Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
10146/16.8T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JUDITE PIRES
Descritores: CONTRATO DE ADESÃO
CLÁUSULA PENAL
REJEIÇÃO DA IMPUGNAÇÃO DE FACTO
Nº do Documento: RP2018041110146/16.8T8VNG.P1
Data do Acordão: 04/11/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 3ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º 129, FLS.92-109)
Área Temática: .
Sumário: I - A alínea c) do artigo 19.º do Decreto - Lei n.º 446/85, de 25.10 pressupõe que a cláusula penal inserta num contrato de adesão seja “desproporcionada aos danos a ressarcir”, exigindo-se uma desproporção sensível e flagrante entre o montante da pena convencionada e o montante dos danos a reparar.
II - É nula a cláusula penal inscrita em contrato de adesão de manutenção de elevadores em que se estipula que “em caso de denúncia antecipada do presente contrato pelo proprietário ou seu representante a C… terá direito a uma indemnização por danos, que será imediatamente facturada, no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado para contratos com duração até 5 anos, no valor de 50% das prestações do preço para contratos com a duração entre 5 e 10 anos no valor de 25% do preço para contratos com a duração entre 10 e 20 anos”.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 10146/16.8T8VNG.P1
Comarca do Porto
Vila Nova de Gaia – Instância Local – Secção Cível – J2

Relatora: Judite Pires
1ºAdjunto: Des. Aristides de Almeida
2ª Adjunta: Des. Inês Moura
Acordam no Tribunal da Relação do Porto:
I. RELATÓRIO.
1. B…, LDA. (anteriormente designada C…, S.A.), com sede em …, Freguesia de …, …, Concelho de Sintra, pessoa colectiva n.º ………., com o capital social de €2.109.915,11, matriculada na Conservatória do Registo Comercial de Cascais, sob o n.º 787 (Sintra) propôs acção sob a forma de processo comum, contra CONDOMÍNIO DO EDIFÍCIO …, sito na Avenida …, n.º …, …. - … Vila Nova de Gaia, NIPC ………, peticionando, a final, que seja este condenado a pagar-lhe a quantia global de €20.352,07, acrescida dos juros vincendos contados sobre o capital, isto é, €19.768,81, desde 17.12.2016 e até efectivo e integral pagamento.
Alega em síntese os factos que consubstanciam a celebração de um contrato de manutenção de elevadores celebrado com o requerido e que sustenta a causa de pedir que se funda no seu incumprimento.
O réu contestou invocando a nulidade da cláusula penal, o abuso de direito da autora e a sua má fé, invocando a justa causa na resolução do contrato e impugnando os factos.
Realizou-se a audiência prévia, no decurso da qual foram apreciados os pressupostos de validade e regularidade da instância, identificado o objecto do litígio e enunciados os temas da prova e apreciados os requerimentos de prova, após o que foi designada data para a realização da audiência de julgamento.
Procedeu-se à audiência de discussão e julgamento, que decidiu julgar “a cláusula 7.4 proibida nos termos previstos na al. c) do art.º 19.º, porque desproporcionada, importando tal a sua nulidade, conforme disposto no art.º 12.º, ambos do DL n.º 446/85, a presente acção é improcedente e, mercê disso, o réu é absolvido do pedido que contra si a autora formulou”, tendo ainda absolvido a Autora do pedido de litigância de má fé.
2. Não se resignando com tal sentença a Autora, dela interpôs recurso de apelação para esta Relação, formulando com as suas alegações as seguintes conclusões:
62.1. Introdução
A) O Julgador “a quo”, decidiu que uma dada cláusula do Contrato dos Autos é proibida e absolveu o R., “in totum”, do pedido;
B) Salvo o devido respeito, se havia justa causa para o R. ter posto termo ao Contrato (como aliás o Julgador “a quo” entendeu haver), não era necessário sequer fazer esse trajecto, pois, a ser assim, o R. não incorreria em qualquer sanção: para quê declarar uma cláusula proibida, se o R., desde logo, não incorria na sua aplicação?;
C) Como se lê em “III – Decisão”, não foi “mercê disso” (de a cláusula ser julgada proibida) que ele vem absolvido, mas tão só porque – para o Julgador “a quo” – o R. tinha justa causa para pôr termo ao Contrato dos Autos, e, logo, não incorria em qualquer sanção;
D) Nesta Acção, a A. reclama do R. o pagamento da conservação do mês de Maio de 2016 (doc. nº 22 da P.I.), a indemnização contratual (doc. nº 23 da P.I.) e os respectivos juros (doc. nº 24 da P.I. e vencidos e vincendos);
E) O Julgador “a quo”, entendeu: i) que se um dos elevadores esteve parado, a factura de conservação não seria devida; ii) e que, apesar de o R. ter resolvido o Contrato dos Autos com justa causa, a A. não teria, em todo o caso, o direito à sanção, porque a cláusula, à luz da qual foi facturada, é proibida; iii) e, nada devendo, não há juros.
62.2. Da factura de conservação
F) Um dos elevadores avariou em 20.01.2016, a A. orçamentou o seu arranjo em 27.01.2016 (doc. 5 da P.I.), o R. não adjudicou esse arranjo, e o elevador ficou parado até 24.05.2016 (data da resolução do Contrato dos Autos – doc. no 20 da P.I.);
G) Esse arranjo estava excluído do Contrato (tendo que ser adjudicado previamente pelo R.), mas, desde logo, o Julgador “a quo” olvidou, em absoluto, que o outro elevador continuou a ser assistido pela A., e em dobro, já que o elevador que funcionava esteve a ser utilizado em excesso do tráfego para que foi concebido (duplicou) e tendo mais desgaste, mais assistência necessitou (a alínea EE) atente-se que dos Factos Provados, de alegação do R., corrobora isso mesmo);
H) Tenha-se presente que o R. pagou sempre e paulatinamente a conservação – sem reclamação – até Abril de 2016 e já tinha um elevador parado, o que representa o reconhecimento de que a A. continuava a conservar os seus elevadores (mesmo o parado era objecto da conservação preventiva possível), e nem pedido reconvencional deduziu, reclamando quaisquer prejuízos, o que é sintomático;
I) Além de que, o Facto Provado sob a alínea E) (“desde o início do contrato que a A. foi conservando mensalmente os elevadores do R. e cumprindo com as suas obrigações”), impunha, só por si, a condenação do R. no pagamento desse mês de conservação: se a A. cumpriu mensalmente as suas obrigações, e até Maio de 2016, inclusive, não pode o R. vir absolvido do pagamento da conservação desse mês.
