por os artigos 38.º, n.º 1 e 53.º do citado Regulamento apenas exigirem que a decisão tenha força executiva segundo o Direito do Estado de origem, não sendo necessário que a força executiva seja definitiva.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 7045/10.0TBVNG.P1 (Apelação)
Tribunal recorrido: Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia (1.º Juízo Cível)
Apelante: B…, Ld.ª
Apelada: C…, SRL

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
C…, S.r.l., pessoa colectiva de direito italiano, com sede em …, … … (FR), Itália, intentou acção especial de reconhecimento e declaração de executoriedade de decisão proferida num Estado-Membro, ao abrigo do Regulamento (CE) n.º 44/2001, do Conselho de 22/12/2000, contra B…, Ld.ª, sociedade comercial de direito português, com sede na Rua …, nº …/…, ….-… …, Vila Nova de Gaia, Portugal, pedindo que seja reconhecida e conferida executoriedade à decisão proferida em 14/11/2008, pelo Tribunal de Cassino, Itália, no âmbito de acção de injunção, que ordenou à requerida pagar-lhe a quantia de €21.976,21, bem como juros de mora legais vencidos e vincendos contados desde a data do vencimento da dívida até integral pagamento, despesas do processo no valor de €533,00, honorários, no valor de €350,00 e despesas gerais do escritório, CPA e IVA.
Mais invocou que a requerida, notificada da decisão, não se opôs à injunção, transitando em julgado, e que o Tribunal de Cassino, em 21/11/2008, reconheceu força executiva à decisão.
Juntou os documentos de fls. 7 a 24.
No 1.º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia foi proferida decisão a declarar a executoriedade.
Inconformada, apelou a requerida B…, apresentando as seguintes conclusões:
A) Sobre a Fundamentação de Facto
1ª- A Requerida, ora Recorrente, nunca foi notificada/citada da pretensa decisão judicial proferida em 14 de Novembro de 2008, pelo Tribunal de Cassino – Itália.
2º - A Requerida desconhece, totalmente, o teor da suposta sentença e os seus fundamentos, não constando dos autos qualquer prova que comprove a suposta notificação à ora Recorrente, da sentença do Tribunal Italiano.
3º- Não tendo a suposta sentença do Tribunal de Cassino – Itália, sido notificada/citada à Requerida, ora Recorrente, não foi a esta possível exercer os seus direitos de defesa à acção de injunção proposta, nomeadamente, o direito de apresentar Oposição à Injunção.
4º- Atendendo que a Requerida não foi notificada/citada de qualquer sentença respeitante a um processo de injunção proposto pela Requerente, nunca o Tribunal de Cassino – Itália, poderia ter reconhecido força executiva à injunção, e, muito menos em 21 de Novembro de 2008.
5º- De referir, ainda, que o documento com a data de 21 de Novembro de 2008, não constitui, sequer, uma decisão judicial a conferir a força executiva à injunção, pelo que, não pode ser dado como provado que o Tribunal Italiano de Cassino declarou a força executiva da injunção em 21 de Novembro de 2008.
6º- Não pode, ainda, ser dado como provado que a Requerida teria sido devidamente ou regularmente notificada/citada, como é alegado em sede de petição inicial, e que não se teria oposto à injunção.
7º- Deve ser dado como provado que a Requerida nunca foi notificada/citada da sentença, que terá sido proferida pelo Tribunal de Cassino – Itália, em 14 de Novembro de 2008 e, consequentemente, viu-se impedida de exercer o seu direito de Oposição.
8º- Refira-se, ainda, que, constando da referida sentença proferida, em 14/11/2008, pelo Tribunal de Cassino – Itália, que se fixou o prazo de 90 dias para a Recorrida exercer o seu direito de oposição, nunca poderia o Tribunal Italiano declarar força executiva à injunção em 21/11/2008, ou seja, antes do prazo de 90 dias se encontrar decorrido.
9º- Nestes termos, o Tribunal de Cassino não reconheceu força executiva da injunção em 21/11/2008, não constando dos autos qualquer decisão/sentença final a conferir a executoriedade da injunção.
