Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
143/18.4T9FLG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JORGE LANGWEG
Descritores: LENOCÍNIO
CUMPLICIDADE
PERDA ALARGADA
PRESUNÇÃO ILIDÍVEL
Nº do Documento: RP20220713143/18.4T9FLG.P1
Data do Acordão: 07/13/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: CONFERÊNCIA
Decisão: PROVIDO O RECURSO
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - Cometem em coautoria material e sob a forma consumada um crime de lenocínio simples p. e p. pelo disposto no artigo 169º, nº 1, do Código Penal, as duas pessoas que exploram e gerem um estabelecimento de bar, também de “alterne”, e no qual tem lugar a prática de atos de prostituição por mulheres, em quartos que também fazem parte do estabelecimento, pagando-lhes cada uma dessas mulheres uma quantia diária fixa pelo uso de quarto para ter relações sexuais remuneradas com clientes do bar (preenchendo tais factos os elementos objetivos do tipo de crime);
II - Comete um crime de lenocínio simples p. e p. pelo disposto nos artigos 27º, 1 e 2, 73º, 1, a) e b) e 169º, nº 1, do Código Penal, enquanto cúmplice, o porteiro desse bar que controla o acesso aos quartos onde tem lugar a prática da prostituição, guardando e entregando a respetiva chave de acesso à mulher que o solicitasse depois de conseguir um novo cliente para essa atividade, estando ciente dessa realidade e auxiliando os coautores do crime de lenocínio simples na exploração da prostituição.
III - Encontra-se afastada a possibilidade de suspensão de execução da pena de prisão relativamente a arguidos que cometem um crime de lenocínio simples durante dois anos e dois meses, auferindo com essa atividade um rendimento que ronda 300.000,00€, não obstante terem sido condenados, pouco tempo antes, em pena de prisão suspensa na sua execução pela prática do mesmíssimo tipo de crime e cometido no mesmo estabelecimento.
IV - São pressupostos da aplicação da perda alargada de bens (art. 7.º da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro):
a. a condenação por um dos crimes do catálogo, no qual se inclui o crime de lenocínio -art.º 1.º, n.º 1, al. p) -, desde que praticado de forma organizada – n.º 2
b. a existência de um património que esteja na titularidade ou mero domínio e beneficio do condenado, património esse em desacordo com aquele que seria possível obter face aos seus rendimentos lícitos;
c. a demonstração de que o património do condenado é desproporcional em relação aos seus rendimentos lícitos.
V - Verificando-se tais pressupostos, existe uma presunção ilidível, para efeitos de confisco, que a diferença entre o valor do património detetado e aquele que seria congruente com o rendimento lícito dos arguidos provém de atividade criminosa.

[Sumário da exclusiva responsabilidade do Relator]
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 143/18.4T9FLG.P1
Data do acórdão: 13 de Julho de 2022

Relator: Jorge M. Langweg
Adjunta: Maria Dolores da Silva e Sousa
Origem:
Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este
Juízo Central Criminal de Penafiel

Acordam, em conferência e por unanimidade, os juízes acima identificados do Tribunal da Relação do Porto

Nos presentes autos em que figura como recorrente o Ministério Público;

I - RELATÓRIO
1. Em 26 de Janeiro de 2022 foi proferido nos presentes autos o acórdão proferido na primeira instância que terminou com o dispositivo a seguir reproduzido:
"- Absolver os arguidos AA, BB, CC, DD e EE da prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo art.º 169.º, n.º 1 do C. Penal, por que vinham pronunciados.
- Julgar improcedente a perda ampliada de bens a favor do Estado e respetiva liquidação de bens requerida pelo Ministério Público, ao abrigo dos artºs. 7.º e segs. da Lei n.º 5/2002, de 11.01 e, em consequência, absolver da mesma os arguidos AA e BB.
- Levantar a apreensão e determinar a devolução dos objetos e quantias monetárias que foram apreendidos e melhor discriminados supra serão devolvidos às pessoas a quem foram apreendidos, sendo os documentos e chaves dos quartos aos arguidos AA e/ou BB e os objetos de natureza sexual a quem os reclamar, dando-se cumprimento ao disposto no art.º 186.º, n.ºs 2 e 3 do C. P. Penal.
- Manter o arresto preventivo oportunamente decretado no apenso A até ao trânsito em julgado da presente decisão.
Sem custas criminais. (…)"

2. Inconformado com a decisão absolutória, o Ministério Público interpôs recurso da decisão, terminando a motivação de recurso com a formulação das seguintes conclusões:
"1ª O tribunal recorrido incorreu em erro notório na apreciação da prova (art. 410º, nº 2, alínea c) do Código de Processo Penal), uma vez que no acórdão agora em recurso a ilação final que é retirada dos factos que foram dados como provados é manifestamente ilógica, arbitrária, fora de qualquer contexto racional e, por isso, incorreta, pois não passa despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio.
2ª Lendo o acórdão recorrido, facilmente se constata que o teor desta decisão, por si só e conjugada com o senso comum, violou as regras da experiência e efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditórios.
3ª O Tribunal recorrido valorizou a prova constante dos autos e a que foi produzida na audiência de julgamento contra as regras da experiência comum, não passando este erro despercebido ao cidadão comum, pela sua forma grosseira, ostensiva e evidente.
4ª Percorrendo o acórdão recorrido, constata-se que o mesmo basicamente decidiu contra a factualidade que foi dada como provada, sendo este vício de raciocínio perfeitamente percetível aos olhos do homem médio pela simples leitura da decisão recorrida.
5ª Do nosso ponto de vista os factos que foram dados como provados no acórdão recorrido integram, sem margem para quaisquer dúvidas, a prática do crime de lenocínio da previsão e punição do art. 169º, nº 1 do Código Penal, pois da factualidade que foi dada por assente resulta manifestamente que se mostra preenchido o elemento objetivo deste tipo legal de crime, sendo que, relativamente ao elemento subjetivo do crime de lenocínio, conjugando a factualidade que foi dada por provada com as regras da experiência comum, resulta claramente que no presente caso também se mostra preenchido o elemento subjetivo deste tipo legal de crime.
6ª Quer isto dizer, pois que, perante a factualidade que foi dada por assente no acórdão recorrido todos os arguidos deviam ter sido condenados pela prática do crime de lenocínio p. e p. pelos artigos 26º e 169º, nº 1 do Código Penal pelo qual estavam pronunciados, assim como devia ter sido dada como assente a factualidade que consta dos pontos 2, 5, 6, 7, 9 e 10 dos factos dados como não provados.
7ª Isto porque, no nosso entendimento, a factualidade que foi dada por provada conjugada com as regras da experiência levam necessariamente à conclusão, ao contrário do que se afirma no acórdão recorrido, de que no presente caso se mostram preenchidos todos os elementos constitutivos (objetivo e subjetivo) do crime de lenocínio que na pronúncia dos presentes autos era imputado aos cinco arguidos.
8ª Assim, como entendemos, ao contrário do Tribunal a quo, que não é elemento constitutivo do crime de lenocínio previsto e punido pelo art. 169º, nº 1 do Código Penal o recebimento de dinheiro pela prática dos atos sexuais em causa, nomeadamente uma “comissão”, como o coletivo de juízes por várias vezes o afirma no acórdão recorrido.
9ª Face à factualidade que foi dada como provada no acórdão recorrido, inexistem dúvidas, pelo menos para nós, de que todos os arguidos, com a sua atuação, favoreceram / facilitaram a prática de atos de prostituição.
10ª Efetivamente, no acórdão recorrido foi dado como provado que desde data não concretamente apurada, mas seguramente desde o mês de Agosto de 2016, o arguido AA e a sua mulher, a arguida BB, exploram o estabelecimento comercial designado “I...”, sito na Rua ..., ..., ..., Felgueiras, sendo este estabelecimento comercial composto, para além do mais, por um piso onde funciona um bar e por um piso superior onde estão instalados 9 quartos, numerados, equipados todos com cama e chuveiro, sendo a casa de banho com sanita partilhada por todos os quartos.
11ª Mais foi dado como assente que os arguidos AA e BB são quem procede à gestão diária deste estabelecimento comercial, dando as ordens necessárias ao seu funcionamento, representando-o perante fornecedores e clientes e determinando o que mais for necessário para a sua gestão corrente.
12ª Também foi dado como provado que de comum acordo e em comunhão de esforços, intentos e vontades, com vista a retirar proventos económicos da atividade do bar e do alojamento do piso superior, os arguidos AA e BB alojaram diversas mulheres, em número seguramente nunca inferior a 10, de diversas nacionalidades, de entre portuguesas e estrangeiras, que partilhavam os quartos, sendo que àquelas mulheres os arguidos AA e BB incumbiram de aliciar os clientes do sexo masculino a consumir bebidas alcoólicas disponibilizadas no primeiro piso, mediante uma comissão por isso, estando as mulheres obrigadas a preencher um cartão com as bebidas consumidas e a uma progressão mínima por semana sob pena de serem dispensadas.
13ª Igualmente foi dado como provado que as mulheres que lá se encontravam, sempre que tal se revelasse oportuno, aliciavam os clientes do sexo masculino à prática de relações sexuais com elas no piso de cima do estabelecimento, sendo que, para o efeito, a mulher que lograsse aliciar um cliente para a prática de relações sexuais deveria pedir ao porteiro o acesso a um dos 9 quartos do piso de cima, acesso esse de outro modo não livre, e dirigir-se a um deles para proceder à prática de relações sexuais com eles, a troco de € 30,00 por 15 minutos, ou € 40,00 com menor restrição de tempo, o que sucedia diversas vezes por noite.
14ª Ainda foi dado como provado que as bebidas consumidas configuravam rendimento do estabelecimento explorado pelos arguidos AA e BB e que as mulheres em causa tinham que pagar € 40,00 por noite, a título de “diária” e “hospedagem”, funcionando o estabelecimento diariamente, entre as 10,30 horas e as 05h00 ou 06h00, dependendo do número de clientes presentes.
15ª Por último, foi dado como assente no acórdão recorrido que no dia 19.10.2018, no interior do aludido estabelecimento, o arguido CC encontrava-se na porta de acesso ao estabelecimento, entregando cartões de consumo do estabelecimento e tinha à sua disposição as chaves de acesso aos quartos, que no mesmo momento o arguido DD encontrava-se a trabalhar no bar, servindo bebidas aos clientes e a receber os pagamentos dos mesmos antes de subirem para os quartos e que o arguido EE encontrava-se a servir às mesas, recebendo os pagamentos dos clientes.
16ª Resulta, assim, de toda esta factualidade dada como provada no acórdão recorrido que os arguidos AA e BB delinearam entre si um plano, tendo em vista o fomento e facilitação do exercício da prostituição de várias mulheres, de diversas nacionalidades, tendo acordado que tal fomento e prática de tal atividade seria desenvolvida no estabelecimento comercial designado “I...”, que é composto, para além do mais, por um piso onde funciona um bar e por um piso superior onde estão instalados 9 quartos.
17ª Para levar a cabo este plano os arguidos AA e BB alojaram diversas mulheres de diversas nacionalidades nos aludidos quartos, tendo de seguida incumbido tais mulheres de aliciar os clientes do sexo masculino a consumir bebidas alcoólicas disponibilizadas no primeiro piso, mediante uma comissão por isso.
18ª As mulheres sempre que se revelasse oportuno aliciavam os clientes do sexo masculino à pratica de relações sexuais com elas no piso de cima do estabelecimento, o que era do conhecimento dos arguidos AA e BB, uma vez que a mulher que lograsse aliciar um cliente para a prática de relações sexuais deveria pedir ao porteiro o acesso a um dos 9 quartos do piso superior, porteiro este que, como é óbvio, só pode ter sido contratado pelos arguidos AA e BB, pois eram estes dois arguidos que diariamente faziam a exploração deste estabelecimento comercial.
19ª Assim, as relações sexuais que aconteciam no piso superior do “I...” eram do conhecimento e permissão dos arguidos AA e BB, pois eram estes dois arguidos que faziam a exploração diária deste estabelecimento comercial, quem contratavam funcionários para aí trabalhar, seja no bar (piso de baixo), seja no alojamento (piso superior) e quem davam alojamento às mulheres de diversas nacionalidades que aí exerciam a prostituição.
20ª Aliás, o bar que ficava no piso de baixo funcionava como local o onde as mulheres conheciam os clientes do sexo masculino e onde os aliciavam à prática de relações sexuais com elas no piso de cima, onde existiam os quartos, tudo com perfeito conhecimento, anuência e até colaboração dos arguidos AA e BB.
21ª É que a passagem para o piso superior só podia acontecer com a permissão do porteiro, pessoa contratada pelos arguidos AA e BB, e as relações sexuais também só podiam ocorrer num dos nove quartos para o efeito disponibilizados pelos arguidos AA e BB.
22ª Dúvidas não subsistem de que os quartos cedidos pelos arguidos AA e BB às mulheres de diversas nacionalidades a título de alojamento tinham como finalidade, para além do mais, a prática de relações sexuais remuneradas.
23ª Quer isto dizer, pois, que a “diária” ou “hospedagem” paga por tais mulheres aos arguidos AA e BB já incluía o uso que estas mulheres davam ao quarto para a prática de relações sexuais.
24ª A exploração deste estabelecimento comercial levada a cabo pelos arguidos AA e BB era efetuada de modo profissional, pois estes dois arguidos diariamente estavam à frente do “I...”, seja no bar (piso de baixo), seja no alojamento (piso superior), onde davam alojamento a diversas mulheres, contratando, também, pessoas para trabalhar neste estabelecimento comercial, e fazendo-o com intenção lucrativa, uma vez que todos os dias recebiam uma quantia de € 40,00, por cada uma das aludidas mulheres, a título de “diária” ou “hospedagem” pela cedência dos quartos, onde sabiam perfeitamente que estas mulheres mantinham relações sexuais a troco de dinheiro, prostituição esta que, de resto, o coletivo de juízes no acórdão recorrido diz expressamente ser do conhecimento dos arguidos AA e BB.
25ª Dúvidas não subsistem, pois, de que os arguidos AA e BB, pelos menos desde o mês de Agosto de 2016 até ao dia 19 de Outubro de 2028, dedicaram-se à exploração do estabelecimento comercial denominado “I...”, onde mulheres de diferentes nacionalidades se dedicavam à prática de alterne (no bar) e angariavam clientes para a prática de prostituição nos quartos que ficam no piso superior deste estabelecimento comercial, os quais utilizavam mediante o pagamento àqueles dois arguidos da diária de € 40,00.
26ª E nem se diga que esta “diária” ou “hospedagem” que estas mulheres davam aos arguidos AA e BB pela cedência dos quartos para a prática das relações sexuais remuneradas correspondiam a um alojamento local, como o Tribunal a quo sugere no acórdão recorrido, uma vez que as regras da experiência e do senso comum não permitem de modo algum extrair a conclusão de que o “I...” poderia funcionar como um alojamento local.
27ª É que qualquer cidadão tem a mínima experiência ou conhecimento do que é o alojamento local e da dignidade e seriedade que gira à volta desta atividade comercial e certamente que um estabelecimento comercial, que funciona com um bar de alterne, em que várias mulheres aliciam os clientes ao consumo de bebidas alcoólicas, e com um piso superior composto por nove quartos equipados com cama e chuveiros, sendo a casa de banho com sanita partilhada por todos os quartos, para onde tais mulheres aliciam levar os clientes para a prática de relações sexuais a troco de dinheiro, em nada se assemelha a uma casa ou habitação onde funciona um verdadeiro alojamento local.
28ª Muito menos é verosímil que num verdadeiro alojamento local pudesse acontecer a factualidade que foi dada como provado no ponto 14 dos factos dados como provados no acórdão recorrido, ou seja, a existência nos quartos do “I...” de um autêntico arsenal, atenta a sua quantidade, de diversos artigos relacionados com a prática sexual, como seja, preservativos masculinos e femininos, bisnagas lubrificantes e toalhitas, tudo melhor discriminado no auto de busca e apreensão de fls. 290 a 292 e que está bem elucidado na reportagem fotográfica de fls. 293 a 304.
29ª O alojamento local é um sítio tranquilo, pacato e para descanso ou passagem de férias e nunca um local agitado e ruidoso onde funciona um bar de alterne, em que as mulheres que aí se encontram aliciam os clientes ao consumo de bebidas alcoólicas e também os aliciam à prática de relações sexuais remuneradas nos quartos que ficam no piso superior, sendo que, para o efeito, tais mulheres têm de pedir ao porteiro que aí exerce funções as chaves que dão acesso aos quartos.
30ª Tal factualidade que foi dada como provada no ponto 7 dos factos dados como provados no acórdão recorrido é mesmo inimaginável que pudesse acontecer num autêntico alojamento local.
31ª Também no acórdão recorrido foi dado como provado que no dia 19 de Outubro de 2018, no interior do estabelecimento “I...”, o arguido CC encontrava-se na porta de acesso ao estabelecimento, entregando cartões de consumo do estabelecimento e tinha à sua disposição as chaves de acesso aos quartos, o que quer dizer que este arguido exercia as funções de porteiro e, assim, as mulheres tinham de se dirigir a este arguido para terem acesso aos quartos do piso de cima para poder manter relações sexuais com os clientes que tinham aliciado.
32ª Igualmente foi dado como assente no acórdão recorrido que o arguido DD no referido dia 19 de Outubro de 2018 encontrava-se a trabalhar no bar, servindo bebidas aos clientes e a receber os pagamentos dos mesmos antes de subirem para os quartos com as mulheres que os tinham acabado de aliciar para a prática de relações sexuais.
33ª Ainda no acórdão recorrido foi dado como provado que o arguido EE no aludido dia 19 de Outubro de 2018 encontrava-se a servir às mesas, recebendo os pagamentos dos clientes.
34ª Resulta, assim, claro que os arguidos CC, DD e EE tinham perfeito conhecimento do funcionamento do “I...” como sendo um estabelecimento de alterne (no bar) e um estabelecimento onde se praticava a prostituição (no piso de cima).
35ª Com esta conduta levada a cabo por todos os arguidos em comunhão e conjugação de esforços sabiam todos os arguidos que estavam a estimular / fomentar a prática de relações sexuais a troco de dinheiro, com o propósito de obtenção de lucros, estando igualmente cientes que, ao aproveitar-se economicamente dos relacionamentos sexuais mantidos pelas mulheres alojadas no “I...”, atentavam contra a dignidade destas, enquanto pessoas, o que lhes era indiferente.
36ª Também todos os arguidos agiram sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, tanto mais que os arguidos AA e BB já foram condenados, por duas vezes, pela prática do crime de lenocínio, conforme se constata dos pontos 71 e 72 dos factos dados como provados no acórdão recorrido, e o arguido CC já foi igualmente condenado, por uma vez, pela prática do crime de lenocínio, como resulta do ponto 73 dos factos dados como provados no acórdão recorrido, não sendo assim nenhuma novidade, pelo menos para estes arguidos, a ilicitude e a punibilidade da sua conduta.
37ª É que, conjugando a factualidade que foi dada como provada com as regras da experiência e do senso comum, necessariamente se conclui que devia ter sido dado como provado o ponto 2 dos factos dados como não provados no acórdão recorrido.
38ª Isto porque, tendo sido dado como provado que as mulheres alojadas no “I...” pagavam aos arguidos AA e BB a quantia de € 40,00 a título de “diária” ou “hospedagem” pelo uso dos quartos onde era exercida a prostituição, que era do conhecimento destes dois arguidos, até pelas regras de funcionamento deste estabelecimento comercial que foram dadas como provadas, é óbvio que os arguidos AA e BB com a atividade de prostituição exercida neste estabelecimento comercial auferiam seguramente um rendimento certo, até porque foi dado como provado no ponto 4 dos factos dados como provados que as mulheres alojadas eram em número nunca inferior a dez e que até partilhavam os quartos, o que quer dizer que o rendimento monetário assim obtido por estes dois arguidos, para além de ser certo, era também elevado.
39ª O mesmo se diga em relação ao ponto ao ponto 5 dos factos dados como não provados, uma vez que, tendo sido dado como provado que o “I...” é composto por um piso onde funciona um bar e por um piso onde estão instalados 9 quartos, numerados, equipados todos com cama e chuveiro, sendo a casa de banho com sanita partilhada por todos os quartos, e que os arguidos AA e BB são as pessoas que exploram este estabelecimento comercial, é manifesto que estes dois arguidos estruturaram esta casa de diversão noturna num misto de bar de alterne e numa casa de prostituição, equipando-a com todas as condições e regras adequadas a que se procedesse à prática institucionalizada de relações sexuais a troco de dinheiro e mediante uma compensação financeira percebida, de tudo estando bem cientes, sendo sintomático de tudo isto o recebimento por parte destes dois arguidos da quantia monetária de € 40,00 por cada mulher alojada nos quartos por si cedidos para a prática de relações sexuais e a contratação por parte destes dois arguidos de um porteiro, cujas funções eram, para além do mais, permitir às mulheres o acesso a um dos 9 quartos do piso de cima para terem lugar as relações sexuais a troco de dinheiro.
40ª Já o ponto 6 dos factos dados como não provados devia ter sido dado como provado, isto porque, tendo sido dado como provado que o arguido CC era o porteiro do “I...” e era quem tinha à sua disposição as chaves de acesso aos quartos (cfr. ponto 15 dos factos dados como provados), tendo, também, sido dado como provado que o arguido DD trabalhava no bar, servindo bebidas aos clientes e recebendo os pagamentos dos mesmos antes de subirem para os quartos (cfr. ponto 16 dos factos dados como provados) e, tendo, ainda, sido dado como provado que o arguido EE servia às mesas do “I...” e recebia os pagamentos dos clientes (cfr. ponto 16 dos factos dados como provados), ditam as regras da experiência e do senso comum que estes três arguidos estavam cientes da atividade de prostituição desenvolvida no piso superior deste estabelecimento comercial e da consequente compensação financeira percebida pelos arguidos AA e BB, seus patrões e exploradores deste estabelecimento comercial.
41ª É que, apesar dos arguidos CC, DD e EE terem sido contratados pelos arguidos AA e BB para trabalharem no “I...”, para cada um deles exercer as funções já aludidas, é manifesto que a obediência a ordens no âmbito de uma relação laboral não justifica a prática de um crime, pois o art. 36º, nº 2 do Código Penal estatui que o dever de obediência hierárquica cessa quando conduzir à prática de um crime.
42ª Também é óbvio que não pode o direito ao trabalho consagrado no art. 58º, nº 1 da Constituição da República Portuguesa servir (a coberto de um dever de obediência) de justificação para a prática de crimes, dado que o direito ao trabalho constitucionalmente consagrado não é o relativo a atividades criminosas.
43ª Ora, estando os arguidos CC, DD e EE cientes da prática do crime de lenocínio levado a cabo pelos arguidos AA e BB na exploração do “I...” e tendo estes três arguidos começado a exercer funções neste estabelecimento comercial, resulta à saciedade que estes arguidos passaram a atuar em comunhão e em conjugação de esforços com os arguidos AA e BB, ou seja, de comum acordo, intentos e vontades com estes, desse modo fomentando e auxiliando estes dois arguidos na prática da exploração da prostituição.
44ª Passando agora ao ponto 7 dos factos dados como não provados, cumpre dizer que, tendo em consideração que no crime de lenocínio do art. 169º do Código Penal o que é objeto de censura penal é a facilitação à prostituição como atividade e tendo também em conta toda a factualidade que foi dada como provada, é por demais ostensivo que quiseram todos os arguidos, como sabiam ser o caso, viver à custa da exploração do corpo das mulheres que estavam alojadas no “I...” e dos rendimentos por elas obtidos em troca de relações sexuais.
45ª Sabendo todos os arguidos da atividade de prostituição levada a cabo no “I...”, ou seja, estando todos os arguidos perfeitamente cientes que as mulheres alojadas neste estabelecimento comercial aliciavam os clientes à prática de relações sexuais mediante pagamento pecuniário, resulta à evidência que os rendimentos auferidos por todos os arguidos tinham como proveniência o lucro obtido por estas mulheres na exploração do seu corpo, bem sabendo que, ao aproveitar-se economicamente dos relacionamentos sexuais mantidos por tais mulheres, atentavam contra a dignidade destas, enquanto pessoas, o que lhes era indiferente.
46ª Sobre o ponto 9 dos factos que foram dados como não provados no acórdão recorrido, sempre se dirá que, quanto ao elemento subjetivo, dado que o dolo pertence à vida interior de cada um e é, portanto, de natureza subjetiva, insuscetível de direta apreensão, só é possível captar a sua existência através de factos materiais comuns de que o mesmo se possa concluir, entre os quais surge, com maior representação, o preenchimento dos elementos integrantes da infração.
47ª Quer isto dizer, pois, que os factos do tipo subjetivo resultam frequentemente dos factos externos. E eles constituem, também, um exemplo de demonstração por prova indireta.
48ª Assim, os factos que integram o dolo, os atos interiores ou internos, por respeitarem à vida psíquica, raramente se provam diretamente. Na ausência de confissão, em que o arguido reconhece ter sabido e querido os factos do tipo objetivo, a prova do dolo far-se-á por ilações, retiradas de indícios, e também de uma leitura de um comportamento exterior e visível do agente.
49ª Da ponderação das condutas externas levadas a cabo por todos os arguidos, atendendo à sua formação e personalidade e tendo em consideração que nenhum dos arguidos assumiu ou confessou os factos ilícitos típicos pelos quais foram pronunciados nestes autos, resulta evidente e apenas é compaginável com as regras da experiência comum a conclusão de que as ações externas anteriormente referidas e que se apuraram, evidentemente conhecidas e queridas por todos os arguidos, correspondem a uma atuação de modo livre, deliberado e consciente de todos os arguidos, bem como a uma atuação em conjugação e comunhão de esforços entre todos os arguidos e, ainda, que todos os arguidos estavam cientes que incorriam em responsabilidade criminal, tanto mais que os arguidos AA, BB e CC já tinham sido anteriormente condenados pela prática do crime de lenocínio, precisamente o crime em apreço nestes autos.
50ª Tudo isto para dizer, pois, que também a factualidade constante do ponto 9 dos factos dados como não provados no acórdão recorrido devia ter sido dada como provada, à luz das regras da experiência e do senso comum.
51ª Por último, sobre o ponto 10 dos factos que foram dados como não provados no acórdão recorrido, impõe-se dizer que, tendo sido dado como provado nos pontos 19, 21 e 22 dos factos dados como provados que os arguidos AA e BB foram constituídos como tal em 19/10/2018, que estes dois arguidos declararam à Autoridade Tributária, nos anos de 2103 a 2017, a quantia de € 35.442,22, e que o arguido AA, entre Outubro de 2013 e ao ano de 2017, realizou créditos no montante total de € 327.921,85, resulta com clareza que ascende a € 292.479,65 o valor da incongruência entre o património do arguido AA e o rendimento comunicado à Autoridade Tributária, que é o resultado dos proveitos económicos advindos da atividade de exploração do corpo das mulheres referidas nestes autos e dos rendimentos por elas obtido em troca de relações sexuais.
52ª Assim sendo, resulta à saciedade que devia ter sido dada como provada a factualidade constante do ponto 10 dos factos dados como não provados no acórdão recorrido.
53ª No presente caso, tendo todos os arguidos facilitado - os arguidos AA e BB ao estruturarem um estabelecimento comercial destinado ao exercício da prostituição e os arguidos CC, DD e EE ao exercerem funções no “I...”, onde diversas mulheres de forma ostensiva e clara aliciavam clientes do sexo masculino à prática de relações sexuais no piso superior deste bar a troco de dinheiro - e com intenção lucrativa (todos os arguidos receberam contrapartida monetária pelas funções que cada um deles exerceu nesta atividade de prostituição levada a cabo pelas mulheres alojadas no “I...”) - o exercício da prostituição pelas cidadãs que se mostram referidas nos factos que foram dados como provados no acórdão recorrido, preenchido está o tipo objetivo do crime de lenocínio.
54ª E preenchido está, igualmente, o tipo subjetivo quando se prova que todos os arguidos agiram de forma livre, voluntária e consciente, cientes que queriam auxiliar as mencionadas mulheres no modo já relatado e com o propósito de obter para si os aludidos proveitos económicos da atividade de prostituição que aquelas mulheres praticavam, a qual era do conhecimento de todos os arguidos.
55ª O Tribunal recorrido devia, pois, ter condenado todos os arguidos pela prática, em coautoria, do crime de lenocínio que lhes era imputado na pronúncia, uma vez que no presente caso se mostram preenchidos todos os elementos constitutivos deste tipo legal de crime, pelas razões já aludidas, e, não o tendo feito, foram violados os artigos 26º e 169º, nº 1 do Código Penal.
56ª Assim como o Tribunal recorrido devia ter julgado totalmente procedente, por provada, a perda ampliada de bens a favor do Estado e respetiva liquidação de bens requerida pelo Ministério Público, ao abrigo do disposto nos artigos 7º e segs. da Lei nº 5/2002 de 11 de Janeiro e, em consequência, condenar na mesma os arguidos AA e BB, pelo que, não o tendo feito, foram violadas estas disposições legais.
57ª Por último, o Tribunal recorrido não devia ter ordenado o levantamento da apreensão dos objetos e quantias monetárias que foram apreendidos nos presentes autos e a sua devolução às pessoas a quem foram apreendidos, sendo os documentos e chaves dos quartos aos arguidos AA e/ou BB e os objetos de natureza sexual a quem os reclamar, dando-se cumprimento ao disposto no art. 186º, nºs 2 e 3 do Código de Processo Penal, pelo que, decidindo deste modo, o Tribunal violou o disposto nos artigos 109º, nº 1 e 110º, nº 1, alíneas a) e b) do Código Penal.
Por todo o exposto, impõe-se a revogação do acórdão absolutório que foi proferido nos presentes, agora em recurso, e a sua substituição por outro que condene os arguidos AA, BB, CC, DD e EE pela prática, em coautoria, de um crime de lenocínio, p. e p. pelos artigos 26º e 169º, nº 1 do Código Penal, que julgue totalmente procedente, por provada, a perda ampliada de bens a favor do Estado e respetiva liquidação de bens requerida pelo Ministério Público, ao abrigo do disposto nos artigos 7º e segs. da Lei nº 5/2022 de 11 de Janeiro, e, em consequência, condene na mesma os arguidos AA e BB, e que determine a perda a favor do Estado dos objetos e quantias monetárias que foram apreendidos, dado terem sido utilizados pelos arguidos na prática do crime em apreço nestes autos ou serem o resultado ou vantagem económica deste crime, ao abrigo do disposto nos artigos 109º e 110, nº 1, alíneas a) e b) do Código Penal.
Nestes termos, deve ser dado provimento ao presente recurso, assim V. Exªs fazendo por certo a costumada Justiça.”