62.3. Da factura de indemnização contratual
J) Como questão prévia, o Julgador “a quo” confunde o “prazo de duração do Contrato” (5 anos) com a sua “vigência”, as suas sucessivas renovações:- No facto Não Provado no 9, o Julgador “a quo” alude ao “Prazo de Duração”, como sendo de 5 anos, mas nas 9a, 10a e 11a linhas da página 6 da douta Sentença recorrida, repete que se a cláusula não fosse nula, mesmo assim, o Contrato dos Autos já tinha ultrapassado os 20 anos a que a cláusula alude, e também por isso não haveria lugar à sanção;- É óbvio que a “duração” são os 5 anos contratados, e hajam ou não renovações por iguais períodos;- Assim, o facto Provado sob a al. U), referir “vigência” e não “duração”, que são coisas absolutamente diversas para a aplicação da Cl. “7.4” aqui em causa;
L) Tendo presentes os Factos Provados sob as als. cc), e), v), w), y), z), g), i), j), k), l), aa) e m), a Cl. 2ª (Exclusões) do Contrato dos Autos, na al. A) do seu nº 2.3 dispõe, que, e transcrevemos:“A C… não garantirá o funcionamento dos elevadores por causas estranhas e fora do seu controlo. Como sejam:
a) Infiltração de água e/ou inundação na caixa, casa das máquinas ou poço”;
M) O Julgador “a quo” labora sobre o tema “Humidade” vs. “Infiltrações”, e como o orçamento alude a “Humidade”, e a cláusula a “infiltrações”, então a reparação seria da responsabilidade da A. por estar incluída no Contrato;
N) Estamos a falar de “água”, presente na casa das máquinas, que é absolutamente prejudicial, sobretudo, quando falamos em electricidade e o assegurar o isolamento e adequação das partes comuns do Edifício, nas quais estão instalados os elevadores, nomeadamente, a casa das máquinas, é da responsabilidade do R., enquanto seu proprietário;
O) É incompreensível a afirmação do Julgador “a quo” de que a “humidade é diferente de infiltração. Na humidade há vapor de água. Na infiltração há água.”;
P) Assim, quando a A. alude a “humidade” no seu orçamento, obviamente que a mesma existia por infiltração na casa das máquinas (se se quiser, inicialmente, por via lateral, e seguramente, depois, por condensação com o agravar da situação), com as devidas consequências;
Q) E fosse como fosse, se só havia vapor de água (na tese do Julgador “a quo”), o mesmo condensa, passando do estado gasoso para o estado líquido, e havendo água já estamos a falar de infiltração;
R) A apresentação do orçamento teve como origem a existência de humidade, nos componentes do elevador, resultante da entrada de água na casa das máquinas, como a A. demonstrou à saciedade;
S) O intérprete normal, o “Bonus Pater Família”, obviamente que interpreta a cláusula em questão desta forma;
T) Provado que ficou, haver “humidade” na casa das máquinas da responsabilidade do R. proprietário, não é possível acalentar a ideia de que como o Contrato refere “infiltrações”, a A. estava obrigada a reparar a instalação a custo zero para o seu cliente, o aqui R.;
U) Quando a A. no orçamento alude a “humidade”, obviamente que alude à presença da água na instalação, a qual entrou por via da infiltração lateral, e está, obviamente, excluída do Contrato;
V) Registe-se que o R., na carta de resolução (doc. no 20 da P.I.), não enjeita nunca essa responsabilidade, apenas alude ao facto de que não tinha conhecimento de qualquer situação anómala e que a A. se recusou a fazer a reparação (a questão é que a “reparação” a que alude é a da avaria referida em W) e não a substituição das peças mencionadas no orçamento referido em G));
X) Esclarecida a questão da “água”, e a sua exclusão do contrato de manutenção completa, ficou provado que o R. sabia da sua existência;
Z) As fotografias de fls. 16 e ss. falam por si: o R. foi tentar corrigir o problema, como se vê, e, se o foi fazer, é porque sabia que existia;
AA) As testemunhas da A. referiram que o porteiro era avisado mensalmente pelo técnico de conservação D… e que até o levou à casa das máquinas para ver (deixando até nota em alguns dos relatórios de visita);
BB) Hoje em dia 99% dos Edifícios não têm porteiro, mas no caso dos Autos, felizmente, até tem; e é exactamente nestas situações, em que há um porteiro (quando não há, cabe a um condómino), que melhor pode o cliente da A. cumprir a Cl. “3.1” do Contrato dos Autos, onde se lê, e transcrevemos:
“3.1. O(s) proprietário(s) ou seu Representante designarão uma pessoa delegada e residente no edifício à qual será confiada a chave da casa das máquinas (...)”;
CC) “In casu”, essa tarefa foi acometida ao Sr. E1…, ao Sr. E… (que assim aparece identificado no Rol do R.), e que apesar de ter entrado na sala de audiências para começar a depor, foi, por um passe de mágica, prescindido!;
DD) Não faz sentido prescindir de uma testemunha, quando se procura a descoberta da verdade, e o Julgador “a quo”, não só não valorizou essa atitude do R., como podia oficiosamente tê-lo ouvido para esclarecer tudo;
EE) É que o “porteiro” era a pessoa “delegada” e “residente” no prédio, que, obviamente, sabia de tudo o que se passava e a quem os funcionários da A. reportavam (naturalmente na esperança de que o mesmo comunicasse à sua entidade patronal, ao R.);
FF) Poder-se-ia dizer que atenta a situação especial da humidade (veja-se que aqui e a fls. 7 da douta decisão recorrida o Julgador “a quo” já qualifica essa humidade com ”alerta de perigo”...), a A. podia ter escrito ao R. a avisá-lo formalmente. Porém, não só os elevadores continuavam certificados até Novembro desse ano e a A. saiu da instalação em Junho de 2016; e, a ser assim, não haviam ainda problemas de segurança (cfr. doc. nº 4) da P.I.); como em alguns relatórios de visita mensal, entregues ao Sr. Porteiro, ficou registada essa menção; como, e finalmente, o R. tentou, “in loco”, resolver a questão como resulta das fotografias de fls. 16 e ss.;
GG) De facto, o Porteiro não é o “legal representante do R.”, mas, “in casu”, era o interlocutor contratualmente designado e inquestionável dos funcionários da A., e institucional, ou seja, sem dúvidas para ninguém, era o Sr. E1…, o Porteiro;
HH) A fls. 8 da decisão recorrida, e ao iniciar o capítulo “Do Direito”, o Julgador “a quo” informa – em nota de roda pé - que segue uma decisão do TRL de 05.02.2015. Porém, nessa decisão estavam em causa “Contratos de Conservação Simples” e aqui está em causa um “Contrato de Manutenção Completa”. Faz toda a diferença;
II) Nos termos do Anexo II – B – do DL 320/2002, de 28.12, o “Contrato de Manutenção Completa” inclui, no mínimo (refere o Legalizador), as seguintes obrigações:
a) A prestação dos serviços previstos no Contrato de Manutenção Simples (A);
b) A reparação ou substituição de peças ou componentes deteriorados resultantes do normal funcionamento da instalação, incluindo nomeadamente, no caso dos ascensores. Órgãos da caixa
constituída por cabos de tracção, do limitador de velocidade, de compensação e do selector de pisos e de fim de curso, cabos eléctricos flexíveis, rodas de desvio e pára-quedas;
Orgãos da casa das máquinas constituído por motor e ou gerador eléctrico, máquina de tracção, freio, maxilas de frenagem e os componentes do quadro de manobra cuja tensão nominal tenha uma tolerância inferior a 5%”.Este elenco, só por si, resolve os factos nos. 9/10 dados como “não provados”: é óbvio que a A., nos termos da Lei, está obrigada a ter essas peças em “stock” para servir o cliente a todo o tempo e faz o investimento respectivo (e “in casu” vinha-o fazendo desde Janeiro de 1990);
JJ) Foi ouvida em declarações de parte a Sra. Administradora, Dra. F…, economista, que desde 1989 até hoje, administra o prédio e tem no Edifício o seu escritório: temos, portanto, alguém com um curso superior, especialmente capacitada para ler e compreender o Contrato dos Autos que assinou em 24.01.1990, vinculando-se nos seus exactos termos;
LL) Depois, os factos “Não Provados” 1 e 11 são contraditórios:- 1. “O contrato de fls. 9/v. e ss. foi devidamente explicado, discutido e negociado com o R.”;- 11. “Tal contrato não foi, pois, explicado, discutido ou negociado com o R. sem qualquer hipótese de negociação e sem ter sido dado conhecimento antecipado ao R. das cláusulas gerais que iriam integrar e integraram o contrato”.Em que é que ficamos?;
MM) Se o R. não provou o facto “Não Provado” nº 11 (de facto, não podia, pois a Sra. Administradora assinou de forma consciente o Contrato dos Autos, composto de uma folha única e desdobrável), resulta evidente que a A. cumpriu o dever de informação, que em abstracto, sobre si impende;
NN) Quanto à questão da validade do clausulado, remete a A. para a resposta à matéria de excepção, oferecida em 10.04.2017 a estes Autos (bem como aos documentos aí juntos), que aqui, dá por reproduzida, para todos os devidos e legais efeitos;
OO) Aliás, tenha-se presente que o Julgador “a quo” – a fls. 9 da douta decisão recorrida – aceita que o Contrato dos Autos não é um mero contrato de adesão, mas ainda que a A. tivesse conseguido fazer ouvir o técnico comercial que negociou o contrato, seria seguramente, impossível que o mesmo se lembrasse em 1990 como foi, ao depor em Outubro e 2017;
PP) Em contratos de “manutenção completa”, a jurisprudência está longe de ser pacífica quanto à validade da cláusula em questão, e bem, face ao investimento – material e humano – feito pela A. no seu cliente, para o servir durante a vida do contrato, com a mesma qualidade do minuto “zero” ao minuto terminal, e que a “partida” injustificada do seu cliente, sem qualquer sanção, não deixa acautelada.
QQ) Basta pensar na situação de a A. substituir hoje cabos num dado elevador (que custam uns milhares de euros), estar a meio da vigência do contrato, e no dia seguinte o cliente põe termo ao contrato sem quaisquer penalidades só porque resolveu mudar de EMA, e a A. fica absolutamente desprotegida sem conseguir recuperar o seu investimento: o cliente fica com cabos para mais uns anos, não os paga, e muda de EMA sem consequências! Isto é impensável, e por isso é que a cláusula está lá!; e
RR) Em síntese:
- O Contrato dos Autos não é um mero contrato de adesão;
- foi discutido, negociado, assinado, renovando-se até 4 vezes sem alterações;
- a “saída” do R. do Contrato dos Autos foi-o sem justa causa;
- pelo que incorre na sanção contratual da Cl. “7.4”, à qual aceitou vincular-se nos idos de 1990 e sempre reconheceu saber do seu teor (veja-se, o último parágrafo da 2ª página da sua carta de resolução, junta como doc. no 20 da P.I., onde se lê “sempre inexistindo o direito à indemnização (...)”).
62.4. Em conformidade, sumariam-se os factos com respostas a alterar e que levam à inversão da douta decisão recorrida
“Provado” – BB) – Deverá passar a ser considerado como “Não Provado”;
- “Não provado” – 1, 2, 3, 5, 7, 8, 9 e 10 – Deverão passar a ser dados como “Provados”. Tudo com as legais consequências.
