Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
5515/15.3T8OAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: RITA ROMEIRA
Descritores: IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
ÓNUS DE IMPUGNAÇÃO
OBRIGAÇÃO DE INDEMNIZAÇÃO
RESPONSABILIDADE CIVIL
INCIDENTE DE REVISÃO DA INCAPACIDADE
ADMISSIBILIDADE
Nº do Documento: RP202111155515/15.3T8OAZ.P1
Data do Acordão: 11/15/2021
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; CONFIRMADA A DECISÃO.
Indicações Eventuais: 4.ª SECÇÃO (SOCIAL)
Área Temática: .
Sumário: I – O cumprimento dos ónus, estabelecidos no art. 640º do CPC, exige que o recorrente concretize nas conclusões a indicação, com precisão, de quais os pontos da matéria de facto provada e não provada que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe, não bastando a sua indicação no corpo das alegações.
II - Não o fazendo, tal configura a omissão de requisitos legais que, sem que seja admissível convite ao seu aperfeiçoamento, levam à rejeição do recurso no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.
III - A obrigação de indemnização prevista nos art.s 562º e ss. do C. Civil, nomeadamente, a prevista no art. 567º do mesmo diploma legal, tanto se aplica à responsabilidade extracontratual como à contratual, ou seja, aos efeitos da responsabilidade civil, em qualquer das suas modalidades, aplica-se o instituto da obrigação de indemnização prevista nos citados artigos.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. nº 5515/15.3T8OAZ.P1

Origem: Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro, O. Azeméis - Juízo do Trabalho
Recorrente: Companhia de Seguros B…, S.A.
Recorrido: C…


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto

I – RELATÓRIO
C… veio, em 24 de Novembro de 2015, requerer contra B… – Companhia de Seguros, S.A. incidente de revisão de incapacidade, nos termos do disposto no artigo 145º do CPT, pedindo a realização de perícia médica para aferição do agravamento da incapacidade e consequente indemnização a suportar pela requerida/seguradora.
Fundamenta a sua pretensão alegando, em síntese, que nasceu no dia 04.03.1967, que exerceu profissão por conta própria na área da construção civil e no dia, 26.08.1997, sofreu um acidente de trabalho ao dar uma queda ao descer umas escadas que, para salvaguarda das situações de risco laboral, havia efectuado com a Companhia de Seguros B1…, S.A., hoje integrada por fusão na B… – Companhia de Seguros SA, um seguro no Ramo Acidentes de Trabalho titulado pela apólice nº ……., tendo como objecto seguro a actividade laboral do próprio tomador do seguro, e em vigor na data do acidente, cobrindo a massa salarial anual de 1.440.000$00.
Mais, alega, que depois dos internamentos e tratamentos que descreve, a seguradora lhe atribuiu uma Incapacidade Parcial Permanente de 37,5 % (0,25 x 1.5) e incapacidade para o trabalho habitual, aceitou o acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões sofridas, prestou-lhe assistência médica e medicamentosa, pagou-lhe valores a título de incapacidades temporárias e passou a pagar-lhe 307.170$00 como pensão anual, desde 25.11.1999, pensão que ulteriormente veio a remir.
Alega, ainda, que o sinistro foi regularizado ao abrigo da Lei 2127 – DL 360/71 e alterações pelo DL 459/79, tendo a seguradora aplicado as respectivas regras técnicas para fixação da incapacidade.
Por último, alega que desde 2005 as mazelas do pé e perna esquerdos se têm agravado significativamente, causando crescente sofrimento intermitente, que forçam o sinistrado a claudicar e a sobrecarregar muito também o membro inferior direito, situação de agravamento progressivo que consubstancia e revela que a situação clínica do sinistrado se não estabilizou nos 10 anos subsequentes à Alta Clínica.
*
Notificada, a requerida apresentou oposição, por excepção e impugnação.
Invocou, em síntese, que o incidente não pode ser admitido por se verificar a caducidade do direito do sinistrado, pois o incidente de revisão foi instaurado mais de 15 anos a contar da data da alta e do acordo de fixação da incapacidade e da pensão que teve lugar, em 25 de Novembro de 1999, sem que entretanto tenha sido deduzido qualquer outro incidente de revisão, pois, aplica-se o nº 2 da Base XXII, da Lei nº 2127. Mais, invoca que a Lei nº 98/2009 apenas se aplica aos acidentes ocorridos a partir de 1 de Janeiro de 2010, como constitui jurisprudência pacífica e, à cautela, sustenta não ser este o tribunal competente pois à data do acidente os tribunais onde se resolveria a presente questão seriam os tribunais comuns.
Termina que deve ser declarada a caducidade, do incidente de revisão e o pedido julgado improcedente.
*
O autor pronunciou-se quanto às excepções da, alegada, caducidade e incompetência.
Defende que não existe caducidade na medida em que, nem a data da alta, nem o grau de incapacidade, puderam ser reconhecidos judicialmente, pois o acidente nunca foi participado ao Tribunal de Trabalho, pelo que não está definido o momento a partir do qual se conta a caducidade, estando assim sujeito ao prazo ordinário de 20 anos. E, defende que o agravamento da sua situação se iniciou em 2005 e o referido prazo de caducidade deixou de existir em 1 de Janeiro de 2010, que as normas previstas no nº 2 da Base XXII, da Lei nº 2127 e no artigo 25º, nº 2, da Lei nº 100/97 de 13 de Setembro, foram declaradas inconstitucionais e que a seguradora não comunicou o acidente nem permitiu o referido controlo judicial, apesar de na data da alta já ter entrado em vigor a Lei nº 100/97. Quanto à competência material, alegou que, atendendo à data da entrada em juízo do presente incidente de revisão, ao caso é aplicável o Código do Processo de Trabalho (CPT) com as alterações introduzidas pelo DL nº 295/2009, de 13.10 (artº 6º), concretamente o disposto no artigo 145º CPT e que nos termos do disposto no artº 85º, al. c) da Lei nº 3/99, de 13.1, que alterou a Lei 39/87, LOTJ de 23 de Dezembro, compete aos tribunais do trabalho conhecer em matéria cível das questões emergentes de acidentes de trabalho e doenças profissionais, não resultando daí qualquer diferenciação entre acidentes decorrentes de trabalho subordinado ou de trabalho independente.
Conclui que deve ser declarada improcedente a excepção de caducidade e por o Tribunal de Trabalho ser competente, devem os autos prosseguir para exame de revisão da incapacidade do sinistrado, nos termos requeridos no requerimento inicial.
*
Nos termos que constam do despacho proferido a fls. 48 e ss., em 02.03.2016, foram julgadas improcedentes as excepções da caducidade e da incompetência material.
Foi interposto recurso desta decisão e admitido quanto à questão da excepção de incompetência absoluta, o Supremo Tribunal de Justiça confirmou a decisão proferida. Quanto à excepção de caducidade, este Tribunal da Relação considerou não ser admissível o recurso imediato interposto pela, então, reclamante acerca da arguida caducidade, considerando que o mesmo só era admissível no âmbito do recurso a interpor a final.
*
No prosseguimento dos autos, foi realizado exame médico ao A., precedido de parecer de ortopedia, seguido de Junta Médica, esclarecimentos, estudo do posto de trabalho e inquirição de testemunhas.