3. O recurso foi liminarmente admitido no tribunal a quo, subindo nos próprios autos e com efeito suspensivo.
4. Apenas os arguidos AA e BB apresentaram resposta ao recurso, que concluíram nos seguintes termos:
"1º - Os recorridos encontravam-se pronunciados pela prática do crime de lenocínio, pº e pº pelo artº169º-1 do CP;
2º - Realizada a audiência de discussão e julgamento foi proferido acórdão que os absolveu, quer da prática do crime de lenocínio quer da perda ampliada de bens preconizada pelo Ministério Público;
3º - Não existe qualquer vício elencado no artº410º-2 do CPP, nomeadamente, o erro notório na apreciação da prova, nem, ademais, nenhum dos outros;
4º - Igualmente não existe viabilidade em ser a matéria de facto alterada por via mais ampla, uma vez que o recorrente não deu cumprimento ao estatuído no artº412º-3 e 4 do CPP, não cumprindo o ónus que sob o mesmo impendia, sendo que sem conceder, não existiria motivo algum para a matéria de facto ser alterada;
5º - Os factos dados por provados e não provados assentam em decisão, no quadro da apreciação da matéria de facto, judiciosa e criteriosa, não existindo nenhum dos vícios nem devendo a factualidade ser alterada;
6º - Feita a subsunção dos factos à lei verifica-se não estarem preenchidos os elementos objetivos e subjetivos do tipo legal de crime, pelo que deve o Acórdão ser mantido nos seus precisos termos;
7º - O Acórdão recorrido decidiu bem as questões colocadas à consideração judicial, estando cabalmente motivado ao nível da convicção factual e adequadamente decidido em termos jurídico penais;
8º - Porque se requereu a realização de Audiência nos termos previstos no artº411º-5 do CPP, reitera-se que as matérias cujo debate se visa são as respeitantes ao vício do erro notório na apreciação da prova, inserido no artº410º-2 do CPP, assim como a impugnação factual visada e pretendida pelo recorrente em termos amplos por via do artº212º-3 e 4, tudo no âmbito factual, restando a subsunção jurídica e a questão da perda ampliada de bens e liquidação preconizadas;
9º - Pelo que nos sobreditos termos deve o interposto Recurso ser julgado totalmente improcedente e não provido, mantendo-se o Acórdão agora impugnado nos seus precisos termos, absolvendo totalmente os arguidos recorridos.

5. Nesta instância, o Ministério Público emitiu parecer, no qual se pronunciou quanto ao mérito do recurso nos seguintes termos:
“(…)
Na sua peça recursiva entende o Ministério Público que o Tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova, fez uma interpretação errada do disposto no art.º 169º do Código Penal e incorreu em erro de julgamento no tocante aos pontos 2, 5, 6, 7, 9 e 10 dos factos dados como não provados.
A final defende-se que se impõe a revogação do acórdão absolutório e a sua substituição por outro que condene os arguidos AA, BB, CC, DD e EE pela prática, em coautoria, de um crime de lenocínio, p. e p. pelo disposto nos artigos 26º e 169º, nº 1 do Código Penal e que que julgue totalmente procedente, por provada, a perda ampliada de bens a favor do Estado e respetiva liquidação de bens requerida pelo Ministério Público e, em consequência, condene na mesma os arguidos AA e BB, e que determine a perda a favor do Estado dos objetos e quantias monetárias que foram apreendidos, dado terem sido utilizados pelos arguidos na prática do crime em apreço ou serem o resultado ou vantagem económica deste crime, ao abrigo do disposto nos artigos 109º e 110, nº 1, alíneas a) e b) do Código Penal.
Os arguidos AA, BB apresentaram resposta ao recurso pugnando pela sua improcedência.
Não se suscitam questões que obstem ao conhecimento do mérito do recurso ou impliquem a sua rejeição. O recurso não merece reparo quanto à admissibilidade, legitimidade e interesse em agir, é próprio, tempestivo, com regime e efeito de subida corretamente fixados.
Sobre as questões suscitadas entendemos que o recurso interposto se encontra sustentado de facto e de direito, merecendo apreciação deste Tribunal, apondo-se o competente visto.”

6. Não houve qualquer resposta ao parecer.
7. Proferiu-se despacho de exame preliminar, tendo-se alterado o efeito do recurso interposto pelo Ministério Público, fixando-se ao mesmo um efeito meramente devolutivo – por ter sido interposto de uma decisão absolutória - subindo imediatamente e nos próprios autos para este Tribunal da Relação [artigos 399º, 401º, 1, a), 406º, 1, 407º, 2, a), 408º, 1, a), “a contrario sensu”, 410º, 411º, 1, b), 3 e 427º, ainda do mesmo texto legal].
8. Não tendo sido requerida audiência pelo recorrente, o processo foi à conferência, após os vistos legais, respeitando as formalidades legais [artigos 417º, 7 e 9, 418º, 1 e 419º, 1 e 3, c), todos do Código de Processo Penal].
*
Questão prévia:
- Da não realização de audiência:
Na resposta à motivação de recurso os arguidos AA e BB requereram a realização de audiência.
Conforme adiantado no exame preliminar, decidiu-se liminarmente inscrever o processo na sessão de conferência seguinte, por não ter sido requerida a realização de audiência pelo recorrente.
Resta, por conseguinte, proferir decisão expressa quanto à pretensão dos arguidos em ver o recurso discutido em audiência nos termos previstos no artigo 411º, nº 5, do Código de Processo Penal.
Resulta do disposto no artigo 411º, nº 5, do Código de Processo Penal, que “No requerimento de interposição de recurso o recorrente pode requerer que se realize audiência, especificando os pontos da motivação do recurso que pretende ver debatidos.”
Não tendo os sujeitos processuais requerentes da audiência (os arguidos AA e BB) a qualidade de recorrentes, os mesmos carecem de legitimidade para requerer a audiência, razão pela qual a pretensão não pode ser atendida.
No mesmo sentido, a doutrina consubstanciada no comentário vertido na página 1265 do Código de Processo Penal – Notas e Comentários -, da autoria de Vinício Ribeiro, 2ª edição, Coimbra Editora, “(…) compreende-se que tal possibilidade seja apenas concedida ao recorrente, dado que é ele quem, além do mais, define o alcance e objeto do recurso e quem tem o ónus da motivação consagrado no artigo 412º. Não são comparáveis os papeis e as posições processuais do recorrido e do recorrente. Por isso, os direitos processuais de ambos não têm que ser simétricos.”
A jurisprudência tem seguido o mesmo entendimento: “(…), só o recorrente tem o direito de requerer audiência, limitação que expressamente resulta do mencionado art. 411.º, n.º 5, do CPP, não consagrando o art. 413.º, do mesmo Código, ao regulamentar a resposta ao recurso, igual direito para o recorrido. No presente caso, os arguidos não interpuseram recurso da decisão final, nem podiam fazê-lo face à sua absolvição, pelo que não lhes cabe decidir se o recurso do Ministério Público deve ser conhecido em conferência ou em audiência. Carecem, pois, os recorridos de legitimidade para formular tal pedido. (…) nem por isso deixa o recorrido de, no julgamento do recurso, ter os mesmos direitos que o recorrente, pleiteando ambos no mesmo terreno e com as mesmas armas, seja em conferência seja em audiência. (…)” (acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 12 de Maio de 2015, relatado pelo Desembargador Dr. José Adriano no processo nº 6321/11.0TDLSB.L1-5), entendimento que também já tinha sido seguido no acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 22 Março de 2010, publicado na Colectânea de Jurisprudência, 2010, Tomo II, pág.284.
Pelo exposto decide-se o recurso em conferência, como é de lei.