Nestes termos, e nos melhores de Direito que V. Exas. sempre e melhor suprirão, deve ao presente Recurso ser concedido provimento, condenando- se o R., como peticionado e com as legais consequências, só assim se alcançando a almejada JUSTIÇA!
O apelado apresentou contra-alegações, pugnando pela confirmação do decidido.
Colhidos os vistos, cumpre apreciar.
II. OBJECTO DO RECURSO.
A. Sendo o objecto do recurso definido pelas conclusões das alegações, impõe-se conhecer das questões colocadas pela recorrente e as que forem de conhecimento oficioso, sem prejuízo daquelas cuja decisão fique prejudicada pela solução dada a outras, importando destacar, todavia, que o tribunal não está obrigado a apreciar todos os argumentos apresentados pelas partes para sustentar os seus pontos de vista, sendo o julgador livre na interpretação e aplicação do direito.
B. Considerando, deste modo, a delimitação que decorre das conclusões formuladas pela recorrente, no caso dos autos cumprirá apreciar se:
- ocorreu erro na apreciação da prova;
- são devidas as quantias reclamadas pela Autora/Recorrente.
III- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.
III.1. Foram os seguintes os factos julgados provados em primeira instância:
A) A autora é uma sociedade comercial, que tem como actividades principais o fornecimento, a montagem e a conservação de elevadores.
B) Com data de 24.01.1990, A. e R. celebraram um Contrato de Manutenção Completa dos elevadores instalados no edifício do R., denominado “Contrato C… Manutenção Completa C…”
C) Nos termos desse contrato, a A. obrigou-se a conservar, durante um período de 5 (cinco) anos, renovável por iguais períodos, os dois elevadores instalados no edifício do R.: No de Contrato / Instalação: . ……/.; Tipo de Facturação (periodicidade): trimestral; Datas do contrato: Início 01.02.1990 Termo (Inicial) 31.01.1995 Termo (Na renovação em curso) 31.01.2020.
D) Os serviços contratados tinham o valor mensal inicial de 19.470$00, contra valor de €97,12 (+ IVA), que sofreu, entretanto, as actualizações anuais de preço respectivas, como contratadas, tendo à data da resolução do contrato o valor de € 439,31 (com IVA incluído).
E) Desde o início do contrato que a A. foi conservando mensalmente os elevadores do R. e cumprindo com as suas obrigações.
F) Os elevadores do R. foram sendo sucessivamente aprovados nas inspecções periódicas realizadas pela Associação de Inspectores Portuenses de Elevadores (AIPEL) a que foram sujeitos.
G) Em 27.01.2016, a A. apresentou o orçamento ……… para reparação do quadro de comando com a substituição da instalação eléctrica afectada pela humidade presente na casa da máquina do elevador.
H) A apresentação do orçamento teve por origem a existência de humidades nos componentes do elevador.
I) A correcção das avarias resultantes de infiltrações de água e/ou inundação na caixa, casa das máquinas ou poço é uma das causas de exclusão previstas em 2.3, alínea a) do contrato dos autos.
J) Assegurar o isolamento e adequação das partes comuns do prédio, nas quais estão instalados os elevadores, nomeadamente a casa das máquinas, é da responsabilidade do R., enquanto seu proprietário.
K) A A. cumpriu a sua obrigação contratualmente estipulada em 2.4 do contrato dos autos, comunicando ao R. os trabalhos necessários para a sua correcção e aguardando a sua adjudicação pelo cliente.
L) Em 10.02.2016, a A. informou o R. sobre a necessidade de adjudicar o referido orçamento, já que o mesmo tinha por finalidade repor o elevador em funcionamento e assegurar a substituição dos componentes avariados em resultado da existência de humidade na casa da máquina.
M) O R. não aceitou adjudicar aquele orçamento, o que levou a A. a, novamente, esclarecer o R. nos motivos pelos quais os trabalhos necessários para a reposição em funcionamento do elevador estavam excluídos do objecto do contrato e, como tal, era da responsabilidade do R. a sua adjudicação.
N) As fotografias de fls. 16 e ss. dos autos foram tiradas na casa das máquinas por técnico da autora.
O) A autora apresentou orçamentos com vista à modernização dos elevadores – intervenções não incluídos no objecto do contrato – através do qual seria possível aumentar a fiabilidade dos mesmos e prolongar o seu tempo de vida útil e com vista a dotar a casa das máquinas de um quadro eléctrico de protecção fiável e eficaz.
P) Por carta datada de 24.05.2016, recebida pela A. em 01.06.2016, o R. comunicou-lhe a “rescisão” do contrato celebrado entre as partes em 1990.
Q) Em resposta, a A. informou não poder aceitar a existência de justa causa para a cessação antecipada do contrato, solicitando a confirmação da data a partir da qual pretendia o R. que a resolução produzisse os seus efeitos.
R) O R. informou que a mesma teria efeitos a partir da sua recepção, ou seja, 01.06.2016.
S) A A. facturou a indemnização contratual prevista em 7.4. do contrato e remeteu-a ao R., para pagamento, considerando a resolução injustificada do contrato por este.
T) O R. não pagou 2 (duas) facturas e 1 (uma) nota de débito de juros, no valor somado de €19.995,69 (dezanove mil novecentos e noventa e cinco euros e sessenta e nove cêntimos):

Doc. n.º
22
23
24

Tipo de Factura
Conservação (*)
Indemnização Contratual
Nota de Débito de Juros

Factura N.º
.....................
.....................
.....................

Data Limite de Pagamento
01.05.2016
08.06.2016
12.09.2016

Valor em dívida(€)
1.317,92
19.329,50
226,88

U) O contrato em causa nos autos outorgado em 24 de Janeiro de 1990, teve uma vigência superior a 20 anos.
V) Em Janeiro de 2016, um dos elevadores da Ré sofreu uma avaria.
W) Contactada a Autora para a reparar a mesma, fez lá deslocar um técnico o qual referiu que o elevador necessitava de determinado tipo de peças.
X) O Réu ficou a aguardar tais peças e um funcionário da Autora veio colocá-las no elevador, para reparação do mesmo.
Y) Sucede que, no dia e no momento da reparação, ocorreu um curto circuito, tendo todo o prédio ficado sem electricidade.
Z) Só após esta ocorrência é que a Autora enviou ao Réu um orçamento, no valor de 2.570,00€, acrescido de IVA para repor em funcionamento o elevador.
AA) A avaria do elevador estava, no entendimento do réu, incluída no serviço de manutenção e assistência contratado com a Autora.
BB) Nunca até ao momento da avaria, a Autora comunicou ao Réu a existência de humidades e entrada de água pela janela da casa das máquinas.
CC) A autora fez visitas periódicas a vistoriar regularmente o estado dos elevadores.
DD) O elevador esteve inactivo desde Janeiro de 2016 até 1 de Junho de 2016.
EE) O que causou prejuízos ao Réu - um edifício comercial de escritórios, com 8 pisos – sobrecarregando demasiado o outro e obrigando a um tempo de espera maior e a um desgaste acrescido do equipamento.
III.2. A mesma instância deu como não provado:
- o contrato de fls. 9/v e ss. foi «devidamente explicado, discutido e negociado com o R.».
- A substituição de componentes orçamentada pela A. não estava incluída no objecto do contrato.
- A avaria foi resultante da entrada de água na casa das máquinas.
- A avaria que imobilizou um dos elevadores não decorreu da sua normal e prudente utilização do elevador.
- A A. já havia comunicado ao R., através dos técnicos de manutenção, a existência de humidades e entrada de água pela janela da casa das máquinas.
- A existência de humidade no comando e na casa das máquinas foi comunicada ao R. pela empresa independente contratada por este para a fiscalização do estado do elevador.
- Além do mais, a A. verificou que o R., instado para a necessidade de isolar devidamente a casa das máquinas, limitou-se a, de forma arcaica, colocar um painel sem que tal intervenção fosse capaz de servir a necessidade de isolamento da casa das máquinas.
- Por referência ao Facto Provado em O), que o R. olvidou por completo.
- Com a renovação de um contrato de manutenção completa, tendo em conta a duração do contrato – 5 (cinco) anos - a A. assegurou em stock a existência de peças compatíveis com os elevadores do R., para que, em caso de avaria de qualquer um dos componentes que compõem os elevadores e estando as mesmas abrangidas pelo objecto do contrato, pudessem ser prontamente substituídos, assegurando o seu funcionamento até ao último dia da vigência do contrato.
- A A. dimensiona a sua estrutura empresarial para atender cada cliente de acordo com a natureza, âmbito de duração dos serviços contratados, assumindo a responsabilidade civil e criminal sobre os elevadores, dispondo de apólice de seguro para o efeito.
- Tal contrato não foi, pois, explicado, discutido ou negociado com o R. sem qualquer hipótese de negociação e sem ter sido dado conhecimento antecipado ao R. das cláusulas gerais que iriam integrar e integram o contrato.
IV. FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.
1. Reapreciação da matéria de facto.
1.1. Questão prévia: admissibilidade do recurso quanto à impugnação da decisão que recaiu sobre a matéria de facto.
Escreve o recorrente no ponto 62.4. das conclusões que servem de remate às alegações de recurso:
Em conformidade, sumariam-se os factos com respostas a alterar e que levam à inversão da douta decisão recorrida
“Provado” – BB) – Deverá passar a ser considerado como “Não Provado”;
- “Não provado” – 1, 2, 3, 5, 7, 8, 9 e 10 – Deverão passar a ser dados como “Provados”. Tudo com as legais consequências.

De acordo com o nº 1 do artigo 640º do Código de Processo Civil, “quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:
a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto diversa da recorrida;
c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas”.
E de acordo com o nº 2 do mesmo dispositivo, “no caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte:
a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respectiva parte, indicar com exactidão as passagens de gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevante”.
Como esclarece Abrantes Geraldes[1], “a rejeição do recurso, na parte respeitante à impugnação da decisão da matéria de facto, deve verificar-se em alguma das seguintes situações:
a) Falta de conclusões sobre a impugnação da decisão da matéria de facto;
b) Falta de especificação nas conc1usões dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados;
c) Falta de especificação dos concretos meios probatórios constantes do processo ou nele registados (v.g. documentos, relatórios periciais, registo escrito, etc.);
d) Falta de indicação exacta das passagens da gravação em que o recorrente se funda, quando tenha sido correctamente executada pela secretaria a identificação precisa e separada dos depoimentos;
e) Falta de apresentação da transcrição dos depoimentos oralmente produzidos e constantes de gravação quando esta tenha sido feita através de mecanismo que não permita a identificação precisa e separada dos mesmos;
f) Falta de especificação dos concretos meios probatórios oralmente produzidos e constantes de gravação quando, tendo esta sido efectuada por meio de equipamento que permitia a indicação precisa e separada, não tenha sido cumprida essa exigência por parte do tribunal;
g) Apresentação de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, a tal ponto que a sua análise não permita concluir que se encontram preenchidos os requisitos mínimos para que possa afirmar-se a exigência de algum dos elementos referidos nas anteriores alíneas b) e c)”.
E acrescenta o mesmo autor: “importa observar ainda que as referidas exigências devem ser apreciadas à luz de um critério de rigor, próprio de um instrumento processual que visa pôr em causa o julgamento da matéria de facto efectuado por outro tribunal em circunstâncias que não podem ser inteiramente reproduzidas na 2ª instância. Trata-se, afinal, de uma decorrência do princípio da auto-responsabilidade das partes, impedindo que a impugnação da decisão da matéria de facto se transforme numa mera manifestação de inconsequente inconformismo”[2].
Já no preâmbulo do Decreto - Lei n.º 39/95, de 15/02, que introduziu o artigo 690º-A do Código de Processo Civil, na versão anterior à do Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, se fazia constar: a consagração de um efectivo duplo grau de jurisdição quanto à matéria de facto não deverá redundar na criação de factores de agravamento da morosidade na administração da justiça civil. Importava, pois, ao consagrar tão inovadora garantia, prevenir e minimizar os riscos de perturbação do andamento do processo, procurando adoptar um sistema que realizasse o melhor possível o sempre delicado equilíbrio entre as garantias das partes e as exigências de eficácia e celeridade do processo... A garantia do duplo grau de jurisdição em sede de matéria de facto nunca poderá envolver, pela própria natureza das coisas, a reapreciação sistemática e global de toda a prova produzida em audiência - visando apenas a detecção e correcção de pontuais, concretos e seguramente excepcionais erros de julgamento, incidindo sobre pontos determinados da matéria de facto, que o recorrente sempre terá o ónus de apontar claramente e fundamentar na sua minuta de recurso. Não poderá, deste modo, em nenhuma circunstância, admitir-se como sendo lícito ao recorrente que este se limitasse a atacar, de forma genérica e global, a decisão de facto, pedindo, pura e simplesmente, a reapreciação de toda a prova produzida em 1.ª instância, manifestando genérica discordância com o decidido.
A consagração desta nova garantia das partes no processo civil implica naturalmente a criação de um específico ónus de alegação do recorrente, no que respeita à delimitação do objecto do recurso e à respectiva fundamentação”.
Tal orientação foi claramente reafirmada na reforma legislativa de 2007, como expressamente decorre do artigo 685º-B, já referido, tendo sido até reforçada pelo novo Código de Processo Civil aprovado pela Lei nº 41/2013, de 26 de Junho[3].
Como é afirmado por Abrantes Geraldes[4], “com o art. 640º do novo CPC o legislador visou dois objectivos: sanar dúvidas que o anterior preceito suscitava e reforçar o ónus de alegação imposto ao recorrente, prevendo que deixe expresso a decisão alternativa que, em seu entender, deve ser proferida pela Relação em sede de reapreciação dos meios de prova”.
Das normas em causa ressaltam essencialmente duas conclusões:
A primeira reporta-se ao âmbito da impugnação da matéria de facto: só é possível uma impugnação delimitada, discriminada, não sendo admissível uma oposição genérica, indiferenciada do decidido. Como salienta Lopes do Rego[5], «…o alegado “erro de julgamento” normalmente não inquinará toda a decisão proferida sobre a existência, inexistência ou configuração essencial de certo “facto”, mas apenas sobre determinado e específico aspecto ou circunstância do mesmo, que cumpre à parte concretizar e delimitar claramente».
A segunda refere-se à indicação dos meios probatórios que suportam a divergência quanto ao julgamento da matéria de facto: o recorrente deve indicá-los, de forma precisa e individualizada, reportando-os ao concreto segmento da decisão impugnada, pois que não é mister da segunda instância proceder à reapreciação da globalidade dos meios de prova produzidos.
E no caso específico da prova testemunhal gravada, o cumprimento desse ónus reclama, sob pena de imediata rejeição do recurso, a indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o recurso.
O ónus específico que o anterior artigo 685º-B do Código de Processo Civil e actualmente o artigo 640º do NCPC faz recair sobre o recorrente mais não é do que uma manifestação de princípios processuais fundamentais como o da cooperação, da lealdade e da boa-fé, assegurando a seriedade do próprio recurso interposto, evitando que o mesmo seja usado com fins meramente dilatórios, com o único propósito de protelar o trânsito da decisão[6].
De acordo com as “linhas orientadoras da nova legislação processual civil”[7], um dos objectivos essenciais da reforma do processo civil consistia em assegurar a “efectiva existência de um segundo grau de jurisdição na apreciação de questões de facto, em articulação com o princípio do registo das audiências e da prova nela produzida”, mas para que tal não constituísse um factor de acentuada morosidade na segunda instância, ressalva-se a necessidade de alteração do “ónus de alegação e formulação de conclusões pelo recorrente que impugne a matéria de facto, incumbindo-lhe a indicação precisa, clara e determinada dos concretos pontos de facto em que diverge da apreciação do tribunal, devendo fundamentar a sua divergência com expressa advertência às provas produzidas - procurando-se, por esta via, tornar praticável uma verdadeira reapreciação dos concretos pontos de facto controvertidos, sem custos desmedidos em termos de morosidade na apreciação dos recursos”.
Como esclarece o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22.10.2015[8], “importa ter presente que, no domínio do nosso regime recursal cível, o meio impugnatório mediante recurso para um tribunal superior não visa propriamente um novo julgamento global da causa, mas apenas uma reapreciação do julgamento proferido pelo tribunal a quo com vista a corrigir eventuais erros da decisão recorrida. Significa isto que a finalidade do recurso não é proferir um novo julgamento da ação, mas julgar a própria decisão recorrida.
[...] no que respeita à impugnação da decisão de facto, esta decisão consiste no pronunciamento que é feito, em função da prova produzida, sobre os factos alegados pelas partes ou oportuna e licitamente adquiridos no decurso da instrução e que se mostrem relevantes para a resolução do litígio. Essa decisão tem, pois, por objeto os juízos probatórios parcelares, positivos ou negativos, sobre cada um dos factos relevantes, embora com o alcance da respetiva fundamentação ou motivação.
Neste quadro, a apreciação do erro de julgamento da decisão de facto é circunscrita aos pontos impugnados, embora, quanto à latitude da investigação probatória, o tribunal de recurso tenha um amplo poder inquisitório sobre a prova produzida que imponha decisão diversa, como decorre do preceituado no artigo 662.º, n.º 1, do CPC, incluindo os mecanismos de renovação ou de produção dos novos meios de prova, nos exatos termos do n.º 2, alíneas a) e b), do mesmo artigo, sem estar adstrito aos meios de prova que tiverem sido convocados pelas partes e nem sequer aos indicados pelo tribunal recorrido.
De resto, como é hoje jurisprudência seguida por este Supremo Tribunal, a reapreciação da decisão de facto impugnada pelo tribunal de 2.ª instância não se limita à verificação da existência de erro notório por parte do tribunal a quo, mas implica uma reapreciação do julgado sobre os pontos impugnados, em termos de formação, por parte do tribunal de recurso, da sua própria convicção, em resultado do exame das provas produzidas e das que lhe for lícito ainda renovar ou produzir, para só, em face dessa convicção, decidir sobre a verificação ou não do erro invocado, mantendo ou alterando os juízos probatórios em causa.
São portanto as referidas condicionantes da economia do julgamento do recurso e da natureza da decisão de facto que postulam o ónus, por banda da parte impugnante, de delimitar com precisão o objecto do recurso, ou seja, de definir as questões a reapreciar pelo tribunal ad quem, especificando os concretos pontos de facto ou juízos probatórios, nos termos da alínea a) do n.º 1 do art.º 640.º do CPC. Tal especificação pode fazer-se de diferentes modos: o mais simples, por referência ao ponto da sentença em que se encontram inseridos; ou então pela transcrição do próprio enunciado”.
E assinala o acórdão do mesmo Supremo Tribunal de Justiça de 29.10.2015[9]: “para além de sempre ter vigorado um rigoroso ónus de delimitação do objecto da impugnação deduzida pelo apelante e de fundamentação minimamente concludente de tal impugnação (traduzido na necessária e cabal indicação dos pontos de facto questionados e dos meios probatórios que imponham decisão diversa sobre eles, complementado entretanto pela vinculação do recorrente a indicar qual o exacto sentido decisório que decorreria da correcta apreciação dos meios probatórios em causa, assim mostrando claramente onde estava situado o invocado erro de julgamento), estabelecia ainda o regime originário, emergente do DL 329-A/95 um ónus de transcrição das passagens da gravação em que o recorrente se fundava para demonstrar a existência do erro na apreciação das provas gravadas ou registadas (facultando-se assim ao Tribunal da Relação um suporte físico escrito, tendente a facilitar grandemente a tarefa de reapreciação dos depoimentos e, pela onerosidade da tarefa de transcrição, inteiramente a cargo do recorrente, desmotivando impugnações manifestamente infundadas e ostensivamente inviáveis).
Por outro lado, procurou inviabilizar-se a possibilidade de formulação de convites ao aperfeiçoamento, geradores de incidentes dilatórios, no que se refere ao adequado cumprimento dos ónus a cargo do apelante, cabal e claramente definidos pela lei de processo, por se considerar tal possibilidade geradora de possíveis abusos e potenciadora de atrasos processuais: a falta de cumprimento adequado pelo recorrente dos ónus, claramente definidos na lei, seria, pois, indício de uma falta de consistência e seriedade na impugnação da matéria de facto que, sem mais, deveria ditar o imediato insucesso do recurso, nessa parte.
[...] O actual CPC não trouxe consigo alteração relevante no ónus de delimitação e fundamentação do recurso em sede de matéria de facto, já que o nº 1 do artigo 640º:
– manteve, sob pena de rejeição do recurso quanto à matéria de facto, o ónus de indicação obrigatória dos concretos pontos de facto que o recorrente considera incorrectamente julgados (al. a) e de especificação dos concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos de facto impugnados diversa da recorrida (al. b), exigindo ainda ao recorrente que especifique expressamente a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas (al. c);
- e à mesma rejeição imediata conduz, no actual CPC, a falta de indicação exacta das passagens da gravação em que se funda o recurso, sem prejuízo de o recorrente poder apresentar a “transcrição dos excertos” relevantes.
Percorrendo, deste modo, os regimes processuais que têm vigorado quanto a este tema, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes; e um ónus secundário – tendente, não tanto a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida – que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização das passagens da gravação relevantes”.
O legislador fulmina com a rejeição do recurso, relativamente à impugnação da matéria de facto, a falta de cumprimento de qualquer dos ónus impostos pelos nºs 1 e 2 do artigo 640º da lei processual civil, sem possibilidade sequer de correcção dessa omissão na sequência de despacho de aperfeiçoamento, que não tem de ser proferido para sanar tais situações[10].
Retornando à impugnação que a apelante em sede de recurso formula quanto à decisão que em primeira instância apreciou a matéria de facto:
A mesmo limita-se a identificar a matéria de facto que considera incorrectamente apreciada pelo tribunal de primeira instância e a indicar o sentido com que a mesma devia ter sido julgada.
Quanto aos concretos meios de prova que poderiam fundamentar a reclamada alteração do decidido...nem uma palavra!
E essa omissão não ocorre apenas nas conclusões, mas igualmente no corpo das alegações, o qual, quanto à pretendida reapreciação da matéria de facto é, estranhamente[11], mais lacónico, limitando-se a apontar a existência de contradição entre os factos constantes dos pontos 1 e 11, ambos não provados, para fundamentar a sua divergência quanto ao decidido sobre a matéria de facto.
O cumprimento do ónus de alegação determinado pelas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil impunha ao recorrente não só a indicação concreta e precisa dos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados – o que satisfez -, mas também a identificação e individualização dos meios de prova que poderiam, no seu entender, fundamentar decisão diversa da proferida.
Esse ónus claramente não se mostra cumprido: a recorrente não concretiza um único meio de prova que possa servir de suporte à alteração ao decido que reclama.
A falta de cumprimento do ónus imposto pela alínea b) do n.º 1 do artigo 640.º do Código de Processo Civil constitui, nos termos antes expostos, fundamento para a rejeição do recurso no que concerne à pretendida reapreciação dos indicados segmentos decisórios.
Quanto à denunciada contradição entre os segmentos decisórios contidos nos pontos 1 e 11 dos factos não provados – que, a existir, poderia justificar o recurso ao mecanismo previsto na alínea c) do n.º 2 do artigo 662.º do Código de Processo Civil – é patente a sua inexistência.
Não existe, com efeito, qualquer antagonismo entre as afirmações de que “o contrato de fls. 9/v e ss. foi «devidamente explicado, discutido e negociado com o R.» e que “tal contrato não foi [...] explicado, discutido ou negociado com o R. sem qualquer hipótese de negociação e sem ter sido dado conhecimento antecipado ao R. das cláusulas gerais que iriam integrar e integram o contrato”, tratando-se ambas de proposições negativas.
Da conjugação destes dois segmentos decisórios, considerados não provados, apenas se pode extrair que não se logrou apurar que o contrato não haja sido explicado, discutido e negociado com o Réu, mas também não se conseguiu demonstrar o inverso.
Não se confirmando a assinalada contradição que afecte a decisão sobre a matéria de facto apreciada e não tendo a recorrente satisfeito integralmente o ónus de alegação de que o artigo 640.º do Código de Processo Civil faz depender a reapreciação da matéria de facto, rejeita-se o recurso na parte em que visa a impugnação da decisão relativa àquela matéria, mantendo-se, por conseguinte, esta inalterada.
2. Do mérito do julgado.
2.1. Do direito à contrapartida reclamada pela Autora pela manutenção, durante o mês de Maio de 2016, do elevador …….
Entre a Autora, que tem como actividade fornecimento, montagem e conservação de elevadores, e o Réu foi celebrado, com data de 24.01.1990, um contrato denominado Manutenção Completa C…, nos termos do qual a Autora se obrigou a conservar, durante um período de 5 (cinco) anos, renovável por iguais períodos, os dois elevadores instalados no edifício do segundo.
Trata-se de um típico contrato de prestação de serviços, no âmbito do qual a Autora se obrigou perante o Réu a assegurar a manutenção dos dois elevadores existentes no prédio deste, mediante contrapartida económica ajustada entre ambos.
A Autora por via desta acção reclama o pagamento da quantia global de €19.768,81, que engloba o valor devido pela manutenção do elevador ……. relativamente ao mês de Maio de 2016 – documento n.º 22, junto com a petição inicial -, indemnização contratual por resolução antecipada do contrato e juros vencidos.
Com relevância, resulta nos autos demonstrado que:
- Em Janeiro de 2016, um dos elevadores da Ré sofreu uma avaria – ponto V).
- Contactada a Autora para a reparar a mesma, fez lá deslocar um técnico o qual referiu que o elevador necessitava de determinado tipo de peças – ponto W).
- O Réu ficou a aguardar tais peças e um funcionário da Autora veio colocá-las no elevador, para reparação do mesmo – ponto X).
- No dia e no momento da reparação, ocorreu um curto circuito, tendo todo o prédio ficado sem electricidade – ponto Y).
- Só após esta ocorrência é que a Autora enviou ao Réu um orçamento, no valor de 2.570,00€, acrescido de IVA para repor em funcionamento o elevador – ponto Z).
- Em 27.01.2016, a A. apresentou o orçamento ……… para reparação do quadro de comando com a substituição da instalação eléctrica afectada pela humidade presente na casa da máquina do elevador – ponto G).
- A apresentação do orçamento teve por origem a existência de humidades nos componentes do elevador – ponto H).
- Em 10.02.2016, a A. informou o R. sobre a necessidade de adjudicar o referido orçamento, já que o mesmo tinha por finalidade repor o elevador em funcionamento e assegurar a substituição dos componentes avariados em resultado da existência de humidade na casa da máquina – ponto L).
- O R. não aceitou adjudicar aquele orçamento, o que levou a A. a, novamente, esclarecer o R. nos motivos pelos quais os trabalhos necessários para a reposição em funcionamento do elevador estavam excluídos do objecto do contrato e, como tal, era da responsabilidade do R. a sua adjudicação – ponto M).
- Nunca até ao momento da avaria, a Autora comunicou ao Réu a existência de humidades e entrada de água pela janela da casa das máquinas – ponto BB) – apesar de fazer visitas periódicas a vistoriar regularmente o estado dos elevadores – ponto CC).
- O elevador esteve inactivo desde Janeiro de 2016 até 1 de Junho de 2016 – ponto DD).
- Por carta datada de 24.05.2016, recebida pela A. em 01.06.2016, o R. comunicou-lhe a “rescisão” do contrato celebrado entre as partes em 1990 – ponto P).
O quadro factual descrito atesta que um dos elevadores[12] do prédio do Réu sofreu uma avaria em Janeiro de 2016, que o deixou inactivo desde então até ao dia 1 de Junho do mesmo ano.
A Autora, declinando a sua responsabilidade pela reparação do elevador avariado, com o argumento de que o seu dever de correcção de avarias resultantes de infiltrações de água e/ou inundação na caixa, casa das máquinas ou poço é excluído nos termos do contrato celebrado com o Réu, não procedeu à reparação do aludido equipamento, antes apresentando àquele orçamento com os custos da reparação, tendo, em 10.02.2016, informado o R. sobre a necessidade de adjudicar o referido orçamento, já que o mesmo tinha por finalidade repor o elevador em funcionamento e assegurar a substituição dos componentes avariados em resultado da existência de humidade na casa da máquina.
Porque o Réu se haja recusado a adjudicar a reparação do mencionado elevador à Autora, voltou esta a informá-lo que os trabalhos necessários para a reposição em funcionamento do elevador estavam excluídos do objecto do contrato e, como tal, era da responsabilidade do Réu a sua adjudicação.
O que significa, por um lado, que a Autora não corrigiu a anomalia detectada no elevador em causa, e, por outro, porque o mesmo permanecia inactivo, que não procedeu entretanto à sua regular manutenção.
Embora fosse da responsabilidade do Réu assegurar o isolamento e adequação das partes comuns do prédio, nas quais estão instalados os elevadores, nomeadamente a casa das máquinas, e se achasse contratualmente excluída a responsabilidade da Autora pela correcção de avarias resultantes de infiltrações de água e/ou inundação na caixa, casa das máquinas ou poço, não resultou provado que a avaria haja sido causada pela entrada de água na casa das máquinas.
Ficou, de resto, por demonstrar que a A. já havia comunicado ao R., através dos técnicos de manutenção, a existência de humidades e entrada de água pela janela da casa das máquinas.Ao invés, ficou comprovado que nunca, até ao momento da avaria, a Autora comunicou ao Réu a existência de humidades e entrada de água pela janela da casa das máquinas, ainda que, no cumprimento das suas obrigações contratuais, procedesse à regular manutenção dos dois elevadores do prédio do Réu, efectuando visitas periódicas para vistoriar o estado de tais equipamentos.
E também como resulta comprovado nos autos, após eclosão da avaria no dito elevador, em Janeiro de 2016, tendo a Autora sido contactada para proceder à sua reparação, fez a mesma deslocar ao local um técnico, que precisou necessitar o elevador de determinado tipo de peças, tendo um funcionário da Autora chegado a colocá-las no elevador, para reparação do mesmo, o que só não se concretizou pela circunstância de no dia e no momento da reparação ter ocorrido um curto circuito, fazendo que todo o prédio ficasse sem electricidade. Só após esta ocorrência é que a Autora enviou ao Réu um orçamento, no valor de 2.570,00€, acrescido de IVA para repor em funcionamento o elevador.
Não resultando demonstrado que a anomalia registada no mencionado elevador, em Janeiro de 2016, haja resultado de circunstância que afastava a responsabilidade da Autora pela sua correcção – facto que lhe competia provar, o que não fez -, não tendo feito a mesma a manutenção de tal elevador, que, por virtude da avaria, se mantinha imobilizado, não lhe era devida qualquer contrapartida a título de manutenção desse específico equipamento[13].
Com efeito, como dá conta a sentença recorrida, “a autora não cumpriu com o seu dever de conservação dos elevadores após a avaria de Janeiro de 2016, sendo que um deles esteve parado cerca de meio ano até à resolução unilateral do contrato por parte do réu”, concluindo, mais à frente: “a autora devia ter prestado a assistência solicitada ao abrigo do contrato de manutenção, não o tendo feito, não pode ser devido o pagamento, sendo nesta parte improcedente o pedido da autora por se ter verificado por parte desta incumprimento”.
2.2. Da invocada justa causa para a resolução do contrato.
Na sequência dos factos anteriormente narrados, nomeadamente a avaria do elevador ……, que, por não ter sido reparado pela Autora, por imputar essa responsabilidade ao Réu, se manteve inactivo desde a eclosão da anomalia até 1 de Junho de 2016, este comunicou à Autora a “rescisão” do contrato celebrado entre as partes em 1990, por carta datada de 24.05.2016, recebida pela destinatária a 01.06.2016, respondendo-lhe a Autora não aceitar a existência de justa causa para a cessação antecipada do contrato.
O artigo 432°, n° 1 do Código Civil admite a resolução do contrato fundada na lei ou em convenção, operando mediante declaração duma parte à outra, nos termos do artigo 436° do Código Civil.
A revogação pode ser unilateral, quando é reconhecida a uma das partes a faculdade de dar sem efeito o contrato, ou bilateral, quando a extinção do contrato se dá por mútuo consentimento dos contraentes.
A resolução consiste na destruição da relação contratual, validamente constituída, operada por um acto posterior de vontade de um dos contraentes, que pretende fazer regressar as partes à situação em que elas se encontrariam se o contrato não tivesse sido celebrado[14].
O direito de resolução é um direito potestativo extintivo, que depende de um fundamento: exige a verificação de um facto que crie esse direito, isto é, tem de ocorrer um facto ou situação – no caso, o incumprimento ou inadimplência - a que a lei atribua como consequência o desencadeamento desse direito potestativo[15].
Assim, o direito de resolução está sempre condicionado a uma situação de inadimplência e, como ocorre no universo contratual, a resolução legal do contrato pressupõe uma situação de incumprimento “stricto sensu”.
Tendo as partes celebrado entre si um contrato, a 24.01.1990, assumindo a Autora, mediante contrapartida económica, a obrigação de proceder à conservação, pelo período de cinco anos, renováveis por iguais períodos, dos dois elevadores instalados no edifício do Réu, veio este a desvincular-se do referido contrato a 01.06.2016, isto é, antes do seu termo, por resolução unilateral, comunicada por carta à Autora.
Fê-lo quando um dos elevadores, cuja manutenção e conservação estava contratualmente a cargo da Autora, se achava imobilizado, por avaria, há cerca de seis meses, negando-se esta a proceder, sem custos, à sua reparação, cujo encargo pretendeu fazer recair sobre o Réu, ainda que, após comunicação da avaria, tenha assumido o dever de proceder à sua correcção, tanto que fez deslocar ao local técnico seu, enviando, após, um seu funcionário com as peças necessárias à reparação da avaria, que apenas não se realizou pelo facto de na data ajustada ter ocorrido no prédio um curto-circuito, afectando o fornecimento de electricidade, o que impediu a sua concretização.
Cumprindo à Autora, pelas razões adiantadas, remover a anomalia que afectava o elevador, de forma a permitir a sua operacionalidade, negando-se a fazê-lo – embora inicialmente haja reconhecido ser da sua responsabilidade tal reparação -, permanecendo aquele equipamento inactivo durante cerca de seis meses, sendo o prédio onde se acha instalado um edifício comercial de escritórios, com 8 pisos, conduzindo essa imobilização a uma sobrecarga e desgaste acrescidos do único elevador em funcionamento, obrigando os seus utilizadores a um tempo de espera maior, sendo incontestáveis os transtornos e prejuízos daí decorrentes, mostra-se plenamente justificada, por parte do Réu, a sua desvinculação antecipada do contrato.
Como tal, havendo justa causa para a resolução unilateral do contrato e consequente antecipação da sua cessação, não se mostra exigível o pagamento da quantia reclamada a título de cláusula penal.
A qual, ainda que não se configurassem os pressupostos da justa causa da antecipação do termo do contrato, também não seria devida, pelas razões que se passam a expor.
2.3. Da nulidade da cláusula 7.4. do contrato celebrado entre Autora e Réu
Consta das condições gerais do contrato - cláusula 7.4: “uma vez que a natureza, âmbito e duração dos serviços aqui convencionados é elemento conformante da dimensão da estrutura empresarial da C…, em caso de denúncia antecipada do presente contrato pelo proprietário ou seu representante a C… terá direito a uma indemnização por danos, que será imediatamente facturada, no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado para contratos com duração até 5 anos, no valor de 50% das prestações do preço para contratos com a duração entre 5 e 10 anos no valor de 25% do preço para contratos com a duração entre 10 e 20 anos”.
A cláusula em apreço, integrada no contrato que a representante do Réu subscreveu, apondo nele a sua assinatura, prevê uma penalização pela quebra antecipada do vínculo contratual, conferindo à Autora uma indemnização cujo valor é pré - determinado em função do tempo antecipado para o termo do contrato.
Podemos, assim, falar da estipulação de uma cláusula penal na medida em que através dela as partes pretenderam fixar uma indemnização para a possibilidade de o Réu livremente se desvincular do contrato e, simultaneamente, liquidar previamente o dano que tal actuação poderá causar à prestadora dos serviços.
A cláusula penal consiste, como resulta da definição legal do artigo 810.º, nº 1 do Código Civil, na faculdade reconhecida às partes de “fixar, por acordo, o montante da indemnização exigível”, tratando-se da convenção através da qual as partes fixam o montante da indemnização a satisfazer, em caso de eventual inexecução do contrato[16].
Tem como escopo último a fixação antecipada de uma indemnização, compensatória ou moratória, pelo incumprimento ou retardamento no cumprimento da obrigação, com intuito de se evitarem futuras dúvidas e litígios entre as partes, quanto à determinação do montante da indemnização[17].
Pinto Monteiro[18] distingue três tipos de cláusulas penais, consoante o objectivo por elas visado e o seu modo de actuação: as que fixam antecipadamente o montante da indemnização, que, por razões de segurança jurídica, procedem à liquidação prévia dos danos, substituindo a indemnização fixada nos termos gerais; as puramente compulsórias, que, tendo por objectivo o constrangimento ao cumprimento da obrigação, são autónomas em relação à indemnização, acrescendo a esta; e as cláusulas penais em sentido estrito, que, não tendo uma função meramente indemnizatória, constituem uma alternativa à indemnização.
Serve isto para dizer que, no caso concreto, a cláusula em apreço não apenas faz depender o exercício do direito do Réu revogar unilateral e livremente o contrato ao pagamento de uma indemnização à Autora, como limita tal indemnização a um valor pré - determinado.
Essa pré - fixação do valor da indemnização, em função do tempo que faltava para o contrato atingir o seu termo, afasta a possibilidade de a Autora ser indemnizada nos termos gerais, mesmo na hipótese de o seu prejuízo ser superior ao valor fixado, e simultaneamente impede o Réu de demonstrar que o dano sofrido por aquela foi inferior ao valor estipulado para se eximir ao pagamento da indemnização fixada.
Dispõe o n.º 3 do artigo 1.º do Decreto - Lei n.º446/85, de 25 de Outubro:
“1. As cláusulas contratuais gerais elaboradas de antemão, que proponentes ou destinatários indeterminados se limitem, respectivamente, a subscrever ou aceitar, regem-se pelo presente diploma.
2. O presente diploma aplica-se igualmente às cláusulas em contratos individualizados, mas cujo conteúdo previamente elaborado o destinatário não pôde influenciar”.
Sobre este último dispositivo, que corresponde ao artigo 3.º, n.º 2, parágrafo 3.º, da Directiva Comunitária 93/13/CEE, de 5 de Abril, que a transpõe para a ordem jurídica interna, esclarece José Manuel de Araújo de Barros[19]: “...se é certo que é aquele a quem não convém a cláusula que tem interesse em pedir a declaração da sua nulidade ou a sua exclusão do contrato, não podemos esquecer que quem invoca a cláusula é que tem de provar a sua existência e o conjunto de factos que a tornam eficaz. Recaindo sobre ele não só o ónus de prova como também o de alegação dos factos constitutivos do direito invocado (artigos 342º, n.º 1 do Código Civil e 664º do Código de Processo Civil). Pelo que, em um caso concreto, dever-se-á entender que determinada cláusula previamente elaborada cai na previsão do artigo 1.º do DL n.º 446/85 se a parte que dela queira prevalecer-se não tiver alegado e provado que a mesma resultou de negociação. Sem o que se concluirá que a mesma não resultou dessa negociação, mesmo que a contra parte a tal se não tenha reportado”.
Cabia, pois, à Autora, que invocou a cláusula 7.4 do contrato aqui em discussão, e que dela se quis prevalecer, alegar e demonstrar que a mesma resultou de negociação entre as partes para a afastar do regime do Decreto - Lei n.º 446/85. Ónus, de alegação e de prova, que a mesma não satisfez.
Como se afirma no Acórdão da Relação de Lisboa de 05.02.2009[20], “não se provando que determinadas cláusulas contratuais, apesar de inseridas numa rubrica intitulada “condições específicas”, tenham sido objecto de negociação prévia – e o respectivo ónus incumbe à parte que pretende prevalecer-se do seu conteúdo – ficarão as mesmas abrangidas pelo regime aplicável às cláusulas contratuais gerais, nos termos do artigo 1º, nº 3 do DL nº 446/85”[21].
Segundo o acórdão da Relação do Porto de 19.02.2004[22], “nos contratos de adesão as cláusulas penais manifestamente desproporcionais aos danos, não são redutíveis, mas nulas.
Como tal, o tribunal pode declarar a respectiva nulidade, oficiosamente.”
Recorde-se que, tendo o contrato sido celebrado a 24.01.1990, por um período de cinco anos, renovável por iguais períodos, procedeu o Réu à sua resolução a 01.06.2016, logo antes do seu termo, que ocorreria a 24.01.2020.
Em virtude disso, e acionando a referida cláusula contratual, a Autora emitiu e enviou ao Réu a factura relativa à sanção nela prevista[23], no valor de € 19.329,50, cujo pagamento, não tendo sido satisfeito pelo Réu, a mesma agora reclama pela via judicial.
Para determinar se a referida importância, reclamada a título de cláusula penal, é ou não devida, importa tomar posição quanto à validade da cláusula 7.4.
Ao fixar os limites de conteúdo das cláusulas contratuais gerais, o Decreto - Lei n.º 446/85, de 25.10, consagrou a boa - fé como princípio geral de controlo - cfr. art.ºs 15.º e 16.º -, elencando nos artigos 18º a 22º as cláusulas que qualifica de absoluta ou relativamente proibidas.
Nos termos da alínea c) do artigo 19.º do Decreto - Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro, “são proibidas, consoante o quadro negocial padronizado, designadamente, as cláusulas contratuais gerais que consagrem cláusulas penais desproporcionadas aos danos a ressarcir”.
Segundo o acórdão do STJ de 12.06.2007[24], “para aferir da adequação do conteúdo da concreta cláusula penal com a citada norma da al. c), há que estabelecer uma relação entre o montante dos danos a reparar e a pena fixada contratualmente, de modo a que se possa dizer que há uma equivalência entre os dois valores.
Porém, [...] essa aferição não se pode fazer quanto aos danos concretos do contrato em apreço, mas aos que normal e tipicamente resultam, dentro do quadro negocial padronizado, em que o contrato se integra”.
Como se escreveu no acórdão da Relação do Porto de 08.04.2014[25], reflectindo sobre a validade de uma cláusula inserida pela aqui Autora num outro contrato, com contornos semelhantes ao que aqui se discute, “há assim que estabelecer uma relação entre o montante dos danos a ressarci e a pena fixada contratualmente, de modo a que se possa dizer que há uma equivalência entre os dois valores, para tanto atendendo-se não ao caso concreto, mas aos danos que “normal e tipicamente resultam, dentro do quadro negocial padronizado, em que o contrato se integra” segundo “critérios objectivos, numa avaliação prospectiva guiada por cálculos de proporcionalidade e valores médios e usuais, tendo em conta factores que, em casos daquele género, habitualmente relevam na produção e na medida dos prejuízos”.
Quanto ao que se deve entender por “desproporcionada”, na expressão da al. b), do art.º 19.º do DL 446/85, de 25.10, e sem entrarmos na discussão doutrinal e jurisprudencial pendente sobre tal questão, entendemos que, na esteira do supra referido Ac. do STJ de 12.06.2007 e dos Profs. Menezes Cordeiro e Almeida e Costa, in “Cláusulas Contratuais Gerais. Anotação ao Decreto-Lei n.º 446/85, de 25 de Outubro”, pág. 47 “(…)o qualificativo “desproporcionado” não aponta para uma pura e simples superioridade das penas preestabelecidas em relação ao montante dos danos. Pelo contrário, deve entender-se, de harmonia com as exigências do tráfico e segundo um juízo de razoabilidade, que a hipótese em análise só ficará preenchida quando se detectar uma desproporção sensível (…)”, (na acepção de notória, mas que não tem de ser excessiva, manifesta, grave).
No caso concreto, sem dúvidas que tem de se concluir que uma cláusula que, em contrato de adesão, estipula que “em caso de denúncia antecipada pelo cliente, (…) terá direito a uma indemnização por danos (…) no valor da totalidade das prestações do preço previstas até ao termo do prazo contratado” impõe consequências patrimoniais gravosas ao aderente/cliente, devendo, como tal ser considerada uma cláusula penal desproporcionada aos danos a ressarcir. Na realidade tal cláusula ofende o princípio da boa fé contratual uma vez que patenteia um manifesto desequilíbrio contratual de interesses uma vez que a autora ora apelante se limita a acautelar os seus interesses negociais ao inserir cláusulas padronizadas insusceptíveis de negociação, conduzindo a uma fidelização forçada dos clientes ao longo dos anos sob pena de se verem obrigados ao pagamento de uma pesada penalização em caso de resolução negocial. Veja-se a título de exemplo o manifesto desequilíbrio entre o preceituado na cláusula 5.6 (incumprimento imputável à B.......) e na cláusula em análise, sendo que para o caso de denúncia antecipada por parte da B......., nada está previsto, e para o caso de incumprimento que lhe seja imputável, ela apenas responderá “(...) até à concorrência do valor de 3 meses de facturação (...) como máximo de indemnização a pagar ao cliente.
Destarte temos de concluir que o que pretende a autora/apelante com a cláusula em análise é a penalização do cliente, mais do que salvaguardar uma reparação proporcionada ao dano, que evidentemente teve com a denúncia do contrato por parte do réu. E assim sendo tal conduz necessariamente a uma desproporção sensível e flagrante entre o montante da pena e o montante dos danos a reparar, atendendo ao quadro negocial padronizado em que o contrato se integra, contrariando o princípio da boa-fé a que alude o art.º 15.º do DL n.º 446/85, de 25.10, e sendo proibida nos termos previstos na al. c), do art.º 19.º do mesmo diploma, e consequentemente nula, pois que a perda de um cliente, como é o caso dos autos, não importa para a apelante a necessidade de dispensa de pessoal ou a perda de utilidade de material, equipamentos ou qualquer logística. Sem dúvidas poderá exigir algum ajustamento à gestão, mas dentro da dinâmica do próprio comércio, à perda de um cliente seguir-se-á, normalmente, a angariação de um outro”.
Revendo-nos totalmente nos fundamentos do acórdão citado, não poderemos também deixar de concluir que a cláusula em análise encerra uma manifesta desproporção entre a pena nela convencionada e o montante dos danos a reparar, contrariando o princípio da boa fé a que o artigo 15.º do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25.10 dá guarida, sendo proibida nos termos da alínea c) do artigo 19.º deste diploma, e, por via disso, nula.
Como destaca José Manuel Araújo de Barros[26], “é ainda por referência à razão de ser do regime das cláusulas contratuais gerais, na medida em que intenta a correcção de uma desigualdade e a prevenção de abuso contratual, que deve haver uma menor tolerância de cláusulas favoráveis ao predisponente, relativamente à admitida no regime geral, concernente a contratos negociados. O que impõe que o juízo de valor sobre o carácter abusivo de determinada cláusula favorável ao predisponente seja mais exigente que aquele que incidiria sobre a mesma, caso esta tivesse resultado de negociação”.
Ora, no caso em apreço é flagrantemente abusiva a posição contratual da Autora, proponente da cláusula 7.4., que a inseriu no contrato a que o Réu aderiu, resultando da sua aplicação manifesto desequilíbrio para situações idênticas de incumprimento, havendo, por isso, fundamento, com recurso a critérios de razoabilidade, para se concluir pela nulidade da mencionada cláusula contratual, que deve ter-se por proibida nos termos do artigo 19.º, c) do Decreto-Lei n.º 446/85, de 25.10.
Sendo essa cláusula proibida, nos termos enunciados, logo nula, e nela apenas se tendo fundamentado a Autora para reclamar a peticionada quantia de €19.329,50, teria necessariamente de improceder, também nessa parte, a acção.
Consequentemente, haverá de se confirmar o decidido, improcedendo, assim, a apelação.
*
Síntese conclusiva:
.............................................................................
.............................................................................
.............................................................................
.............................................................................
*
Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação:
- Em rejeitar o recurso na parte em que impugna a decisão relativa à matéria de facto;
- Em julgar, quanto ao mais, improcedente o recurso, confirmando a sentença recorrida.
Custas: pela apelante.
*
Porto, 11 de Abril de 2018
Judite Pires
Aristides Rodrigues de Almeida
Inês Moura
_____
[1] “Recursos em Processo Civil, Novo Regime”, págs. 146, 147.
[2] Cfr. ainda acórdão da Relação de Coimbra de 11.07.2012, processo nº 781/09.6TMMGR.C1, www.dgsi.pt.
[3] Artigo 640º do novo diploma; cfr. Abrantes Geraldes, “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2013, pág. 123 a 130 e Exposição de Motivos da Proposta de Lei n.º 113/XII, apresentada à Assembleia da República, de cuja aprovação veio a resultar o referido Código, disponível em www.parlamento.pt.
[4] “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, 2013, Almedina, pág. 126.
[5] “Comentários ao Código de Processo Civil”, vol. I, pág. 608.
[6] Cfr. citado Preâmbulo.
[7] Ministério da Justiça e revista Sub Judice, 1992, IV.
[8] Processo nº 212/06.3TBSBG.C2.S1, www.dgsi.pt.
[9] Processo nº 233/09.4TBVNG.G1.S1, www.dgsi.pt.
[10] Abrantes Geraldes, ob. cit., pág. 142, Amâncio Ferreira, “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 3ª ed., pág. 466, Lopes do Rego, ob. cit., pág. 150; cfr. ainda, entre outros, acórdãos da Relação de Coimbra de 14.02.2012, processo nº 1110/08.1TBILH.C1, de 20.03.2012, processo nº 21/09.8TBSRE.C1, de 15.05.2012, processo nº 285/09.7TBAVR.C1, todos em www.dgsi.pt.
[11] Distinguindo-se nas alegações de recurso o corpo das alegações e as conclusões, o primeiro serve para o recorrente expor os fundamentos ou argumentos através dos quais procura convencer o tribunal de recurso da sua razão, enquanto nas conclusões sintetiza as concretas questões que pretende que o tribunal de recurso aprecie e o sentido com que as deverá decidir. Servem estas últimas para o recorrente, de forma sintética, identificar as questões que devam ser apreciadas pela instância de recurso e que sirvam de fundamento ao pedido de alteração ou de anulação da decisão.
No caso aqui em debate, o recorrente usa as conclusões para repetir, em apreciável medida, os argumentos expostos no corpo das alegações – o que, poderia ditar a rejeição do recurso por falta de alegações, como já se decidiu no acórdão desta Relação de 09.11.2017, processo n.º 14204/16.0T8PRT-A.P1, www.dgsi.pt, relatado também pela aqui relatora, caso as conclusões fossem integral reprodução do corpo das alegações -, nelas identificando a matéria que reputa de erradamente apreciada, questão que omite no corpo das alegações.
[12] Mais concretamente o ……, como resulta da vária documentação junta pela Autora com a petição inicial.
[13] Note-se que a factura relativa à prestação devida pela manutenção relativa ao mês de Maio de 2016, cujo pagamento, não satisfeito pelo Réu, a Autora reclama, respeita ao elevador ….. – como resulta do documento n.º 22 junto pela Autora com a petição inicial -, o qual se achava inactivo por avaria do mesmo.
[14] Antunes Varela, “Das Obrigações em Geral”, II, 2.ª edição, 1974, pág. 238.
[15] Cfr. João Baptista Machado, “Pressupostos da Resolução por Incumprimento”, in Obra Dispersa, Scientia Ivridica, Braga, 1991, págs. 130 e seguintes.
[16] Galvão Telles, “Direito das Obrigações”, pág. 437.
[17] Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil Anotado”, vol. II, pág. 75.
[18] “Cláusula Penal e Indemnização”, págs. 577 e seguintes.
[19] “Cláusulas Contratuais Gerais, DL n.º 446/85 – Anotado”, Coimbra Editora, pág. 32.
[20] Processo nº 10941/08, www.dgsi.pt.
[21] Cf. ainda Acórdão da Relação do Porto, 22.06.2009, www.trp.pt/jurisprudenciacivel, e da mesma Relação, de 24.04.2008, www.dgsi.pt.
[22] Processo n.º 0351134, www.dgsi.pt.
[23] Documento n.º 23, junto com a petição inicial.
[24] Processo n.º 07A1701, www.dgsi.pt.
[25] Processo n.º 1801/12.2TBPVZ.P1, www.dgsi.pt, seguido de perto pelo acórdão da mesma Relação de 24.11.2015, processo n.º 1069/13.3TBGDM.P1, www.dgsi.pt.
[26] Obra citada, pág. 236.