10º- Os factos alegados nos Arts. 13º e 14º (que por lapso da p.i. está identificado como 11º) devem ser dados como não provados, atendendo aos documentos já constantes dos autos e à prova testemunhal que a Requerida, ora Recorrente apresenta, nas presentes alegações, devendo, ser dado como provado que a Requerida não foi notificada para efeitos de Oposição.
B) Sobre a Fundamentação de Direito
11º- Resulta da decisão proferida a 14/11/2008 pelo Tribunal Italiano de Cassino que seja ordenada a notificação da Requerida, ora Recorrente, para que seja notificada para pagar e “fixando o prazo de 90 dias para a recorrida exercer o direito de oposição”.
12º- Ora, não resulta dos autos que a Recorrida alguma vez tivesse sido notificada/citada para deduzir qualquer oposição à injunção proposta no Tribunal Italiano.
13º- Sendo, inclusive, descrito na douta sentença, de uma forma contraditória e sem fundamento de facto que comprove tal conclusão, que “ A sentença foi notificada à Requerida e o Tribunal de Cassino reconheceu a força executiva da injunção em 21/11/2008”.
14º- Nos termos do Art. 18º do Regulamento (CE) n.º 1896/2006, à injunção apenas é conferida força executória se no prazo estabelecido no Art. 16º/2 deste Regulamento, não for apresentada ao Tribunal de origem uma declaração de oposição.
15º- O Tribunal de Cassino não declarou ou reconheceu a força executiva da injunção, não constando tal decisão dos autos, tal como é exigido nos termos do Art. 21º/2/a do Regulamento (CE) n.º 1896/2006.
16º- Tendo a decisão judicial proferida a 14/11/2008, ordenado a notificação da Requerida, ora Recorrente, para deduzir, oposição no prazo de 90 dias, deveria comprovar-se nos autos, o que não foi feito, a respectiva e correspondente notificação para esse direito de defesa.
17º- Todos os Requeridos em sede de procedimento de injunção de pagamento europeia, têm direito a apresentar Oposição à injunção nos termos do Art. 16º do Regulamento (CE) n.º 1896/2006.
18º- A douta sentença não poderia, ainda, reconhecer força executiva à decisão proferida pelo Tribunal Italiano de Cassino, nos termos do Art. 34º/2 do Regulamento (CE) n.º 44/2001.
19º- A douta sentença, viola, nestes termos, o disposto nos Arts. 16º, 18º e 21/2/a do Regulamento (CE) n.º 1896/2006, bem como os Arts. 34º/2 e 41º do Regulamento (CE) n.º 44/2001.

A apelada C…, S.R.L. apresentou contra-alegações, formulando as seguintes conclusões:
A) A decisão de injunção proferida pelo Tribunal de Cassino, em 14/11/2008, cuja declaração de executoriedade foi requerida junto dos Tribunais portugueses, foi devidamente notificada à Recorrente, estando preenchida a condição prevista no art. 34.º, n.º 2, do Regulamento (CE) n.º 44/2001.
B) Em 21/11/2008, o Tribunal de Cassino reconheceu e atribuiu força executiva ao decreto ingiuntivo, conforme previsto no art. 475.º, do Código de Processo Civil Italiano.
C) A partir da notificação da decisão do Tribunal de Cassino começou a correr um prazo de 90 dias para a Recorrente deduzir oposição à mesma, findo o qual, sem haver oposição, o decreto ingiuntivo constitui um título executivo definitivo, consolidando a executoriedade que já tinha sido declarada em 21/11/2008.
D) O trânsito em julgado não é pressuposto da declaração de executoriedade nos termos do Regulamento (CE) n.º 44/2001.
E) A decisão proferida pelo Tribunal italiano tem força executiva e produz efeitos na ordem jurídica italiana, preenchendo, assim, todos os requisitos necessários para ser declarada executória na nossa ordem jurídica.
F) A declaração de executoriedade da decisão proferida pelo Tribunal de Cassino deve ser proferida, dado que se encontram preenchidas as duas condições específicas previstas no Regulamento (CE) n.º 44/2001, ou seja, a decisão tem força executiva segundo o Direito do Estado de origem (art. 38.º do Regulamento) e foi devidamente notificada à parte requerida (art. 34.º, n.º 2, do Regulamento).