Questões a decidir
Do thema decidendum do recurso:
Para definir o âmbito dos recursos, a doutrina [1] e a jurisprudência [2] são pacíficas em considerar, à luz do disposto no artigo 412º, nº 1, do Código de Processo Penal, que o mesmo é definido pelas conclusões que o recorrente extraiu da sua motivação, sem prejuízo, forçosamente, do conhecimento das questões de conhecimento oficioso.
A função do tribunal de recurso perante o objeto do recurso, quando possa conhecer de mérito, é a de proferir decisão que dê resposta cabal a todo o thema decidendum que foi colocado à apreciação do tribunal ad quem, mediante a formulação de um juízo de mérito.
Tendo em conta o relatório, as conclusões da motivação de recurso do Ministério Público versam um erro notório na apreciação da prova na decisão da matéria de facto vertida no acórdão recorrido, bem como um erro em matéria de direito na interpretação do artigo 169º, nº 1 do Código Penal, uma vez que as condutas dos arguidos integram a prática de um crime de lenocínio tipificado nessa norma penal.
*
Para decidir tais questões, impõe-se concretizar o facto jurídico-processual relevante – a fundamentação em matéria de facto e de direito do acórdão recorrido -.
*
II – FUNDAMENTAÇÃO
A – Fundamentação da decisão recorrida:
“FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO
Factos provados
Com relevo para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. Desde data não concretamente apurada, seguramente desde o mês de agosto de 2016, o arguido AA e a sua mulher, a arguida BB, exploram o estabelecimento comercial designado “I...”, sito na Rua ..., ..., ..., Felgueiras;
2. Aquele estabelecimento é composto, para além do mais, por um piso onde funciona um bar e por um piso superior onde estão instalados 9 quartos, numerados, equipados todos com cama e chuveiro, sendo a casa de banho com sanita partilhada por todos os quartos;
3. Os arguidos AA e BB são quem procede à gestão diária do estabelecimento, dá as ordens necessárias ao seu funcionamento, representa-o perante fornecedores e clientes e determina o que mais for necessário para a sua gestão corrente;
4. De comum acordo e em comunhão de esforços, intentos e vontades, com vista a retirar proventos económicos da atividade do bar e do alojamento do piso superior, os arguidos alojaram diversas mulheres, em número seguramente nunca inferior a 10, de diversas nacionalidades, de entre portuguesas e estrangeiras, que partilham os quartos;
5. Àquelas mulheres, os arguidos AA e BB incumbiram de aliciar os clientes do sexo masculino a consumir bebidas alcoólicas disponibilizadas no primeiro piso, mediante uma comissão por isso, estando as mulheres obrigadas a preencher um cartão com as bebidas consumidas e a uma progressão mínima por semana sob pena de serem dispensadas;
6. As mulheres que lá se encontravam, sempre que tal se revelasse oportuno, aliciavam os clientes do sexo masculino à prática de relações sexuais com elas no piso de cima do estabelecimento;
7. Para o efeito, a mulher que lograsse aliciar um cliente para a prática de relações sexuais deveria pedir ao porteiro o acesso a um dos 9 quartos do piso de cima, acesso esse de outro modo não livre e dirigir-se a um deles para proceder à prática de relações sexuais com eles, a troco de € 30,00 por 15 minutos, ou € 40,00 com menor restrição de tempo, o que sucedia diversas vezes por noite;
8. As bebidas consumidas configuram rendimento do estabelecimento explorado pelos arguidos e as mulheres em causa têm que pagar € 40,00 por noite, a título de “diária” e “hospedagem”;
9. O estabelecimento funcionava diariamente, entre as 10,30 horas e as 05h00 ou 06h00, dependendo do número de clientes presentes;
10. O descrito nos pontos 1 a 8 ocorreu, designadamente, nos dias 14.09.2018, pelas 00h30m, 20.09.2018, entre as 20h20m e as 22h39m e as 00h30m e o dia 26.09.2018;
11. Como ocorreu durante a madrugada do dia 19.10.2018, sendo que se encontravam presentes no estabelecimento, nesses momentos, as seguintes mulheres:
i. FF, de nacionalidade angolana;
ii. GG, de nacionalidade brasileira;
iii. HH, de nacionalidade hondurenha;
iv. II, de nacionalidade espanhola;
v. JJ, de nacionalidade brasileira;
vi. KK, de nacionalidade espanhola;
vii. LL, de nacionalidade brasileira;
viii. MM, de nacionalidade brasileira;
ix. NN, de nacionalidade brasileira;
x. OO, de nacionalidade portuguesa;
xi. PP, de nacionalidade portuguesa;
12. Encontravam-se ainda, no local, os seguintes clientes do estabelecimento:
i. QQ;
ii. RR;
iii. SS;
iv. TT;
v. UU;
vi. VV;
vii. WW;
viii. XX;
ix. YY;
x. ZZ;
xi. AAA;
12. Em tal ocasião, PP encontrava-se a descer do quarto n.º 1, acompanhada do cliente BBB, onde tiveram relações sexuais a troco de dinheiro;
13. Ainda, no quarto n.º 8, encontravam-se, desnudados, MM e CCC, os quais se preparavam para ter relações sexuais a troco de dinheiro;
14. Em tais momentos, nos quartos encontravam-se ainda diversos artigos relacionados com a prática sexual, como preservativos masculinos e femininos, bisnagas lubrificantes, toalhitas e cartões de consumo, bem como dinheiro;
15. Ainda no dia 19.10.2018, no interior do estabelecimento, o arguido CC encontrava-se na porta de acesso ao estabelecimento, entregando cartões de consumo do estabelecimento e tinha à sua disposição as chaves de acesso aos quartos;
16. No mesmo momento, o arguido DD encontrava-se a trabalhar no bar, servindo bebidas aos clientes e a receber os pagamentos dos mesmos antes de subirem para os quartos e o arguido EE encontrava-se a servir às mesas, recebendo os pagamentos dos clientes;
17. Agiram os arguidos AA e BB, por sua iniciativa, de comum acordo e em comunhão de esforços, intentos e vontades, com vista a retirar proventos económicos da atividade do bar e do alojamento;
18. Os arguidos CC, DD e EE colaboraram com os arguidos AA e BB na exploração do estabelecimento, sendo seus funcionários;
19. Os arguidos AA e BB foram constituídos como tal em 19.10.2018;
20. Entre outubro de 2013 e o ano de 2017, os arguidos adquiriram o imóvel sito no ..., sito em ..., em ... e ..., com a descrição predial n.º ..., adquirido no ano de 2016, pago com recurso à conta bancária dos arguidos Banco 1...-..., no valor de € 32.000,00;
21. Os arguidos AA e BB declararam à Autoridade Tributária, nos anos de 2013 a 2017, a quantia de € 35.442,22;
22. Entre outubro de 2013 e o ano de 2017, o arguido AA realizou créditos no montante total de € 327.921,85;
23. O processo de socialização do arguido AA decorreu junto do seu núcleo familiar de origem, constituído pelos progenitores e dois irmãos, dos quais é o mais velho e com uma inserção comunitária ajustada. A natureza das relações familiares pautava-se pela estabilidade/harmonia. Em termos económicos o agregado vivenciava uma situação modesta, assente nos vencimentos auferidos pelos progenitores, respetivamente como auxiliar de ação educativa e empregada doméstica;
24. O arguido AA iniciou a sua trajetória escolar na idade esperada, tendo abandonado os estudos sem concluir o 12º ano de escolaridade por falta de aproveitamento à disciplina de matemática. Alguns meses depois foi chamado a cumprir o serviço militar obrigatório, que o ocupou durante cinco meses;
25. Embora desde os 14/15 anos ocupasse uma parte das férias escolares a trabalhar, nomeadamente na indústria do calçado e construção civil, como servente, apenas após o cumprimento do serviço militar obrigatório iniciou o seu percurso profissional numa empresa de segurança. Permaneceu vinculado durante aproximadamente quatro anos a esta empresa, vindo posteriormente a conseguir vínculo laboral no Hospital ... como porteiro, entidade para a qual havia trabalhado fazendo segurança por conta da referida empresa;
26. O arguido AA contraiu matrimónio em 1999, tendo desta relação nascido três filhos, atualmente com 22, 12 e 5 anos de idade;
27. O agregado familiar que o arguido AA integra é constituído pelo cônjuge e três filhos do casal. O mais velho frequenta o ensino superior na Universidade ... e os dois mais novos respetivamente o 7.º ano de escolaridade e o ensino pré-escolar na localidade de residência. Habitam uma casa tipo vivenda, que o casal terá adquirido com recurso a crédito bancário, proporcionadora de adequadas condições de habitabilidade;
28. O arguido desenvolve funções de porteiro no Hospital ... desde junho de 2000;
29. A manutenção do agregado é assegurada através dos salários líquidos auferidos pelo arguido AA € 717,00 e cônjuge € 880,94. Para além disso, contam com o valor de € 1.750,00 recebido a título de renda, pela exploração do “Bar” e “Alojamento Local” designado “I...”, à empresa “S..., Unipessoal, Lda.”. Como despesas fixas mais significativas têm € 544,78 para pagamento da prestação relativa ao crédito contraído para aquisição de casa própria e a propina mensal paga à Universidade ... que o filho mais velho frequenta, no valor de € 335,40;
30. O quotidiano do arguido AA é ocupado com o exercício da atividade profissional e nos tempos livres, para além do convívio familiar joga futebol na equipa de veteranos do Clube ..., com treinos uma vez por semana e jogos ao sábado;
31. Na comunidade de residência não é apontada qualquer referência negativa ao arguido relativamente às interações que estabelece ou a perturbação da ordem e paz social;
32. Na data a que se reportam os factos, o arguido AA integrava o agregado que constituiu após o matrimónio e que não contava ainda com o filho mais novo, residindo num apartamento na mesma localidade. Em termos laborais, mantinha a ocupação de porteiro do Hospital ..., em regime de turnos e em paralelo dedicava-se, em parceria com o cônjuge à exploração de um estabelecimento de diversão noturna “I...”, sito na ..., concelho de Felgueiras;
33. Apenas a família mais próxima conhece a sua situação jurídica, sendo o seu envolvimento no presente processo desconhecido na comunidade de residência;
34. A arguida BB é oriunda da cidade do Porto e a filha mais nova de dois irmãos que nasceram da relação em união de facto que os pais mantiveram durante mais de quarenta anos. A sua infância decorreu na localidade de origem, desenvolvendo na época o progenitor a atividade de vendedor ambulante de produtos variados entre os quais têxteis e eletrodomésticos. A progenitora, ocupava-se com a gestão doméstica do agregado, apoiando sempre que possível o companheiro na atividade comercial que o mesmo desenvolvia. Por volta dos dez anos, os progenitores passaram a dedicar-se também à exploração de estabelecimentos na área da restauração, situação que levou o agregado a mudar-se para a ..., concelho de Felgueiras, onde passaram a explorar um café/restaurante conhecido como a “...”, conotado no meio sociocomunitário de referência com a prática da prostituição;
35. A arguida BB iniciou a sua trajetória escolar na idade esperada, tendo sofrido apenas uma retenção aquando da frequência do 7.º ano de escolaridade, vindo a abandonar definitivamente o contexto escolar, sem concluir o 8.º ano de escolaridade;
36. Após ter abandonado os estudos, por volta dos 15/16 anos, a arguida passou a ocupar-se a tempo inteiro, colaborando com os progenitores no estabelecimento comercial que exploravam, que manteve atividade até 2009, altura em que foi desativado na sequência de um incêndio. Posteriormente, adquiriu o imóvel e submeteu-o a obras de recuperação, com vista à criação do seu próprio negócio, com duas atividades distintas, que veio a iniciar em 4 de outubro de 2010, sob a designação de “I...”, sito na Rua ..., ..., concelho de Felgueiras;
37. A arguida BB contraiu matrimónio com o arguido AA quando contava dezoito anos de idade;
38. O agregado familiar que arguida BB integra é o mesmo do arguido AA;
39. A arguida desenvolve a atividade profissional de técnica de vendas na empresa “B... Lda”;
40. A arguida BB ocupa o seu quotidiano com o exercício da atividade profissional, angariando clientes na sua área de residência ou próximas, não se deslocando diariamente à sede da empresa no Porto, e a gestão doméstica do agregado, convivendo com a família nos tempos livres;
41. No meio sociocomunitário existe a convicção de que a mesma não desenvolve qualquer atividade na área da imobiliária, continuando, em parceria com o marido, a gerir o “I...”;
42. Entre 2019 e 2021, a arguida BB frequentou vários cursos de formação modulares na área da manicure, reiky - shoden, nomeadamente o “Curso de Massagem e Terapias de SPA” com duração de 230 horas, com vista à concretização do projeto pessoal que apresenta de criação do seu próprio negócio através de um gabinete de massagens;
43. No meio social de residência não é feita qualquer referência negativa à arguida BB, por manter com todos adequadas interações e não perturbar a paz e ordem social;
44. Na data a que se reportam os factos, a arguida BB integrava o agregado que constituiu após o matrimónio e que não contava ainda com o filho mais novo, residindo num apartamento na mesma localidade. Em termos laborais, ocupava-se na época, em parceria com o cônjuge, à exploração do já referido estabelecimento “I...”;
45. Apenas a família mais próxima conhece a sua situação jurídica que é desconhecida no meio sociocomunitário de referência;
46. O arguido CC nasceu em Lousada, residindo na localidade de ..., concelho de Felgueiras, junto do agregado de origem, composto pelos progenitores e duas irmãs, sendo o arguido o mais novo da fratria. O progenitor trabalhava na área da carpintaria por conta de outrem e a progenitora dedicava-se às lides domésticas e ao cuidado dos filhos, sendo a dinâmica familiar descrita pelo arguido como funcional e coesa, com as necessidades básicas do agregado asseguradas pelos proventos obtidos pelo progenitor;
47. O percurso académico do arguido CC iniciou-se aos seis anos de idade, tendo sofrido uma retenção no 8.º ano, abandonando a escolaridade após conclusão do 9.º ano, aos 16 anos, por desmotivação para as atividades letivas;
48. Em termos profissionais, o arguido ingressou no mundo laboral aos 17 anos de idade, na área da carpintaria, por intermédio do progenitor, atividade que manteve até aos 22 anos de idade, altura em que findou o contrato de trabalho a termo certo. Aos 23 anos foi trabalhar para uma serralharia, em Felgueiras, área laboral mais do seu agrado, durante cerca de sete anos. Após extinção do posto de trabalho, recorreu ao Fundo de Desemprego, situação que manteve até meados de 2018, finda a qual encontrou trabalho numa serralharia em ...;
49. Neste período de interrupção laboral, começou a exercer funções como empregado de bar no estabelecimento de diversão noturna explorado pelo coarguido AA, seu conhecido de contextos de lazer há vários anos, através do qual travou conhecimento com a coarguida BB na qualidade de companheira daquele;
50. Atualmente, à semelhança do que ocorria à data dos factos, o arguido CC reside conjuntamente com os progenitores e a irmã do meio, solteira e operária fabril, existindo uma relação vinculativa afetiva recíproca. A habitação é própria, pertença dos progenitores, com boas condições de habitabilidade;
51. Desde 2018, o arguido exerce atividade laboral numa serralharia, findo o subsídio de desemprego;
52. Em termos económicos, o arguido CC aufere mensalmente € 750,00 de remuneração laboral, tendo como despesa própria mensal rondando aproximadamente os €400,00 e comparticipando com cerca de €100,00 mensais, juntamente com a irmã, nas despesas correntes de casa, sendo estas asseguradas na sua totalidade, pelas pensões de reforma dos progenitores;
53. Em termos afetivos, mantém uma relação de namoro há cerca de três anos, encontrando-se a namorada na Alemanha a trabalhar na área das limpezas;
54. O quotidiano do arguido é gerido em função da sua ocupação profissional e de convívio junto de pares pró-sociais, da área de residência, não lhe sendo conhecido hábitos de frequência de estabelecimentos noturnos de cariz idêntico ao dos presentes autos;
55. No meio social onde reside o presente processo é conhecido, todavia, o arguido beneficia de uma imagem associada ao ajustamento no relacionamento interpessoal, sendo-lhe reconhecidos hábitos de trabalho e interações pessoais ajustadas;
56. O processo de socialização do arguido EE decorreu em Amarante, junto da progenitora, do padrasto e dos irmãos, frutos de diferentes relações afetivas da progenitora. Após a separação do casal parental, contava o arguido com alguns meses de idade, o irmão DDD do arguido ficou aos cuidados do pai e o arguido permaneceu com a mãe, não mantendo qualquer proximidade com o progenitor, afastamento cujo motivo refere desconhecer. A mãe refez a sua vida afetiva, não sabendo o arguido precisar que idade tinha quando o companheiro da mãe integrou o seu agregado, união da qual nasceram 3 descendentes. A progenitora era doméstica e o padrasto operário de fábrica de madeiras, vivendo o agregado familiar na habitação da avó materna do arguido, sem comportar despesas. A situação socioeconómica era deficitária, sendo que, como complemento, a família praticava agricultura como modo de subsistência. A dinâmica familiar seria funcional, sendo o padrasto sentido como um referencial afetivo significativo;
57. O arguido EE concluiu o 6.º ano de escolaridade aos 12 anos de idade, sem retenções;
58. Aos 13 anos de idade passou a trabalhar numa oficina de reparação de veículos motorizados como forma de auxiliar a família economicamente e, a partir daí, foi obtendo atividades laborais indiferenciadas, de vínculo precário, até aos 16 anos, data em que passou a viver com uma tia materna, na cidade do Porto, na procura de melhores remunerações;
59. Aos 19 anos de idade, estabeleceu relação afetiva com aquela que viria a ser sua cônjuge, que residia em Amarante, tendo casado aos 20 anos de idade e reintegrado o agregado de origem do arguido;
60. Após o nascimento do primeiro filho do casal, passaram a residir em habitação arrendada. O cônjuge era operária fabril em fábrica de calçado e o arguido trabalhava na área da hotelaria, em espaços de diversão noturna, na sequência do convite de um tio materno, atividade laboral que o arguido considerava economicamente atrativa. Da relação afetiva, o arguido tem dois descendentes, de 32 e de 27 anos de idade, prole à qual veio a juntar-se a sobrinha do arguido, aos 2 meses de vida, há cerca de 20 anos, que adotou, na sequência de problemática aditiva de uma irmã e instauração de processo de promoção e proteção;
61. Em 2007, o arguido explorou café/restaurante. No entanto, uma vez que ultrapassava o horário permitido por lei, começou a confrontar-se com sucessivas coimas, situação que conduziu ao encerramento do estabelecimento, tendo o arguido retomado a atividade laboral em estabelecimento de diversão noturna, onde exerceu as funções de porteiro e de barman;
62. Após encerramento do estabelecimento comercial, café/restaurante, regressou às funções de empregado de bar, em estabelecimentos de diversão noturna. Encontrava-se o arguido desempregado, em 2017, após encerramento do estabelecimento onde trabalhava, quando o mesmo teve conhecimento, através do grupo de pares associados a espaços de diversão noturna, que AA e BB, coarguidos dos presentes autos e proprietários do espaço de diversão noturna, necessitavam de um funcionário, vindo o arguido a trabalhar naquele estabelecimento;
63. Atualmente e à semelhança do que ocorria à data dos factos subjacentes à instauração dos presentes autos, o arguido reside com o cônjuge numa habitação arrendada pelo valor mensal de € 250,00 e comportando em despesas fixas mensais, cerca de € 100,00, para pagamento de água, eletricidade e gás;
64. O arguido mantém a função de funcionário de mesa e bar em estabelecimento de diversão noturna, auferindo cerca de € 665,00, valor a que acrescem, mensalmente, cerca de € 100,00 respeitantes a comissões por horas extra de trabalho. O cônjuge está desempregada e beneficia de subsídio de desemprego, no valor de € 438,00. O descendente mais velho, de 32 anos de idade, labora num escritório de contabilidade e os descendente e sobrinha, de 27 e de 20 anos de idade, encontram-se desempregados;
65. A dinâmica familiar é funcional sendo a relação conjugal referenciada como gratificante;
66. O presente processo não é do conhecimento público na área residencial, meio no qual o arguido é descrito como cordial nas interações, sendo conhecida a sua profissão enquanto funcionário de espaços de diversão noturna;
67. O arguido DD é divorciado e tem um filho com cerca de 3 anos de idade, que vive com a mãe, a quem paga € 150,00 mensais a título de prestação de alimentos;
68. O arguido DD trabalha na área da restauração, como empregado de mesa, auferindo um rendimento mensal de cerca € 750,00;
69. Vive com a mãe e um irmão, em casa desta, contribuindo com cerca de € 200,00 mensais para as despesas;
70. Tem o 8.º ano de escolaridade;
71. O arguido AA foi condenado:
a) No Proc. Comum Singular n.º 704/03.6TAEVR, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Évora, por sentença de 26.11.2009, transitada em julgado a 22.01.2011, pela prática em 1990 de um crime de lenocínio, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, já declarada extinta;
b) No Proc. Comum Singular n.º 404/13.9TAFLG, do Juízo Local Criminal de Felgueiras, Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, por sentença de 17.06.2016, transitada em julgado a 28.06.2018, pela prática entre julho de 2010 e 25 de maio de 2014 de um crime de lenocínio, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova e ao dever de não alojar no estabelecimento “I...” pessoas conotadas com a prática da prostituição e de proceder à entrega, no prazo de 2 anos, da quantia de € 2.000,00 a uma Instituição Particular de Solidariedade Social que se dedique à proteção e apoio de mulheres vítimas de violência;
72. A arguida BB foi condenada:
a) No Proc. Comum Singular n.º 704/03.6TAEVR, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Évora, por sentença de 26.11.2009, transitada em julgado a 08.01.2010, pela prática em 1990 de um crime de lenocínio, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, já declarada extinta;
b) No Proc. Comum Singular n.º 404/13.9TAFLG, do Juízo Local Criminal de Felgueiras, Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, por sentença de 17.06.2016, transitada em julgado a 28.06.2018, pela prática entre julho de 2010 e 25 de maio de 2014 de um crime de lenocínio, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova e ao dever de não alojar no estabelecimento “I...” pessoas conotadas com a prática da prostituição e de proceder à entrega, no prazo de 2 anos, da quantia de € 2.000,00 a uma Instituição Particular de Solidariedade Social que se dedique à proteção e apoio de mulheres vítimas de violência;
73. O arguido CC foi condenado no Proc. Comum Singular n.º 404/13.9TAFLG, do Juízo Local Criminal de Felgueiras, Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, por sentença de 17.06.2016, transitada em julgado a 28.06.2018, pela prática entre julho de 2010 e 25 de maio de 2014 de um crime de lenocínio, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
74. O arguido DD já foi condenado:
a) No Proc. Sumário n.º 33/13.3GTPNF, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Felgueiras, por sentença de 03.06.2013, transitada em julgado a 08.07.2013, pela prática em 26.05.2013 de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena única de 130 dias de multa, à taxa diária de € 7,00 e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo prazo de 5 meses, tendo a pena de multa sido substituída por TFC, que cumpriu, estando declaradas extintas a pena e sanção acessória;
b) No Proc. Sumaríssimo n.º 382/18.8GBFLG, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, JL Criminal de Felgueiras, por sentença de 27.06.2019, transitada em julgado a 02.09.2019, pela prática em 30.08.2018 de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena única de 250 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo prazo de 12 meses, já declaradas extintas;
c) No Proc. Sumário n.º 42/21.2GCGMR, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, JL Criminal de Guimarães – Juiz 4, por sentença de 09.02.2021, transitada em julgado a 06.05.2021, pela prática em 02.02.2021 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 5 meses de prisão, suspensa por um ano, com obrigação de frequência do programa de prevenção de segurança rodoviária e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo prazo de 10 meses;
75. Ao arguido EE não lhe são conhecidos antecedentes criminais.
*
Factos não provados
Com relevo para a decisão da causa não se provaram quaisquer outros factos, nomeadamente que:
1- Os arguidos AA e BB incumbiram as mulheres de aliciar os clientes do sexo masculino à prática de relações sexuais com elas no piso de cima do estabelecimento, a troco de quantias monetárias;
2- As mulheres em causa mantêm relações sexuais com os clientes a troco de dinheiro como meio de fornecer um rendimento certo aos arguidos;
3- O arguido AA retinha as chaves dos quartos das 22:00 horas até à hora de fecho do bar, impedindo que alguma das mulheres se ausentasse para o quarto durante aquele período;
4- No dia 19.10.2018, era o arguido CC quem pagava às mulheres a sua parte dos consumos de bar dos clientes;
5- Os arguidos AA e BB estruturaram o estabelecimento com todas as condições e regras adequados a que se procedesse à prática institucionalizada de relações sexuais, a troco de dinheiro e mediante uma compensação financeira percebida, de tudo estando bem cientes;
6- Os arguidos CC, DD e EE, cientes de tal acordo e atividade, de igual modo, agiram de comum acordo com os arguidos AA e BB e em comunhão de esforços, intentos e vontades com os mesmos, fomentando e auxiliando na prática da exploração da prostituição;
7- Quiseram todos, como sabiam ser o caso, viver à custa da exploração do corpo das mulheres em causa e dos rendimentos por elas obtidos em troca de relações sexuais;
8- Estavam cientes que tais mulheres, muitas estrangeiras, sem rede familiar ou de apoio, nas condições em que ali se encontravam instaladas, eram pessoas que estavam suscetíveis à prática de relações sexuais a troco de quantias monetárias, o que quiseram e lograram explorar;
9- Agiram os arguidos de um modo livre, deliberado e consciente, cientes de que incorriam em responsabilidade penal;
10- O valor de € 292.479,65, resultante da incongruência entre o património do arguido AA e o rendimento comunicado à autoridade tributária é resultado dos proveitos económicos advindos da atividade de exploração do corpo das mulheres em causa e dos rendimentos por elas obtidos em troca de relações sexuais.
*
Consigna-se que dos factos provados e não provados foram retirados os demais factos constantes da pronúncia e que dizem respeito aos crimes de exercício ilícito de atividade de segurança privada e de ofensa à integridade física simples imputados aos arguidos AA, BB e CC, já julgados no Proc. comum coletivo n.º 1274/21.9T8PNF, que corre termos neste Juízo Central Criminal, mais concretamente os factos imputados na pronúncia sob os n.ºs 19, 21, 22, 23, 30, 31 e 32, tal como decorre do disposto nos artºs. 124.º, 283.º, n.º 3, al. b) e 374.º, n.º 2 do C. P. Penal, que impõem apenas a exposição dos factos que foram objeto de prova.
*
Motivação
O tribunal formou a sua convicção com base na prova documental e pericial junta aos autos, nomeadamente e com pertinência para os factos em apreço:
i. dos autos principais:
- reportagem fotográfica de fls. 68 a 70 (quanto à configuração do local).
- auto de diligência de fls. 134 (executado pelos Inspetores EEE e FFF no dia 14.09.2018 - deslocação ao bar -, em que descrevem o acesso ao bar, que no interior se encontrava um porteiro e um empregado de balcão, referenciado como sendo AA.
O porteiro que entregava os cartões de consumo à entrada e a quem as mulheres que lá se encontravam solicitavam as chaves que se encontravam num armário atrás deste. “Do que se apurou junto de algumas mulheres naquele estabelecimento estão geralmente cerca de 12 mulheres diariamente entra as 15,00 e as 5,00 horas, que “vão rodando de duas em duas semanas”.
Foi pelas mesmas dito que pelo preço de € 30,00 é possível “subir”, manter relações por um período não superior a 15 minutos e por € 40,00 por um período mais longo. “Entre as 00,30 horas e as 2,00 horas as mulheres saíram daquele estabelecimento cerca de 14 vezes acompanhadas de homens que aí se encontravam, depois de estes aparentemente pagarem as bebidas que haviam consumido”. Geralmente essas mulheres regressavam passado quinze a vinte minutos e os homens, por regra, não. Mais vem referido no auto que por volta da 1,00 hora foram substituídos o porteiro e empregado de balcão por outros dois funcionários. Estas mulheres solicitavam ao porteiro uma das chaves que se encontravam num armário atrás destes. Nenhum desses funcionários foi identificado, com exceção do arguido AA, que se encontrava no bar).
- auto de diligência de fls. 137/8 (executado pelos Inspetores EEE e FFF no dia 20.09.2018 - deslocação ao bar -, em que descrevem novamente o acesso ao bar e todo o procedimento visualizado em tudo idêntico ao do dia 14.09. Acrescentam que nesse dia “Entre as 00,30 horas e as 2,00 horas as mulheres saíram daquele estabelecimento cerca de 8 vezes acompanhadas de homens que aí se encontravam, depois de estes aparentemente pagarem as bebidas que haviam consumido”. Nenhum desses funcionários foi identificado, com exceção do arguido AA, que se encontrava atrás do balcão).
- auto de detenção de fls. 200/1, do arguido CC (do dia 19.10.2018, em que consta que o arguido estava na entrada do “I...”, tencionava entregar cartões de consumo, que tinha na sua posse, juntamente com as chaves de acesso aos quartos, o que foi verificado após revista sumária).
- auto de revista e apreensão de fls. 204/5, do arguido CC – um telemóvel Samsung ..., um cartão de consumo, um bloco de cartões de consumo, três cartões magnéticos, inseridos em proteção de plástico, que servem de entrada às escadas de acesso ao piso superior (KTO 3, KTO 6 e KTO 7).
- auto de revista e apreensão de fls. 206/7, do arguido DD.
- auto de detenção de fls. 210/1 do arguido DD – em que consta que estava a trabalhar no bar, a servir bebidas.
- auto de revista e apreensão de fls. 212/3, do arguido EE.
- auto de detenção de fls. 214/1 do arguido DD – em que consta que estava a trabalhar no bar, a servir bebidas e receber o pagamento do consumo dos clientes, mas negou pagamento respeitante ao serviço prestado pelas mulheres que se prostituem no primeiro piso daquele estabelecimento.
- auto de revista e apreensão de fls. 217 – II – um cartão (fls. 219), um telemóvel ..., quatro notas de € 20,00 e uma de € 5,00.
- auto de revista e apreensão de fls. 224/5 – JJ - € 30,00, um cartão de plástico “Kto 2”.
- auto de revista e apreensão de fls. 231 – GG – um cartão (fls. 232).
- auto de revista e apreensão de fls. 237 – KK – um cartão (fls. 237).
- auto de revista e apreensão de fls. 242 – FF – um cartão (fls. 243).
- auto de revista e apreensão de fls. 247 – HH – um cartão (fls. 248).
- auto de revista e apreensão de fls. 252 – LL – um cartão (fls. 253).
- auto de revista e apreensão de fls. 257 – NN – um cartão (fls. 258).
- auto de revista e apreensão de fls. 262 – OO – um cartão (fls. 263).
- auto de revista e apreensão de fls. 285/6 – AA – telemóvel Apple + € 605,00; um apontamento manuscrito com a inscrição “Faltas”, entre outras inscrições; um apontamento manuscrito relativo ao horário de trabalho de diversos indivíduos; um cartão de consumo.
- auto de busca e apreensão de fls. 290 a 292 – “I...”:
No primeiro piso – 9 quartos, devidamente numerados e cujo acesso é por cartão magnético ou por código.
Quarto 1: estava a sair da divisão PP, acompanhada pela testemunha BBB. Na bolsa de PP: 4 preservativos, um cartão de consumo, € 60,00.
Quarto 2: encontrava-se JJ. No armário: uma caixa de preservativos masculinos “viva”, com 144 unidades, 19 preservativos masculinos “viva”, 1 preservativo masculino “sensitive”, 3 preservativos femininos “Cupid”. Existia um saco com preservativos usados.
Quarto 3: vazio. Documento de HH. No armário: 25 blisters contendo 3 preservativos masculinos “Shadow”; 2 blisters com 3 preservativos masculinos “DGS”; 17 preservativos masculinos “Shadow”, 1 bisnaga lubrificante “Durex”; 5 preservativos femininos “DGS”; 10 preservativos femininos “Cupid”.
Quarto 4: nada.
Quarto 5: nada.
Quarto 6: nada.
Quarto 7: vazio. Documentos de NN.
Quarto 8: encontrava-se a manter relações sexuais MM com CCC. Efetuada a busca foi encontrado e apreendido na bolsa de MM: 2 preservativos masculinos “Control”; 2 preservativos “Shadow”; 1 cartão “I...”; a quantia de€ 60,00.
Quarto 9: nada.
- Reportagem fotográfica de fls. 293 a 304 – vista geral do bar, hall de entrada e das escadas de acesso ao piso superior, do corredor de acesso aos quartos e dos bens apreendidos nos quartos.
- auto de busca de fls. 307/8, ao veículo ..-LR-.. (AA): nada.
- auto de busca de fls. 311, ao armazém e dormitório em frente ao bar: nada.
- Reportagem fotográfica de fls. 311 a 318, ao armazém e dormitório em frente ao bar.
- auto de busca e apreensão de fls. 319/320, ao veículo ..-HD-.. (AA): mochila pessoal de BB, com € 405,00 e um cheque do Banco 2....
- auto de busca e apreensão de fls. 323 a 326, em 19.10.2018: divisões – zona de bar, com zona de lazer, um privado, duas casas de banho, um escritório, uma cozinha, uma sala de máquinas e um armazém.
Apreensões:
No bar: no quadro elétrico: 21 cartão de consumo, com o carimbo “...”.
No balcão: 4 papéis manuscritos com referências a nomes, quantias em dinheiro e uma caixa e metal onde estavam € 40,00 e 3 chaves “Kto4”, “K5” e “KTO9”.
Na caixa registadora: uma folha de papel com o timbre “Hospital ...”, com referências manuscritas aos quartos 1 a 9, a quantia de € 135,00 e 4 cartões. No armário das bebidas: € 80,00 e uma folha manuscrita com a inscrição “GGG – 35 deve” e outra rasurada.
No escritório: Um cofre metálico, um molho de cartões de consumo com registos de dívidas de clientes.
Num porta documento, contrato de trabalho celebrado entre BB e CC. Foram ainda apreendidos: 2 folhas de apontamento, 1 extrato Banco 1..., em nome de AA, € 50,90, um inventário do I..., 4 recibos de vencimento, de 30.11.2018, onde aparece como entidade patronal BB e funcionários HHH, III, DD e CC, uma declaração de remunerações da Seg. Social tendo como entidade patronal BB e funcionários HHH, III, DD e CC, referentes a Outubro de 2018 e um extrato bancário do Banco 2..., em nome do AA, 5 molhos de cartões “...”, um envelope com a referência “18.10.2018 JJJ”, contendo uma folha ..., com anotações de quantias monetárias no total de € 263,00, valor que estava no envelope. Na caixa de correio afixada na porta do escritório: um envelope com a referência “alojamentos 18.10.2018”, contendo uma folha de tamanho A5 com o título “...”, datado de 17/18 de Outubro, com anotação “320/160” e uma folha com o título ... datado de 18/10/2018, com nomes de mulheres e quantias monetárias à frente desses nomes e um total geral de 235, junto às quais se encontrava a quantia de € 235,00, 4 cartões de consumo, um envelope com a referência “DD 18-10-2018”, contendo uma folha com o título “...” datada de 18/10, com anotações de caixa no total de € 94,00, quantia que estava no envelope. Um dispositivo de vigilância sem marca visível e cabo de alimentação e uma torre de computador HP.
- reportagem fotográfica de fls. 317 a 342, da busca e apreensões efetuadas.
- auto de revista e apreensão de fls. 348/9, da arguida BB.
- relatório de operação conjunta do SEF de fls. 968 a 971 – identificados 11 cidadãs, dos quais 9 eram estrangeiras.
- auto de apreensão de objetos que se encontravam no interior da capa do Iphone apreendido ao AA, de fls. 975: um nota de € 500,00, uma nota de € 100,00, uma fatura da joalharia, um papel manuscrito e 5 talões de apostas (fls. 976 a 978).
- certidão de casamento dos arguidos BB e AA, de fls. 1118.
- auto de relação de objetos apreendidos (Polícia Judiciária) de fl. 1130 a 1133.
- certidão de fls. 1198 a 1267, relativa ao Proc. comum singular n.º 404/13.9TAFLG – Comarca Porto Este – JL Criminal – J1 (sentença primeira instância e acórdãos do TRP e TC).
- certidão de fls. 1274 a 1334, relativa ao Proc. comum singular n.º 704/03.6TAEVR – Tribunal Judicial da Comarca de Évora – JL Criminal – Juiz 1.
- c.r.c. do arguido EE de fls. 1591.
- c.r.c. do arguido DD de fls. 1592 e segs.
- c.r.c. do arguido CC de fls. 1598/9.
- c.r.c. do arguido AA de fls. 1600 a 1603.
- c.r.c. da arguida BB de fls. 1604 e segs.
- relatório social do arguido EE de fls. 1651 e segs.
- relatório social da arguida BB de fls. 1654 e segs.
- relatório social do arguido AA de fls. 1660 e segs.
- relatório social do arguido CC de fls. 1679 e segs.
ii. apensos Polícia Judiciária:
- I volume:
Auto de visionamento – fls. 3 e ss;
Transcrição de mensagens – fls. 20 e ss;
Exame a telemóvel – fls. 164 e ss;
Auto de visionamento – fls. 165 e ss;
Transcrição de mensagens – fls. 167 e ss;
Exame a telemóvel – fls. 209 e ss;
Auto de visionamento – fls. 210 e ss;
Transcrição de mensagens – fls. 214 e ss;
Exame a telemóvel – fls. 222 e ss;
Auto de visionamento – fls. 223 e ss;
Transcrição de mensagens – fls. 225 e ss;
- II Volume:
Exame a telemóvel – fls. 250 e ss;
Auto de visionamento – fls. 251 e ss;
Transcrição de mensagens – fls. 254 e ss;
Fotos do material examinado – fls. 529 e ss, 534 e ss;
iii. Apensos do GRA;
conjugada com as declarações dos arguidos AA e BB, prestadas em primeiro interrogatório judicial 2018 (nos termos do art.º 141.º, n.º 4, al. b) ex vi art.º 357.º, n.º 1, al. b), ambos do C.P.P.), sendo que nenhum dos arguidos prestou declarações quanto aos factos em audiência de julgamento, tendo apenas o arguido DD prestado declarações quanto às suas condições socioeconómicas, bem como as declarações para memória futura constantes dos autos e depoimentos das testemunhas inquiridas em audiência de julgamento, tudo analisado de forma crítica e em conjugação com regras de experiência comum e as mais elementares regras de prova previstas no nosso ordenamento jurídico.
Assim, para formar a sua convicção, o Tribunal considerou desde logo as declarações dos arguidos AA e BB em sede de primeiro interrogatório judicial.
Impõe-se, assim, fazer uma análise prévia sobre a possibilidade e a forma de valoração deste meio de prova, considerando, desde já, que nenhum dos arguidos falou em audiência de julgamento, usando da prerrogativa constitucionalmente consagrada do direito ao silêncio.
Concretamente quanto a situações em que respondem no mesmo processo vários coarguidos e relativamente às declarações prestadas por algum ou alguns deles, deve ter-se presente o seguinte:
- art.º 344.º, n.º 3, al. a) e n.º 4, do C.P.P., em que havendo confissão apenas de um dos arguidos e não de todos eles, “o tribunal decide, em sua livre convicção, se deve ter lugar e em que medida, quanto aos factos confessados, a produção da prova”;
- art.º 345.º, n.º 4, do mesmo diploma legal, em que “não podem valer como meio de prova as declarações de um coarguido em prejuízo de outro coarguido quando o declarante se recusar a responder às perguntas formuladas nos termos dos n.ºs 1 e 2”, ou seja a qualquer das que lhe sejam formuladas não só pelos juízes e jurados, mas também às que forem formuladas na sequência de esclarecimentos solicitados pelo Ministério Público, pelo advogado do assistente ou pelo defensor (incluindo os defensores dos coarguidos).
Ora, daqui não decorre que as declarações do arguido em inquérito, ainda que o arguido tenha usado do exercício do direito ao silencio em audiência, sejam proibidas.
Aliás, de acordo com o art.º 357.º, n.º 1, al. b) C.P.P. (introduzido pela Lei n.º 20/2013, de 21.02), as mesmas são permitidas: “b) Quando tenham sido feitas perante autoridade judiciária com assistência de defensor e o arguido tenha sido informado nos termos e para os efeitos do disposto na alínea b) do n.º 4 do artigo 141.º”, normativo este que determina que o juiz informe o arguido em 1.º interrogatório judicial “de que não exercendo o direito ao silêncio as declarações que prestar poderão ser utilizadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência, ou não preste declarações em audiência de julgamento, estando sujeitas à livre apreciação da prova”.
No vertente caso, as declarações quer dos arguidos BB e AA foram prestadas perante Juiz de Instrução Criminal e foi feita a advertência atrás consignada. Foram prestadas na presença do seu Defensor e dos Defensores dos demais arguidos.
Assim, conforme se decidiu no Ac. do Tribunal da Relação de Coimbra de 15.03.2017, disponível em www.dgsi.pt: “Com a alteração introduzida pela Lei nº 20/2013, de 21 de fevereiro aos arts. 141º e 357º do C. Processo Penal, resulta clara a opção do legislador em conferir uma maior disponibilidade de utilização superveniente das declarações prestadas pelo arguido nas fases preliminares do processo. Com efeito, a regra, agora, é a possibilidade de as declarações anteriormente prestadas por arguido serem reproduzidas ou lidas em audiência de julgamento, desde que o tenham sido perante autoridade judiciária, com a assistência de defensor e prévia advertência ao declarante de que tais declarações poderão ser usadas no processo, mesmo que seja julgado na ausência ou exerça o direito ao silêncio na audiência, estando as mesmas sujeitas à livre apreciação da prova”.
Se dúvidas inexistem quanto ao uso das declarações quanto ao próprio arguido, ainda que se remeta ao silêncio em audiência de julgamento, importa analisar se são meio de prova proibido relativamente aos demais coarguidos, designadamente por se remeterem ao silêncio em audiência de julgamento, isto é, se estão vedadas face ao disposto no citado art.º 345.º, n.º 4 do C.P.P.
Ora, as declarações do coarguido não se compreendem entre os meios proibidos de prova previstos no art.º 126.º do C.P.P.
Assim, as declarações do coarguido devem ser analisadas no âmbito do princípio da legalidade da prova, por força do qual, nos termos do art.º 125º do C.P.P., são permitidos todos os meios de prova que não forem legalmente vedados.
A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça (cfr. Acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 31.10.2007, de 12.03.2008 e de 18.06.2008, disponíveis in www.dgsi.pt) sempre defendeu que o arguido tanto pode produzir declarações a seu respeito como a respeito dos demais coarguidos, sem o que ficaria gravemente comprometido o seu direito de defesa, apenas lhe sendo vedado intervir como testemunha, nos termos do art.º 133º, n.º 1, al. a) do C.P.P., precisamente para que não seja sujeito aos ónus que implica tal estatuto.
Ainda assim, a valoração de tal prova, conforme jurisprudência uniforme do Supremo Tribunal de Justiça, deverá ocorrer de forma cautelar, no âmbito da situação concreta e sustentada em quaisquer outros meios de prova, que permita, desde logo, aferir da credibilidade de tais declarações.
Sufragando a posição do Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 12.09.2018, relatado pelo Des. José Carreto, disponível in www.dgsi.pt, “O direito ao silêncio não pode ser valorado contra o arguido. Porém, a proibição de valoração incide apenas sobre o silêncio que o arguido adotou como estratégia processual, não podendo repercutir-se na prova produzida por qualquer meio legal, designadamente a que venha a precisar e demonstrar a responsabilidade criminal do arguido, revelando a falência daquela estratégia”.
No cerne desta questão está, assim, o exercício do direito de defesa do coarguido incriminado pelas declarações, donde desde que asseguradas essas garantias, deve funcionar o principio geral.
Mais uma vez acolhemos a posição assumida no Ac. do Tribunal da Relação do Porto atrás citado “Que o silencio do arguido incriminado não releva como fator impeditivo da apreciação daquelas declarações, parece evidente, pois a sua validade não depende da sua tomada de posição em relação ao processo”.
Aliás, conforme se refere nesse Ac., o Tribunal Constitucional no Ac. nº 133/2010 in DR, II Série de 18/05/2010, decidiu “Não julga inconstitucional a norma do artigo 345.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, conjugada com os artigos 133.º, 126.º e 344.º, quando interpretados no sentido de permitir a valoração das declarações de um arguido em desfavor do coarguido que entenda não prestar declarações sobre o objeto do processo”.
O Tribunal não está, pois, impedido de valorar esse meio de prova, livremente como os demais, mas deverá introduzir um crivo mais exigente.
Referimo-nos ao princípio da corroboração, ou a uma preocupação acrescida de corroboração, avançada na construção então pioneira de Medina de Seiça, que a jurisprudência tem vindo a acolher.
Nas conclusões da sua dissertação, este professor chama a atenção para o facto de as declarações de coarguido constituírem material probatório que requer uma verificação suplementar traduzida numa exigência de corroboração.
“Com a corroboração significa-se a existência de elementos oriundos de fontes probatórias distintas da declaração que, embora não se reportem diretamente ao mesmo facto narrado na declaração, permitem concluir pela veracidade desta” (Medina de Seiça, O Conhecimento Probatório do Coarguido, 1999, p. 228).
Assim, na ausência de regra tarifada sobre prova por declaração de coarguido, a credibilidade deve ser sempre aferida em concreto, à luz do princípio da livre apreciação, mas, com um especial cuidado, que poderá passar por uma procura de corroboração. A prudência deve integrar a racionalidade do discurso da motivação da matéria de facto.
Ora, do direito ao silencio não se pode concluir pela falta de contraditório, que inquinaria a validade das declarações de coarguido relativamente ao arguido que se remetesse ao silêncio. De facto, não existe uma recusa a responder, mas uma impossibilidade de efetuar as perguntas (contrainterrogatório).
Neste sentido Ac. do Tribunal da Relação do Porto de 12.02.2016, disponível in www.dgsi.pt, “II - Em relação ao coarguido as declarações do arguido só não valem como meio de prova se aquele “se recusar a responder às perguntas formuladas” pelos juízes e demais sujeitos processuais, incluindo dos demais co arguidos, por tal conduta violar as garantias de defesa daquele e se impossibilitar o exercício do direito fundamental ao contraditório” pelo que existe uma justificação legal e constitucional para a ausência de contra interrogatório – o exercício de um direito fundamental do arguido”.
No presente caso, foi possibilitado aos arguidos durante todo o processo o exercício do seu direito de defesa, quer apresentando contraprova que infirmasse as declarações prestadas em 1.º interrogatório pelos arguidos BB e AA, que sabiam poderem ser valoradas em julgamento, até porque estes e os demais arguidos estiverem representados pelos respetivos Defensores, o que não fizeram, podendo fazê-lo, uma vez que não apresentaram qualquer prova nos autos, nem sequer a sua versão dos acontecimentos, o que, embora não possa ser valorado contra os mesmos, também não pode favorece-los, no sentido de não poderem ser apreciadas as declarações prestadas em 1.º interrogatório judicial.
Assim, o tribunal considerou como prova as declarações prestadas pelos arguidos AA e BB, o que fez à luz do princípio da livre apreciação, mas sempre corroboradas com os demais elementos probatórios que iremos referir.
Nas declarações que prestaram em primeiro interrogatório judicial, os arguidos AA e BB admitiram a exploração conjunta do bar, referindo que o estabelecimento tem ainda, separado, um “alojamento local”, cujas características correspondem às dadas por provadas, tal como o horário de funcionamento dado por provado. Neste ponto, embora os arguidos refiram um afastamento, no período em questão, da arguida BB do bar, é a mesma que declara os respetivos rendimentos, além de ser proprietária do imóvel e admite, a final, nas suas declarações que retira € 1.000,00 mensais da exploração do bar.
Da conjugação destas declarações com a reportagem fotográfica de fls. 68 a 70, resultou provada a configuração do local.
Nos seus depoimentos para memória futura, as testemunhas GG, NN, KKK, OO e FF confirmam que estes dois arguidos eram os donos e/ou estavam presentes.
Os arguidos AA e BB admitem também o alojamento de diversas mulheres, além de outros hóspedes, nomeadamente no piso superior, de diversas nacionalidades, mediante o pagamento de uma “diária”, no montante de € 40,00, que incluía não só o alojamento, mas também diversas refeições, o que foi confirmado pelas testemunhas GG, NN, KKK, OO, FF e PP, que nas declarações para memória futura que prestaram confirmam o pagamento de uma diária de € 40,00, referindo as testemunhas NN, KKK, OO, FF e PP tratar-se de “alojamento local”, “hotel” ou “aluguer de quartos”.
A partilha dos quartos é confirmada pelas testemunhas KKK e FF, que confirmam a existência de outras mulheres, o que também é confirmado por NN e surge comprovado pelas vigilâncias efetuadas e que se encontram descritas nos autos supra referidos - autos de diligência de fls. 134 e de fls. 137/8 (cujo teor é confirmado pela testemunha que o elaborou, o Inspetor EEE) – sendo as diversas nacionalidades expressas no relatório de operação conjunta do SEF de fls. 968 a 971, em que são identificadas 11 cidadãs, dos quais 9 eram estrangeiras.
Os arguidos AA e BB também admitem que as “mulheres” praticavam “alterne” no bar, recebendo 50% dos “copos” que os clientes lhes pagavam, o que foi confirmado pelas testemunhas GG, NN, KKK, OO, PP e FF.
Já a obrigação de preencher um cartão semanal, negado pelos arguidos AA e BB, é confirmado pela testemunha KKK, que refere também que havia um preenchimento mínimo semanal, de um cartão de 20 bebidas, senão eram dispensadas, situação que lhe foi transmitida no bar.
De acordo com os autos de vigilância supra referidos, as mulheres que lá se encontravam aliciavam os clientes do sexo masculino à pratica de relações sexuais no piso de cima, devendo pedir ao porteiro o cartão de acesso, dirigir-se ao quarto para manter o ato sexual, mediante o pagamento das quantias monetárias que se apuraram.
Tal facto é confirmado pelas testemunhas EEE e SS, inspetores da Polícia Judiciária que efetuaram as vigilâncias, sendo o primeiro que lavrou os autos de fls. 134 e 137/8.
Quanto ao acesso aos quartos, que era efetuado através do porteiro e não livre, embora negado pelos arguidos BB e AA, surge comprovado pelas vigilâncias atrás referidas e depoimentos das testemunhas KKK, que refere que depois das 22,00 horas tinham que pedir a chave ao funcionário da porta e OO, que refere que era o porteiro que entregava a chave.
Do auto de detenção de fls. 200/1, do arguido CC, no dia 19.10.2018, consta que o arguido estava na entrada do “I...”, tencionava entregar cartões de consumo, que tinha na sua posse, juntamente com as chaves de acesso aos quartos, o que foi verificado após revista sumária.
Do auto de revista e apreensão de fls. 204/5, do arguido CC, resulta a apreensão de três cartões magnéticos, inseridos em proteção de plástico, que servem de entrada às escadas de acesso ao piso superior (KTO 3, KTO 6 e KTO 7).
O próprio arguido AA diz que “acredita” que algumas mulheres que “alugam quartos” se prostituem. A arguida BB refere que o que fazem não lhe diz respeito, não sabe se elas levam dinheiro pelas relações sexuais, acha que as mulheres não sobem todas aos quartos com clientes, não as controla.
Já a testemunha KKK confirma que chegou a subir com clientes, assumindo os valores dados por provados.
Também a testemunha CCC referiu que subiu com uma mulher para ter relações sexuais, no dia da operação da Polícia Judiciária, o que acabou por não acontecer, a testemunha LLL confirma que foi abordado para manter relações sexuais a troco de dinheiro, o que aconteceu, tendo efetuado o pagamento diretamente “à menina” e a testemunha BBB refere que chegou a ir para o quarto com “uma menina”, tendo pago o cartão de consumo e subido para o quarto, onde manteve relações sexuais e pagou, ao que “acha”, € 30,00, diretamente à “menina”.
Neste ponto, o tribunal deu por não provado que eram os arguidos AA e BB que incumbiam as mulheres de aliciar os cientes à prática de relações sexuais a troco de dinheiro ou que as quantias cobradas fossem rendimento certo desses arguidos, uma vez que nenhuma prova foi feita nesse sentido, antes pelo contrário, a prova produzida foi toda no sentido de que não recebiam qualquer quantia pelos atos sexuais praticados.
De facto, da prova documental existente nos autos, nomeadamente das apreensões efetuadas, não existe qualquer documento que comprove que os arguidos BB e AA recebessem qualquer valor pelos atos sexuais praticados, nomeadamente anotações, “papéis de dívidas” ou qualquer outro.
Aliás, das transcrições dos telemóveis apreendidos aos arguidos não existe qualquer referência a pagamentos por atos sexuais, apenas as diárias de € 40,00, constantes de uma mensagem retirada do telemóvel de BB, a fls. 4 do Apenso relativo ao visionamento e extração dos telemóveis apreendidos, valor assumido pelos arguidos AA e pelas testemunhas que frequentavam o bar como sendo a “diária” pelo alojamento e refeições. Também os ficheiros de imagem retirados do telemóvel do arguido EE, identificados como que se “assemelham a conta-correntes das mulheres que trabalhavam no I...”, não nos permitem concluir que se tratasse de valores relativos à prática e/ou comissão dos atos sexuais, antes valores das bebidas pagas por clientes.
Os próprios arguidos AA e BB são perentórios a afirmar que não recebiam qualquer valor pela prática ou eventual prática de atos sexuais no “alojamento”.
De todas testemunhas inquiridas, nenhuma confirma que os arguidos recebessem algum valor pelos atos sexuais.
Analisando os concretos depoimentos das testemunhas que foram encontradas no local no dia 19.10.2018, em declarações para memória futura, sendo que as demais não foi possível inquirir por se desconhecer o paradeiro, nenhuma refere qualquer valor auferido pelos arguidos nesse sentido.
De facto, a testemunha GG refere que não levou clientes para o quarto, nem ninguém falou nisso.
A testemunha NN também refere que ninguém falou em levar clientes para o quarto. Se quisesse levar alguém para cima, podia. Não tinha que dar satisfação (podia levar namorado). Mais referiu que nunca disseram nada quanto ao modo de vestir.
A testemunha KKK, cujas declarações são bastante pertinentes, desde logo porque tinha tido um problema com o arguido AA e denunciou a situação às autoridades, afirma perentoriamente que a roupa ficava ao critério delas, não davam indicações de roupas e os arguidos não recebiam qualquer contrapartida monetária por irem acompanhadas para o quarto. Era ela que estabelecia o preço e que os € 40,00 (com alimentação – peq. almoço, almoço e jantar) tem que pagar sempre, não era por subir.
Também a testemunha OO, referiu que chegou a levar amigos, que eram clientes do bar, mas quando subia, “não dava percentagem”, “ia de livre vontade”, “não sabiam o que ia fazer” e que o dinheiro que recebesse (de amigos) por relações sexuais era só para ela.
A testemunha LLL, conforme referimos efetuou o pagamento diretamente “à menina, que meteu na mala”, o que também é referido pela testemunha BBB.
Quanto aos objetos de natureza sexual apreendidos, não se provou que fossem fornecidos pelos arguidos AA e BB, uma vez que nenhuma das testemunhas inquiridas referiu que eram estes que os disponibilizavam, tendo os arguidos negado, referindo que eram pertença das “mulheres”.
Ainda de acordo com a testemunha NN os arguidos “alugam quartos”, onde ficou hospedada.
KKK refere que no quarto n.º 1 – suite – chegou a ver homens a dormir.
OO refere que “alugou” o quarto quando não tinha condições para conduzir até casa por causa do álcool.
FF refere que se tratava de um bar de copos e que tinha alojamento, uma vez que podia dormir lá e aquilo é um hotel.
PP fala em residencial, com entrada diferente, pelo lado, por cima do bar e que chegou a ver homens alojados – diversos.
A testemunha UU referiu conhecer a “casa” há mais de 30 anos, tendo sido realizadas obras para alojamento local.
Das fotografias de fls. 68 e 293 constata-se que o local possuía uma placa a dizer “AL” (alojamento local) o que é referido pelos arguidos.
Conforme referimos, os arguidos AA e BB assumem o valor de € 40,00 diários, pelo alojamento e refeições, a que apelidam de diária, o que é confirmado pelas testemunhas GG, NN, KKK, OO, PP e FF.
Assim, não podemos associar que a prática de atos sexuais ou o dinheiro recebido a qualquer incumbência dos arguidos BB e AA, desde logo porque os mesmos, conforme é referido pelas testemunhas atrás referidas, apenas auferiam os € 40,00 pela diária, que incluía alojamento e refeições.
Os arguidos AA e BB assumem os horários de funcionamento do bar, que são confirmados pelas testemunhas GG, NN, KKK, OO, PP e FF.
Quanto aos factos relativos ao dia 19.10.2018 que se apuraram, o tribunal teve em consideração os seguintes documentos, supra descritos: autos de detenção de fls. 200/1, auto de revista e apreensão de fls. 204/5, auto de revista e apreensão de fls. 206/7, auto de detenção de fls. 210/1, auto de revista e apreensão de fls. 212/3, auto de detenção de fls. 214/1, auto de revista e apreensão de fls. 217, auto de revista e apreensão de fls. 224/5, auto de revista e apreensão de fls. 231, auto de revista e apreensão de fls. 237, auto de revista e apreensão de fls. 242, auto de revista e apreensão de fls. 247, auto de revista e apreensão de fls. 252, auto de revista e apreensão de fls. 257, auto de revista e apreensão de fls. 262, auto de revista e apreensão de fls. 285/6, auto de busca e apreensão de fls. 290 a 292, a reportagem fotográfica de fls. 293 a 304, auto de busca e apreensão de fls. 323 a 326, reportagem fotográfica de fls. 317 a 342, auto de revista e apreensão de fls. 348/9, relatório de operação conjunta do SEF de fls. 968 a 971 e os depoimentos da testemunha EEE, Inspetor da PJ presente na diligência em questão, CCC, LLL e BBB.
As testemunhas YY, QQ, VV, SS, RR, MMM, ZZ, NNN e WW, presentes no bar no dia 19.10.2018, nada de relevante trouxeram aos autos com os seus depoimentos.
A intenção dos arguidos AA e BB em obterem proventos económicos do bar e do alojamento resulta de regras de experiência comum.
Já a colaboração dos coarguidos CC, DD e EE é assumida pelos arguidos BB e AA, sendo confirmada pelas testemunhas GG, NN, KKK, OO, FF e PP (embora só KKK se recorde do CC), bem como dos autos de vigilância atrás descritos e autos de detenção aos próprios no dia 19.10.2018.
De fls. 289 a 289 e de fls. 346/7 resultam os autos de constituição de arguidos de BB e AA.
O património, créditos e declarações à AT pelos arguidos entre os anos de 2013 a 2017 resultam dos documentos e informação do GRA, que contam dos respetivos apensos.
As condições socioeconómicas dos arguidos resultaram do relatório social do arguido EE de fls. 1651 e segs., do relatório social da arguida BB de fls. 1654 e segs., do relatório social do arguido AA de fls. 1660 e segs., do relatório social do arguido CC de fls. 1679 e segs. e das declarações prestadas, nessa parte, em audiência de julgamento, pelo arguido DD.
Os antecedentes criminais ou ausência dos mesmos resultaram dos c.r.c. do arguido EE de fls. 1591, do arguido DD de fls. 1592 e segs., do arguido CC de fls. 1598/9, do arguido AA de fls. 1600 a 1603 e da arguida BB de fls. 1604 e segs.
Quanto aos factos não provados, ainda não consignados, resultaram como tal por ausência de prova que sobre os mesmos incidiu ou por contrários ao supra referido.
Assim, por ausência de prova temos os factos dados por não provados em 3 e 4.
Não tendo resultado provado que eram os arguidos AA e BB que incumbiam as mulheres de aliciar os cientes à prática de relações sexuais a troco de dinheiro ou que as quantias cobradas fossem rendimento certo desses arguidos, nos termos supra referidos, o tribunal concluiu pela não prova da intenção dos arguidos no exercício de tal atividade, o comum acordo com os arguidos CC, DD e EE e conhecimento da proibição dessas condutas e, ainda, que o valor resultante da incongruência entre o património do arguido AA e o comunicado à AT, seja resultado dessa atividade.
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FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO:
Enquadramento Jurídico-Penal:
Os arguidos foram pronunciados pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de lenocínio, p. e p. pelos artºs. 26.º, 169.º, n.º 1 do C. Penal.
Dispõe o citado normativo que “1 - Quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos”.
Antes de entrarmos na análise dos elementos típicos do crime em apreço, importa fazer uma breve análise sobre o bem jurídico protegido pela incriminação legal desta norma e a respetiva constitucionalidade.
Esta questão não é nova e tem vindo a merecer tratamento jurisprudencial nos Tribunais superiores, sendo que o Tribunal Constitucional sempre considerou a norma de acordo com a Constituição.
Neste sentido, Acs. do Tribunal Constitucional com os n.ºs 641/2016, 144/2004, 196/2004 e 303/04, respetivamente, de 21.11.2016, 10.03.2004, 23.03.2004 e 05.04.2004, acessíveis em http://www.tribunalconstitucional.pt.
Nos termos do art.º 18.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, “A lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.
Trata-se do invocado princípio da necessidade ou da carência de tutela penal ou da proporcionalidade.
Neste sentido defende o Prof. Figueiredo Dias, in Temas Básicos da Doutrina Penal, edição de 2001, 58, que “uma vez que o direito penal utiliza como arsenal das suas sanções específicas, os meios mais onerosos para os direitos e as liberdades das pessoas, ele só pode intervir nos casos em que todos os outros meios da política social, em particular da política jurídica, se revelem insuficientes e inadequados”.
O tipo legal previsto no art.º 169.º, n.º 1 do C. Penal, encontra-se inserido na secção intitulada “crimes contra a liberdade sexual”, onde o bem jurídico protegido é o da liberdade de determinação sexual de todas as pessoas, independentemente da idade (idade que é já um elemento determinante da proteção penal conferida pela criminalização das condutas previstas na secção II, com a epígrafe “crimes contra a autodeterminação sexual”, onde o bem jurídico protegido engloba também o livre desenvolvimento da personalidade do menor na esfera sexual - cfr. Figueiredo Dias, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, tomo I, pág. 442).
Considerando as condutas que atualmente são abrangidas pelo tipo legal em apreço, pode questionar-se se, ao invés da proteção da liberdade de expressão sexual da pessoa, “persiste uma certa ideia de defesa do sentimento geral de pudor e de moralidade, que não é encarada hoje como função do direito penal e, de qualquer modo, não presidiu ao enquadramento dos crimes contra a liberdade sexual no título mais vasto dos crimes contra as pessoas e como uma forma que assumem os atentados contra a liberdade” (cfr. Anabela M. Rodrigues, in Comentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial, tomo I, pág. 519, defendendo, por isso, esta autora, estarmos aqui perante um crime cuja incriminação é desprovida de sentido. Anabela Rodrigues faz ainda referência ao facto de Reis Alves, in Crimes Sexuais, págs. 67 e segs., defender que o bem jurídico tutelado no crime de lenocínio “não é, nem deve ser, a liberdade e a autodeterminação sexual da pessoa, mas sim «o interesse geral da sociedade na preservação da moralidade sexual e do ganho honesto»”, “propondo a inserção sistemática dos arts. 170º e 176º no Título IV “Dos crimes contra a vida em sociedade”).
Para outros autores, porém, o que está em causa, mais do que tudo, é a exploração de uma pessoa por outra, uma espécie de usura ou enriquecimento ilegítimo fundado no comércio do corpo de outrem por parte do agente.
No Ac. do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º 595/05, disponível em www.dgsi.pt, é feita uma resenha histórica e doutrinal exaustiva sobre as posições em confronto, de que destacamos o seguinte: “(…) Para Anabela Rodrigues, “[...] com esta incriminação o bem jurídico não é, como devia, a liberdade, a liberdade de expressão sexual da pessoa, mas persiste aqui uma certa ideia de «defesa do sentimento geral de pudor e de moralidade» que não é encarada hoje como função do direito penal". Não obstante, a mesma autora acaba por considerar mais adiante que “[...] o crime só pode ser entendido como um crime de resultado, pretendendo proteger-se – como se pretende, apesar de tudo – o bem jurídico liberdade e autodeterminação sexual da pessoa".
Também Mouraz Lopes afirma, no comentário ao art.º 170.º (atualmente art.º 169.º), que “[...] no n.º 1 não se tutela, agora, a liberdade sexual de alguém, único fundamento para a punição dos crimes contra a liberdade sexual, onde, sublinhe-se, apenas deve estar em causa a liberdade e a autodeterminação de uma pessoa concreta e não qualquer opção moral sobre a vida sexual que cada um quer ter - nomeadamente de quem pratica a prostituição", acrescentando que "[...] o que é tutelado, agora, no n.º 1, como bem jurídico, é uma determinada conceção de vida que não se compadece com a aceitação do exercício profissional ou com intenção lucrativa do fomento, favorecimento ou facilitação da prostituição”.
De forma mais perentória, Sénio Alves chega a afirmar que o bem jurídico tutelado não é a liberdade e a autodeterminação sexual, mas sim "[...] o interesse geral da sociedade na preservação da moralidade sexual e do ganho honesto”, propondo mesmo a transferência do crime em apreço para o Título IV ("Dos crimes contra a vida em sociedade”).
Também Vera Lúcia Raposo defende que o bem jurídico tutelado não se trata da liberdade sexual, mas de valorações morais sobre a condução da vida, sem dignidade penal, propondo, por isso, a sua descriminalização.
A mesma dissidência que se verifica na doutrina reflete-se na jurisprudência, podendo encontrar-se, assim, decisões distintas, quer quanto ao bem jurídico tutelado pelo crime de lenocínio.
Assim temos que:
O Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 26.02.1986, BMJ, 354º, 350: O valor jurídico defendido na incriminação de lenocínio é o da liberdade individual no aspeto sexual.
Em sentido idêntico, o Ac. Tribunal da Relação do Porto, de 7.06.89, CJ XIV Tomo III, pág. 232 e o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 14.04.1983 BMJ 326º, 322.
No Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 28.03.1990, BMJ 395º, 312: O bem jurídico objeto de proteção no crime de lenocínio ... identifica-se com a liberdade individual... na esfera sexual do indivíduo instrumentalizado na prossecução de ação criminosa.
No mesmo sentido, o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, 13.01.89 BMJ 383º, 258: O interesse jurídico protegido (...) é também a personalidade.
O Ac. de 14.10.2002, do Tribunal da Relação do Porto, pronunciou-se no sentido de que o que está em causa, mais do que tudo, é a exploração de uma pessoa por outra, "uma espécie de usura ou extorsão em que a ameaça ou tráfico de proteção se pode confundir com exploração afetiva".
Finalmente, o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 15.01.2004, entendeu que o que está em causa é a exploração de uma pessoa por outra, uma espécie de usura ou enriquecimento ilegítimo fundado no comércio do corpo de outrem por parte do agente (...) uma clara violação da dignidade humana, da integridade moral e física da pessoa humana e, por isso, obstáculo à livre realização da respetiva personalidade, valores constitucionalmente protegidos nos artºs 25.º e 26.º da Constituição.
Em sentido contrário, decidiram v.g. os Acórdãos:
- Da Relação de Coimbra, de 18.06.1991, segundo o qual "[...] o bem jurídico, no crime de lenocínio, não é eminentemente pessoal. Não é a prostituta que a lei quer proteger com tal incriminação, mas apenas o interesse geral da sociedade em que haja pudor e moralidade sexual e ganho honesto".
- Da Relação de Lisboa, de 18.06.1991, para quem: "[...] o interesse protegido pelos artºs. 215.º e 216.º do Código Penal de 1982 não é de natureza eminentemente pessoal, mas social, no sentido da proteção dos valores ético-sociais da sexualidade, na comunidade".
- Da Relação de Guimarães, de 14.10.2002, em que, depois de se afirmar que o crime de lenocínio "visa proteger a liberdade e a autodeterminação sexual da pessoa, embora (...) persista aqui uma certa ideia de defesa do sentimento geral de pudor e de moralidade", se diz, algo contraditoriamente: “O crime de lenocínio é um crime de execução continuada em que não estão em causa bens jurídicos eminentemente pessoais. Por isso, comete um só crime, aquele que, em execução de uma única resolução criminosa, fomenta ou facilita a prostituição de várias mulheres, durante determinado período de tempo”.
- Do Supremo Tribunal de Justiça, de 29.10.2003, Proc. 2301/03, 3ª secção: (…) protege-se o interesse geral da sociedade na preservação da moralidade sexual e do ganho honesto. Assim também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7.11.90, BMJ 401º, 205”.
A nosso ver, o bem jurídico protegido no art.º 169.º, n.º 1 do C. Penal não é a liberdade de determinação sexual. Na verdade, tal crime existe, ainda que aquele que pratica a prostituição o faça livremente, sem quaisquer constrangimentos. Se a prostituta ou o prostituto, de maior idade e no perfeito estado das suas faculdades, pretende exercer a prostituição, o favorecimento que outro fizer dessa atividade, profissionalmente ou com intuito lucrativo, não tem a ver com a sua liberdade de determinação sexual.
Julgamos, pois, que, ao delimitar o tipo, recortando-o apenas em função da ação de fomentar, favorecer ou facilitar o exercício da prostituição, profissionalmente com intenção lucrativa, não está a querer punir a ingerência na formação da vontade de quem se prostitui, mas apenas o aproveitamento que alguém faz de uma prática que, apesar de não ser punida criminalmente, não é reconhecida como plenamente lícita.
O legislador, ao punir todo e qualquer aproveitamento do lucro obtido à custa da prostituição de outros, pune essencialmente uma atividade, uma profissão (“quem, profissionalmente…” - art.º 169.º, n.º 1) e não uma corrupção da vontade livre.
Na realidade, o aproveitamento económico por terceiros não deixa de poder exprimir já uma interferência, que comporta riscos intoleráveis, dados os contextos sociais da prostituição, na autonomia e liberdade do agente que se prostitui (colocando o em perigo).
Por outro lado, que uma certa “atividade profissional” que tenha por objeto a específica negação deste tipo de valores seja proibida (neste caso, incriminada) não ofende a Constituição, pois estão particularmente condicionadas, como objeto de trabalho, atividades que possam afetar a vida, a saúde e a integridade moral dos cidadãos (art.º 59.º, n.º 1, als. b) e c) ou nº 2, al. c), da Constituição da República Portuguesa).
Assim, concluímos como defendido no Ac. da Relação do Porto de 14.10.2015, em que é Relator António Cravo Roxo, disponível em www.dgsi.pt, que “Em rigor e afinal, trata-se de uma discussão meramente académica, que poderá ter interesse, mas apenas em sede de iure constituendo; outrossim, a lei que temos – concorde-se ou não com ela – é a que está descrita naquela norma; e como tal, o comportamento ali previsto é ainda criminalmente punível. E se assim é, serão estéreis quaisquer considerações de natureza social, moral, ou mesmo penal sobre a existência e a punibilidade de tais condutas (aliás, como aqui, estão bem patentes em todos os seus elementos objetivos e subjetivos, desde a culpa, à ilicitude e à proteção do bem jurídico subjacente). E não se vislumbra – até pela verificação plena do princípio da tipicidade – a violação de qualquer preceito jurídico-constitucional”.
Quanto aos elementos típicos constitutivos do crime de lenocínio p. no art.º 169.º, n.º 1do C. Penal, temos que a conduta típica se traduz num ato do agente de fomento, favorecimento ou facilitação do exercício por outra pessoa da prostituição.
Como defendem, Leal Henriques / Simas Santos, in O Código Penal de 1982, II, pag. 278, “fomentar” significa incentivar a corrupção, ou, melhor dizendo, determiná-la (quando ainda não exista), agravá-la (se já existe) ou evitar que enfraqueça ou termine (quando já está em curso). Por seu turno, “favorecer” ou “facilitar” significam auxiliar ou apoiar, no segundo caso, diferentemente do primeiro, com contribuição direta dos meios ou instrumentos que levam à exclusão ou manutenção do status delituoso.
Além disso, o agente do crime abrangido por esta incriminação tem de ser pessoa que faça do seu comportamento profissão ou tenha intenção lucrativa, circunscrevendo a incriminação a atividades que trazem para o agente ganhos efetivos (atividades profissionais) e ganhos possíveis (atividade realizada com intenção lucrativa) – a este propósito, Leal Henriques / Simas Santos, in ob. cit.
Quanto aos elementos subjetivos, estamos perante um tipo de crime que exige o dolo relativamente a todos os elementos objetivos.
Importa ainda considerar que aos arguidos é imputada uma situação de coautoria (art.º 26.º, n.º 1 do C. Penal).
Ora, se os factos imputados aos arguidos AA e BB, que exploravam o estabelecimento, de comum acordo e em comunhão de esforços, representariam uma situação de coautoria prevista no art.º 26.º, do C. Penal, os factos imputados aos demais arguidos, CC, DD e EE, que apenas colaboravam com estes na exploração do bar, sendo seus funcionários, apenas poderiam representar uma situação de cumplicidade, prevista no art.º 27.º, n.º 1 do C. Penal.
Vejamos, no entanto, se face à factualidade provada resultam preenchidos os elementos típicos do crime por que foram pronunciados os arguidos e, em caso afirmativo, analisaremos o grau de participação de cada um dos arguidos no seu cometimento.
De acordo com a factualidade provada e de forma sintética, os arguidos AA e BB, de comum acordo e em comunhão de esforços, exploravam o bar “I...”, no qual diversas pessoas do sexo feminino praticavam aliciavam clientes a pagar-lhes bebidas mediante uma comissão de 50%, isto é, o “alterne”.
Tal situação foi acordada com os arguidos BB e AA, que cediam o espaço do bar para o efeito, controlavam os horários e os consumos, com objetivos semanais, sob pena de serem dispensadas.
Para o efeito e como os coarguidos CC, DD e EE eram funcionários do bar, eram coadjuvados por estes.
Ora, o vulgarmente designado de “alterne” não configura um ilícito criminal e a sua prática não está enquadrada nos atos englobados na prostituição e, como tal, não preenche o crime de lenocínio.
No entanto, também se apurou que as mulheres, do sexo feminino e de diversas nacionalidades, que frequentavam o bar, aliciavam os clientes à prática de atos sexuais, no andar de cima, cobrando determinadas quantias monetárias por tais atos. No fundo, dedicavam-se à “prostituição”, o que era do conhecimento dos arguidos AA e BB, que a facilitavam, ao permitir que as mesmas utilizassem os quartos situados no piso superior para o efeito.
Assim, em nosso entender, a conduta dos arguidos AA e BB enquadra-se no “facilitar” a prostituição, para efeito de integração dos elementos típicos objetivos do crime de lenocínio.
No entanto, da factualidade provada não resulta que os arguidos AA e BB auferissem qualquer quantia pela prática do ato sexual.
De facto, tal como se provou, as quantias auferidas pelos arguidos AA e BB eram da exploração do bar, por isso incentivaram o “alterne” e pela cedência dos quartos, mediante a quantia de € 40,00 diários, que englobava o alojamento e as refeições.
Sem entrarmos em consideração quanto às licenças camarárias e administrativas para cedência dos quartos, que não foram juntas aos autos e, portanto, desconhece-se se tal atividade seria autorizada pelas entidades competentes, certo é que os arguidos a desenvolviam e era dela que retiravam rendimento certo, não o sendo, diretamente, da própria atividade de prostituição, isto é, da exploração do corpo das mulheres que a praticavam.
Concluímos, assim, que com a sua conduta os arguidos não preenchem os elementos objetivos e subjetivos do crime de lenocínio de que vêm pronunciados, uma vez que de matéria provada não se retira intenção lucrativa da prostituição exercida, apesar de a facilitarem, porquanto não se provou que os mesmos recebessem qualquer quantia, não sendo as relações sexuais mantidas pelas mulheres em causa com clientes do bar, a troco de dinheiro, um rendimento certo desses arguidos, tal como consta da pronúncia.
Ademais, também não se provou que os arguidos AA e BB tivessem incumbido as mulheres a aliciar os clientes do sexo masculino à prática de relações sexuais no piso se cima a troco de quantias monetárias.
De facto e de acordo com o que se colhe da factualidade provada e muito embora desta se possam extrair atos praticados pelos arguidos AA e BB de facilitação do exercício da prostituição por parte das mulheres que se encontravam lá alojadas e “alternavam” no bar, como seja o arrendamento dos quartos, a verdade é que ficou por apurar se com tal comportamento os arguidos tinham qualquer lucro direto com a atividade de prostituição desenvolvida ou se o faziam por razões profissionais e, como tal, os factos que integravam a intenção lucrativa.
Relativamente aos demais coarguidos, CC, DD e BB, não se provaram quaisquer factos que permitissem concluir pela sua atuação como coautores do crime imputado aos arguidos AA e BB.
Aliás, a conduta que lhes é imputada, conforme supra referimos, seria, quando muito, imputável a título de cumplicidade (art.º 27.º, n.º 1 do C. Penal).
Assim e como não resulta a prática pelos arguidos AA e BB do facto doloso imputado na pronúncia, sempre estes arguidos seriam absolvidos do crime por que foram pronunciados.
Ainda assim se dirá que da factualidade apurada não resulta qualquer conduta destes arguidos CC, DD e EE que preencha os elementos típicos, objetivos e subjetivo, do crime por que vêm pronunciados, pelo que deverão ser absolvidos da sua prática.
Pelo exposto, não resta senão concluir pela absolvição de todos os arguidos do crime de lenocínio por que foram pronunciados.
*
- Da perda ampliada de bens a favor do Estado e respetiva liquidação de bens:
O Ministério Público requereu a perda ampliada de bens a favor do Estado e respetiva liquidação de bens, ao abrigo dos artºs. 7.º e segs. da Lei n.º 5/2002, de 11.01, contra os arguidos AA e BB, concluindo, a final, seja o valor de € 292.479,65 declarado perdido a favor do Estado, por corresponder ao valor do património incongruente com o rendimento lícito e, consequentemente, os arguidos condenados a pagar ao Estado esse montante.
Dispõe o art.º 7.º da Lei n.º 5/2002, de 11.01, que “1 - Em caso de condenação pela prática de crime referido no artigo 1.º, e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se constituir vantagem de atividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.
2 - Para efeitos desta lei, entende-se por «património do arguido» o conjunto dos bens:
a) Que estejam na titularidade do arguido, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício, à data da constituição como arguido ou posteriormente;
b) Transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido;
c) Recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino.
3 - Consideram-se sempre como vantagens de atividade criminosa os juros, lucros e outros benefícios obtidos com bens que estejam nas condições previstas no artigo 111.º do Código Penal”.
São, assim, pressupostos da aplicação da perda alargada:
- a condenação por um dos crimes do catálogo, no qual se inclui o crime de lenocínio -art.º 1.º, n.º 1, al. p) -, desde que praticado de forma organizada – n.º 2 -.
- a existência de um património que esteja na titularidade ou mero domínio e beneficio do condenado, património esse em desacordo com aquele que seria possível obter face aos seus rendimentos lícitos;
Importa referir que, para efeito do citado normativo, a noção de património é ampla, abrangendo não só o que está na titularidade do condenado, mas também tudo o que estiver efetivamente ao seu dispor ou conjuntamente ao seu dispor e de terceiros, especialmente de terceiros com quem coabite ou viva em economia comum, ainda que esteja na titularidade desses (ou em contitularidade com esses) terceiros.
Por outro lado, também estarão em causa as vantagens que o condenado auferiu no período em que vigora a presunção, independentemente do destino que tenham tido.
- a demonstração de que o património do condenado é desproporcional em relação aos seus rendimentos lícitos.
Temos presente, neste ponto, uma presunção “juris tantum”, que se traduz na presunção da proveniência do património desconforme.
Com efeito, o legislador presume, para efeitos de confisco, que a diferença entre o valor do património detetado e aquele que seria congruente com o rendimento lícito do arguido provém de atividade criminosa.
Tal presunção poderá ser afastada, nos termos do art.º 9.º do citado diploma legal, através da prova de que os bens resultaram de rendimentos lícitos, de que estavam na titularidade do arguido há pelo menos cinco anos a contar da data de constituição de arguido ou que adquiriu os referidos bens com rendimentos obtidos há mais de cinco anos, também a contar da data de constituição de arguido.
Incumbe ao Tribunal declarar, em conformidade com o art.º 12.º, n.º 1 desse diploma legal, na sentença condenatória, o valor que deve ser perdido a favor do Estado.
Ora, dos pressupostos analisados, não se mostra preenchido, desde logo, o primeiro, isto é, o cometimento pelos arguidos AA e BB de um dos crimes do catálogo, no caso, o de lenocínio que lhes vinha imputado na pronúncia.
Assim e sem necessidade de mais considerações, terá que improceder a perda ampliada de bens a favor do Estado e respetiva liquidação de bens, requerida pelo Ministério Público ao abrigo dos artºs. 7.º e segs. da Lei n.º 5/2002, de 11.01, contra os arguidos AA e BB.
*
(…)"