Após, realizada a audiência de julgamento, nos termos documentados na acta de fls. 343, conclusos os autos para o efeito, foi proferida decisão, em 11/07/2019, que terminou do seguinte modo:
«6. Pelo exposto:
6.1 Fixo a incapacidade permanente revista sofrida pelo sinistrado em consequência do acidente de trabalho em causa nestes autos em 53,8125% de incapacidade permanente parcial com incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual de trolha/pedreiro a partir de 24 de novembro de 2017;
6.2 Condeno a B… – Companhia de Seguros, SA, a passar a pagar ao sinistrado a pensão anual, vitalícia e atualizável de €2.453,30 a partir de 24 de novembro de 2015, atualizada para €2.470,09 a partir de 1 de janeiro de 2016, para € 2.491,17 a partir de 1 de janeiro de 2017, para €2.567,42 a partir de 1 de janeiro de 2018 e para €2.636,43 a partir de 1 de janeiro de 2019, já com o desconto do capital de remição já pago;
6.3 Condeno ainda a B… – Companhia de Seguros, SA, a pagar ao sinistrado juros de mora, à taxa legal, desde 25 de novembro de 2015 sobre as quantias liquidadas nos termos anteriores e que já se tiverem vencido até à data do respetivo pagamento.».
Registe e notifique.
Valor da causa: 33.980,66.»
*
Inconformada a ré seguradora interpôs recurso, arguiu a nulidade da sentença e juntou alegações, nos termos que constam a fls. 352 vº e ss., que terminou com as seguintes CONCLUSÕES:
.....................
.....................
.....................
*
O A. respondeu, nos termos que constam a fls. 377 vº e ss., pugna pelo indeferimento da arguição da nulidade da sentença e junta contra-alegações as quais terminou com as seguintes CONCLUSÕES:
.....................
.....................
.....................
**
Nos termos que constam do despacho de fls. 389, o Mº Juiz “a quo”, pronunciou-se no sentido do indeferimento da nulidade invocada, admitiu a apelação com efeito suspensivo (dada a prestação de caução por parte da recorrente) e ordenou a sua subida a esta Relação.
*
A Ex.mª Sr.ª Procuradora Geral Adjunta emitiu douto parecer, no sentido de ser concedido provimento ao recurso, no essencial, por considerar não ocorrer a arguida nulidade da sentença e nos termos do nº 2 da Base XXII da Lei nº 2127, só poder ser requerida a revisão da incapacidade, nos 10 anos posteriores à data da fixação da pensão e o sinistrado ter requerido a revisão da sua incapacidade decorridos mais de 10 anos desde a última fixação.
Notificadas as partes, respondeu a este parecer o sinistrado, discordando do mesmo e reiterando o já afirmado nas contra-alegações.
*
Cumpridos os vistos, foi fixado o objecto do recurso, considerando que o mesmo se encontrava, (delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigo 87º do CPT e artigos 608º, nº 2, 635º, nº 4, 639º, nºs 1 e 2 e 640º, do CPC (aprovado pela Lei nº 41/2013 de 26 de Junho) e importando conhecer de questões e não de razões ou fundamentos), nas seguintes questões a decidir e apreciar, saber:
- se a sentença é nula por violação do disposto no art. 615, nº 1, al. d) do CPC;
- se encontra extinto o direito do A. em suscitar incidente de revisão, como defende a recorrente por ter caducado o seu direito;
- se o requerente não logrou estabelecer o nexo de causalidade entre as lesões sofridas no acidente de 1997 e a situação clínica actual;
- se o Tribunal “a quo” errou quanto à aplicação, ao caso, do art. 567º, nº 2, do CC, devendo julgar-se improcedente o incidente.
*
E, nessa sequência, feita a sua apreciação, em 27 de Abril de 2020, foi proferido acórdão que terminou com a seguinte “DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se nesta secção em julgar procedente a apelação e, em consequência, revogar a decisão recorrida.

Custas pelo recorrido, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficie.”.
*
Deste, interpôs o A. recurso de revista para o STJ, no qual se decidiu:
*
Ora, sendo desse modo, em obediência àquele, agora, cumpre apreciar e saber:
- se o requerente não logrou estabelecer o nexo de causalidade entre as lesões sofridas no acidente de 1997 e a situação clínica actual;
- se o Tribunal “a quo” errou quanto à aplicação, ao caso, do art. 567º, nº 2, do CC, devendo julgar-se improcedente o incidente.
*
II - FUNDAMENTAÇÃO
A) DE FACTO
O Tribunal “a quo” considerou em face das provas recolhidas, que resultam provados os seguintes factos:
“1. O requerente nasceu no dia 04.03.1967.
2. Exerceu profissão por conta própria na área da construção civil.
3. No dia 26.08.1997 sofreu um acidente de trabalho ao dar uma queda ao descer umas escadas.
4. Para salvaguarda das situações de risco laboral, o participante havia efetuado com a Companhia de Seguros B1…, S.A., hoje integrada por fusão na B… – Companhia de Seguros SA, um seguro no Ramo Acidentes de Trabalho, titulado pela apólice nº ……., na modalidade de seguro completo, tendo como objeto seguro a atividade laboral do próprio tomador do seguro
5. Esta referida apólice de seguro estava em vigor em 26.08.1997.
6. A massa salarial anual coberta era então de 1.440.000$00, correspondentes a € 7.182,69.
7. O referido acidente consubstanciou-se na queda sobre o pé esquerdo seguida de embate violento numa guia da escadaria, tendo sido primeiramente assistido em Arouca com imobilização provisória, e de seguida levado para o serviço de urgência do Hospital de …, onde lhe foi diagnosticada: “fractura luxação periastragalina esq. (exposta grau III), com impotência funcional com exposição do astrógalo na face interna”.
8. Ali internado, no mesmo dia, o sinistrado foi submetido a cirurgia que consistiu na “redução + fixação percutânea c/ 3 cravos Steinman + correcção do esfacelo face interna pé esquerdo + tala gessada”.
9. Foi verificada perda de fragmentos ósseos da fratura.
10. Ferida suturada não operatória (ferida de exposição).
11. Ficou internado até ao dia 29 de setembro, sendo então transferido para o Hospital da … para ser operado no dia 30.09.
12. No Hospital da … teve a 1ª consulta em 27.09.1997
13. E aí internado no dia 29.09, foi submetido a várias cirurgias:
a) Em 30.09.197 – fez “limpeza cirúrgica da região maleolar interna da perna e pé esquerdo”.
b) Em 10.10.1997 – fez “limpeza cirúrgica de tecidos necrosados e de desbridamento”.
c) Em 20.10.1997 – Fez “penso sob anestesia”.
d) Em 29.10.1997 – fez “plastia da área cruenta com retalho fasciocutâneo em ilha baseado na artéria tibial posterior de fluxo invertido”.
e) Em 11.11.1997 – fez “plastia da área dadora do retalho com enxerto de pela parcial tipo Thiersch”.
14. Em 26.11.1997 – voltou ao Hospital de …, sendo de seguida transferido para o Hospital da Seguradora, requerida, onde continuou e fez várias cirurgias.
15. Como sequelas pelo esfacelo do pé esquerdo, o sinistrado ficou a padecer de: “deformidade grave do pé, com dificuldade notória no desempenho na parte do trabalho
16. Os médicos da seguradora atribuíram-lhe uma Incapacidade Parcial Permanente de 37,5 % (0,25 x 1.5), no Capítulo I – 15.21 c) por este apresentar sequelas de: “deformidade grave do pé, com dificuldade notória no desempenho na parte do trabalho”.
17. A requerida Seguradora aceitou o acidente como de trabalho, o nexo de causalidade entre o acidente e as lesões sofridas, prestou-lhe assistência médica e medicamentosa ao requerente sinistrado.
18. Pagou-lhe valores a título de incapacidades temporárias vencidas.
19. Propôs-se pagar e pagou ao sinistrado 307.170$00 como pensão anual, desde 25.11.1999.
20. Pensão vitalícia e que foi atualizada para 314.849$00 em 01.01.2000 e para 325.869$00 em 01.01.2001.
21. Pensão que foi calculada com base na remuneração anual de 1.440.000$00, na IPP de 37,5%.
23. Em 2002, a Seguradora requerida entregou ao sinistrado requerente a quantia de € 26.107,43 com base numa pensão de € 1.745,19, a que foi atribuída a natureza de capital de remição.
24. Como sequelas definitivas, o sinistrado ficou incapaz para a profissão de trolha.
25. Desde data não determinada a situação clínica do sinistrado tem-se vindo a agravar.
26. O requerente sinistrado tem vindo a sentir dores fortes no pé, no tornozelo e perna esquerda e falta de força.
27. O requerente sinistrado apresenta as sequelas descritas no auto de junta médica.
28. Na data do acidente o autor trabalhava como trolha/pedreiro e após a alta, esteve alguns anos sem trabalhar e em 2004 passou a trabalhar, primeiro como trabalhador independente e depois como funcionário, no atual Centro Hospitalar de …, como pintor, fazendo pequenas reparações de pintura, envernizamentos, limpezas de caleiras e auxilio a eletricistas, tendo saído deste emprego por sua iniciativa no final de 2017.
29. Em 2018, o autor executou, durante três a quatro meses, trabalhos de pintura de portas na Bélgica.”.
*
De imediato e porque o mesmo se mostra relevante para a decisão da causa, oficiosamente, adita-se um novo ponto ao elenco dos factos que antecede, correspondente ao teor do acordo celebrado, entre o sinistrado e a seguradora, relativo ao acidente ocorrido, em 26.08.1997, Junto a fls. 36 dos autos, decorrente da celebração do contrato de seguro referido no ponto 4 dos factos provados:
30. “Os abaixo assinados, Companhia de Seguros B1…, SA, com sede em Lisboa, na qualidade de Seguradora e C…, na qualidade de sinistrado, estabelecem o seguinte acordo:
A Companhia de Seguros B1…, SA, pagará ao sinistrado a pensão anual e vitalícia de Esc. 307.170$00, com início em 25.11.1999, calculada com base na remuneração anual de Esc. 1.440.000$00 e na IPP de 37,5% e nos termos da Lei de Acidentes de Trabalho 2127 – D. Lei 360/71 e alteração pelo D. Lei 459/79 a qual é vitalícia e actualizada para esc. 314.849$00 em 01-01-2000 e para esc. 325.869$00 a partir de 01.01.2001, em consequência do acidente de trabalho que sofreu em 26-08-1997, quando prestava serviço por conta própria.
Pelo sinistrado foi declarado que se encontra indemnizado até à data da alta, aceitando plenamente o presente acordo pelo que o vai assinar conjuntamente com a Seguradora.
Porto, 19-04-2001.”
*
E adita-se um outro ponto ao elenco dos factos que antecedem, correspondente ao teor, na parte relevante, do auto de junta médica, referido no ponto 27, a saber:
31. “Na junta médica, realizada no dia 26.06.2018, os senhores peritos médicos, por unanimidade, declararam “atualmente apresenta como sequelas das lesões descritas: anquilose do tornozelo em posição neutra, deformidade do pé com anquilose do tarso e cicatrizes no pé e perna. Admite-se agravamento das sequelas anteriormente consideradas, nomeadamente perda de mobilidade do tornozelo” (…) “Não podendo excluir causas externas, o mais provável é que o agravamento que se verifica resulte da evolução natural das sequelas deste acidente”. E por maioria, atribuíram a IPP de 53,8125% e IPATH, com base no Capítulo I. 15.2.1. c) Capítulo I. 14.2.1.1.a) e Capítulo II. 1.5. b) 1 da TNI.”.
*
B) O DIREITO
Como decorre do supra exposto, a questão primeira a apreciar, consiste em saber se o requerente não logrou estabelecer o nexo de causalidade entre as lesões sofridas no acidente de 1997 e a situação clínica actual.
O Tribunal “a quo” considerou-o que sim e fundamentou-o nos seguintes termos:
«Segundo: na instrução e julgamento colocaram-se as questões de saber quais as sequelas que o autor apresenta atualmente, a existência de nexo de causalidade das atuais sequelas com o acidente e a incapacidade existente.
Nesta sede, temos os seguintes elementos:
No parecer de ortopedia realizado na fase conciliatória, o senhor perito médico considerou existir agravamento das sequelas existentes [que são agora de anquilose sintomática ao nível do tornozelo esquerdo], fixando a IPP em 48,75% [32,50% x 1,5] com IPATH para a profissão de trolha – Folhas 126 a 128.
No relatório médico-legal realizado na fase conciliatória, o senhor perito médico considerou que o sinistrado está afetado da IPP da 48,75% [32,50% x 1,5] com IPATH para a profissão de trolha – Folhas 130 a 133.
Na Junta Médica os senhores peritos responderam por unanimidade a todos os quesitos com exceção do quesito relativo à incapacidade pois dois dos peritos consideraram que o sinistrado está afetado de uma IPP de 53,8125% [35,875% x 1,5] com IPATH para a profissão de trolha, enquanto o perito indicado pela seguradora pronunciou-se no sentido de que não concorda com a atribuição de incapacidade pelas cicatrizes pois estas já existiam na data da consolidação e com a IPATH pois o próprio sinistrado revelou executar trabalhos de pintura de construção civil – Folhas 155 a 157.
Foram prestados esclarecimentos pelos senhores peritos: a senhora perita indicada pelo tribunal justificou a consideração das cicatrizes porque existe uma evolução normal das sequelas que podiam existir, em maior ou menor grau, na data da consolidação e salientou que a IPATH foi fixada, na sequência de pareceres anteriores, para a profissão de trolha e não de pintor de construção civil que o sinistrado executa na medida da sua capacidade – Folhas 191; o senhor perito indicado pelo sinistrado esclareceu que só por manifesto lapso não terão sido consideradas sequelas relativas a cicatrizes e a uma grave rigidez do tornozelo e justificou a IPATH para a profissão de trolha [e não de pintor de construção civil] precisamente porque, por força da evolução das sequelas, o sinistrado foi alterando a sua atividade, fazendo agora trabalhos de pintura que é uma profissão mais suave ou moderada que a de trolha – Folhas 193; e o senhor perito indicado pela seguradora justificou que o sinistrado mantém atividade na área da construção civil e a não realização de todas as tarefas terá sido, certamente, o motivo pelo qual a seguradora lhe aplicou o factos 1,5 pela sua reconversão noutro posto de trabalho na mesma área profissional – Folhas 194.