G) A Recorrida requereu injunção - decreto ingiuntivo - contra a ora Recorrente, junto do Tribunal italiano de Cassino, nos termos do procedimento previsto no Código de Processo Civil italiano.
H) O Regulamento (CE) n.º 1896/2006, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 12 de Dezembro de 2006, não é aplicável ao caso concreto.
I) A decisão proferida pelo Tribunal de Cassino foi devidamente reconhecida e declarada executória pelo Tribunal Judicial de Vila Nova de Gaia, nos termos do Regulamento (CE) n.º 44/2001.

Juntou 3 documentos com a respectiva tradução (fls. 62 a 70), invocando o seguinte:
“A Recorrida vem só agora apresentar os documentos identificados, dado que, apenas com o recurso interposto pela ora Recorrente surgiu a necessidade de apresentar novas provas sobre a efectividade da notificação da decisão do Tribunal de Cassino. Além do mais, o Tribunal a quo entendeu que os elementos apresentados com a petição inicial eram suficientes para fazer prova dos factos que a Recorrente vem agora contestar, sendo que, a Recorrida não podia razoavelmente contar com o facto de a Recorrente vir negar a notificação da decisão italiana.”

Em relação ao teor dos documentos, pronunciou-se a apelante conforme consta de fls. 73, dizendo: “…vem, pelo presente, impugnar os mesmos, uma vez que, contrariamente ao alegado, a Recorrente nunca recebeu ou foi notificada de qualquer decisão do Tribunal de Cassino.”

Remetidos os autos a esta Relação, por ter sido admitido o recurso como sendo de apelação, com efeito devolutivo, foi proferido o despacho de fls. 79, através do qual se notificou a apelante para juntar aos autos certidão da sentença sobre a qual incidiu o pedido de executoriedade, segundo o formulário uniforme constante do anexo V do Regulamento n.º 44/2001.
Foi junta a certidão, conforme consta de fls. 87 a 91 e 97 a 100.
O M.º P.º emitiu parecer no sentido de ser conferida força executiva à sentença revidenda.

II- FUNDAMENTAÇÃO
A- Objecto do Recurso:
Considerando as conclusões das alegações, as quais delimitam o objecto do recurso nos termos dos artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1 do Código de Processo Civil (CPC), redacção actual, sem prejuízo do disposto no artigo 660.º, n.º 2 do mesmo diploma legal, importa decidir se estão preenchidos os requisitos legais que permitam declarar a executoriedade da sentença estrangeira proferida pelo Tribunal de Cassino, Itália.

B- De Facto:
A factualidade a atender, é a seguinte:
1. Por decisão proferida em 14/11/2008, o Tribunal de Casino, Itália, ordenou à sociedade B…, Ld.ª, na pessoa do seu representante legal, que pague à sociedade C…, Srl imediatamente e sem demora a importância referenciada pela requerente neste recurso, mais acrescentando “…autorizando ex art. 642 Código de Processo Civil a execução provisória da injunção e fixando o prazo de 90 dias para a recorrida exercer o direito de oposição.” (doc. de fls. 17 a 19, 21 a 22, 87 a 91 e 97 a 100).
2. Em 21/11/2008, o mesmo Tribunal exarou por escrito ordem “…a todos os oficiais judiciais a quem seja pedido e de quem seja esperado, para o efeito de dar execução ao presente título, ao ministério público de prestar assistência, e a todos os oficiais da autoridade pública de apoiar, quando legalmente solicitados.” (doc. fls. 20 a 24).
3. Em 26/11/2008, o Tribunal de Cassino, Itália, foi dado cumprimento à ordem de notificação acima referida (doc. fls. 62 a 66).
4. Em 23/04/2010, o Tribunal de Cassino, Itália, atestou que em relação ao decreto de injunção n.º 209/2008, emitido em 14/11/2008 e depositado em 17/11/2008 por recurso promovido pela C…, Srl contra B…, “…não resulta como tendo sido oposta qualquer oposição.” (doc. fls. 69 e 70).

C- De Direito:
I- Da admissibilidade dos documentos apresentados pela apelada apenas em sede de recurso:
A recorrida, na resposta às alegações, juntou os documentos de fls. 62 a 70 para comprovar a notificação da recorrente da decisão proferida pelo Tribunal de Cassino, Itália e a não existência de oposição por parte da mesma.
Considerando que estes documentos estão directamente relacionados com o âmbito objectivo do presente recurso, onde a recorrente invoca violação do princípio do contraditório, a sua junção tornou-se necessária na sequência da sentença proferida em 1.ª instância, pelo que se admite a sua junção, ao abrigo do artigo 693.º-B, do CPC.

II- Da apreciação do pedido de executoriedade:
Sustenta a apelante que deve ser revogada a sentença que reconheceu força executiva à decisão proferida pelo Tribunal de Cassino, Itália, invocando argumentos, que se podem reconduzir ao seguinte:
- Foi violado o direito de defesa por nunca ter sido notificada daquela decisão, não tendo podido exercer o direito do contraditório, opondo-se à injunção;
- O Tribunal italiano não poderia ter conferido força executiva à injunção antes de ter decorrido o prazo de 90 dias para dedução da oposição à injunção, razão pela qual a sentença recorrida não poderia reconhecer força executiva à decisão italiana;
- À injunção apenas é conferida força executória nos termos previstos no Regulamento (CE) n.º 1896/2006, cujos trâmites não foram seguidos pelo Tribunal de Itália.
Vejamos, então, se pode ser declarada a executoriedade da decisão proferida pelo Tribunal de Cassino.
É aplicável ao caso em análise, o Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22/12/2001[1], relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial, que entrou em vigor em 01/03/2002, aplicável, para além do mais, às acções judiciais e actos autênticos exarados posteriormente à sua entrada em vigor, sendo que a acção de injunção em causa foi intentada em 29/10/2008 (artigo 66.º, n.º 1 do Regulamento).
O referido Regulamento visou adoptar medidas no domínio da cooperação judiciária em matéria civil e comercial,[2] designadamente, simplificar as formalidades com vista ao reconhecimento e à execução rápidos e simples das decisões proferidas nos Estados-Membros da União Europeia abrangidos pelo diploma.
Como se salienta nos seus considerandos, tem subjacente a ideia da confiança recíproca na administração da justiça, o que implica a eficácia e a rapidez do procedimento para tornar executória num Estado-Membro uma decisão proferida noutro Estado-Membro. Para este fim, a declaração de executoriedade de uma decisão deve ser dada de forma quase automática, após um simples controlo formal dos documentos fornecidos.
Consequentemente, estabelece o artigo 38.° do Regulamento que as decisões proferidas num Estado-Membro que nesse Estado tenham força executiva, podem ser executadas noutro Estado-Membro depois de nele terem sido declaradas executórias, a requerimento de qualquer parte interessada.
O pedido de declaração de executoriedade é instruído com cópia da decisão que satisfaça os necessários requisitos de autenticidade e da certidão emitida pelo Estado-Membro que proferiu a decisão, segundo o formulário constante do Anexo V, conforme dispõe o artigo 53° do Regulamento e sem necessidade de tradução dos documentos, salvo se o tribunal o exigir (cf. artigos 54.º e 55.° n.º 2).
Verificados os trâmites previstos no referido artigo 53.°, a decisão será imediatamente declarada executória, nos termos do artigo 41.° do Regulamento.
Foi essa a declaração de executoriedade que proferiu o tribunal de 1ª instância (fls. 28 a 30), em face do pedido formulado pela requerente C…, Srl e dos documentos apresentados.[3]
Entende, contudo, a apelante que não pode ser reconhecida a executoriedade, pelos fundamentos que invoca, e que agora cumpre analisar, já que o contraditório é assegurado nesta fase, podendo apenas ser recusada ou revogada a declaração de executoriedade por um dos motivos especificados nos artigos 34.° e 35.° do Regulamento.
Importa, também, levar em conta que o artigo 36.º do Regulamento estipula que as decisões estrangeiras não podem, em caso algum, ser objecto de revisão de mérito.
Por conseguinte, por força do artigo 34.º, uma decisão não será reconhecida se:
- O reconhecimento for manifestamente contrário à ordem pública do Estado-Membro (n.º1);
- O acto que iniciou a instância não tiver sido notificado ao requerido, em tempo útil e de modo a permitir-lhe a defesa (n.º 2);
- For inconciliável com outra decisão proferida quanto às mesmas partes no Estado-membro requerido (n.º 3);
- For inconciliável com outra anteriormente proferida noutro Estado-Membro, em acção com o mesmo pedido e a mesma causa (n.º4).
Por sua vez, o artigo 35.º do regulamento reporta-se a situações em que tenha sido desrespeitada a competência em matéria de seguros, contratos celebrados por consumidores e competências exclusivas sobre as matérias referidas na secção 6 ou nos casos previstos no artigo 72.º do Regulamento.
No caso em apreço, atenta a matéria das conclusões do recurso, não está em causa a aplicação de qualquer das situações previstas no artigo 35.º, mas sim a previsão do n.º 2 do 34.º, no que concerne à necessidade de cumprimento do princípio do contraditório.
Resulta da análise da documentação junta aos autos que a recorrida C…, Srl requereu o exequatur de um “decreto ingiuntivo” que não é mais do que a decisão proferida num procedimento de injunção (procedimento di ingiunzione), a que se referem os artigos 633.º e seguintes do Código de Processo Civil Italiano[4], de natureza sumária, através do qual o credor, mediante requerimento inicialmente não notificado à parte contrária, pode obter um título executivo contra o devedor.[5]
Assim, apresentados os documentos comprovativos, o credor solicita ao juiz que profira, contra o devedor, uma injunção de pagamento da importância exigida, no prazo que lhe for fixado.
Por força do artigo 643.º, segundo parágrafo do Código de Processo Civil, deve ser notificada ao requerido uma cópia da injunção e do requerimento, constituindo esta notificação o acto que inicia a instância, conforme refere o parágrafo terceiro do mesmo preceito.
A partir desta notificação, o requerido pode deduzir oposição até ao termo do prazo que foi fixado, em conformidade com o artigo 641.º, para voluntariamente cumprir a obrigação.
Em princípio, a injunção não é por si só executória, sendo necessário para esse efeito uma autorização do juiz, dada após a expiração do prazo de oposição e a pedido do credor. Todavia, também a pedido do credor, a injunção pode ser executada provisoriamente quando o crédito se baseia nalguma das circunstâncias mencionadas no primeiro parágrafo o artigo 642.º, ou quando o juiz permitir a execução provisória se existir um risco de prejuízo grave em caso de atraso, aplicando nesse caso o parágrafo segundo do referido artigo 642.º.
Se o devedor deduzir oposição à injunção no prazo estabelecido, segue-se o processo cível contraditório de direito comum (artigo 645.º). Caso contrário, o juiz declara a injunção executória a requerimento do credor. Todavia, deve previamente ordenar uma nova notificação quando seja provável que o devedor não teve conhecimento da injunção (artigo 647.º).
No caso presente, foi proferida decisão sumária (aquela que a requerente juntou aos autos, datada de 14/11/2008), que conferiu força executiva provisória à injunção, por aplicação do artigo 642.º do citado Código, tendo a mesma sido notificada à ora recorrente para no prazo concedido (no caso, 90 dias) poder deduzir oposição (cfr. fls. 19).
Ora consta dos autos que a secretaria do Tribunal de Cassino expediu, em 01/12/2008, a notificação daquela decisão, por meio de carta registada com aviso de recepção, para a sede da recorrente (cfr. doc. de fls. 64 a 66).
O aviso de recepção foi assinado em 11/12/2008.
Em face destes documentos, está demonstrado nos autos que a recorrente foi notificada da decisão proferida na injunção, ou seja, que à mesma foi concedida a oportunidade de receber a decisão e de deduzir oposição, onde poderia apresentar a sua defesa, sendo certo que não o fez, conforme foi atestado pelo Tribunal de Cassino através do documento junto a fls. 69.
Por conseguinte, não tem qualquer fundamento, por os autos comprovarem o inverso, a invocação da falta de notificação da decisão estrangeira, ou seja, a violação do princípio da defesa.
Refere, ademais, a recorrente que o Tribunal Italiano não poderia ter conferido força executiva à injunção antes do decurso dos 90 dias para a dedução da oposição, e tendo-o feito, também aqui foi violado o direito de defesa da ora recorrente.
Este argumento não pode ser acolhido, conforme já se referiu, por a aposição da força executiva, ainda que provisória, decorrer da emissão da decisão liminar, numa fase não contraditória, razão pela qual a injunção deu entrada em juízo em 29/10/2008, foi proferida decisão em 14/11/2008 e ordenada execução do título executivo em 21/11/2008, conforme se encontrada documentado nos autos.
Todo este procedimento é, como se deixou referido, independente da possibilidade do demandado deduzir oposição, que existindo, desencadeia o processo civil contraditório de direito comum a que alude o artigo 645.º do Código de Processo Civil Italiano.
Não sendo deduzida oposição, como sucedeu no caso presente, e independentemente da decisão ter ou não força executiva definitiva, releva in casu ter-lhe sido atribuída força executiva provisória.
Na verdade, o artigo 38.º, n.º 1 e 53,º do Regulamento não exige que seja atribuída força executiva definitiva, bastando-se com a atribuição de força executiva segundo os trâmites do Estado de origem, donde resulta que a atribuição de força executiva provisória não constitui um obstáculo ao reconhecimento da executoriedade da decisão em apreço.
Por conseguinte, em face dos documentos juntos aos autos, está demonstrada que a decisão italiana tem força executiva e que foi proferida com respeito pelo princípio do contraditório, não se verificando o pressuposto do n.º 2 do artigo 34.º do Regulamento que justificaria o não reconhecimento da executoriedade da decisão italiana.
Acresce, que os trâmites processuais descritos na lei italiana, também não são contrários à ordem pública portuguesa,[6] o que determinaria, por aplicação do n.º 1 do artigo 34.º do Regulamento, o não reconhecimento da decisão.[7]
Conforme se refere num acórdão da Relação de Coimbra[8] que decidiu caso muito semelhante ao presente, a concessão de executoriedade provisória a uma decisão, não é uma realidade que o ordenamento jurídico português não conheça, já que tal sucede na execução material das sentenças que deferem procedimentos cautelares sem prévio contraditório, bem como no processo executivo em que é dispensada a citação prévia do executado, podendo este opor-se à penhora só depois desta ser efectuada (artigos 812.º-B e 813.º, n.º 2 do nosso Código de Processo Civil).
Significa tal que este procedimento não viola a ordem pública portuguesa, entendida como um conjunto de princípios fundamentais subjacentes ao sistema jurídico e dos quais a comunidade não prescinde, como sejam os princípios da defesa e do contraditório, não representando, por isso, um resultado intolerável e inconciliável com as concepções jurídicas e os direitos estruturantes do nosso direito.
Finalmente, invoca a apelante que à injunção apenas poderia ser conferida força executiva se tivessem sido seguidos os trâmites do Regulamento (CE) n.º 1896/2006 do Parlamento Europeu e do Conselho de 12.12.2006, o que não aconteceu, tendo sido violados os seus artigos 16.º, 18.º e 21.º, n.º 2.
Este Regulamento criou um procedimento europeu de injunção de pagamento para a cobrança de créditos pecuniários líquidos exigíveis na data em que é apresentado o requerimento de injunção de pagamento europeu (cfr. artigo 4.º deste Regulamento).
Conforme se prescreve o n.º 2 do artigo 1.º, “O presente regulamento não obsta a que um requerente reclame um crédito na acepção do artigo 4.º através da instauração de outro procedimento previsto na legislação de um Estado-Membro ou no direito comunitário.”
Foi o que sucedeu no caso presente, uma vez que dos documentos juntos aos autos resulta que a recorrida socorreu-se da legislação interna do Estado-Membro, no caso, Itália, para, ao abrigo das normas acima mencionadas prescritas no Código de Processo Civil Italiano, desencadear um processo de natureza injuntiva através do qual obteve uma decisão com força executiva.
Assim, também neste aspecto falece razão à recorrente.
Improcede, consequentemente, a apelação, impondo-se a confirmação da sentença recorrida.
Dado o decaimento, a apelação suportará as custas devidas (artigo 446.º, n.º 1 e 2 do CPC).

Em síntese (artigo 713.º, n.º 7 do CPC):
Só não será reconhecida executoriedade a uma decisão proferida num Estado-Membro, nos casos previstos nos artigos 34.º e 35.º do Regulamento (CE) n.º 44/2001 do Conselho, de 22/12/200, relativo à competência judiciária, ao reconhecimento e à execução de decisões em matéria civil e comercial.
A atribuição de força executiva provisória a um decreto ingiuntivo previsto no direito italiano, não obsta à emissão da declaração de executoriedade, por os artigos 38.º, n.º 1 e 53.º do citado Regulamento apenas exigirem que a decisão tenha força executiva segundo o Direito do Estado de origem, não sendo necessário que a força executiva seja definitiva.

III- DECISÃO
Nos termos e pelas razões expostas, acordam em julgar improcedente a apelação, confirmando a decisão recorrida.
Custas pela apelante.

Porto, 12 de Setembro de 2011
Maria Adelaide de Jesus Domingos
Ana Paula Pereira Amorim
José Alfredo de Vasconcelos Soares de Oliveira
_______________
[1] Publicado no JO L 12 (44.º Ano), de 16.01.2001, pp1-23 e alterações subsequentes pelo Regulamento (CE) n.º 1496/2002 da Comissão de 21.08.2002, Regulamento (CE) n.º 1937/2004 da Comissão de 09.11.2004, Regulamento (CE) n.º 2245/2004 da Comissão de 27.12.2004, Regulamento (CE) n.º 1791/2006 do Conselho de 20.11.2006, Regulamento (CE) n.º 1103/2008 do Parlamento e do Conselho de 22.10.2008 e Regulamento (CE) n.º 280/2009 da Comissão de 06.04.2009.
[2] Substituindo a Convenção de Bruxelas de 1968.
[3] A requerente não apresentou a certidão a que alude o artigo 54.º do Regulamento, mas nada tendo sido ordenado pelo tribunal de 1.ª instância, tem de se entender que implicitamente dispensou essa junção, conforme permitido pelo artigo 55.º, n.º1, parte final do Regulamento. Porém, essa certidão veio a ser junta aos autos, já em sede de recurso, conforme resulta do despacho exarado a fls. 79 e documentos juntos a fls. 87 a 91 e 97 a 100.
[4] Conforme consta da decisão. Os preceitos em causa estão inseridos no Capítulo I, do Título I, do Livro IV daquele Código, nos artigos 633.º a 659.º, conforme se pode constatar da leitura do AC. RC, de 20.01.2009, proc. 545/07.1TBOBR.C1, em www.dgsi.pt. Consulte-se, ainda, o Ac. TJCE, C-474/93, de 13.07.1995, (Hengst Import Bv v Anna Maria Campese), onde estava em apreciação o regime jurídico do procedimento di ingiunzione.
[5] Não suscitando qualquer dúvida face do artigo 32.º do Regulamento, que o “decreto ingiuntivo” corresponde a uma “decisão” atenta a noção constante deste preceito: “…qualquer decisão proferida por um tribunal de um Estado-Membro independentemente da designação que lhe for dada, tal como acórdão, sentença, despacho judicial ou mandado de execução…”
[6] Sobre esta questão, vejam-se: Ac. STJ, de 22.09.2005, proc. 05B1782; Ac. RP, de 09.10.2008, proc. 0834898 e Ac. RL, de 15.01.2009, proc. 7639/2007-6, em www.dgsi.pt.
[7] Embora a recorrente nada invoque neste sentido, afigura-se-nos que se trate de matéria de conhecimento oficioso.
[8] Ac. RC, de 20.01.2009, proc. 545/07.1TBOBR.C1, em www.dgsi.pt.