B – De jure:
A - Do erro notório na apreciação da prova;
§ 1 - O Ministério Público recorrente motiva o seu recurso num alegado erro notório na apreciação da prova – vício da sentença tipificado na alínea c) do número 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal -.
Para consubstanciar tal vício, alega, em suma, o seguinte:
a) no acórdão agora em recurso a ilação final que é retirada dos factos que foram dados como provados é manifestamente ilógica, arbitrária, fora de qualquer contexto racional e, por isso, incorreta, pois não passa despercebida imediatamente à observação e verificação comum do homem médio.
b) o teor da decisão, por si só e conjugada com o senso comum, violou as regras da experiência e efetuou uma apreciação manifestamente incorreta, desadequada, baseada em juízos ilógicos, arbitrários ou mesmo contraditório;
c) os factos que foram dados como provados no acórdão recorrido integram, sem margem para quaisquer dúvidas, a prática do crime de lenocínio da previsão e punição do art. 169º, nº 1 do Código Penal, pois da factualidade que foi dada por assente resulta manifestamente que se mostra preenchido o elemento objetivo deste tipo legal de crime, sendo que, relativamente ao elemento subjetivo do crime de lenocínio, conjugando a factualidade que foi dada por provada com as regras da experiência comum, resulta claramente que no presente caso também se mostra preenchido o elemento subjetivo deste tipo legal de crime, devendo ter sido dada como assente a factualidade que consta dos pontos 2, 5, 6, 7, 9 e 10 dos factos dados como não provados;
§ 2 – Na sua resposta à motivação do recurso, os arguidos AA e BB alegaram que não existe qualquer vício elencado no artigo 410º, nº 2, do Código de Processo Penal, nomeadamente, o erro notório na apreciação da prova, nem, ademais, nenhum dos outros;
§ 3 - No seu parecer junto nesta instância, o Ministério Público não tomou posição sobre o mérito do recurso, entendendo, apenas, que o mesmo reúne as condições para ser decidido.
Cumpre apreciar e decidir.
De jure
- O regime legal que rege a matéria suscitada no recurso;
- Dos vícios da sentença (em abstrato)
§ 1 - É consabido e pacificamente aceite que a modificação da matéria de facto apenas é viável, para além dos casos dos vícios documentados no texto da própria decisão, de harmonia com o preceituado no artigo 410º, nº 2, quando a prova tiver sido impugnada nos precisos termos do n.º 3 do art. 412º, ou seja quando o recorrente especifique os concretos pontos de facto da discórdia, as provas que impõem decisão diversa da recorrida e as provas que devem ser renovadas.
E, no caso da reapreciação da prova gravada, acresce ainda o ónus das duas primeiras especificações deverem ser feitas por referência à ata e com indicação concreta [ou transcrição se a acta for omissa – neste sentido, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 3/2012, de 8 de Março de 2012, publicado no Diário da República, Série I-A, n.º 77, de 18 de Abril de /2012] das passagens em que se funda a impugnação, consoante decorre do n.º 4, do mesmo normativo legal.
O Ministério Público recorrente não impugnou a decisão da matéria de facto com base no teor da prova produzida em julgamento, mas com base nos vícios emergentes do texto do próprio acórdão recorrido.
§ 2º - Citando como norma violada a alínea c) do nº 2 do artigo 410º do Código de Processo Penal, o Ministério Público recorrente suscita o vício concreto de erro notório na apreciação da prova que, em caso de procedência, determina o reenvio do processo para novo julgamento – mas apenas caso o vício não possa ser suprido pelo tribunal ad quem -, nos termos do disposto no artigo 426º do mesmo texto legal, tratando-se ainda de uma patologia processual de conhecimento oficioso.
As sentenças judiciais constituem atos decisórios necessariamente fundamentados, como decorre dos artigos 205º, número 1, da Constituição da República Portuguesa e 97º, números 1, alínea a) e 5, do Código de Processo Penal -, integrando, obrigatoriamente, além do mais, a enumeração dos factos provados e não provados, como garantia, para além de qualquer dúvida, de que o tribunal contemplou todos os factos relevantes à boa decisão da causa submetidos à sua apreciação - os factos juridicamente relevantes para a existência ou inexistência do crime, a punibilidade ou não punibilidade do arguido e a determinação da pena ou da medida de segurança aplicáveis -, como decorre da conjugação do disposto nos artigos 124º, nº 1 e 374º, nº 2, ainda do mesmo texto legal.
O dever de fundamentação contempla, ainda, a necessidade da indicação e exame crítico da prova, de modo a assegurar o efetivo exercício do direito ao recurso, permitindo ao interessado ponderar a necessidade e oportunidade da impugnação da decisão da matéria de facto, bem como concretizar os seus motivos específicos para a impugnar e, por outro lado, dotar o tribunal ad quem de uma base concreta – raciocínio lógico e com bom senso - que permita aferir a correção da decisão da matéria de facto, quando chamado a decidir um recurso com impugnação da decisão da matéria de facto e/ou arguição de vívio da sentença. Caso tal dever de fundamentação esteja omisso, a decisão recorrida incorrerá numa nulidade de conhecimento oficioso, por força do estatuído no artigo 379º, números 1, alínea a) e 2, do Código de Processo Penal.
Os vícios da sentença, que assim poderão ser revelados com base na análise da sua fundamentação consubstanciam patologias tipificadas no número 2 do artigo 410º, que podem levar à modificação da matéria de facto se o tribunal “ad quem” puder colmatá-las, conforme decorre do disposto no artigo 430º, nº 1, ambos, ainda, do mesmo texto legal.
Sendo inviável corrigi-las, as mesmas inquinam, total ou parcialmente, o próprio julgamento, como decorre do estatuído no artigo 426º, do mesmo Código. Tais patologias devem patentear-se no texto da decisão, por si ou em conjugação com as regras de experiência, sem esforço de análise ou apelo a elementos que lhe sejam estranhos - o que justifica o seu conhecimento oficioso - devendo, pois, ser declarados independentemente de requerimento nesse sentido ou mesmo que a impugnação se limite a matéria de direito.
O elenco legal destes vícios abrange nas alíneas:
a) A insuficiência para a decisão da matéria de facto provada (reportada, essencialmente, a hiatos factuais que podiam e deviam ter sido averiguados e se mostram necessários à formulação de juízo seguro de condenação ou absolvição);
b) A contradição insanável da fundamentação ou entre a fundamentação e a decisão (relativa a contradições materiais ou de lógica e desdobrável em três hipóteses: contradição insanável de fundamentação, contradição entre os fundamentos e a decisão e contradição entre os factos); e
c) O erro notório na apreciação da prova (em regra associado a desconformidades de tal modo evidentes que não passam despercebidas a qualquer pessoa minimamente atenta, ou seja é um erro patente que não escapa ao homem comum) .
Ora, o recorrente suscita o último destes vícios – de erro notório na apreciação da prova -Este existe quando o tribunal valora a prova contra as regras da experiência comum ou contra critérios legalmente fixados, aferindo-se o requisito da notoriedade pela circunstância de não passar o erro despercebido ao cidadão comum, por ser grosseiro, ostensivo, evidente[3].

- Dos vícios da sentença (em concreto)
§ 3 - O acórdão recorrido enumerou os factos necessários e relevantes para a correta apreciação e decisão do seu thema decidendum e especificou os meios concretos de prova que sustentam a sua convicção e as razões que servem de esteio à solução encontrada.
Deste modo, a existir algum erro notório na apreciação da prova, o mesmo poderá ser facilmente identificado, pela completude da fundamentação, tendo sido respeitados os deveres de enumeração factual, bem como de indicação probatória e do seu exame crítico.
Como já se referiu anteriormente, a distinção fulcral entre os vícios da decisão e os erros de julgamento reside na circunstância daqueles terem de resultar do texto da sentença, por si ou em conjugação com as regras de experiência mas sempre sem possibilidade de apelo a outros elementos que lhe sejam estranhos, designadamente a análise de prova junta aos autos ou produzida em audiência.
O recorrente alega existir um erro notório na apreciação da prova, uma vez que, de acordo com o texto da decisão – os demais factos considerados provados e as regras da experiência comum -, deveria ter sido considerada provada a factualidade que consta dos pontos 2, 5, 6, 7, 9 e 10 dos factos dados como não provados.
Recordando o seu teor:
“2- As mulheres em causa mantêm relações sexuais com os clientes a troco de dinheiro como meio de fornecer um rendimento certo aos arguidos;
5- Os arguidos AA e BB estruturaram o estabelecimento com todas as condições e regras adequados a que se procedesse à prática institucionalizada de relações sexuais, a troco de dinheiro e mediante uma compensação financeira percebida, de tudo estando bem cientes;
6- Os arguidos CC, DD e EE, cientes de tal acordo e atividade, de igual modo, agiram de comum acordo com os arguidos AA e BB e em comunhão de esforços, intentos e vontades com os mesmos, fomentando e auxiliando na prática da exploração da prostituição;
7- Quiseram todos, como sabiam ser o caso, viver à custa da exploração do corpo das mulheres em causa e dos rendimentos por elas obtidos em troca de relações sexuais;
9- Agiram os arguidos de um modo livre, deliberado e consciente, cientes de que incorriam em responsabilidade penal;
10- O valor de € 292.479,65, resultante da incongruência entre o património do arguido AA e o rendimento comunicado à autoridade tributária é resultado dos proveitos económicos advindos da atividade de exploração do corpo das mulheres em causa e dos rendimentos por elas obtidos em troca de relações sexuais.”
Cumpre apreciar e decidir.
Quanto ao facto considerado não provado 2:
O tribunal coletivo considerou não provado que “As mulheres em causa mantêm relações sexuais com os clientes a troco de dinheiro como meio de fornecer um rendimento certo aos arguidos”.
Tal decisão encontra-se fundamentada nos seguintes termos:
Neste ponto, o tribunal deu por não provado que eram os arguidos AA e BB que incumbiam as mulheres de aliciar os cientes à prática de relações sexuais a troco de dinheiro ou que as quantias cobradas fossem rendimento certo desses arguidos, uma vez que nenhuma prova foi feita nesse sentido, antes pelo contrário, a prova produzida foi toda no sentido de que não recebiam qualquer quantia pelos atos sexuais praticados. De facto, da prova documental existente nos autos, nomeadamente das apreensões efetuadas, não existe qualquer documento que comprove que os arguidos BB e AA recebessem qualquer valor pelos atos sexuais praticados, nomeadamente anotações, “papéis de dívidas” ou qualquer outro. Aliás, das transcrições dos telemóveis apreendidos aos arguidos não existe qualquer referência a pagamentos por atos sexuais, apenas as diárias de € 40,00, constantes de uma mensagem retirada do telemóvel de BB, a fls. 4 do Apenso relativo ao visionamento e extração dos telemóveis apreendidos, valor assumido pelos arguidos AA e pelas testemunhas que frequentavam o bar como sendo a “diária” pelo alojamento e refeições. Também os ficheiros de imagem retirados do telemóvel do arguido EE, identificados como que se “assemelham a conta-correntes das mulheres que trabalhavam no I...”, não nos permitem concluir que se tratasse de valores relativos à prática e/ou comissão dos atos sexuais, antes valores das bebidas pagas por clientes.
Os próprios arguidos AA e BB são perentórios a afirmar que não recebiam qualquer valor pela prática ou eventual prática de atos sexuais no “alojamento”.
De todas testemunhas inquiridas, nenhuma confirma que os arguidos recebessem algum valor pelos atos sexuais. Analisando os concretos depoimentos das testemunhas que foram encontradas no local no dia 19.10.2018, em declarações para memória futura, sendo que as demais não foi possível inquirir por se desconhecer o paradeiro, nenhuma refere qualquer valor auferido pelos arguidos nesse sentido.
Porém, também foram considerados provados os seguintes factos:
1. Desde data não concretamente apurada, seguramente desde o mês de agosto de 2016, o arguido AA e a sua mulher, a arguida BB, exploram o estabelecimento comercial designado “I...”, sito na Rua ..., ..., ..., Felgueiras;
2. Aquele estabelecimento é composto, para além do mais, por um piso onde funciona um bar e por um piso superior onde estão instalados 9 quartos, numerados, equipados todos com cama e chuveiro, sendo a casa de banho com sanita partilhada por todos os quartos;
3. Os arguidos AA e BB são quem procede à gestão diária do estabelecimento, dá as ordens necessárias ao seu funcionamento, representa-o perante fornecedores e clientes e determina o que mais for necessário para a sua gestão corrente;
4. De comum acordo e em comunhão de esforços, intentos e vontades, com vista a retirar proventos económicos da atividade do bar e do alojamento do piso superior, os arguidos alojaram diversas mulheres, em número seguramente nunca inferior a 10, de diversas nacionalidades, de entre portuguesas e estrangeiras, que partilham os quartos;
5. Àquelas mulheres, os arguidos AA e BB incumbiram de aliciar os clientes do sexo masculino a consumir bebidas alcoólicas disponibilizadas no primeiro piso, mediante uma comissão por isso, estando as mulheres obrigadas a preencher um cartão com as bebidas consumidas e a uma progressão mínima por semana sob pena de serem dispensadas;
6. As mulheres que lá se encontravam, sempre que tal se revelasse oportuno, aliciavam os clientes do sexo masculino à prática de relações sexuais com elas no piso de cima do estabelecimento;
7. Para o efeito, a mulher que lograsse aliciar um cliente para a prática de relações sexuais deveria pedir ao porteiro o acesso a um dos 9 quartos do piso de cima, acesso esse de outro modo não livre e dirigir-se a um deles para proceder à prática de relações sexuais com eles, a troco de € 30,00 por 15 minutos, ou € 40,00 com menor restrição de tempo, o que sucedia diversas vezes por noite;
8. As bebidas consumidas configuram rendimento do estabelecimento explorado pelos arguidos e as mulheres em causa têm que pagar € 40,00 por noite, a título de “diária” e “hospedagem
Além de tais factos, com interesse para a decisão da questão controvertida, também se provou que os arguidos AA e BB foram condenados pela prática de um crime de lenocínio, cometido, precisamente, no mesmo estabelecimento, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova e ao dever de não alojar no estabelecimento “I...” pessoas conotadas com a prática da prostituição.
De tudo quanto ficou exposto, resulta inequivocamente o seguinte:
a) Os arguidos não recebiam, efectivamente, qualquer percentagem do rendimento auferido pelas mulheres que tinham relações sexuais com clientes do bar, a troco de dinheiro (€ 30,00 por 15 minutos, ou € 40,00 com menor restrição de tempo, conforme consta do facto provado nº 7), nem auferiam um rendimento proporcional ao número de clientes que as mesmas conseguissem na atividade de prostituição;
b) O rendimento auferido pelos arguidos AA e BB era-lhes pago pelas mulheres que se prostituíam nos quartos, no montante fixo diário de € 40,--, como contrapartida pelo uso de um dos nove quartos que ficava no andar imediatamente por cima do bar (facto provado 8), durante o horário de funcionamento do estabelecimento que geriam;
c) Estes nove quartos faziam parte do estabelecimento “I...” (facto provado 2);
d) O estabelecimento “I...” era gerido e explorado pelos arguidos AA e BB (factos provados 1 e 3);
e) O número de mulheres (pelo menos dez, segundo os factos provados 4 e 11) que se dedicavam à prostituição nesse estabelecimento era superior ao número de quartos (nove), o que afasta a possibilidade de enquadrar a exploração dos quartos como mero “alojamento local”, uma vez que a remuneração era devida, diariamente, por cada uma das mulheres que utilizasse um dos quartos (e onde exercia a prostituição) e, assim, é forçoso concluir que, pelo menos, um dos quartos era utilizado diariamente por, pelo menos, duas mulheres, separadamente, pagando cada a contrapartida diária pela sua utilização;
f) O estabelecimento “I...” funcionava diariamente entre as 10,30 horas e as 05h00 ou 06h00, dependendo do número de clientes presentes (facto provado 9), sendo no mesmo período laboral realizada, também, a prática da prostituição nos quartos integrantes do estabelecimento – logo, a contrapartida financeira diária que as mulheres pagavam pelo uso dos quartos e a própria ocupação dos mesmos, interpolada, não correspondia ao horário normal de um alojamento local;~
g) A circunstância dessas mulheres não disporem pessoalmente da chave dos quartos do estabelecimento, que ficavam retidos na posse do porteiro do “I...”, também revela não se tratar de um estabelecimento com alojamento local (em que são os clientes que ficam na posse da chave do alojamento durante e até ao fim do período da sua ocupação), nem que o valor diário pago por cada mulher fosse respeitante ao uso em exclusividade de um quarto, durante todo o dia – tanto mais que foi considerado provado que os quartos eram partilhados (facto provado 4) e havia sempre um número maior de mulheres (nunca menos de dez) do que de quartos -;
Do exposto resulta assim, forçosamente, que no estabelecimento “I...”, explorado e gerido pelos coarguidos AA e BB era proporcionado aos clientes um serviço de bar com alterne (no rés do chão), bem como a prestação de relações sexuais por mulheres (nos quartos situados no primeiro andar), sendo os pagamentos da despesa do bar feitos diretamente ao estabelecimento e aqueles que respeitavam aos atos de prostituição às mulheres que os praticavam, revertendo para o estabelecimento explorado pelos arguidos AA e BB, apenas, o valor diário de quarenta euros pago por cada mulher envolvida nesta atividade.
Resultou ainda provado que “Para o efeito, a mulher que lograsse aliciar um cliente para a prática de relações sexuais deveria pedir ao porteiro o acesso a um dos 9 quartos do piso de cima, acesso esse de outro modo não livre e dirigir-se a um deles para proceder à prática de relações sexuais com eles, a troco de € 30,00 por 15 minutos, ou € 40,00 com menor restrição de tempo, o que sucedia diversas vezes por noite.” E que “(…) no dia 19.10.2018, no interior do estabelecimento, o arguido CC encontrava-se na porta de acesso ao estabelecimento, entregando cartões de consumo do estabelecimento e tinha à sua disposição as chaves de acesso aos quartos.”
Resulta daqui claro que era o coarguido CC quem desempenhava as funções de porteiro (tendo-lhe sido apreendidas algumas chaves de acesso aos quartos no dia da operação policial, conforme resulta da fundamentação da decisão da matéria de facto) e, deste modo, proporcionava às mulheres que exerciam a prostituição no estabelecimento “I...” o acesso aos quartos.
Já quanto aos arguidos DD e EE, os mesmos não tiveram intervenção provada na valência de prostituição do estabelecimento, apenas tendo desempenhado as suas funções profissionais, estritamente, na valência de “bar”, relacionado com o consumo de bebidas no rés-do-chão do estabelecimento por parte dos clientes – servindo bebidas e recebendo o seu pagamento -, (como decorre dos factos provados 16 e 18 e da fundamentação a convicção do tribunal) e sendo remunerados, apenas, por isso.
De tudo quanto acima se expôs resulta assim demonstrada diversa factualidade que foi considerada não provada, contrariando as regras da lógica subjacentes à fundamentação da convicção do tribunal e, mesmo, a realidade provada na decisão recorrida -, estando o acórdão claramente viciado por erro notório na apreciação da prova, a saber:
a) Quanto ao facto considerado não provado nº 2 (“As mulheres em causa mantêm relações sexuais com os clientes a troco de dinheiro como meio de fornecer um rendimento certo aos arguidos”):
Apurou-se que, de facto, “As mulheres em causa mantêm relações sexuais com os clientes a troco de dinheiro, assegurando, desse modo, um rendimento certo aos arguidos AA e BB”.
b) Quanto ao facto considerado não provado nº 5 (“Os arguidos AA e BB estruturaram o estabelecimento com todas as condições e regras adequados a que se procedesse à prática institucionalizada de relações sexuais, a troco de dinheiro e mediante uma compensação financeira percebida, de tudo estando bem cientes.”;
Por tudo quanto acima se expôs, resulta manifesto que este facto resultou provado na íntegra.
c) Quanto ao facto considerado não provado nº 6 (“Os arguidos CC, DD e EE, cientes de tal acordo e atividade, de igual modo, agiram de comum acordo com os arguidos AA e BB e em comunhão de esforços, intentos e vontades com os mesmos, fomentando e auxiliando na prática da exploração da prostituição”):
Apenas se provou que “O arguido CC, ciente de tal atividade, auxiliou os arguidos AA e BB na prática da exploração da prostituição.”
Sendo o porteiro do estabelecimento, disponibilizava às mulheres que se prostituíam no estabelecimento as chaves de acesso aos quartos onde praticavam as relações sexuais, o que o mesmo bem sabia.
Já quanto aos outros dois empregados do estabelecimento, os mesmos limitavam a sua atividade à exploração do bar, fornecendo as bebidas e recebendo o seu respetivo preço, não auxiliando direta, efetiva e comprovadamente, o exercício da prostituição.
d) Quanto ao facto considerado não provado 7 (“Quiseram todos, como sabiam ser o caso, viver à custa da exploração do corpo das mulheres em causa e dos rendimentos por elas obtidos em troca de relações sexuais.”);
Apenas se provou que “Os arguidos AA e BB quiseram, como sabiam ser o caso, viver em parte à custa dos rendimentos obtidos pelas mulheres em troca de relações sexuais.”
Quanto aos arguidos CC, DD e EE, apenas se apurou que “os mesmos eram meros empregados dos arguidos AA e BB, no estabelecimento “I...”, não tendo sido apurado o respetivo salário.
e) Quanto ao facto considerado não provado 9 (“Agiram os arguidos de um modo livre, deliberado e consciente, cientes de que incorriam em responsabilidade penal);
De tudo quanto ficou exposto – e tendo também presente que os arguidos AA, BB e CC foram anteriormente condenados pela prática de um crime de lenocínio cometido no mesmo estabelecimento – resultou inequivocamente provado que “Os arguidos AA, BB e CC agiram de modo deliberado, livre e consciente, bem cientes de que incorriam em responsabilidade criminal.”
f) Quanto ao facto considerado não provado 10 (“O valor de € 292.479,65, resultante da incongruência entre o património do arguido AA e o rendimento comunicado à autoridade tributária é resultado dos proveitos económicos advindos da atividade de exploração do corpo das mulheres em causa e dos rendimentos por elas obtidos em troca de relações sexuais.”):

Tendo em conta:
a) que o estabelecimento tinha sempre, pelo menos, dez mulheres a “alternar” e a prostituir-se, pagando cada uma um valor diário de quarenta euros para poder usar um dos quartos para o exercício da prostituição;
b) que nenhuma prova foi mencionada na fundamentação da decisão recorrida, nem qualquer facto resultou provado, apurando a existência real e concreta de rendimentos de outras hospedagens, além dos valores diários pagos pelas mulheres que se prostituíam nos quartos; e
c) que a atividade provada nos presentes autos abrangeu um período de dois anos e dois meses, os arguidos AA e BB auferiram um rendimento nunca inferior a 316.000,-- (trezentos e dezasseis mil euros) – correspondente à aplicação da fórmula [NM x VD X ND],
- sendo NM o número mínimo de mulheres;
- sendo VD o valor diário pago por cada mulher; e
- ND o número de dias (em que decorreu a atividade de exploração económica das mulheres por exercerem a prostituição nos quartos do estabelecimento “I...” (de Agosto de 2016 a 19 de Outubro de 2018, arredondando-se para 2 anos e 2 meses):
[10 x 40€ x 790 = 316.000,-- € (trezentos e dezasseis mil euros)];
em resultado de disponibilizarem os quartos para a prostituição no seu estabelecimento “I...”;
Nestes termos, estando estes dois arguidos casados entre si e explorando em conjunto o estabelecimento “I...”, resulta manifesto que se provou que “O valor de € 292.479,65, resultante da incongruência entre o património do arguido AA e o rendimento comunicado à autoridade tributária é resultado dos proveitos económicos advindos da atividade de exploração do corpo das mulheres em causa e dos rendimentos por elas obtidos em troca de relações sexuais.”
Por conseguinte, procede-se à alteração da decisão da matéria de facto, nos termos acima referidos, suprindo-se o vício de erro notório na apreciação da prova, uma vez que o texto da decisão recorrida fornece todos os elementos para tal correção.
De modo a tornar clara a extensão de tal alteração, segue-se o novo enunciado dos factos considerados provados emergente da correção da decisão da primeira instância (estando as alterações identificadas na enumeração dos factos com uma letra que segue ao seu número – por exemplo 8-A. -):
“FACTOS CONSIDERADOS PROVADOS:
1. Desde data não concretamente apurada, seguramente desde o mês de agosto de 2016, o arguido AA e a sua mulher, a arguida BB, exploram o estabelecimento comercial designado “I...”, sito na Rua ..., ..., ..., Felgueiras;
2. Aquele estabelecimento é composto, para além do mais, por um piso onde funciona um bar e por um piso superior onde estão instalados 9 quartos, numerados, equipados todos com cama e chuveiro, sendo a casa de banho com sanita partilhada por todos os quartos;
3. Os arguidos AA e BB são quem procede à gestão diária do estabelecimento, dá as ordens necessárias ao seu funcionamento, representa-o perante fornecedores e clientes e determina o que mais for necessário para a sua gestão corrente;
4. De comum acordo e em comunhão de esforços, intentos e vontades, com vista a retirar proventos económicos da atividade do bar e do alojamento do piso superior, os arguidos alojaram diversas mulheres, em número seguramente nunca inferior a 10, de diversas nacionalidades, de entre portuguesas e estrangeiras, que partilham os quartos;
5. Àquelas mulheres, os arguidos AA e BB incumbiram de aliciar os clientes do sexo masculino a consumir bebidas alcoólicas disponibilizadas no primeiro piso, mediante uma comissão por isso, estando as mulheres obrigadas a preencher um cartão com as bebidas consumidas e a uma progressão mínima por semana sob pena de serem dispensadas;
6. As mulheres que lá se encontravam, sempre que tal se revelasse oportuno, aliciavam os clientes do sexo masculino à prática de relações sexuais com elas no piso de cima do estabelecimento;
7. Para o efeito, a mulher que lograsse aliciar um cliente para a prática de relações sexuais deveria pedir ao porteiro o acesso a um dos 9 quartos do piso de cima, acesso esse de outro modo não livre e dirigir-se a um deles para proceder à prática de relações sexuais com eles, a troco de € 30,00 por 15 minutos, ou € 40,00 com menor restrição de tempo, o que sucedia diversas vezes por noite;
8. As bebidas consumidas configuram rendimento do estabelecimento explorado pelos arguidos e as mulheres em causa têm que pagar € 40,00 por noite, a título de “diária” e “hospedagem”;
8-A. As mulheres em causa mantêm relações sexuais com os clientes a troco de dinheiro, assegurando, desse modo, um rendimento certo aos arguidos AA e BB.
8-B. Os arguidos AA e BB estruturaram o estabelecimento com todas as condições e regras adequados a que se procedesse à prática institucionalizada de relações sexuais, a troco de dinheiro e mediante uma compensação financeira percebida, de tudo estando bem cientes.
8-C. O arguido CC, ciente de tal atividade, auxiliou os arguidos AA e BB na prática da exploração da prostituição[4].
8-D. Os arguidos AA e BB quiseram, como sabiam ser o caso, viver em parte à custa dos rendimentos obtidos pelas mulheres em troca de relações sexuais.
8-E. Os arguidos AA, BB e CC agiram de modo deliberado, livre e consciente, bem cientes de que incorriam em responsabilidade criminal.
9. O estabelecimento funcionava diariamente, entre as 10,30 horas e as 05h00 ou 06h00, dependendo do número de clientes presentes;
10. O descrito nos pontos 1 a 8 ocorreu, designadamente, nos dias 14.09.2018, pelas 00h30m, 20.09.2018, entre as 20h20m e as 22h39m e as 00h30m e o dia 26.09.2018;
11. Como ocorreu durante a madrugada do dia 19.10.2018, sendo que se encontravam presentes no estabelecimento, nesses momentos, as seguintes mulheres:
i. FF, de nacionalidade angolana;
ii. GG, de nacionalidade brasileira;
iii. HH, de nacionalidade hondurenha;
iv. II, de nacionalidade espanhola;
v. JJ, de nacionalidade brasileira;
vi. KK, de nacionalidade espanhola;
vii. LL, de nacionalidade brasileira;
viii. MM, de nacionalidade brasileira;
ix. NN, de nacionalidade brasileira;
x. OO, de nacionalidade portuguesa;
xi. PP, de nacionalidade portuguesa;
12. Encontravam-se ainda, no local, os seguintes clientes do estabelecimento:
i. QQ;
ii. RR;
iii. SS;
iv. TT;
v. UU;
vi. VV;
vii. WW;
viii. XX;
ix. YY;
x. ZZ;
xi. AAA;
12. Em tal ocasião, PP encontrava-se a descer do quarto n.º 1, acompanhada do cliente BBB, onde tiveram relações sexuais a troco de dinheiro;
13. Ainda, no quarto n.º 8, encontravam-se, desnudados, MM e CCC, os quais se preparavam para ter relações sexuais a troco de dinheiro;
14. Em tais momentos, nos quartos encontravam-se ainda diversos artigos relacionados com a prática sexual, como preservativos masculinos e femininos, bisnagas lubrificantes, toalhitas e cartões de consumo, bem como dinheiro;
15. Ainda no dia 19.10.2018, no interior do estabelecimento, o arguido CC encontrava-se na porta de acesso ao estabelecimento, entregando cartões de consumo do estabelecimento e tinha à sua disposição as chaves de acesso aos quartos;
16. No mesmo momento, o arguido DD encontrava-se a trabalhar no bar, servindo bebidas aos clientes e a receber os pagamentos dos mesmos antes de subirem para os quartos e o arguido EE encontrava-se a servir às mesas, recebendo os pagamentos dos clientes;
17. Agiram os arguidos AA e BB, por sua iniciativa, de comum acordo e em comunhão de esforços, intentos e vontades, com vista a retirar proventos económicos da atividade do bar e do alojamento;
17-A. O valor de € 292.479,65, resultante da incongruência entre o património do arguido AA e o rendimento comunicado à autoridade tributária é resultado dos proveitos económicos advindos da atividade de exploração do corpo das mulheres em causa e dos rendimentos por elas obtidos em troca de relações sexuais.
18. Os arguidos CC, DD e EE colaboraram com os arguidos AA e BB na exploração do estabelecimento, sendo seus funcionários;
19. Os arguidos AA e BB foram constituídos como tal em 19.10.2018;
20. Entre outubro de 2013 e o ano de 2017, os arguidos adquiriram o imóvel sito no ..., sito em ..., em ... e ..., com a descrição predial n.º ..., adquirido no ano de 2016, pago com recurso à conta bancária dos arguidos Banco 1...-..., no valor de € 32.000,00;
21. Os arguidos AA e BB declararam à Autoridade Tributária, nos anos de 2013 a 2017, a quantia de € 35.442,22;
22. Entre outubro de 2013 e o ano de 2017, o arguido AA realizou créditos no montante total de € 327.921,85;
23. O processo de socialização do arguido AA decorreu junto do seu núcleo familiar de origem, constituído pelos progenitores e dois irmãos, dos quais é o mais velho e com uma inserção comunitária ajustada. A natureza das relações familiares pautava-se pela estabilidade/harmonia. Em termos económicos o agregado vivenciava uma situação modesta, assente nos vencimentos auferidos pelos progenitores, respetivamente como auxiliar de ação educativa e empregada doméstica;
24. O arguido AA iniciou a sua trajetória escolar na idade esperada, tendo abandonado os estudos sem concluir o 12º ano de escolaridade por falta de aproveitamento à disciplina de matemática. Alguns meses depois foi chamado a cumprir o serviço militar obrigatório, que o ocupou durante cinco meses;
25. Embora desde os 14/15 anos ocupasse uma parte das férias escolares a trabalhar, nomeadamente na indústria do calçado e construção civil, como servente, apenas após o cumprimento do serviço militar obrigatório iniciou o seu percurso profissional numa empresa de segurança. Permaneceu vinculado durante aproximadamente quatro anos a esta empresa, vindo posteriormente a conseguir vínculo laboral no Hospital ... como porteiro, entidade para a qual havia trabalhado fazendo segurança por conta da referida empresa;
26. O arguido AA contraiu matrimónio em 1999, tendo desta relação nascido três filhos, atualmente com 22, 12 e 5 anos de idade;
27. O agregado familiar que o arguido AA integra é constituído pelo cônjuge e três filhos do casal. O mais velho frequenta o ensino superior na Universidade ... e os dois mais novos respetivamente o 7.º ano de escolaridade e o ensino pré-escolar na localidade de residência. Habitam uma casa tipo vivenda, que o casal terá adquirido com recurso a crédito bancário, proporcionadora de adequadas condições de habitabilidade;
28. O arguido desenvolve funções de porteiro no Hospital ... desde junho de 2000;
29. A manutenção do agregado é assegurada através dos salários líquidos auferidos pelo arguido AA € 717,00 e cônjuge € 880,94. Para além disso, contam com o valor de € 1.750,00 recebido a título de renda, pela exploração do “Bar” e “Alojamento Local” designado “I...”, à empresa “S..., Unipessoal, Lda.”. Como despesas fixas mais significativas têm € 544,78 para pagamento da prestação relativa ao crédito contraído para aquisição de casa própria e a propina mensal paga à Universidade ... que o filho mais velho frequenta, no valor de € 335,40;
30. O quotidiano do arguido AA é ocupado com o exercício da atividade profissional e nos tempos livres, para além do convívio familiar joga futebol na equipa de veteranos do Clube ..., com treinos uma vez por semana e jogos ao sábado;
31. Na comunidade de residência não é apontada qualquer referência negativa ao arguido relativamente às interações que estabelece ou a perturbação da ordem e paz social;
32. Na data a que se reportam os factos, o arguido AA integrava o agregado que constituiu após o matrimónio e que não contava ainda com o filho mais novo, residindo num apartamento na mesma localidade. Em termos laborais, mantinha a ocupação de porteiro do Hospital ..., em regime de turnos e em paralelo dedicava-se, em parceria com o cônjuge à exploração de um estabelecimento de diversão noturna “I...”, sito na ..., concelho de Felgueiras;
33. Apenas a família mais próxima conhece a sua situação jurídica, sendo o seu envolvimento no presente processo desconhecido na comunidade de residência;
34. A arguida BB é oriunda da cidade do Porto e a filha mais nova de dois irmãos que nasceram da relação em união de facto que os pais mantiveram durante mais de quarenta anos. A sua infância decorreu na localidade de origem, desenvolvendo na época o progenitor a atividade de vendedor ambulante de produtos variados entre os quais têxteis e eletrodomésticos. A progenitora, ocupava-se com a gestão doméstica do agregado, apoiando sempre que possível o companheiro na atividade comercial que o mesmo desenvolvia. Por volta dos dez anos, os progenitores passaram a dedicar-se também à exploração de estabelecimentos na área da restauração, situação que levou o agregado a mudar-se para a ..., concelho de Felgueiras, onde passaram a explorar um café/restaurante conhecido como a “...”, conotado no meio sociocomunitário de referência com a prática da prostituição;
35. A arguida BB iniciou a sua trajetória escolar na idade esperada, tendo sofrido apenas uma retenção aquando da frequência do 7.º ano de escolaridade, vindo a abandonar definitivamente o contexto escolar, sem concluir o 8.º ano de escolaridade;
36. Após ter abandonado os estudos, por volta dos 15/16 anos, a arguida passou a ocupar-se a tempo inteiro, colaborando com os progenitores no estabelecimento comercial que exploravam, que manteve atividade até 2009, altura em que foi desativado na sequência de um incêndio. Posteriormente, adquiriu o imóvel e submeteu-o a obras de recuperação, com vista à criação do seu próprio negócio, com duas atividades distintas, que veio a iniciar em 4 de outubro de 2010, sob a designação de “I...”, sito na Rua ..., ..., concelho de Felgueiras;
37. A arguida BB contraiu matrimónio com o arguido AA quando contava dezoito anos de idade;
38. O agregado familiar que arguida BB integra é o mesmo do arguido AA;
39. A arguida desenvolve a atividade profissional de técnica de vendas na empresa “B... Lda”;
40. A arguida BB ocupa o seu quotidiano com o exercício da atividade profissional, angariando clientes na sua área de residência ou próximas, não se deslocando diariamente à sede da empresa no Porto, e a gestão doméstica do agregado, convivendo com a família nos tempos livres;
41. No meio sociocomunitário existe a convicção de que a mesma não desenvolve qualquer atividade na área da imobiliária, continuando, em parceria com o marido, a gerir o “I...”;
42. Entre 2019 e 2021, a arguida BB frequentou vários cursos de formação modulares na área da manicure, reiky - shoden, nomeadamente o “Curso de Massagem e Terapias de SPA” com duração de 230 horas, com vista à concretização do projeto pessoal que apresenta de criação do seu próprio negócio através de um gabinete de massagens;
43. No meio social de residência não é feita qualquer referência negativa à arguida BB, por manter com todos adequadas interações e não perturbar a paz e ordem social;
44. Na data a que se reportam os factos, a arguida BB integrava o agregado que constituiu após o matrimónio e que não contava ainda com o filho mais novo, residindo num apartamento na mesma localidade. Em termos laborais, ocupava-se na época, em parceria com o cônjuge, à exploração do já referido estabelecimento “I...”;
45. Apenas a família mais próxima conhece a sua situação jurídica que é desconhecida no meio sociocomunitário de referência;
46. O arguido CC nasceu em Lousada, residindo na localidade de ..., concelho de Felgueiras, junto do agregado de origem, composto pelos progenitores e duas irmãs, sendo o arguido o mais novo da fratria. O progenitor trabalhava na área da carpintaria por conta de outrem e a progenitora dedicava-se às lides domésticas e ao cuidado dos filhos, sendo a dinâmica familiar descrita pelo arguido como funcional e coesa, com as necessidades básicas do agregado asseguradas pelos proventos obtidos pelo progenitor;
47. O percurso académico do arguido CC iniciou-se aos seis anos de idade, tendo sofrido uma retenção no 8.º ano, abandonando a escolaridade após conclusão do 9.º ano, aos 16 anos, por desmotivação para as atividades letivas;
48. Em termos profissionais, o arguido ingressou no mundo laboral aos 17 anos de idade, na área da carpintaria, por intermédio do progenitor, atividade que manteve até aos 22 anos de idade, altura em que findou o contrato de trabalho a termo certo. Aos 23 anos foi trabalhar para uma serralharia, em Felgueiras, área laboral mais do seu agrado, durante cerca de sete anos. Após extinção do posto de trabalho, recorreu ao Fundo de Desemprego, situação que manteve até meados de 2018, finda a qual encontrou trabalho numa serralharia em ...;
49. Neste período de interrupção laboral, começou a exercer funções como empregado de bar no estabelecimento de diversão noturna explorado pelo coarguido AA, seu conhecido de contextos de lazer há vários anos, através do qual travou conhecimento com a coarguida BB na qualidade de companheira daquele;
50. Atualmente, à semelhança do que ocorria à data dos factos, o arguido CC reside conjuntamente com os progenitores e a irmã do meio, solteira e operária fabril, existindo uma relação vinculativa afetiva recíproca. A habitação é própria, pertença dos progenitores, com boas condições de habitabilidade;
51. Desde 2018, o arguido exerce atividade laboral numa serralharia, findo o subsídio de desemprego;
52. Em termos económicos, o arguido CC aufere mensalmente € 750,00 de remuneração laboral, tendo como despesa própria mensal rondando aproximadamente os €400,00 e comparticipando com cerca de €100,00 mensais, juntamente com a irmã, nas despesas correntes de casa, sendo estas asseguradas na sua totalidade, pelas pensões de reforma dos progenitores;
53. Em termos afetivos, mantém uma relação de namoro há cerca de três anos, encontrando-se a namorada na Alemanha a trabalhar na área das limpezas;
54. O quotidiano do arguido é gerido em função da sua ocupação profissional e de convívio junto de pares pró-sociais, da área de residência, não lhe sendo conhecido hábitos de frequência de estabelecimentos noturnos de cariz idêntico ao dos presentes autos;
55. No meio social onde reside o presente processo é conhecido, todavia, o arguido beneficia de uma imagem associada ao ajustamento no relacionamento interpessoal, sendo-lhe reconhecidos hábitos de trabalho e interações pessoais ajustadas;
56. O processo de socialização do arguido EE decorreu em Amarante, junto da progenitora, do padrasto e dos irmãos, frutos de diferentes relações afetivas da progenitora. Após a separação do casal parental, contava o arguido com alguns meses de idade, o irmão DDD do arguido ficou aos cuidados do pai e o arguido permaneceu com a mãe, não mantendo qualquer proximidade com o progenitor, afastamento cujo motivo refere desconhecer. A mãe refez a sua vida afetiva, não sabendo o arguido precisar que idade tinha quando o companheiro da mãe integrou o seu agregado, união da qual nasceram 3 descendentes. A progenitora era doméstica e o padrasto operário de fábrica de madeiras, vivendo o agregado familiar na habitação da avó materna do arguido, sem comportar despesas. A situação socioeconómica era deficitária, sendo que, como complemento, a família praticava agricultura como modo de subsistência. A dinâmica familiar seria funcional, sendo o padrasto sentido como um referencial afetivo significativo;
57. O arguido EE concluiu o 6.º ano de escolaridade aos 12 anos de idade, sem retenções;
58. Aos 13 anos de idade passou a trabalhar numa oficina de reparação de veículos motorizados como forma de auxiliar a família economicamente e, a partir daí, foi obtendo atividades laborais indiferenciadas, de vínculo precário, até aos 16 anos, data em que passou a viver com uma tia materna, na cidade do Porto, na procura de melhores remunerações;
59. Aos 19 anos de idade, estabeleceu relação afetiva com aquela que viria a ser sua cônjuge, que residia em Amarante, tendo casado aos 20 anos de idade e reintegrado o agregado de origem do arguido;
60. Após o nascimento do primeiro filho do casal, passaram a residir em habitação arrendada. O cônjuge era operária fabril em fábrica de calçado e o arguido trabalhava na área da hotelaria, em espaços de diversão noturna, na sequência do convite de um tio materno, atividade laboral que o arguido considerava economicamente atrativa. Da relação afetiva, o arguido tem dois descendentes, de 32 e de 27 anos de idade, prole à qual veio a juntar-se a sobrinha do arguido, aos 2 meses de vida, há cerca de 20 anos, que adotou, na sequência de problemática aditiva de uma irmã e instauração de processo de promoção e proteção;
61. Em 2007, o arguido explorou café/restaurante. No entanto, uma vez que ultrapassava o horário permitido por lei, começou a confrontar-se com sucessivas coimas, situação que conduziu ao encerramento do estabelecimento, tendo o arguido retomado a atividade laboral em estabelecimento de diversão noturna, onde exerceu as funções de porteiro e de barman;
62. Após encerramento do estabelecimento comercial, café/restaurante, regressou às funções de empregado de bar, em estabelecimentos de diversão noturna. Encontrava-se o arguido desempregado, em 2017, após encerramento do estabelecimento onde trabalhava, quando o mesmo teve conhecimento, através do grupo de pares associados a espaços de diversão noturna, que AA e BB, coarguidos dos presentes autos e proprietários do espaço de diversão noturna, necessitavam de um funcionário, vindo o arguido a trabalhar naquele estabelecimento;
63. Atualmente e à semelhança do que ocorria à data dos factos subjacentes à instauração dos presentes autos, o arguido reside com o cônjuge numa habitação arrendada pelo valor mensal de € 250,00 e comportando em despesas fixas mensais, cerca de € 100,00, para pagamento de água, eletricidade e gás;
64. O arguido mantém a função de funcionário de mesa e bar em estabelecimento de diversão noturna, auferindo cerca de € 665,00, valor a que acrescem, mensalmente, cerca de € 100,00 respeitantes a comissões por horas extra de trabalho. O cônjuge está desempregada e beneficia de subsídio de desemprego, no valor de € 438,00. O descendente mais velho, de 32 anos de idade, labora num escritório de contabilidade e os descendente e sobrinha, de 27 e de 20 anos de idade, encontram-se desempregados;
65. A dinâmica familiar é funcional sendo a relação conjugal referenciada como gratificante;
66. O presente processo não é do conhecimento público na área residencial, meio no qual o arguido é descrito como cordial nas interações, sendo conhecida a sua profissão enquanto funcionário de espaços de diversão noturna;
67. O arguido DD é divorciado e tem um filho com cerca de 3 anos de idade, que vive com a mãe, a quem paga € 150,00 mensais a título de prestação de alimentos;
68. O arguido DD trabalha na área da restauração, como empregado de mesa, auferindo um rendimento mensal de cerca € 750,00;
69. Vive com a mãe e um irmão, em casa desta, contribuindo com cerca de € 200,00 mensais para as despesas;
70. Tem o 8.º ano de escolaridade;
71. O arguido AA foi condenado:
a) No Proc. Comum Singular n.º 704/03.6TAEVR, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Évora, por sentença de 26.11.2009, transitada em julgado a 22.01.2011, pela prática em 1990 de um crime de lenocínio, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, já declarada extinta;
b) No Proc. Comum Singular n.º 404/13.9TAFLG, do Juízo Local Criminal de Felgueiras, Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, por sentença de 17.06.2016, transitada em julgado a 28.06.2018, pela prática entre julho de 2010 e 25 de maio de 2014 de um crime de lenocínio, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova e ao dever de não alojar no estabelecimento “I...” pessoas conotadas com a prática da prostituição e de proceder à entrega, no prazo de 2 anos, da quantia de € 2.000,00 a uma Instituição Particular de Solidariedade Social que se dedique à proteção e apoio de mulheres vítimas de violência;
72. A arguida BB foi condenada:
a) No Proc. Comum Singular n.º 704/03.6TAEVR, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Évora, por sentença de 26.11.2009, transitada em julgado a 08.01.2010, pela prática em 1990 de um crime de lenocínio, na pena de 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, já declarada extinta;
b) No Proc. Comum Singular n.º 404/13.9TAFLG, do Juízo Local Criminal de Felgueiras, Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, por sentença de 17.06.2016, transitada em julgado a 28.06.2018, pela prática entre julho de 2010 e 25 de maio de 2014 de um crime de lenocínio, na pena de 2 anos e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova e ao dever de não alojar no estabelecimento “I...” pessoas conotadas com a prática da prostituição e de proceder à entrega, no prazo de 2 anos, da quantia de € 2.000,00 a uma Instituição Particular de Solidariedade Social que se dedique à proteção e apoio de mulheres vítimas de violência;
73. O arguido CC foi condenado no Proc. Comum Singular n.º 404/13.9TAFLG, do Juízo Local Criminal de Felgueiras, Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, por sentença de 17.06.2016, transitada em julgado a 28.06.2018, pela prática entre julho de 2010 e 25 de maio de 2014 de um crime de lenocínio, na pena de 1 ano e 9 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período;
74. O arguido DD já foi condenado:
a) No Proc. Sumário n.º 33/13.3GTPNF, do 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de Felgueiras, por sentença de 03.06.2013, transitada em julgado a 08.07.2013, pela prática em 26.05.2013 de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena única de 130 dias de multa, à taxa diária de € 7,00 e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo prazo de 5 meses, tendo a pena de multa sido substituída por TFC, que cumpriu, estando declaradas extintas a pena e sanção acessória;
b) No Proc. Sumaríssimo n.º 382/18.8GBFLG, do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este, JL Criminal de Felgueiras, por sentença de 27.06.2019, transitada em julgado a 02.09.2019, pela prática em 30.08.2018 de um crime de condução sem habilitação legal e de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena única de 250 dias de multa, à taxa diária de € 5,00 e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo prazo de 12 meses, já declaradas extintas;
c) No Proc. Sumário n.º 42/21.2GCGMR, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, JL Criminal de Guimarães – Juiz 4, por sentença de 09.02.2021, transitada em julgado a 06.05.2021, pela prática em 02.02.2021 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena de 5 meses de prisão, suspensa por um ano, com obrigação de frequência do programa de prevenção de segurança rodoviária e na sanção acessória de inibição de conduzir pelo prazo de 10 meses;
75. Ao arguido EE não lhe são conhecidos antecedentes criminais.”

2ª questão
Das consequências da alteração da decisão da matéria de facto:
Atenta a modificação operada em sede de factos provados, importa agora extrair as necessárias consequências em sede de subsunção jurídica – decidindo-se a segunda questão suscitada no recurso do Ministério Público já com a correção da decisão da matéria de facto operada - , tendo presente a jurisprudência corporizada no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4/2016, de 22 de Fevereiro, publicado no Diário da República n.º 36/2016, Série I-A, de 22 de Fevereiro de 2016: “Em julgamento de recurso interposto de decisão absolutória da 1.ª instância, se a relação concluir pela condenação do arguido deve proceder à determinação da espécie e medida da pena, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 374.º, n.º 3, alínea b), 368.º, 369.º, 371.º, 379.º, n.º 1, alíneas a) e c), primeiro segmento, 424.º, n.º 2, e 425.º, n.º 4, todos do Código de Processo Penal.”.
Todos os arguidos vinham pronunciados pela prática, em coautoria material e na forma continuada de um crime de lenocínio, p. e p. pelos artigos 30°, nº 2 e 169°, nº 1 ambos do Código Penal.
O tipo legal de crime encontra-se tipificado no artigo 169°, do Código Penal:
"1 – Quem, profissionalmente ou com intenção lucrativa, fomentar, favorecer ou facilitar o exercício por outra pessoa de prostituição é punido com pena de prisão de seis meses a cinco anos.”
São, pois, elementos constitutivos deste crime na sua forma simples: que o agente fomente, favoreça ou facilite o exercício por outra pessoa de prostituição e pratique tais condutas profissionalmente ou com intenção lucrativa (tipo objetivo).
Acrescenta Paulo Pinto de Albuquerque[5] que "o fomento, o favorecimento e a facilitação da prostituição são condutas com o mesmo conteúdo ilícito: a colaboração, o estímulo, o auxilio dado por que meio for à prática da prostituição (...) a colaboração pode constar de uma acção) de uma omissão ou de uma tolerância de uma actividade" (…) "o crime de lenocínio simples é um crime de execução livre pois a colaboração do agente pode ser realizada por qualquer modo. Contudo, o agente deve actuar profissionalmente (isto é, esta deve ser a actividade habitual do agente embora possa não ser a única, constituindo o seu o modo de vida) ou mesmo através de uma acção pontual ou esporádica distinta do seu modo de vida) desde que com intenção lucrativa."
Quanto ao tipo subjetivo, exige-se a prática a título de dolo, consubstanciado no conhecimento e vontade de praticar o facto, abarcando todos os elementos do tipo objetivo.
Ora, no caso em apreço, dúvidas não restam que, atenta a matéria de facto dada como provada os arguidos AA e BB praticaram um único crime de lenocínio simples (pois os bens jurídicos protegidos não são eminentemente pessoais e apenas se descortinou uma única resolução criminosa que foi executada ao longo de cerca de dois anos e dois meses), em coautoria material e sob a forma consumada, uma vez que estes dois arguidos exploravam e geriam o estabelecimento “I...” onde tinha lugar a prática de atos de prostituição, da qual retiravam um rendimento fixo diário cobrado a cada uma das, pelo menos, dez mulheres que lá exerciam – também - essa atividade.
Já quanto ao arguido CC, o mesmo desempenhava as funções de porteiro do estabelecimento “I...” e dispunha de chaves de acesso aos quartos que proporcionava às mulheres que se prostituíam no estabelecimento “I...”.
O arguido CC, ciente de tal atividade, auxiliou os arguidos AA e BB na prática da exploração da prostituição.
Na definição legal constante do artigo 27º do Código Penal, é punível como cúmplice quem, dolosamente e por qualquer forma, prestar auxílio material ou moral à prática por outrem de um facto doloso.
A cumplicidade constitui uma forma de comparticipação que se distingue da autoria pela inexistência de domínio funcional na realização do ilícito típico e pressupõe necessariamente um comportamento doloso, não essencial, de quem facilita ou possibilita a realização por outrem de um crime, também doloso.
A cumplicidade está assim necessariamente subordinada ao princípio da acessoriedade e só existe se executada de forma dolosa. Na cumplicidade, o dolo tem de evidenciar uma dupla referência: ele tem de se referir em primeiro lugar à prestação de auxílio e, por outro, à própria ação dolosa do autor.
No caso do arguido CC, o seu comportamento excede manifestamente a mera “aceitação passiva” ou “solidarização” com o negócio dos coarguidos AA e BB, tendo uma participação ativa direta na exploração do estabelecimento dirigido por estes, na vertente de servir de porteiro e de disponibilizar às mulheres o acesso aos quartos que eram utilizados para a prostituição instituída no local – enquanto os coarguidos DD e EE não participavam nem ajudavam os donos do estabelecimento a fomentar e permitir a prática da prostituição no estabelecimento -.
Assim sendo, apenas o arguido CC cometeu o crime de lenocínio simples, enquanto cúmplice (arts. 27º e 169º, 1, ambos do Código Penal), não tendo o domínio funcional (v.g. um papel principal) do crime de lenocínio cometido pelos coarguidos AA e BB, mas apenas uma função de auxílio (facto provado 8-C.) a essa atividade, traduzida nas suas funções de porteiro do estabelecimento e de reter as chaves dos quartos onde a prostituição tinha lugar, apenas as entregando às mulheres quando subiam para o primeiro andar com o(s) respetivo(s) cliente(s).
Mantém-se a absolvição da pronúncia pela prática de um crime de lenocínio dos arguidos DD e EE, por não terem praticado quaisquer atos de execução deste crime (autoria), nem auxiliado os donos do estabelecimento “I...” a fomentar a prostituição, com intenção lucrativa, uma vez que a sua atividade se circunscrevia à atividade de venda de bebidas para consumo dos clientes no rés-do-chão do bar, onde não havia lugar à prática de atos sexuais, mediante contrapartida financeira.
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Cumpre, ora, concretizar todas as consequências jurídicas das alterações introduzidas na decisão da matéria de facto e da consequente revogação da absolvição dos arguidos AA, BB e CC, concretizando as penas a aplicar, dando destino aos bens apreendidos e decidindo a questão de perda alargada de bens.
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Das penas concretas
De jure
A lei penal geral define que “A determinação da medida da pena deve ser feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” - art. 71º, 1, do Código Penal -.
Conclui-se da ratio desta estatuição, que a culpa possui a função única de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena e a prevenção geral a função de fornecer uma moldura de prevenção cujo limite máximo é dado pela medida ótima da tutela dos bens jurídicos - dentro do que é considerado pela culpa - e cujo limite mínimo é fornecido pelas exigências de defesa do ordenamento jurídico e à prevenção especial a função de encontrar o quantum exato da pena, dentro da referida moldura de prevenção, que melhor sirva as exigências de socialização do agente.
Segundo explicado no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 4 de Novembro de 2009, relatado pelo Juiz-Conselheiro Santos Cabral, no processo nº 137/07.5GDPTM, "são fundamento da individualização da pena a importância do crime para a ordem jurídica violada (conteúdo da ilicitude) e a gravidade da reprovação que deve dirigir-se ao agente do crime por ter praticado o mesmo delito (conteúdo da culpa)".
A ilicitude e a culpa são, como se sabe, conceitos graduáveis.
Para o efeito, o tribunal deverá atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo legal de crime, depuserem a favor ou contra o agente, não podendo a pena, em caso algum, ultrapassar a medida da culpa (art. 40º, 2, do mesmo texto legal).
Em suma, impõe considerar que é a culpa concreta do agente que impõe uma retribuição justa, devendo ser respeitadas as exigências decorrentes do fim preventivo especial, referentes à reinserção social do delinquente, para além das exigências decorrentes do fim preventivo geral, ligadas à contenção da criminalidade e à defesa da sociedade.
O crime de lenocínio simples cometido, enquanto coautores, pelos coarguidos AA e BB é punível com pena de prisão de seis meses a cinco anos;
O crime de lenocínio simples cometido, enquanto cúmplice, pelo coarguido CC, é punível com uma pena de um mês a três anos e quatro meses de prisão, por força da atenuação especial da pena resultante do disposto nos arts. 27º, nº 2 e 73º, nº 1, als. a) e b), do Código Penal.
Para determinar o “quantum” das penas de prisão, impõe-se ponderar:
a) a intensidade do dolo (dolo direto) é elevada, com expressão agravante reduzida na medida concreta da pena;
b) é muito elevado o grau de ilicitude dos factos, traduzido em dois anos e dois meses de fomento da prostituição no estabelecimento “I...” por, pelo menos, dez mulheres, em nove quartos e, no caso dos arguidos AA e BB, auferindo um rendimento ilícito global que terá ultrapassado cerca de três centenas de milhar de euros;
c) os antecedentes criminais recentes dos três arguidos, tendo sido condenados em pena de prisão suspensa na sua execução, por crime idêntico, aumenta de forma muito expressiva as preocupações de prevenção especial – de um modo ainda mais vincado relativamente aos arguidos BB e AA, que se dedicavam de forma “profissional” ao negócio ilícito de exploração económica da prostituição no seu estabelecimento “I...”;
d) a integração social e familiar dos três arguidos, bem como o seu percurso profissional, constituem fatores de atenuação da pena dotados de muito reduzida eficácia, uma vez que não contribuíram para os afastar da criminalidade.
Valorando tais fatores de ponderação, fixam-se as seguintes penas:
a) Para o crime de lenocínio simples cometido, em coautoria material, pelo arguido AA: 4 (quatro) anos de prisão;
b) Para o crime de lenocínio simples cometido, em coautoria material, pela arguida BB: 4 (quatro) anos de prisão;
c) Para o crime de lenocínio simples cometido, enquanto cúmplice, pelo coarguido CC: 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão.

Da suspensão da execução das penas:
A possibilidade de suspensão da execução da pena de prisão encontra-se prevista no artigo 50º, nº 1, do Código Penal: «O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição
Mostra-se preenchido, in casu, o pressuposto formal de que depende a suspensão da execução da pena: foram aplicadas aos arguidos AA, BB e CC, respetivamente, 4 anos, 4 anos e 1 ano e 4 meses de prisão.
Porém, quanto aos requisitos materiais, a globalidade dos factos apurados afasta, de forma incontornável, a possibilidade de suspensão de execução da pena aos arguidos AA e BB, uma vez que os mesmos se dedicaram, durante dois anos e dois meses à prática do crime de lenocínio, auferindo com essa atividade um rendimento muito avultado, não obstante terem sido condenados, pouco tempo antes, pela prática do mesmíssimo tipo de crime cometido no mesmo estabelecimento – como resulta da condição de suspensão da execução das suas penas no seu antecedente criminal (o dever de não alojar no estabelecimento “I...” pessoas conotadas com a prática da prostituição).
Tal panorama evidencia, de forma impressiva, uma personalidade destes dois arguidos com propensão para a prática deste tipo de crime no aludido estabelecimento, indiferente às consequências penais do seu comportamento.
De resto, os detalhes da prática do crime pelos quais estes arguidos foram condenados no âmbito dos presentes autos evidenciam um certo grau de “profissionalização” na prática criminosa e, não obstante terem o rendimento da venda de bebidas no estabelecimento de bar, preferiram aumentar significativamente os seus rendimentos, fazendo da prática do crime de lenocínio uma fonte de rendimento, da qual, manifestamente, não se arrependeram – tanto que voltaram à mesma atividade, apesar de terem sido condenados em pena suspensa por crime idêntico, cometido no mesmo estabelecimento -.
Recorda-se que a punição visa a proteção dos bens jurídicos e a reintegração social do agente (artigo 40º, 1, do mesmo texto legal).
Nestes termos, conclui-se, forçosamente, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão não realizariam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição (tal como a suspensão da pena de prisão anterior por crime idêntico também não surtiu os desejados e esperados efeitos), tendo em conta a personalidade dos arguidos, o seu comportamento anterior e contemporâneo ao crime e às circunstâncias deste.
Nenhum facto resultou provado que indicie que estes dois arguidos fossem sensíveis, de modo consequente, a outra pena que não seja uma prisão efetiva.
Já quanto ao arguido CC se fazem notar igualmente fortes preocupações de prevenção especial, por também ter um antecedente criminal por crime idêntico. Porém, a sua atividade provada nos presentes autos era acessória, sendo porteiro do estabelecimento de bar e a sua conduta apenas é subsumível à figura de mero cúmplice, por apenas reter e disponibilizar as chaves dos quartos onde as mulheres se prostituíam no estabelecimento, numa atividade que foi instituída no estabelecimento explorado e gerido pelos coarguidos AA e BB.
Por outro lado, após cessar a sua cumplicidade na prática do crime, na sequência da operação policial que a findou, o arguido passou a trabalhar numa serralharia, mantendo uma atividade profissional regular e permanecendo, assim, afastado do “I...”.
Assim sendo, embora no limite, entende-se que a mera ameaça da prisão poderá ser suficiente para assegurar as finalidades da punição quanto a este arguido, mas o período de suspensão terá de ser alargado ao período de quatro anos (artigo 50º, nº 5, do Código Penal), uma vez que o mesmo reincidiu na prática de um crime pelo qual foi condenado anteriormente em pena de prisão, também suspensa na sua execução, aumentando as preocupações de prevenção especial.
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Da perda ampliada de bens a favor do Estado e respetiva liquidação de bens:
O Ministério Público requereu a perda ampliada de bens a favor do Estado e respetiva liquidação de bens, ao abrigo dos artigos 7.º e seguintes da Lei n.º 5/2002, de 11.01, contra os arguidos AA e BB, concluindo, a final, seja o valor de € 292.479,65 declarado perdido a favor do Estado, por corresponder ao valor do património incongruente com o rendimento lícito e, consequentemente, os arguidos condenados a pagar ao Estado esse montante.
Dispõe o art.º 7.º da Lei n.º 5/2002, de 11.01, que “1 - Em caso de condenação pela prática de crime referido no artigo 1.º, e para efeitos de perda de bens a favor do Estado, presume-se constituir vantagem de atividade criminosa a diferença entre o valor do património do arguido e aquele que seja congruente com o seu rendimento lícito.
2 - Para efeitos desta lei, entende-se por «património do arguido» o conjunto dos bens:
a) Que estejam na titularidade do arguido, ou em relação aos quais ele tenha o domínio e o benefício, à data da constituição como arguido ou posteriormente;
b) Transferidos para terceiros a título gratuito ou mediante contraprestação irrisória, nos cinco anos anteriores à constituição como arguido;
c) Recebidos pelo arguido nos cinco anos anteriores à constituição como arguido, ainda que não se consiga determinar o seu destino.
3 - Consideram-se sempre como vantagens de atividade criminosa os juros, lucros e outros benefícios obtidos com bens que estejam nas condições previstas no artigo 111.º do Código Penal”.
São, assim, pressupostos da aplicação da perda alargada:
- a condenação por um dos crimes do catálogo, no qual se inclui o crime de lenocínio -art.º 1.º, n.º 1, al. p) -, desde que praticado de forma organizada – n.º 2 -.
- a existência de um património que esteja na titularidade ou mero domínio e beneficio do condenado, património[6] esse em desacordo com aquele que seria possível obter face aos seus rendimentos lícitos;
- a demonstração de que o património do condenado é desproporcional em relação aos seus rendimentos lícitos.
Trata-se, por conseguinte, de uma presunção ilidível da proveniência ilícita do património desconforme.
Com efeito, o legislador presume, para efeitos de confisco, que a diferença entre o valor do património detetado e aquele que seria congruente com o rendimento lícito do arguido provém de atividade criminosa.
Tal presunção poderá ser afastada, nos termos do art.º 9.º do citado diploma legal, através da prova de que os bens resultaram de rendimentos lícitos, de que estavam na titularidade do arguido há pelo menos cinco anos a contar da data de constituição de arguido ou que adquiriu os referidos bens com rendimentos obtidos há mais de cinco anos, também a contar da data de constituição de arguido.
Incumbe ao Tribunal declarar, em conformidade com o art.º 12.º, n.º 1 desse diploma legal, na sentença condenatória, o valor que deve ser perdido a favor do Estado.
Ora, a factualidade provada e a presente decisão confirmam:
a) a condenação dos arguidos BB e AA pela prática de um crime de lenocínio previsto no artigo 169º, nº 1, do Código Penal – um dos crimes de catálogo -;
b) que o valor de € 292.479,65, resultante da incongruência entre o património do arguido AA e o rendimento comunicado à autoridade tributária é resultado dos proveitos económicos advindos da atividade de exploração do corpo das mulheres em causa e dos rendimentos por elas obtidos em troca de relações sexuais.
Pelo exposto, impõe-se julgar procedente a perda ampliada de bens a favor do Estado no valor de € 292.479,65 e respetiva liquidação de bens, requerida pelo Ministério Público ao abrigo dos artigos 7.º e seguintes da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, contra os arguidos AA e BB, mantendo-se o arresto decretado (artigo 11º, nº 3, “a contrario sensu”, da mesma lei).
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Do destino dos bens apreendidos:
Ao abrigo do disposto no artigo 109.º, n.º 1 do Código Penal, o Ministério Público promoveu na acusação que sejam declarados perdidos a favor do Estado os objetos apreendidos nos autos.
O artigo 109º, n.º 1 do Código Penal estatui que “são declarados perdidos a favor do Estado os objetos que tiverem servido ou estivessem destinados a servir para a prática de um facto ilícito típico, ou que por este tiverem sido produzidos, quando, pela sua natureza ou pelas circunstâncias do caso, puserem em perigo a segurança das pessoas, a moral ou a ordem públicas ou oferecerem sério risco de ser utilizados para o cometimento de novos factos ilícitos típicos”.
Tendo em conta a reiteração da atividade criminosa de lenocínio desenvolvida pelos arguidos BB e AA, torna-se claro que apenas os seguintes bens apreendidos integram a categoria de serem destinados à utilização nas relações sexuais praticadas pelas mulheres que se prostituíam no estabelecimento “I...”, sendo vítima de crime de lenocínio cometido e que constituiu objeto deste processo - e que se os mesmos fossem restituídos, poderiam ter o mesmo uso, tendo em conta o antecedente criminal dos arguidos que exploram este estabelecimento -, razão pela qual são declarados perdidos a favor do Estado:
- Dois preservativos por utilizar da marca "Control” e dois preservativos por utilizar da marca "Shadow”.
- