Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
2000/14.4PIPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA DEOLINDA DIONÍSIO
Descritores: CRIME DE ROUBO
REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS
DELINQUENTE
MEDIDA TUTELAR
PENA DE PRISÃO
PENA CONCRETA
Nº do Documento: RP201806272000/14.4PIPRT.P1
Data do Acordão: 06/27/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 4ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 765, FLS.335-349)
Área Temática: .
Sumário: A “pena de prisão inferior a 2 anos” mencionada no artº 5º 1 do DL 401/82, refere-se à pena concretamente aplicada.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: RECURSO PENAL n.º 2000/14.4PIPRT.P1
Secção Criminal
Conferência

Relatora: Maria Deolinda Dionísio
Adjunto: Jorge Langweg

Acordam, em conferência, os Juízes do Tribunal da Relação do Porto:
I - RELATÓRIO
a) No âmbito do processo comum, com intervenção de Tribunal Colectivo, n.º 2000/14.4PIPRT, do Juízo Central Criminal do Porto-J4, da Comarca do Porto, por acórdão proferido a 22 de Março de 2018, foi cada um dos arguidos B… e C…, com os demais sinais dos autos, condenado, pela prática de um crime de roubo, previsto e punível pelo art. 210º, n.º 1, do Cód. Penal, na pena de 8 (oito) meses de prisão, cuja execução foi suspensa pelo período de 1 (um) ano, com sujeição a regime de prova.
b) Inconformado, o arguido B… interpôs recurso finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões: (transcrição)
1 - O presente recurso é limitado ao segmento do Acórdão atinente à pena que lhe foi aplicada.
2 - Conforme emerge do Acórdão prolatado nestes autos, o arguido B… foi condenado, pela prática, em coautoria material, de um crime de roubo, previsto e punível pelo artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 8 meses de prisão, que foi suspensa, na respetiva execução, pelo período de 1 ano, com sujeição a regime de prova.
3 - A discordância do arguido relativamente ao Acórdão proferido estriba-se na particularidade de se considerar, por um lado, que a pena aplicada não devia ser superior a 5 meses de prisão e, de outro lado, que essa pena devia ter sido substituída por uma medida tutelar ou de correção, prevista no DL n.º 401/82, de 23 de setembro, alusivo ao regime para jovens delinquentes.
MEDIDA DA PENA
4 - Perante a facticidade que o tribunal a quo deu como provada, entende-se que a decisão devia ter sido diferente.
5 - Ao crime de roubo, previsto e punível pelos artigos 14.º, n.º 1, 26.º, 73.º, n.º 1, alíneas a) e b), e 210.º, n.º 1, todos do Código Penal, com a atenuação especial resultante do estabelecido no artigo 4.º do DL n.º 401/82, de 23/09 - que foi aplicada corretamente pelo Tribunal -, cabe uma pena abstrata, cujos limites se situam entre 1 mês e 5 anos e 4 meses de prisão.
6 - No contorno da medida da pena que, em concreto, se adeque ao comportamento do arguido, deve atender-se à culpa do agente e às exigências de prevenção de futuros crimes, sendo certo que a culpa se conforma como limite inultrapassável das exigências de prevenção.
7 - Diante dos critérios positivados nos artigos 40.º, n.º 1, e 71.º do Código Penal, entende-se que o Tribunal, pelas razões subsecutivas, devia ter aplicado uma pena de prisão inferior:
- em primeiro lugar, apesar de o arguido ter agido com dolo direto, não se divisa respaldo algum para o qualificar de intenso: nesse envolvência, interessa sobressair, notadamente, que dos factos comprovados não desponta nenhum período de doença do ofendido nem qualquer período de afetação da capacidade geral e/ou profissional;
- de outro lado, a ilicitude, conforme foi ratificado pelo Tribunal, conforma-se mediana/baixa;
- incumbe ainda ponderar o reduzido valor dos bens subtraídos e o lapso de tempo, entretanto, transcorrido; e
- por fim, como circunstância que milita a favor do arguido, alinha-se, com valimento, a sua ausência de antecedentes criminais.
8 - Atentos os motivos expostos, considera-se mais equitativa a aplicação ao arguido da pena de 5 (cinco) meses de prisão pela prática, em coautoria material, do supradito crime de roubo.
9 - Conclui-se, assim, que o Tribunal a quo, não tendo decidido nos preditos termos, com a atenuação especial resultante do estabelecido no artigo 4.º do DL n.º 401/82, de 23/09, violou o estabelecido nos artigos 40.º, n.º 1, 71.º, n.º 1, e 210.º, n.º 1, todos do Código Penal.
SUBSTITUIÇÃO DA PENA
10 - É nesse segmento que se firma a superior discordância do arguido relativamente ao Acórdão prolatado, uma vez que se entende que a pena aplicada devia ter sido substituída por uma medida tutelar ou de correção, prevista no DL n.º 401/82, de 23 de setembro, alusivo ao regime para jovens delinquentes.
11 - Sendo certo que o arguido B…, à data da prática dos factos, contava 16 anos de idade, é aqui aplicável, na sua amplitude, o regime para jovens delinquentes.
12 - No âmbito do preâmbulo do sobredito diploma, assinala-se, no ponto 7, que as medidas propostas não afastam a aplicação - como ultima ratio - da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a 2 anos.
13 - Para além desta pena, deve o juiz dispor de um arsenal de medidas de correção, tratamento e prevenção que tornem possível uma luta eficaz contra a marginalidade criminosa juvenil.
14 - De outro lado, interessa aqui atentar no estabelecido nos artigos 1.º, n.ºs 1-2, e 5.º, n.º 1, do DL n.º 401/82, de 23 de setembro. Este último normativo preceitua o seguinte:
"Sempre que ao caso corresponda pena de prisão inferior a 2 anos pode o juiz, consideradas a personalidade e as circunstâncias do facto, aplicar ao jovem com menos de 18 anos, isolada ou cumulativamente, as medidas previstas no artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro.
15 - Por sua vez, o artigo 18.º, alínea c), do DL n.º 314/78, de 27 de outubro, sob a epígrafe enumeração das medidas tutelares, preceitua que "aos menores que se encontrem sujeitos à jurisdição dos tribunais de menores podem ser aplicadas, isolada ou cumulativamente, as seguintes medidas: c) Imposição de determinadas condutas ou deveres [...]"
16 - O regime consagrado no DL n.º 401/82, de 23/09, apresenta uma dupla perspetiva: de uma parte, procura evitar a pena de prisão, impondo, no artigo 4.º, a atenuação especial sempre que se verifiquem condições prognósticas favoráveis; de outra parte, estabelece, nos artigos 5.º e 6.º, um quadro próprio de medidas de correção.
17 - Convém ainda enfatizar que o regime do DL n.º 401/82, de 23/09, é o regime-regra de sancionamento aplicável a jovens e está assente no pressuposto de uma análise favorável do seu processo de ressocialização. Ora, o Tribunal, na sua apreciação, excogitou e aplicou, de facto, tal regime, pelo tocante ao artigo 4.º
18 - A aplicação dos artigos 5.º (direcionado para jovens com menos de 18 anos) e 6.º (relativo a jovens maiores de 18 anos e menores de 21 anos) do DL n.º 401/82, de 23 de setembro, assenta nos seguintes pressupostos: que o arguido, à data da prática dos factos, tenha uma idade inferior a 18 anos (artigo 5.º) ou tenha uma idade superior a 18 anos e inferior a 21 anos (artigo 6.º); que ao crime em pauta seja aplicada uma pena de prisão não superior a 2 anos, sendo claro que se trata aqui da pena concreta aplicada - e não da pena aplicável; e que a personalidade e as circunstâncias do facto aconselhem a aplicação das referidas medidas.
19 - Compete, então, obtemperar aqui as subsecutivas particularidades: a idade do arguido à data dos factos, que se fixava no limiar/bordo absoluto da imputabilidade, pois havia completado 16 anos um mês antes da prática dos factos; a pena que lhe deve ser aplicada concretamente; a personalidade atualmente evidenciada pelo arguido, que se retira do relatório social e que, no precípuo, se transverbera positiva; a imagem global dos factos e as circunstâncias envolventes, com reflexo mediano/baixo; a circunstância de o arguido se mostrar inserido familiar e socialmente, sendo ainda certo que, no contexto profissional, se colhe linearmente, do relatório social, que, desde os 17 anos, ele tem vindo a desenvolver atividades profissionais de forma regular; e o seu comportamento posterior aos factos, sucedendo que, nessa fração, nada cumpre registar em termos de atos ilícitos.
20 - Perante o concatenamento/encadeamento de tais particularismos, pode afirmar-se, com solidez, que, para satisfazer as necessidades de reprovação e de prevenção, geral e especial, do crime, é suficiente a imposição de determinadas condutas ou deveres ao arguido, nos termos prevenidos nos artigos 5.º, n.º 1, do DL n.º 401/82, de 23 de setembro, e 18.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de outubro.
21 - Uma condenação diversa da que ora se perfilha, constituiria um fator de estigmatização social do arguido, servindo apenas para acentuar o aspeto negativo da justiça penal, que se manifesta na condenação criminal de cidadãos comuns que, por um caso fortuito, se veem confrontados com a justiça penal.
22 - Mostra-se, assim, ajustada, ao caso sub examine, a imposição ao arguido de determinadas condutas ou deveres, que deverão ter em conta a dignidade e a reinserção social do jovem.
23 - À vista do exposto, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 5.º, n.º 1, do DL n.º 401/82, de 23 de setembro, e 18.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de outubro, deve substituir-se a referida pena de 5 meses de prisão pela medida de imposição de determinadas condutas ou deveres ao arguido.
24 - Conclui-se, assim, que o Tribunal a quo, não tendo decidido nos termos supraditos, violou o estabelecido nos artigos 5.º, n.º 1, do DL n.º 401/82, de 23 de setembro, e 18.º, alínea c), do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de outubro.
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c) Admitido o recurso, por despacho proferido a 3/5/2018, respondeu o Ministério Público, sufragando a sua improcedência e manutenção do decidido, rematando a motivação com as seguintes conclusões:
1 - Pelo acórdão proferido em 22 de Março de 2018 e que constitui fls. 278 a 294 dos autos acima referenciados foi decidido, para além do mais, condenar o ora recorrente B… “em co-autoria material, de um crime consumado de roubo, p. e p. pelo art. 210º, n.º 1, do Cód. Penal, (…) na pena de oito meses de prisão” suspensa na sua execução pelo período de um ano, com sujeição a regime de prova.
2 - Inconformado com a condenação veio aquele arguido recorrer – cfr. fls. 297 a 306 dos autos – restrito a medida da pena, pugnando pela aplicação de uma pena de 5 meses de prisão e substituída “pela medida de imposição de determinadas condutas ou deveres ao arguido”.
3 - Com relação à medida da pena, sempre com todo o respeito que nos merece a opinião contrária, perante uma moldura abstracta que se situa de 1 mês a 5 anos e 4 meses de prisão (dada pela aplicação do regime para jovens delinquentes), pugnar-se, como o recorrente o faz, por uma redução de 3 meses na sua medida quanto a aplicada se situa ainda no primeiro sexto da moldura em causa, sempre será de afirmar que não deve merecer provimento o pugnado, pois que a dimensão do pugnado se situa ainda no espaço de liberdade de conformação das penas concedido ao julgador no atender aos factores atinentes à medida da pena;
4 - Para além disso, verifica-se que os argumentos que o recorrente aduz não constituem novidade para os autos naquilo que constitui o conjunto de motivação expendida pelo tribunal no quadro da matéria de facto dada como provada é manifesto que na pena fixada pelo tribunal foram atendidos cada um dos factores e cada um na sua justa conta;
5 - Face aos factos dados como provados, a medida da pena aplicada ao ora recorrente, situada tão próximo do mínimo da moldura abstracta especialmente atenuada correspondente ao crime em causa (na aplicação da atenuação especial a que alude o artigo 4.º do D.L. n.º 401/82, de 26/9), faz uma justa e adequada ponderação das circunstâncias que, não fazendo parte do crime, depõem a favor e contra o agente, fazendo-se ali repercutir no seu adequado grau aquilo que o arguido refere na motivação.
6 - No que se refere à pugnada substituição da pena de prisão por determinadas condutas ou deveres, cumpre sublinhar que muito embora o recorrente continue às medidas elencadas no D.L. n.º 314/78, de 27/10, tal diploma foi expressamente revogado pela Lei n.º 141/2015 de 8/9 (cfr. artigo 6.º desta Lei), sendo que e no que envolve medidas tutelares já aquele artigo 18.º fora revogado nos termos do artigo 4.º n.º 1 da Lei n.º 166/99 de 14/8, que aprovou a Lei Tutelar Educativa, de tal sorte, que na nossa perspectiva, a referência que é feita no artigo 5.º do D.L. n.º 401/82, de 23/9 (que trata da aplicação subsidiária da legislação devida a menores) ter-se-ão que fazer com referência às medidas elencadas no artigo 4.º da LTE;
7 - Neste ponto, no nosso modo de ver as coisas, e até naquilo que constitui a falta de concretização por parte do recorrente sobre as concretas condutas ou deveres que deveriam ser impostos ao arguido em resultado da pugnada substituição, face ao decidido nos autos e o pugnado agora em sede recursiva, ressalta a evidência que a decretada suspensão com regime de prova vem precisamente dirigida ao efeito pretendido pelo recorrente;
8 - Muito embora o tribunal na decretada suspensão não tenha feito apelo ao preceito invocado pelo ora recorrente (artigo 5.º do D.L. n.º 401/82, de 23/9) – cfr. fls. 292/3 dos autos, ao determinar a substituição da decretada pena de prisão por pena não privativa da liberdade e ao condicionar a decretada suspensão a regime de prova, e assentando este “num plano de reinserção social, executado com vigilância e apoio, durante o tempo da decretada suspensão, dos serviços da reinserção social” (cfr. n.º 2 do artigo 50.º do Código Penal) e que necessariamente passará pelo conhecimento e concordância do visado (cfr. artigo 494.º, n.º 3 do Código de Processo Penal), vem ao encontro daquilo que no essencial é o pugnado pelo recorrente;
9 - Aceitando-se sem rebuços que deve ser fixada uma pena não detentiva da liberdade, face aos factos dados como provados, as elevadíssimas razões de prevenção geral no que envolve a prática de um crime de roubo nas circunstâncias que a matéria de facto apresenta, balizado naquilo que é o conjunto de factos em apreciação e a personalidade manifestada pelo arguido no cometimento do crime em causa, é nosso entendimento que bem andou o tribunal ao decidir pela suspensão da execução da pena de prisão;
10 - Com efeito, na indiferença e desvalor pelo bem jurídico tutelado manifestado pelo arguido, sem qualquer atitude confessória ou de arrependimento, e a despeito da sua jovem idade, nenhuma outra decisão que não a decretada suspensão e sujeito a um regime de prova pelo período mínimo faz jus às necessidades de punição que o caso requer e realiza de forma adequada e suficiente as finalidades de punição no acompanhamento efectivo por parte da DGRSP irá permitir a “reeducação do jovem para o direito”, ligado ao cumprimento de regras de conduta e deveres e com isso almejar um devir para o recorrente segundo o dever-ser jurídico penal;
11 - O douto acórdão não violou qualquer preceito legal e nele se decidiu conforme a lei e o direito.
d) Neste Tribunal da Relação, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu o parecer previsto no art. 416º, n.º 1, do Cód. Proc. Penal, acompanhando a aludida resposta e pronunciando-se, por isso, pela improcedência do recurso.
e) Cumprido o disposto no art. 417º n.º 2, do Cód. Proc. Penal, não houve resposta.
f) Realizado exame preliminar e colhidos os vistos legais, vieram os autos à conferência que decorreu com observância do formalismo legal, nada obstando à decisão.
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II- FUNDAMENTAÇÃO
1. Consoante decorre do disposto no art. 412º n.º 1, do Código de Processo Penal, e é jurisprudência pacífica [cf., entre outros, Acórdãos do STJ de 20/12/2006, Processo n.º 06P3661, in dgsi.pt, e de 3/2/1999 e 25/6/1998, in B.M.J. 484 e 478, págs. 271 e 242, respectivamente], as conclusões do recurso delimitam o respectivo objecto e âmbito do seu conhecimento, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso.
Assim, no presente caso, as questões suscitadas são as seguintes:
Redução da medida da pena
Substituição da pena por medida tutelar de correcção
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2. A fundamentação de facto da decisão recorrida, no que ao caso interessa, é a seguinte: (transcrição acrescida de numeração)
A) Factos Provados
1.No dia 27 de Novembro de 2014, por volta das 15h30, na Rua …, no Porto, os arguidos, que se encontravam acompanhados do menor D…, acordaram entre si assaltar o ofendido E…, que se encontrava a circular apeado sozinho, na artéria acima mencionada, com o intuito de se apoderarem de quantias em dinheiro que estivessem na posse do ofendido, mediante o uso de ameaças, ou de violência se necessário fosse.
2. Para tal efeito, os arguidos dirigiram-se ao ofendido e perguntaram-lhe as horas, fazendo com que o mesmo parasse.
3. De imediato, um dos arguidos agarrou o ofendido pelo braço e usando da força, atirou o mesmo para o chão.
4. Já com o ofendido no chão, os arguidos, juntamente com o menor acima indicado, continuaram a agredir o mesmo com murros e pontapés, por todo o corpo, incluindo a cabeça.
5. Já sem o ofendido ser capaz de oferecer resistência, em função do comportamento dos arguidos, estes retiraram-lhe a carteira que tinha no seu interior 15 euros, o cartão de cidadão, um cartão de débito, uma cartão da Faculdade e um cartão da F….
6. Perante tal conduta dos arguidos, o ofendido E… ficou incapaz de lhes opor resistência, razão pela qual deixou que levassem a referida carteira.
7. Na posse da referida carteira, os arguidos abandonaram o local, levando-a consigo.
8. As quantias monetárias referidas foram pelos arguidos repartidas entre si e pelos mesmos gastas em seu próprio proveito.
9. Os arguidos agiram da forma descrita, em conjugação de esforços e intentos, como meio para a plena concretização do seu desígnio apropriativo, com o objectivo de agredirem o ofendido e, assim, levá-lo a abrir mão do referido bem.
10. Assim agindo, sabiam os arguidos que causavam lesões ao ofendido, mais sabendo que se apropriavam de valores monetários que não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade do seu legítimo dono.
11. Os arguidos agiram de modo livre, consciente e voluntário, bem sabendo da censurabilidade e punibilidade das suas condutas.
12. Com base no/s relatório/s social/is elaborados em 25.08.2017 e ……, acerca da história de vida e da/s condição/ões pessoais do/s arguido/s consta dos mesmos o seguinte teor, o qual, não tendo sido impugnado se dá por provado:
«(…)
No que toca ao arguido B…
“(…) B… é o mais novo de cinco irmãos, separando-o do último destes cerca de 10 anos.
O agregado original era caracterizado por um registo predominantemente disfuncional, derivado dos hábitos alcoólicos do progenitor e da violência doméstica que exercia sobre a mulher, pelo que o casal se divorciou quando o arguido contava 3 anos de idade. B…, alheio à problemática familiar presente aquando da sua primeira infância, confessa ter idolatrado o pai até aos seus 10 anos de idade, momento em que os contactos começaram a espaçar-se, eventualmente na sequência da sintomatologia do foro vascular (sofreu três acidentes vasculares cerebrais) entretanto diagnosticada àquela figura.
Por seu turno, a postura de sua mãe durante a menoridade dos descendentes terá sido maioritariamente negligente, praticando um estilo de supervisão educativa preponderantemente permissiva, remissa no tocante a imposição de regras e/ou rotinas estruturadas e determinando a intervenção da Comissão de Proteção de Crianças e Jovens (CPCJ) num estágio ainda precoce do desenvolvimento do arguido.
Completou o 9º ano, num percurso marcado pelo absentismo e indisciplina, aparentemente sem qualquer motivação face aos conteúdos e ao espaço letivos; as autoridades escolares sinalizaram, na altura, o envolvimento de B… em comportamentos menos normativos e mesmo desviantes, num quadro de funcionamento disruptivo que, aliado às limitações do contexto familiar, levou ao seu internamento no Colégio G… e à intervenção da justiça tutelar educativa.
Entrou no mundo laboral aos 17 anos, sempre em atividades sem caráter específico ou regular, inicialmente encaminhado pelo padrasto – na área de materiais de construção civil e como porteiro no Hospital H…, no Porto – e, de seguida, em Inglaterra (desde Julho 2017), recorrendo ao apoio de um primo, encarregado de uma empresa de lavagem de vidros naquele país. No entanto, alegadamente dececionado pelo seu desempenho, o primo despediu-o, pelo que o arguido trabalhou depois como cortador de carne, num estabelecimento de restauração e, mais uma vez, na construção civil.
Menciona ligação sentimental descrita como significativa (durante cerca de um ano), mas terminada aquando da partida para Inglaterra, já que a namorada não perfilhou a sua intenção de sair para o estrangeiro.
Regressou a Portugal há cerca de três meses.
…À data dos alegados factos, B… vivia com a mãe e o padrasto, mas em …, Gondomar, num registo de quotidiano preponderantemente desestruturado e ocioso, conforme acima apontado.
Atualmente, o arguido reside, ainda, com a progenitora e seu companheiro, agora numa zona tranquila e maioritariamente residencial da freguesia de …, em Matosinhos, em apartamento de tipologia 2, arrendado (€450 mensais de renda), com as condições de habitabilidade que julgam necessárias.
A situação económica do agregado é relativamente suficiente: a mãe, assistente operacional num lar de idosos, no Porto, aufere o salário mínimo nacional, enquanto o padrasto – segurança na firma 2045 – recebe cerca de €800 mensais. Os contornos relacionais patentes no agregado afiguram-se afetuosos e solidários, já afastado o clima fundamentalmente tenso e reativo que vigorava entre o arguido e seu padrasto, mercê, essencialmente, segundo referido, do comportamento menos ajustado adotado, então, por B….
Laboralmente inativo desde que voltou ao país, o arguido dedica-se, alegadamente, a jogos de computador e a assistir a programas televisivos, principalmente filmes e séries várias, desde acção a ficção científica; pratica caminhadas sempre que possível. Também apoiará a mãe em pequenas tarefas domésticas e no transporte dos produtos adquiridos em grandes superfícies comerciais.
Perspetiva retornar a Inglaterra no fim deste ano ou inícios do próximo, uma vez que, de acordo com o que afirma, dispõe ali de alojamento e julga, igualmente, poder criar contactos que venham a ser-lhe úteis a nível laboral. Entretanto, o padrasto informou-nos que, em princípio, B… poderia vir a frequentar formação na firma I…, obtendo, dessa forma, habilitações na área da mecânica automóvel e também equivalência ao 12º ano de escolaridade, mostrou-se convicto de uma evolução positiva na postura do enteado, considerando que este revela, presentemente, maior empenho em progredir e estabilizar o seu contexto profissional.
Nada foi possível apurar, relativamente a este núcleo familiar, junto da rede vicinal, sendo certo que o agregado habita na zona há apenas alguns meses, não mantendo, para já, ligação próxima com os moradores locais. (…)».
13. Resulta do teor dos certificados de registo criminal que ambos os arguidos são primários (cfr. referências 4280448 e 4280444).
*
B) Motivação
A convicção do Tribunal quanto aos factos que deu como provados baseou-se na análise crítica e valoração conjunta de toda a prova produzida em sede de audiência de julgamento, a saber:
Documental: a constante dos autos, nomeadamente:
- relatórios sociais
- certificados do registo criminal
- auto de fls.3 e docs. de fls.26.
Testemunhal:
A vítima E… confirmou as circunstâncias de tempo e lugar acima descritos assim como quais os valores e bens de que se viu desapossado. Contudo, quando em data ulterior, já em fase de inquérito, foi tentado o reconhecimento presencial o ora ofendido não conseguiu identificar os seus assaltantes. Note-se contudo que o mesmo os descreveu como sendo jovens.
A testemunha J…, a qual presenciou a abordagem do ofendido pelos arguidos da janela da faculdade de economia onde se encontrava, nomeadamente as agressões, refere que o ofendido é agredido com pontapés, murros e cai ao chão onde novamente é agredido sendo a sua cabeça repetidamente batida contra o chão. Pese embora esta testemunha tenha acorrido de imediato ao local já aí não encontrou os arguidos. Contudo foi possível identificá-los pois que esta mesma testemunha volta a avistá-los no dia seguinte, no mesmo local e com o mesmo “modus operandi” tendo agora por alvo uma estudante. Esta última apenas não foi assaltada porque a testemunha, a qual com um megafone da associação de estudantes, a avisou e assustou os arguidos. E sublinha esta testemunha que nesta segunda ocorrência identificou os arguidos como sendo os assaltantes do dia anterior, nomeadamente pelas suas compleições físicas mas também porque reparou que usavam um mesmo casaco branco e fora do vulgar, reparando ainda que o assaltante que o envergava da primeira vez (mais alto e mais claro) não era o assaltante que envergava na segunda ocorrência (o moreno e mais baixo), sendo certo que os identificou na altura como sendo os mesmos três indivíduos nas duas datas. Nessa segunda ocorrência foi quando chamou a polícia a qual os conseguiu interceptar. Sublinha-se que esta testemunha, quando abordada pelos policiais nunca teve dúvidas quanto á identificação dos arguidos como sendo os mesmos assaltantes nas duas ocorrências acima citadas.
Sublinhe-se que a clareza, objectividade com que esta testemunha relatou os factos por si observados criou a convicção deste colectivo no sentido de que os arguidos eram efectivamente os mesmos indivíduos que intervieram nas duas datas referidas pela mesma, nomeadamente os agentes.
O agente policial K…, Chefe da P.S.P. a prestar serviço no Comando Metropolitano do Porto – Esquadra …, confirmou o teor do auto de notícia e detenção e respectivos aditamentos, e narrou o modo como a testemunha J… o chamou ao local assim como o facto da mesma estar, à data dos factos, plenamente convicta de que os arguidos eram os indivíduos que tinham assaltado o ofendido no dia anterior. Segundo este agente, após a detenção dos arguidos estes indicaram-lhe o local para onde teriam atirado a carteira do ofendido supra identificado, mas a qual não foi já possível recuperar. Ora, caso não tivessem sido os arguidos os autores do ilícito ora em apreço, nunca os mesmos poderiam ter indicado ao agente policial a localização da referida carteira. Razão pela qual, e em conjugação com a credibilidade que nos merece a testemunha J…, também este tribunal não tem dúvidas em imputar a estes arguidos a prática dos factos constantes do libelo acusatório.
Relevante ainda ao teor dos relatórios sociais elaborados e juntos aos autos tal como acima indicado.
Para aferir dos antecedentes criminais foi fulcral o teor dos certificados de registo criminal de fls. 312 e ss. e fls. 329.
Da prova acima enumerada e conjugada entre si conclui-se que os factos foram praticados pelos arguidos e pela forma descrita na acusação.
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3. Por seu turno, da apreciação jurídica interessa ponderar o seguinte: (transcrição)
“ (…)
Cumpre agora, por referência à moldura legal abstrata prevista na lei para o crime consumado - pena de prisão de 1 a 8 anos, - p. e p. pelo artigo 210º, n.º 1, do Cód. Penal, de acordo com os critérios dos arts. 40º e 71º do Cód. Penal, aferir das penas concretas a aplicar “in casu”.
A medida concreta da pena apura-se “(…) em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, atendendo “a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele” (art.º71 do C.Penal).
Certo é que a gravidade da ilicitude dos factos revela-se média/baixa atento os meios utilizados (murros e pontapés) e o modo de execução (em pleno dia/15:30h), a ausência de lesões visíveis ou graves na pessoa do ofendido e o valor pouco significativo de dinheiro (€.15,00) e cartões de identificação de que os arguidos se apropriaram, o qual, no entanto, não recuperado. Cumpre ainda assim que confirmar o grau intenso da culpa pois o dolo é direto.
As necessidades de prevenção geral reclamam rigor punitivo, dada a frequência com que são cometidos crimes desta natureza e o alarme social que acarretam na comunidade, sendo a zona universitária em causa uma zona de risco atento o número de incidentes idênticos que têm vindo a lume como ocorrendo nessa zona e tendo por vítimas estudantes universitários. Urge pois repor o sentimento de segurança e confiança da população universitária e suas famílias na capacidade do estado para as proteger o que demanda eficácia na punição dos agentes criminosos. Por outro lado há que atender à circunstância dos factos terem ocorrido já há mais de quase 4 anos (27.11.2014) o que acarreta uma diminuição das exigências de prevenção geral traduzidas no sentimento comunitário de reclamação de justiça que se vai esbatendo mercê da passagem do tempo.
Por seu turno, as exigências de prevenção especial positiva ou de ressocialização dos arguidos são baixas, pois, sendo os arguidos primários, também têm tido actividade laboral e beneficiam de uma adequada dinâmica familiar, o que resulta do teor dos relatórios sociais.
Cumpre ponderar ainda as condições sociais e pessoais concretas de vida dos arguidos, as quais muito modestas, com poucas ou reduzidas habilitações literárias, designadamente as existentes à data dos factos, bem assim como as suas condições de vida atuais e que estão plasmadas no/s relatório/s social/is supra mencionado/s.
- Da aplicação do Regime Penal Especial para Jovens plasmado no D.L. n.º 401/82, de 23.09 –
À data da prática dos factos, os arguidos B… e C…, os quais nascidos respectivamente, em 26.10.1998 e 26.06.1996, tinham idade inferior a 21 anos de idade (16 e 18 anos de idade respectivamente), pelo que impõe-se ponderar a aplicação do regime penal especial para jovens com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, consagrado no D.L. n.º 401/82, de 23.09 (artigo 1.º).
O instituto da atenuação especial da pena (de prisão) preconizada por este diploma consagra a ideia de que “o jovem imputável é merecedor de um tratamento penal especializado”, pois que a “capacidade de ressocialização do homem é pressuposto necessário, sobretudo quando este se encontra ainda no limiar da sua maturidade” (cfr. ponto 2. do preâmbulo do referido diploma).
Ora, no caso concreto, considera-se que os arguidos, os quais sem antecedentes criminais e com uma única conduta localizada no tempo, ainda reúnem condições para reconduzir as suas vidas às normas que regem a vida em sociedade.
Assim, conclui-se que da atenuação especial da pena resultarão vantagens para a reinserção destes jovens arguidos, devendo pois atender-se ao disposto no art.º4 do diploma ora em análise, segundo o qual –
Artigo 4.º
(Da atenuação especial relativa a jovens)
Se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado.
Em correspondência, irá proceder-se à atenuação especial da pena de prisão aplicável, nos termos dos artigos 72.º, n.º 1, e 73.º do Código Penal, de acordo com o disposto no artigo 4.º do D.L. n.º 401/82, de 23.09.
Artigo 73.º
Termos da atenuação especial
1 - Sempre que houver lugar à atenuação especial da pena, observa-se o seguinte relativamente aos limites da pena aplicável:
a) O limite máximo da pena de prisão é reduzido de um terço;
b) O limite mínimo da pena de prisão é reduzido a um quinto se for igual ou superior a 3 anos e ao mínimo legal se for inferior;
c) O limite máximo da pena de multa é reduzido de um terço e o limite mínimo reduzido ao mínimo legal;
d) Se o limite máximo da pena de prisão não for superior a 3 anos pode a mesma ser substituída por multa, dentro dos limites gerais.
2 - A pena especialmente atenuada que tiver sido em concreto fixada é passível de substituição, nos termos gerais.
Conjugando as regras da atenuação especial, consagradas no artigo 73.º, n.º 1, als. a) e b), do Código Penal, a pena abstracta especialmente atenuada aplicável fixa-se entre 1 mês de prisão a 5 anos e 3 meses de prisão.
Face a tudo o acima exposto, considera-se proporcional à culpa de cada um dos arguidos, e necessária para assegurar a sua ressocialização, respectivamente, sem que fique em jogo a resposta eficaz exigida pelas necessidades de prevenção geral com a validação da confiança comunitária no regime normativo em vigor, cominar-lhe as seguintes penas:
- ao arguido B… a pena de oito meses de prisão;
(…)”.
*
4. Apreciando do mérito
4.1 Da dosimetria da pena
É ponto assente e incontestado que o arguido B… foi condenado pela prática de um crime de roubo, previsto e punível pelo art. 210º, n.º 1, do Cód. Penal, beneficiando da atenuação especial prevista no art. 4º, do Dec. Lei n.º 401/82, de 23/9, fixando-se, pois, os limites da pena abstracta no mínimo de 1 mês e no máximo de 5 anos e 4 (e não 3 como, por lapso, refere a decisão recorrida) meses, de harmonia com a previsão do art. 73º, n.º 1, als. a) e b), parte final, e 41º, n.º 1, todos do Código Penal.
O tribunal a quo, ponderando as circunstâncias do caso e os critérios previstos no art. 71º, n.ºs 1 e 2, do mesmo diploma legal, graduou a pena concreta em 8 meses de prisão, pretendendo o recorrente vê-la reduzida, para 5 meses de prisão, com os seguintes argumentos:
i) Não vislumbra a razão para a qualificação do dolo como intenso, até porque o ofendido não teve período de doença ou período de afectação da capacidade geral e profissional;
ii) A ilicitude é mediana/baixa, tal como a classificou o tribunal a quo;
iii) O valor dos bens subtraídos é reduzido, já decorreu lapso temporal apreciável e não tinha antecedentes criminais.
Salvo o devido respeito, não se vislumbra o alcance da censura já que o dolo é intenso porque reveste a modalidade de dolo directo, ou seja o arguido quis e conseguiu obter bens alheios contra a vontade do dono respectivo e por meio de violência física perpetrada contra o corpo do mesmo (art. 14º, n.º 1 e 210, n.º 1, do Cód. Penal), não sendo as consequências do facto que determinam a modalidade do dolo mas antes a intencionalidade.
Depois, impõe-se efectuar precisão no tocante à gravidade da violência exercida sobre a vítima, pois que tanto o recorrente como o tribunal a quo referem, respectivamente, não ter existido doença ou incapacidade geral ou para o trabalho e a ausência de lesões visíveis ou graves na pessoa do ofendido, extrapolando, largamente, os contornos da factualidade apurada.
Com efeito, o que resulta da enumeração fáctica é que as consequências da agressão não foram alegadas na acusação e, assim, não ficaram provadas ou não provadas, nada resultando a tal propósito da fundamentação de facto que não fosse a existência de agressão a murro e pontapés, perpetrada por três indivíduos, com a vítima no chão, determinante da incapacidade desta oferecer resistência.
Neste conspecto, tal argumento é irrelevante para a determinação da medida da pena já que a única conclusão que a factualidade elencada admite é a de que ficaram por apurar as consequências da descrita agressão física.
Acresce ainda que o grau de ilicitude poderá, com alguma benevolência, ser considerado mediano, mas já não mediano/baixo como sufraga a decisão recorrida, pois que o que importa destacar nos meios utilizados e modus operandi não é a existência de murros e pontapés desferidos em pleno dia mas antes a circunstância dessa agressão ser realizada por três indivíduos do sexo masculino – os 2 arguidos e o menor que os acompanhava -, continuando com a vítima no chão e visando todo o corpo desta, cabeça incluída.
Depois a ausência de antecedentes criminais é aqui o reflexo puro e simples da conduta criminosa ter sido concretizada praticamente no limiar da imputabilidade penal, pois que, como, aliás, reconhece e invoca o recorrente, tinha completado os 16 anos cerca de um mês antes (26 de Outubro).
Resta, por consequência, o lapso temporal decorrido sem notícia de outras condutas desviantes e o reduzido valor dos bens apropriados, bem como a evolução positiva da postura do arguido referenciada no relatório social, cujo teor foi considerado no ponto 12 dos factos provados, tudo devidamente ponderado na decisão recorrida, tendo os julgadores graduado a pena concreta no patamar inferior que a infracção admitia, atribuindo até relevo superior ao merecido às atenuantes que, realmente, beneficiam o arguido.
Neste conspecto e face à análise e ponderação exaustiva de todas as circunstâncias concretas apuradas e bem assim dos parâmetros legais que regem em sede de determinação da medida da pena, resta concluir que temos por integralmente observados, na dosimetria dessa pena, os critérios consagrados no art. 71º, n.º 2, do Cód. Penal, não tendo sido, fundadamente, invocado - nem se vislumbrando - nessa matéria erro ou desproporção patente que possibilite sindicar o quantum exacto da pena, que o tribunal a quo, assim, justificada e legitimamente, considerou equilibrado[1], pois que o dolo, a ilicitude e a culpa, bem como as exigências de prevenção não são, ao contrário da conclusão do recorrente, diminutos ou sequer pouco relevantes e a sua jovem idade já foi ponderada para efeitos de aplicação da atenuação especial da pena, no âmbito da previsão do regime aplicável aos jovens delinquentes (Dec. Lei n.º 401/82, de 23/9).
*
4.2 Da aplicação de medidas de correcção
Consoante evola da síntese recursória, sufraga o recorrente que, sendo menor de 16 anos à data dos factos, devia o tribunal a quo ter optado pela aplicação de uma medida de correcção, mais concretamente a imposição de determinadas condutas ou deveres, de harmonia com a previsão dos arts. 5º, do aludido Dec. Lei n.º 401/82, e 18º, al. c), do Dec. Lei n.º 314/78, porquanto está em causa pena de prisão inferior a 2 anos, tendo ocorrido evolução positiva da sua personalidade, a imagem global dos factos e as circunstâncias envolventes têm reflexo mediano/baixo, está familiar e socialmente inserido, tem vindo a desenvolver actividades profissionais com regularidade e o seu comportamento posterior aos factos nada regista em termos de actos ilícitos.
É inquestionável que o arguido B…, à data dos factos, tinha 16 anos de idade, tanto assim que beneficiou da atenuação especial da pena de prisão prevista no art. 4º, do Dec. Lei n.º 401/82, diploma que implementou o imperativo consagrado no art. 9º, do Cód. Penal, relativamente à criação/instituição de um regime penal relativo a jovens delinquentes com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos.
Traduzindo uma das opções essenciais de política criminal, tem as suas linhas programáticas justificadas «na necessidade de encontrar as respostas e reacções que melhor parecem adequar-se à prática por jovens adultos de factos qualificados pela lei como crime. O direito penal dos jovens adultos surge, assim, como categoria própria, envolvendo um ciclo de vida, correspondendo a uma fase de latência social que faz da criminalidade um fenómeno efémero e transitório», e pelo reconhecimento de que na sociedade actual «o acesso à idade adulta não se processa como antigamente, através de ritos de passagem, como eram o fim da escolaridade, o serviço militar ou o casamento que representavam um "virar de página" na biografia individual. O que ocorre, hoje, é uma fase de autonomia crescente face ao meio parental e de dependência crescente face à sociedade que faz dos jovens adultos uma categoria social heterogénea, alicerçada em variáveis tão diversas como são o facto de o jovem ter ou não autonomia financeira, possuir ou não uma profissão, residir em casa dos pais ou ter casa própria»[2].
Este regime de favor, conforme consta da parte preambular do respectivo diploma legal, tem em vista a instituição de um direito mais reeducador do que sancionador, mas sem esquecer que a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, pelo que as medidas aí propostas devem ceder quando tal se mostre necessário para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade.
E, é hoje consensual o entendimento de que a aplicação deste específico regime penal relativo a jovens delinquentes prevalece, verificando-se os respectivos pressupostos, sobre o regime geral contemplado no Código Penal. Daí que, a sua aplicação não constitua uma faculdade mas antes um poder-dever vinculado do juiz que, por isso mesmo, deve ponderar e apreciar a existência dos necessários requisitos, sob pena de ocorrer nulidade da sentença, por omissão de pronúncia, de harmonia com a previsão do art. 379º, n.º 1, al. c), do Cód. Proc. Penal.
In casu, o tribunal a quo, ciente da jovem idade do recorrente, não deixou de ponderar - e até aplicar - o regime em causa mas não se pronunciou sobre a aplicação de medidas de correcção ao invés da pena de prisão.
Cremos, porém, que não ocorreu qualquer omissão de pronúncia pelas razões que a seguir explanamos.
Sob a epígrafe “Aplicação subsidiária da legislação relativa a menores”, dispõe o art. 5.º, n.º 1, do Dec. Lei n.º 401/82, que “sempre que ao caso corresponda pena de prisão inferior a 2 anos pode o juiz, consideradas a personalidade e as circunstâncias do facto, aplicar ao jovem com menos de 18 anos, isolada ou cumulativamente, as medidas previstas no artigo 18.º do Decreto-Lei n.º 314/78, de 27 de Outubro”.
Este normativo da, então, denominada Organização Tutelar de Menores, foi revogado pelo art. 4º, n.º 1, da Lei n.º 166/99, de 14/8, que aprovou a Lei Tutelar Educativa (LTE), publicada em anexo, pelo que a remissão do art. 5º, do Dec. Lei n.º 401/82, deve entender-se como sendo feita para o art. 4º, n.º 1, da citada LTE[3], cujo teor é o seguinte:
“São medidas tutelares:
a) A admoestação;
b) A privação do direito de conduzir ciclomotores ou de obter permissão para conduzir ciclomotores;
c) A reparação ao ofendido;
d) A realização de prestações económicas ou de tarefas a favor da comunidade;
e) A imposição de regras de conduta;
f) A imposição de obrigações;
g) A frequência de programas formativos;
h) O acompanhamento educativo;
i) O internamento em centro educativo.”.
E assim sendo, a pretensão do recorrente tem que ser entendida como reportada às medidas previstas nas alíneas e) e f), do n.º 1, deste normativo legal.
Por outro lado, a referência a “pena de prisão inferior a 2 anos”, constante do supra aludido art. 5º, suscita divergências interpretativas quanto ao facto de saber se o legislador quis referir-se à moldura legal abstracta da infracção cometida pelo jovem delinquente ou antes à pena que concretamente lhe foi aplicada.
A jurisprudência a tal propósito é escassa e, no Decreto-Lei n.º 401/82, acessível na base de dados (página de legislação) da Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa, está mesmo anotado um único acórdão que propugna estar em causa a medida abstracta da pena[4], pelo que, nessa perspectiva, a questão das medidas de correcção não se colocaria no caso, razão que motiva a conclusão de que não pode assacar-se à decisão recorrida a nulidade por omissão de pronúncia, sem prejuízo de se anotar que o tribunal a quo, cautelarmente, podia ter expressado a sua posição na matéria para obviar a qualquer dúvida a tal propósito.
É que, em sentido contrário, podem ver-se os Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 18/5/2010, Proc. n.º 115/09.0SWLSB.L1-5, e desta Relação do Porto, de 11/1/2017, Proc. n.º 126/15.6PPPRT.P1, em que a ora relatora interveio como adjunta[5] e onde se exarou, além do mais, o seguinte: (transcrição)
“Começando pelo texto legal, como se impõe (cfr. artigo 9º do Código Civil), cremos linear que no artigo 4º do Dec. Lei n.º 401/82, de 23/09 está inequivocamente em causa a pena abstratamente aplicável, já que é esse o sentido inequívoco da expressão “Se for aplicável”, em contraposição com o termo “aplicada”, este sim, a referir-se à pena concreta, indubitavelmente.
Só que no presente caso, o legislador não utilizou uma tal dicotomia linguística, que, quanto a nós, nos arredaria de uma qualquer dúvida interpretativa.
Na verdade, no n.º 1 do artigo 5º do mesmo diploma prevê-se que “Sempre que ao caso corresponda pena de prisão inferior a 2 anos…”, podem ser aplicadas as medidas ali referidas.
Cremos que a letra da lei inculca já a ideia de que estará aqui em causa a pena concretamente aplicada, pois que a pena correspondente a um caso terá de ser tendencialmente uma pena em concreto[6].
Já teríamos algumas dúvidas que assim fosse se o legislador tivesse utilizado a expressão “Sempre que ao caso corresponder pena de prisão inferior a 2 anos”, pois que esta forma verbal já seria algo compaginável com a ideia de pena abstrata.
Mas, e para além disso, no ponto 7 do preâmbulo do citado diploma o próprio legislador anota que “As medidas propostas não afastam a aplicação – como última ratio – da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a 2 anos”.
Ora, da conjugação do que se mostra plasmado no artigo 4º, por um lado, e nos artigos 5º e 6º, por outro, todos os preceitos do diploma que aqui nos juntou no seio desta discussão, no seu cotejo com as prementes preocupações que o mesmo legislador fez constar dos demais pontos contidos no preâmbulo de diploma aqui em apreço, v.g, a ideia de que a regra (princípio geral imanente em todo o texto legal, como ali se diz) deverá ser a aplicação de uma medida corretiva, a vontade de instituir um direito mais reeducador do que sancionador, sem esquecer as preocupações decorrentes da reinserção social, e ainda a fuga à aplicação das penas, em prol da flexibilidade atribuída ao julgador para que este aplique medidas corretivas, ou seja, pretendendo consagrar um tratamento diferenciado que permita uma adequada individualização das reações da sociedade, conforme ali se refere expressamente, deverá concluir-se, em consonância, que a pena abstratamente aplicável nunca teve um limite que, à partida, afastasse a aplicação de um tal regime especial, caso contrário, o próprio artigo 4º do citado diploma, o mais abrangente e/ou o regime regra, como seria natural, deveria prever uma tal restrição, ou seja, consignar que a atenuação ali prevista só teria lugar se fosse aplicável pena não superior a dois anos de prisão, o que, é pacífico, não sucede, pois que ali se prevê apenas a possibilidade de a atenuação poder ser aplicada desde que seja aplicável uma pena de prisão, pelo que não se compreenderia que, depois, e já a jusante, se criasse um qualquer limite em função das penas abstratamente aplicáveis, pois que de todo incompreensível, além de que, nessa estatuída e prévia senda dogmática, seria aqui perfeitamente inconciliável, ou, quando menos, nada coerente.
Por outro lado, da “ratio” de um tal regime globalmente consagrado em tal diploma especial decorre que a “proteção” dos jovens delinquentes não poderia ser assumida a todo o custo, impondo-se, por isso, criar um “travão”, objetivo, o tal limite da pena concreta não ser superior a dois anos de prisão, precisamente porque não poderia esquecer-se que, apesar da estatuída necessidade de proteger “o limiar da maturidade”, como se refere em tal diploma, como uma das tónicas a preservar, também não poderiam esquecer-se as associadas necessidades de preservar uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade ali igualmente relembradas, como contrabalanço de um desejável equilíbrio daquilo que aqui interessa conjugada e globalmente salvaguardar ou proteger.
De tudo isto resulta, o que para nós é linear, que o legislador quis, indubitavelmente, que a imaturidade que a juventude objetivamente exterioriza, nos casos em que tal, fundadamente, se justifica, nos moldes previstos no aludido diploma, exigia que se criasse um “coletivo” quadro de penalização mais suavizado, o decorrente da atenuação especial consignada no artigo 4º do diploma aqui presente, e daí que ali não se preveja nenhum limite de aplicação em função da moldura abstratamente prevista, o que significa que se aplica a todos os crimes, mas, e para “fugir” ao estigma que a aplicação das “tradicionais” penas mais severas sempre implica, e, simultaneamente, procurar uma desejável reinserção social dos jovens delinquentes, que tal o justificasse, sem colidir com a defesa dos interesses fundamentais da comunidade, criou o acima denominado “travão” de dois anos de prisão concretamente aplicados, pois que a aplicação de uma pena superior a dois anos de prisão, já algo severa, traduziria a necessidade de, por um lado, “castigar” as condutas já mais gravosas e, por outro lado, defender os próprios valores que a sociedade pretende ver protegidos.
No fundo, preservar a ideia de que a imaturidade, embora compreensível, e tendencialmente ajustável, nem tudo justifica.”.
Não se vendo razões para divergir desta solução, coloca-se, então, a questão da adequação e necessidade da pena aplicada ao arguido, aqui recorrente, B…, por contraponto com a pretendida aplicação de medida tutelar (correcção).
É que, como ressalta do anteriormente exposto, ainda que seja consensual que o diploma penal atinente aos jovens delinquentes é o regime regra, este não constitui um “cheque em branco” que o juiz se limita a preencher logo que esteja em julgamento arguido com idade compreendida entre os 16 e os 21 anos, pois que a aplicação de uma qualquer medida de correcção, conforme estatui o próprio art. 5º, do Dec. Lei n.º 401/82, há-de encontrar justificação na “personalidade” e “circunstâncias do facto”.
Pese embora o optimismo do recorrente, cremos que nenhum desses parâmetros suporta, na realidade, a aplicação da invocada – ou mesmo outra – medida tutelar.
Com efeito, a infracção em causa inscreve-se na denominada “criminalidade especialmente violenta”, densificada no art. 1º, al. l), do Cód. Proc. Penal, pois que, é consabido que o roubo, ao contrário de grande parte dos crimes tipificados no Código Penal, não tutela um único bem jurídico mas sim uma diversidade, entre eles bens pessoais como sejam a liberdade de decisão e acção, integridade física e vida.
Sendo um crime grave, a sua própria natureza é de molde a gerar insegurança e alarme social.
Cremos, porém, que tal poderia ser superado se, realmente, as qualidades pessoais e evolução do ora recorrente o justificassem.
Todavia, ainda que se reconheça ter ocorrido uma evolução positiva – o ambiente familiar melhorou e não há notícia de outras condutas desviantes – o certo é que o arguido não tem qualquer projecto de vida minimamente estruturado, as suas incursões profissionais são muitas e pouco duradouras [veja-se que até o primo que o apoiou em Inglaterra o despediu decepcionado com o desempenho] e, à data do julgamento, mantinha a ociosidade há quase 3 meses, sendo que os projectos nesse campo são pouco ou nada consistentes e mais o resultado da vontade dos seus familiares do que outra coisa [veja-se que o mesmo expressa vontade de voltar a Inglaterra - alheio às dificuldades que tal comporta actualmente - enquanto o padrasto tem esperança que ele frequente uma formação na firma I…].
Acresce ainda o facto do arguido já ter sido anteriormente sujeito a intervenção da justiça tutelar educativa, tendo estado internado no Colégio G…, circunstância que não obstou à reiteração das condutas desviantes, como demonstram os presentes autos.
Finalmente e aqui se situa o ponto fulcral, o arguido não fez qualquer esforço no sentido de reparar o mal praticado (mais que não fosse apresentando desculpas ao ofendido) ou de demonstrar que interiorizou o desvalor da sua conduta, pressuposto essencial para poder concluir-se pela sua adesão e compreensão do alcance de uma medida de natureza tutelar. Remeteu-se ao silêncio, direito que lhe assiste e não o pode prejudicar mas que, em sede de aplicação de medidas alternativas, limita consideravelmente as opções, pois que a confissão, arrependimento e reparação do dano [reconhecimento do mal praticado e assunção da atinente responsabilidade], são o cerne da interiorização do desvalor do comportamento delituoso e os principais indicadores da intenção de manter uma conduta de observância normativa consistente, não bastando para tal a mera passagem do tempo, sobretudo quando grande parte deste foi passado no estrangeiro, desconhecendo-se as reais condições/opções de vida que aí protagonizou.
Assim, no contexto assinalado, é impossível discernir se o arguido compreenderia o alcance da uma tal sanção ou se, pelo contrário, antes a consideraria como simples impunidade ou fraqueza do sistema, sendo certo que a mesma não deixaria de influenciar negativamente o sentimento de segurança dos cidadãos em geral, razão porque se entende não merecer censura a escolha da pena realizada pelo tribunal a quo improcedendo, por infundada, a pretensão do recorrente.
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III – DISPOSITIVO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta 2ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto negar provimento ao recurso e manter nos precisos termos a decisão recorrida.
Custas pelo recorrente B… com 4 (quatro) UC de taxa de justiça - art. 513º n.º 1, do Cód. Proc. Penal, e Tabela III anexa ao Regulamento das Custas Judiciais.
*
[Elaborado e revisto pela relatora – art. 94º n.º 2, do CPP[7]]
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Porto, 27 de Junho de 2018
Maria Deolinda Dionísio
Jorge Langweg
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[1] V., entre muitos outros a este propósito, Acs. STJ, de 14/5/2009, Proc. 19/08.3PSPRT; de 9/4/2008, Proc. n.º 1491/07 - 5ª; de 3/9/2008, Proc. n.º 3982/07-3ª e de 8/10/2008, Proc. n.º 3174/08 - 3ª, todos in dgsi.pt.
[2] Cfr., exposição de motivos da Proposta de Lei nº 45/VIII, publicada no Diário da Assembleia da República, II Série-A, de 21/9/2000 e preâmbulo do Dec. Lei n.º 401/82.
[3] A Lei n.º 4/2015, de 15/1, que alterou a LTE, além de ser posterior à data dos factos não introduziu qualquer alteração ao mencionado art. 4º.
[4] Ac. da RE, de 8/9/2015 (Proc. n.º 65/12.2FAFAR.E1), in dgsi.pt.
[5] Também disponíveis in dgsi.pt.
[6] E, curiosamente, o termo corresponder significa (também) “ser próprio, adequado ou simétrico” (vide Dicionário da Língua Portuguesa, Porto Editora, 5ª Edição, pág. 380), o que nos parece reforçar a ilação supra retirada.
[7] O texto do presente acórdão não observa as regras do acordo ortográfico – excepto nas transcrições que mantêm a grafia do original – por opção pessoal da relatora.