Consta dos autos parecer do IEFP, IP, que, depois de descrever as funções do sinistrado aquando do acidente, as competências e capacidades necessárias para a sua execução e o seu perfil profissional após o acidente, concluiu o seguinte: «tendo em conta o perfil de exigências do posto de trabalho analisado, somos de parecer que um pleno desempenho profissional do tipo de tarefas e funções inerentes […] exige uma adequada destreza física, nomeadamente plenas condições dos membros inferiores. Assim, no caso deste trabalhador, considerando o seu testemunho, o membro inferior esquerdo [pé esquerdo] está afetado, comprometendo o transportar pesos [como exemplo: tijolos e betão], montagem de andaimes, o movimentar-se em altura e em terreno irregular, o rebocar, etc…, ou seja, a maioria das funções do seu trabalho habitual» - Folhas 236 A 239.
Para além disso e com relevo para estas questões, a testemunha D…, reputado especialista de questões médico-legais, referiu que considera que não teve conhecimento de factos que permitam afirmar o nexo de causalidade das novas sequelas pois não existe evidência de continuidade sintomatológica e não foram excluídas outras causas [aceitando que se estes elementos estiverem evidenciados pode aceitar-se o agravamento pois as sequelas são suscetíveis de agravamento], sendo que as cicatrizes já existiam e não estão suficientemente descritas para justificar uma incapacidade, referindo, para além disso, que é difícil falar em IPATH porque as funções atuais do sinistrado são completamente diferentes das que ele tinha na data do acidente.
Em nosso entendimento, consideramos provado que o sinistrado apresenta atualmente as sequelas descritas no auto de Junta Médica pois o sinistrado foi examinado pelos senhores peritos e não existem discrepâncias a esse respeito, sendo que nenhum perito médico colocou em causa a existência de nexo de causalidade entre estas sequelas e o acidente, aceitando como provável que resultem da evolução normal das sequelas decorrentes do acidente sem poderem excluir causas externas. No entanto, constam dos autos dois relatórios do centro de saúde em que se regista não existir notícia de outras fraturas ou traumatismos deste pé que tenham sido seguidos pelo SNS, o que indicia que não existe uma causa externa traumática que justifique a evolução das sequelas – folhas 148. Por outro lado, desse mesmo elemento resulta que houve um seguimento do sinistrado desde dezembro de 2013 e o sinistrado e as testemunhas E… e F… referiram que aquele se queixava muitas vezes do pé no trabalho e este inchava, o que era visível e quando tinha dores recorria à farmácia hospitalar e aos médicos da urgência que o atendiam, ou seja, tudo leva a crer que durante todos estes anos, pelo menos desde 2004, o sinistrado foi sentindo dores e apresentando queixas mas recorreu aos serviços hospitalares do hospital onde trabalhava, certamente por facilidade de acesso a médicos, só começando a recorrer ao centro de saúde quando começou a precisar de baixas por doenças e, por isso, consideramos que não podemos afirmar exatamente que não existe uma continuidade sintomatológica suscetível de enquadrar a situação atual como danos tardios resultantes das sequelas que apresentava. Assim, perante estes elementos, não só consideramos que está verificado o nexo de causalidade como entendemos que é de fixar a IPP que resulta da posição maioritária resultante da Junta Médica. Por outro lado, coloca-se a questão de saber se o sinistrado está impossibilitado para o exercício da sua profissão habitual, sendo que a profissão que o autor tinha na data do acidente era de trolha. Em nosso entendimento, quase todos os elementos constantes dos autos apontam efetivamente no sentido de que o sinistrado está incapaz para exercer a profissão de trolha/pedreiro e, nesse sentido, aponta igualmente a circunstância do autor se ter passado a dedicar, desde 2004, a trabalhos de pintura no âmbito da manutenção de uma unidade hospitalar.
Acresce que, de facto, os condicionalismos físicos que o autor apresenta e que são efetivamente incapacitantes para o exercício das atividades de trolha/pedreiro e mesmo para as funções de pintor, a verdade é que o autor e as testemunhas ouvidas revelaram as dificuldades que o autor tinha no exercício dessa atividade, bem como a circunstância de não conseguir utilizar o equipamento individual de segurança obrigatório, designadamente sapatos de biqueira de aço.
Terceiro: a descrição do trabalho antes e após o acidente resultou das declarações deste e do depoimento das testemunhas E… e F....».
A recorrente, no entanto, discorda que assim seja e defende que, “inexiste demonstração do nexo de causalidade, cujo ónus cabia ao requerente”, na medida em que, alega “A procedência da pretensão do requerente – não fossem os aspectos jurídicos a que adiante se fará referência – dependeria da demonstração inequívoca da existência de um efectivo agravamento das sequelas da lesão inicial, como antes se disse.
Cumpria ao requerente o ónus de tal demonstração.
Na verdade, da documentação trazida aos autos, nenhum elemento objectivo existe que assinale a evolução do alegado agravamento.
Existem, é certo, cópias extraídas do processo clínico do requerente, mas que apenas documentam a evolução do seu caso até 1998, pois que, como ficou provado [factos 13 e 14], após 26/11/1997 o requerente foi submetido a outras cirurgias, ali documentadas, após o que, em 24/11/1999 recebeu alta, conforme está igualmente provado no Boletim de Alta [DOC. 5], datado de 05/05/2000, onde lhe foi atribuída a IPP de 25%, acrescida da bonificação de 1,5, um total de 37,5%.
Também juntou o requerente um relatório de avaliação de incapacidade datado de 28/02/2000.
Nada mais que possa ser relevante para a sua pretensão.
Assim,
Do Hospital da … chegou relatório, que está datado de 20/08/2015, mas do qual consta a descrição da evolução até 11/11/1997, seguida de transferência para o Hospital de …, em 26/11/1997, “não tendo comparecido nunca a nenhuma consulta de follow-up”.
Juntou o requerente um Relatório Médico da Dra. G…, o qual, porém, é datado de 18/08/2015, e que foi elaborado com base nas informações prestadas pelo requerente, sendo assinalados dados documentais relativos a 1997 e ao Boletim de exame de 05/05/2000.
Com data de criação em 05/06/2018 é junto Declaração da Médica Dra. H…, a qual informa ser o requerente acompanhado na USF desde Dezembro de 2013.
E o Médico Dr. I…, em 08/06/2018, declara que sobre o requerente nada consta quanto a lesões da perna e pé desde 1999 até 2013.
Por outro lado,
As perícias realizadas não tiveram acesso a quaisquer outros elementos documentais, muito menos exames médicos e de diagnóstico, mas isso não as impediu de estabelecerem nexo de causalidade entre a situação actual e a lesão inicial, reconhecendo a estabilização clínica em 24/11/1999, e não podendo excluir causas externas na evolução do caso clínico.
Pelas mesmas razões, inexiste fundamento válido para o reconhecimento da IPP fixada em sede pericial e uma pretensa IPATH, atento o facto de que o requerente, segundo informou, e foi dado como provado, passou a trabalhar como pintor na construção civil, actividade profissional que, como é do conhecimento geral, muito menos exigente do que a de trolha/pedreiro.
Existe, pois, um completo vazio de informação clínica relativo ao período de 1999 até, pelo menos, 2015, data de entrada do requerimento inicial.
Tal falta de informação não foi objecto de uma análise crítica por parte do Tribunal a quo, longe disso, pois que se ateve a um juízo de mera probabilidade, o que em direito, e no caso dos autos, não basta nem é rigoroso do ponto de vista da boa aplicação do Direito.
Até porque a deficiência – ou ausência – de prova pelo requerente, a quem cabia o ónus, não pode ser colmatada com depoimentos de testemunhas que nenhuma formação têm em Medicina, pelo que as suas informações não podem ser validadas como certezas científicas.
Muito menos se pode aceitar que sejam as declarações do próprio requerente em matéria que, necessariamente, teria de ser comprovada pelos meios de prova normais.
Com efeito, não se pode aceitar o juízo pericial quanto à probabilidade de que o agravamento resulte da evolução natural das sequelas, uma vez que os Senhores Peritos deverão cingir-se a elementos objectivos.
Não basta a referência, por exemplo, a fls. 148, quando aqui se trata do Relatório da Dra. H… já acima aludido.
Da prova testemunhal também não resulta provado o nexo de causalidade.
Releva sobre esta matéria o depoimento da testemunha E…, sobretudo nos seguintes aspectos:
- o requerente passou a desenvolver funções no Hospital …, no Centro Hospitalar de entre o … e o …, desde 2004, sob a coordenação do depoente, seu superior hierárquico, até que o requerente pedido a sua demissão em 2017;
- durante o período em que ali trabalhou, esteve o requerente sujeito a riscos profissionais diversos, tendo inclusivamente sofrido outros acidentes, que terão sido até participados à seguradora da entidade empregadora, sendo, pois, de concluir que tal continuada actividade profissional pode também ela ter concorrido para o agravamento de sequelas iniciais, dado que se não vê que o requerente tenha sido tratado clinicamente durante mais de 13 anos.”.
E continua, com a transcrição dos trechos dos depoimentos que considera relevantes, mais alegando que, “No plano do julgamento e apreciação da prova sobre eventual nexo de causalidade, o Tribunal a quo não valorizou devidamente o contributo probatório do SENHOR PROFESSOR DOUTOR D… Professor Universitário e Catedrático da Faculdade de Medicina de Coimbra, antigo Presidente do Instituto de Medicina Legal e Ciências Forenses, Especialista em Medicina-legal e do Trabalho, Perito médico de reconhecida competência em avaliação do dano corporal e com vasta experiência, aliás comumente reconhecida em Portugal e no estrangeiro, que lhe proporcionou informação extremamente relevante acerca dos critérios científicos [definidos por Cordonnier e Muller em 1925, reiterados por Simonin em 1960] 2 comumente seguidos na doutrina médico-legal sobre o reconhecimento do nexo de causalidade, reconhecidos pela jurisprudência quer no âmbito do processo civil [e do trabalho], quer na mais garantística jurisdição penal quando ali é debatida tal questão.
O conhecimento do Professor Doutor D…, com efeito, nunca poderia ser subestimado pela experiência e prática científica, a isenção de quem ensina medicina e exerce habitualmente exigentes funções de perito na avaliação do dano corporal, bem como, e não menos relevante, e o rigor da sua apreciação técnica dos aspectos clínicos de facto em discussão.
Resultaram do depoimento do PROFESSOR DOUTOR D…, registado no sistema de áudio 3, [ficheiro 20190709110556_3468801 _2870282, 11,51 horas], informações muito relevantes que, se devidamente apreciadas, teriam permitido ao Tribunal uma devida aplicação dos critérios científicos usados na determinação do nexo de causalidade.”.
Terminando este segmento da sua alegação, como diz, “pela transcrição seguida de diversos passos do respectivo depoimento, (...)”.
Analisando.
Importa antes de mais, tendo em atenção a alegação da recorrente que se analise se, o Tribunal “a quo” errou na decisão de facto, pois como decorre do corpo da “motivação” das alegações, diz aquela que, “A douta sentença revela que o Tribunal a quo não fez uma devida apreciação da prova produzida, razão pela qual no presente recurso se impugna a resposta à matéria de facto, com apelo ao registo fonográfico da audiência”.
E prossegue dizendo que, “se encontram incorrectamente julgados os pontos 4. e 24. a 26. da matéria de facto considerada provada, designadamente na conclusão da existência de nexo de causalidade entre as sequelas reconhecidas nas perícias e o acidente, pois que não pode bastar um mero juízo de probabilidade da existência desse nexo, até porque não puderam ser taxativamente afastadas outras causas, externas ou estranhas ao longo de vários anos, na situação actual.”
Vejamos, então.
Dispõe o nº 1 do art. 662º que, “a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.”.
Aqui se enquadrando, naturalmente, as situações em que a reapreciação da prova é suscitada por via da impugnação da decisão de facto feita pelos recorrentes.
A apreciação desta questão, da impugnação da decisão proferida, pelo Tribunal “a quo” relativa à matéria de facto por este Tribunal “ad quem” pressupõe que os recorrentes cumpram determinados ónus, sobre os quais dispõe o art. 640º, nos seguintes termos:
“1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas.
2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes;
b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes.
3 - O disposto nos n.ºs 1 e 2 é aplicável ao caso de o recorrido pretender alargar o âmbito do recurso, nos termos do n.º 2 do artigo 636.º.”.
Diz (Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2014, 2ª edição, pág. 230) que, “… a modificação da decisão da matéria de facto constitui um dever da Relação a ser exercido sempre que a reapreciação dos meios de prova (sujeitos à livre apreciação do tribunal) determine um resultado diverso daquele que foi declarado na 1.ª instância”. Apesar de, como refere o mesmo autor (na obra citada, pág. 245), “... a reapreciação da matéria de facto no âmbito dos poderes conferidos pelo art. 662º não pode confundir-se com um novo julgamento, pressupondo que o recorrente fundamente de forma concludente as razões por que discorda da decisão recorrida, aponte com precisão os elementos ou meios de prova que implicam decisão diversa da produzida e indique a resposta alternativa que pretende obter” .
Resulta da análise daquele dispositivo que, o legislador concretizou a forma como se processa a impugnação da decisão, sobre a matéria de facto, tendo reforçado, neste novo regime, os ónus de alegação a cargo dos recorrentes, impondo-lhes que deixem expressa a solução que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação após a reapreciação dos concretos meios de prova que, consideram, impõem decisão diversa da recorrida.
Novamente nas palavras de (Abrantes Geraldes, na mesma obra, pág. 133), “O recorrente deixará expressa a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas, como corolário da motivação apresentada, tendo em conta a apreciação crítica dos meios de prova produzidos, exigência nova que vem na linha do reforço dos ónus de alegação, por forma a obviar à interposição de recursos de pendor genérico ou inconsequente, também sob pena de rejeição total ou parcial da impugnação da decisão da matéria de facto;”.
Tendo por base os supra citados dispositivos legais, teremos de considerar que a reapreciação da matéria de facto por parte da Relação, tendo que ter a mesma amplitude que o julgamento de primeira instância – pois que só assim poderá ficar plenamente assegurado o duplo grau de jurisdição (cf. neste sentido o Ac. STJ de 24/09/2013, in www.dgsi.pt, sítio da internet onde se encontrarão os demais acórdãos citados sem outra indicação) –, muito embora não se trate de um segundo julgamento e sim de uma reponderação, não se basta com a mera alegação de que não se concorda com a decisão dada, exigindo antes da parte que pretende usar dessa faculdade, a demonstração da existência de incongruências na apreciação do valor probatório dos meios de prova que efectivamente, no caso, foram produzidos, sem limitar porém o segundo grau de sobre tais desconformidades, previamente apontadas pelas partes, se pronunciar, enunciando a sua própria convicção – não estando, assim, limitada por aquela primeira abordagem pois que no processo civil impera o princípio da livre apreciação da prova, art. 607º, nº 5, (cf. Ac. STJ de 28 de Maio de 2009).
Do exposto resulta, assim, que o cumprimento do ónus de impugnação que se analisa, não se satisfazendo como se disse com a mera indicação genérica da prova que na perspectiva do recorrente justificará uma decisão diversa daquela a que chegou o tribunal recorrido, impõe ao recorrente que concretize quer os pontos da matéria de facto sobre os quais recai a sua discordância quer, ainda, que especifique quais as provas produzidas que, por as ter como incorrectamente apreciadas, imporiam decisão diversa, sendo que, quando esse for o meio de prova, se torna também necessário que indique “com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição”.
Ou seja, é-lhe exigível a especificação obrigatória, sob pena de rejeição, dos pontos mencionados no n.º1 e n.º2, enunciando-os na motivação de recurso.
Além disso, exige-se também que o recorrente fundamente “em termos concludentes, as razões da sua discordância, concretizando e apreciando criticamente os meios probatórios constantes dos autos ou da gravação que, no seu entender, impliquem uma decisão diversa”, conforme (Ac. STJ de 01-10-2015, Proc.º 824/11.3TTLRS.L1.S1).
E, a propósito do que se deve exigir nas conclusões de recurso quando está em causa a impugnação da matéria de facto, já que estas não são, apenas, a súmula dos fundamentos aduzidos nas alegações mas, sobretudo atendendo à sua função definidora do objecto do recurso e balizadora do âmbito do conhecimento do tribunal, é entendimento pacífico (conforme decorre dos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 23.02.2010, Proc.º 1718/07.2TVLSB.L1.S1, de 04.03.2015, Proc.º 2180/09.0TTLSB.L1.S2, de 19.02.2015, Proc.º 299/05.6TBMGD.P2.S1, de 12.05.2016, Proc.º 324/10.9TTALM.L1.S1, de 27.10.2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1 e de 03.11.2016, Proc.º 342/14.8TTLSB.L1.S1), que as mesmas devem conter, sob pena de rejeição do recurso, pelo menos uma síntese do que consta nas alegações da qual conste necessariamente a indicação dos concretos pontos de facto cuja alteração se pretende e o sentido e termos dessa alteração.
Como se observa no (Ac. do mesmo Tribunal de 07.07.2016, Proc.º 220/13.8TTBCL.G1.S1), “para que a Relação possa apreciar a decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto, tem o recorrente que satisfazer os ónus que lhe são impostos pelo artigo 640º, nº 1 do CPC, tendo assim que indicar: os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, conforme prescreve a alínea a); os concretos meios de prova que impõem decisão diversa, conforme prescrito na alínea b); e qual a decisão a proferir sobre as questões de facto que são impugnadas, conforme lhe impõe a alínea c).”
Ainda, no mesmo sentido, conclui-se naquele, já referido, (Ac. de 27.10.2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1), – proferido num caso em que o Tribunal da Relação não conheceu do recurso relativamente à impugnação da decisão sobre a matéria de facto não pelo incumprimento pela recorrente no corpo das alegações, dos ónus impostos pelos nºs 1 e 2, al. a) do art. 640º e sim pelo facto de se terem omitido nas conclusões a indicação de quais as alíneas da matéria de facto provada e/ou quais os números da matéria de facto não provada que se impugnam, bem como a decisão, que no entender do recorrente, deveria ser proferida sobre esses concretos pontos da factualidade provada e/ou não provada –, que o “Supremo Tribunal já por variadas vezes se pronunciou sobre a questão, tendo, de forma reiterada, decidido que, para cumprimento dos ónus impostos pelo art. 640º do CPC, o recorrente terá que indicar nas conclusões, com precisão, os pontos da matéria de facto que pretende que sejam alterados pelo tribunal de recurso e a decisão alternativa que propõe.”. Em conformidade com esse entendimento, aí se concluiu, também, que “perante a sobredita omissão, não havia lugar ao convite ao aperfeiçoamento, mas à rejeição do recurso no tocante à impugnação da decisão sobre a matéria de facto.”.
*
Transpondo para o caso, o que se deixou exposto, importa verificar se o recurso está em condições de ser apreciado, a propósito da questão da impugnação da decisão de facto, como requer a recorrente e facilmente, basta analisar as conclusões daquele, para se concluir que tal não acontece.
Se não temos dúvidas que, na motivação das alegações, a recorrente cumpre satisfatoriamente os ónus que lhe incumbem, já nas conclusões a mesma nem sequer indica, quais dos pontos dados como provados que, no seu entender, deviam ser dados e considerados de modo diverso.
E, sendo deste modo, só podemos concluir que, ocorre motivo para rejeitar a impugnação quanto à decisão de facto, ao abrigo do disposto na al. a), do nº 1, do art. 640º.
Pois, sempre com o devido respeito, da análise das conclusões da alegação da recorrente, não se consegue perceber quais os factos concretos e precisos que estão a ser impugnados. Nestas a recorrente mais não faz, sem dúvida, que tecer considerações gerais e conclusivas, que traduzem a sua, alegada, convicção geral sobre os alegados pontos de facto que, nestas, não especifica e as provas que enunciou, entrando até em considerações de direito.
É, assim, manifesto que não observou os requisitos previstos nas alíneas do nº1 do art. 640º, em concreto, na al. a).
E, quando assim acontece, em situações igual à vertente, já nos pronunciámos, entre outros, no acórdão proferido no processo nº 3875/18.3T8MTS.P1 e, em concreto, observou-se no (Acórdão desta Relação de 21.10.2019, relatado pela Ex.ma Desembargadora, Fernanda Soares e subscrito pelo, aqui, 2º Adjunto, ao que julgamos inédito), o seguinte, e passamos, com o devido crédito aos demais subscritores, a transcrever:
«Atento o disposto nos artigos 635º, nº3 e 639º, nº1, ambos do CPC, as conclusões de recurso delimitam o objecto do recurso.
A tal respeito refere António Abrantes Geraldes o seguinte: (…) “as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal a quo, incluindo, na parte final, aquilo que efectivamente se pretende obter (revogação, anulação ou modificação da decisão recorrida)” (…) – Recursos no Novo Código de Processo Civil, 2013, página 118.
No acórdão do STJ de 08.03.2006 – em www.dgsi.pt – defende-se que “A especificação dos concretos pontos de facto que o recorrente pretende ver alterados deve constar das conclusões da alegação” (…) “Na verdade, sendo o objecto do recurso delimitado pelas respectivas conclusões e sendo o erro de julgamento da matéria de facto um dos fundamentos invocados no recurso de apelação, compreende-se que os concretos pontos de facto sobre que recaiu o alegado erro de julgamento tenham de ser devidamente especificados nas conclusões de recurso” (…). Do mesmo modo foi decidido no acórdão do STJ de 22.09.2015 – publicado em www.dgsi.pt – cujo sumário, na parte relevante, é o seguinte: “III – Na delimitação do objecto do recurso, deve especificar” [o recorrente] “os pontos de facto impugnados; na fundamentação, deve especificar os concretos meios probatórios que, na sua perspectiva, impunham decisão diversa da recorrida (artigo 640º, nº1, do NCPC) e, sendo caso disso (prova gravada), indicando com exactidão as passagens da gravação em que se funda (artigo 640º, nº2, al. a) do NCPC). IV. A inobservância do referido em III é sancionada com a rejeição imediata do recurso na parte afectada” (…). No mesmo sentido o acórdão do STJ de 01.10.2015 – publicado em www.dgsi.pt – constando do respectivo sumário “Servindo as conclusões para delimitar o objecto do recurso, devem nelas ser identificados com precisão os pontos de facto que são objecto de impugnação; quanto aos demais requisitos, basta que constem de forma explícita na motivação do recurso” (…). E igualmente o acórdão do mesmo Tribunal, datado de 21.04.2016.
Para além disso, e no que respeita à impugnação da decisão sobre a matéria de facto, o CPC impõe ao recorrente um especial ónus de alegação.
Nos termos do artigo 640º do CPC “1. Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2. No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo do poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes” (…).
Resta aqui citar, pela sua oportunidade e relevância, o acórdão desta Secção Social, proferido em 09.09.2019 [relatado pela aqui 2ª adjunta e publicado em www.dsgi.pt], e cujo sumário, na parte que aqui interessa, é o seguinte: “Sob pena da rejeição do recurso quanto à impugnação da decisão da matéria de facto, deve o recorrente indicar, nas conclusões do recurso, os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados (artigo 640º, nº 1, al. a), do CPC/2013), não bastando a sua indicação no corpo das alegações”.
A apelante nas conclusões do recurso não indicou, com referência à matéria de facto dada como provada e como não provada, os factos que considera incorrectamente julgados e, igualmente, não indicou a alteração que pretende seja efectuada à mesma [mas nas alegações de recurso a apelante impugna a decisão do Tribunal a quo relativamente às alíneas B), G), J), N), M) dos factos provados e nºs.1 e 5 dos factos dados como não provados].
Com efeito, o que a apelante indicou nas conclusões do recurso foi que “Corrigida, assim, como se impõe a matéria fáctica, temos que, in casu, se encontram verificados os seguintes índices indiciadores da subordinação jurídica da Autora ao Réu”, ou seja, apenas referiu, em seu entender, quais os índices que se verificam, determinantes da subordinação jurídica, em função da pretendida alteração da matéria de facto que apenas indicou nas alegações de recurso.
Assim, podemos concluir que a recorrente não deu cumprimento ao determinado nas alíneas a) e b) do nº1 do artigo 640º do CPC, a determinar a rejeição do recurso em sede de apreciação da decisão quanto à matéria de facto, o que aqui se declara.».
Ora, este entendimento que se veio de reproduzir, coincide com o que antes referimos, a propósito desta questão, ajusta-se rigorosamente ao caso vertente e concordamos inteiramente com ele.
Pelo que diremos, apenas, em conclusão que, como decorre do que deixámos enunciado a recorrente, pese embora, o faça na motivação, nas conclusões não cumpre os ónus de impugnação determinados nas alíneas do nº1, do art. 640º, desde logo, na al. a), o que determina a rejeição do recurso quanto à deduzida impugnação da decisão de facto.
A recorrente omite, totalmente nas conclusões, pelo que, muito longe da indicação com precisão a que a jurisprudência alude deve ocorrer, a indicação de quais os pontos da matéria de facto provada que impugna e essa omissão, não configura deficiência, susceptível de dar lugar a, eventual, convite de aperfeiçoamento daquelas. Não o tendo feito, a consequência que se impõe é a rejeição do recurso, o que se afirma.
Pois, aquela falta, como bem se refere no já citado (Ac. de 27.10.2016, Proc.º 110/08.6TTGDM.P2.S1), “não se trata de qualquer deficiência das conclusões, mas de omissão de um requisito legal.
E se a deficiência conduz ao aperfeiçoamento, a omissão dos requisitos conduz à rejeição do recurso nessa parte, como se prescreve no art. 640º, nº 1 do CPC., certo como é, e consta da respetiva epígrafe, que este preceito regula, expressamente, a impugnação da decisão relativa à matéria de facto.”.
É este o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça, além dos já referidos, também, o (Ac. de 07.07.2016, Proc. nº 220/13.8TTBCL.G1.S1) quando o recorrente não cumpra o ónus imposto no art. 640º não há lugar ao convite ao aperfeiçoamento, que está reservado para os recursos da matéria de direito.
Consideramos, assim, que a apelante omitiu o cumprimento do ónus fixado nas alíneas do nº 1 do art. 640º, nomeadamente, na al. a) quanto à, alegada, impugnação da decisão de facto o que, como já dissemos, impõe a rejeição do recurso nesta parte.
Assim, a matéria de facto a considerar, é a supra transcrita, que se tem como definitivamente assente, já que não se nos afigura necessário tecer qualquer reparo, além do que já aconteceu, aquando da prolação do acórdão de 27.04.2020 e do ponto agora aditado.
*
Sendo desse modo, perante a factualidade que se mostra assente, que dizer quanto à questão de saber, se o requerente não logrou estabelecer o nexo de causalidade entre as lesões sofridas no acidente de 1997 e a situação clínica actual, como defende a recorrente devendo, por isso, ser julgado improcedente o presente incidente de revisão.
A presente questão passava, obrigatoriamente, pela alteração da decisão quanto à matéria de facto, a qual, em face do anteriormente decidido, mantém-se inalterável. Por isso, e desde logo, a pretensão da apelante terá de improceder.
Acresce dizer que os documentos clínicos juntos aos autos, incluindo o laudo da Junta Médica (nesta parte obtido por unanimidade) apontam no sentido da existência do nexo de causalidade entre a situação clínica actual do sinistrado e as lesões/sequelas decorrentes do acidente. E com base nesses elementos o Tribunal “a quo” concluiu nesse sentido.
Conclusão que, igualmente, aqui acolhemos, por inexistência de elementos (de facto) que permitam afirmar que a actual situação clínica do sinistrado resulta de outros “eventos” ocorridos após 26.08.1997 (data do acidente aqui em causa).
Aliás, nenhum elemento clínico, nomeadamente, os exames médicos singulares realizados em 11.10.2017 e 15.12.2017, apontam no sentido da inexistência do referido nexo de causalidade, sendo que da factualidade provada igualmente não consta que o sinistrado tivesse tido outros acidentes que lhe determinaram lesões no pé já acidentado.
Improcede, pois, a questão da inexistência do nexo de causalidade.
*
Passemos, então, à segunda questão de saber, se o Tribunal “a quo” errou quanto à aplicação, ao caso, do art. 567º, nº 2, do CC, devendo julgar-se improcedente o incidente.
A este propósito, na sentença recorrida diz-se o seguinte: “O contrato de seguro de acidentes de trabalho de trabalhador independente foi celebrado numa altura em que não existia um enquadramento jurídico para os contratos de seguro de acidentes de trabalho de trabalhadores independentes, sendo que o acidente ocorreu em agosto de 1997. Isto significa que o contrato e o acidente são anteriores à entrada em vigor do artigo 25.º, n.º 2, da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, não sendo aplicável o n.º 2, da Base XXII, da Lei n.º 2127, na medida em que no âmbito de aplicação deste diploma não se integram os acidentes ocorridos com trabalhadores independentes – Base II – e a aplicabilidade da Lei n.º 100/97, de 13 de setembro, resulta apenas do artigo 2.º, do Decreto-Lei n.º 159/99, de 11 de maio, que, nos termos do seu artigo 12.º, entrou em vigor em 1 de janeiro de 2000. Não se podendo enquadrar a presente situação no âmbito destes diplomas legais, importa saber se, tendo havido um acordo das partes no sentido da aceitação de uma incapacidade e de uma indemnização, existe norma legal que permita reapreciar, à luz da atualidade, essa situação. Em nosso entendimento, essa possibilidade legal resulta do disposto no artigo 567.º, n.º 2, do Código Civil, que estabelece que «quando sofram alteração sensível circunstâncias em que assentou, quer o estabelecimento da renda, quer o seu montante ou duração, quer a dispensa ou imposição de garantias, a qualquer das partes é permitido exigir a correspondente modificação da sentença ou acordo». Trata-se de norma similar à que, no âmbito dos acidentes de trabalho, estabelece a possibilidade de revisão da incapacidade e pensão, atenta a natureza continuada dos danos que afetam o sinistrado. É certo que se fala a este respeito de alteração sensível das circunstâncias, mas a verdade é que a incapacidade a que agora chegaram os senhores peritos médicos é sensivelmente superior à acordada e assente na existência de IPATH, o que não sucedia anteriormente, sendo certo que, neste âmbito, perante a inexistência de um enquadramento legal que estabelecesse os procedimentos a seguir no âmbito destes contratos, não houve uma decisão judicial que homologasse o acordo efetuado no sentido da fixação e aceitação de uma pensão e posterior pagamento de um capital de remição. Daqui resulta que, embora estejamos a partir de uma avaliação anterior, que fixou sequelas e incapacidades, a verdade é que não existe uma sentença que fixe com efeitos de trânsito em julgado quais são as sequelas que existiam, qual a sua valoração e afetação na capacidade de trabalho do sinistrado. Isto não quer dizer que não se aceite o acordo efetuado e não se parta deste para o estabelecimento da situação atual, mas não podemos afirmar que existe uma situação de caso julgado que estabeleça uma situação que agora, em sede de revisão, não pode ser alterada porque, se estivesse incorreta, devia ter sido objeto de reapreciação em recurso da decisão. Isto significa que não consideramos que o não atendimento de certas sequelas, como as cicatrizes, que certamente já existiam, não deixam de poder ser aqui valoradas pois, neste momento, os senhores peritos médicos valoraram a sua influência atual no exercício da atividade profissional do sinistrado, sendo que anteriormente não teriam, certamente, influência, na atividade profissional do sinistrado. Assim, consideramos que existe uma alteração sensível das circunstâncias em que assentou o acordo de fixação do dano, a indemnização do dano foi inicialmente fixada em renda, não obstante ter sido posteriormente remida e, por isso, consideramos que existe uma base legal que permite a modificação da obrigação de indemnizar atendendo as novas circunstâncias.”.
A apelante não concorda e diz que, “também não pode vingar o recurso da 1ª instância à aplicação do artº 567º, nº 2 do C.Civil, cujo âmbito respeita à responsabilidade civil extra-contratual e à obrigação de indemnização, nesse caso em renda, pois a recorrente não praticou qualquer facto ilícito, nem causou qualquer dano ao requerente, razão pela qual não tem de o indemnizar. A subsistir a douta decisão proferida sairiam fulminados princípios constitucionais como o da confiança, da certeza das relações jurídicas, da segurança jurídica no Estado de Direito, com os quais se previnem as legítimas expectativas do cidadão que confiou na postura e no vínculo criado através das normas prescritas no ordenamento jurídico. O que sucederia desde logo se fosse admitido que a cobertura de um contrato de seguro celebrado em 1997, e tendo ocorrido um acidente por ele abrangido nesse mesmo ano, com alta em 1999, pudesse albergar a pretensão de poder ser requerida uma revisão da incapacidade atribuída, mais de 16 anos depois. No cálculo do prémio de seguro o segurador avalia o RISCO (elemento essencial deste contrato) e determina o seu valor provável, naturalmente considerados os diversos factores desse risco, para que se estabeleça uma relação contratual equilibrada na qual o prémio é adequado a esse risco, sendo que, na apreciação do risco de acidente de trabalho, é particularmente relevante o regime legal de reparação que está em vigor à data do contrato, o que permite ao segurador a constituição de adequadas reservas matemáticas que mais não visam se não garantir as suas responsabilidades futuras, em função das prestações possíveis”.
Que dizer?
A obrigação de indemnização prevista nos art.s 562º e ss. do C. Civil, nomeadamente, a prevista no art. 567º do mesmo diploma legal, tanto se aplica à responsabilidade extracontratual como à contratual, ou seja, aos efeitos da responsabilidade civil, em qualquer das suas modalidades, aplica-se o instituto da obrigação de indemnização prevista nos citados artigos.
Por isso, não podemos acompanhar a afirmação da apelante de que o art. 567º do C. Civil “respeita à responsabilidade civil extra-contratual e à obrigação de indemnização, nesse caso em renda, pois a recorrente não praticou qualquer facto ilícito, nem causou qualquer dano ao requerente, razão pela qual não tem de o indemnizar”. E tendo o Tribunal “a quo” considerado que ao caso não seria aplicável a Lei dos Acidentes de Trabalho, consideramos que é admissível o incidente de revisão com base no disposto no nº2 daquele art. 567º.
No entanto, mesmo que assim não se entendesse, e ressalvando sempre melhor opinião, a igual conclusão se chega (de que o incidente de revisão é admissível no caso) com outro fundamento. Ou seja.
As condições gerais da apólice referente ao contrato de seguro celebrado entre as partes encontram-se juntas aos autos. Do seu teor (em especial do artigo 2º, nº3, onde se indica “as prestações em dinheiro” com clara alusão à pensão vitalícia) bem como do acordo celebrado e acima transcrito, resulta que ao apelado foi atribuída uma pensão anual e vitalícia.
Ora, qualquer pensão atribuída a um trabalhador (seja por conta de outrem seja por conta própria) tem natureza alimentícia, na medida em que visa compensá-lo da redução ou perda de capacidade de trabalho ou de ganho (veja-se o teor do artigo 1º da apólice, condições gerais, onde se define o que se entende por acidente de trabalho).
Sendo deste modo, e para quem defenda que ao caso não é aplicável o nº 2 do art. 567º, do C. Civil, sempre, será aplicável o disposto no art. 2012º do mesmo Código, o qual determina que: “Se, depois de fixados os alimentos pelo tribunal ou por acordo dos interessados, as circunstâncias determinantes da sua fixação se modificarem, podem os alimentos taxados ser reduzidos ou aumentados, conforme os casos, ...”.
Concluímos, assim, ser admissível o incidente de revisão.
E, nesses termos, improcedem ou são irrelevantes as conclusões da apelação.
*
III - DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se nesta secção em julgar improcedente a apelação e, em consequência, confirmar a decisão recorrida.

Custas pela apelante.

Porto, 15 de Novembro de 2021
*
O presente acórdão é assinado electronicamente pelos respectivos,

Rita Romeira
Teresa Sá Lopes
Domingos Morais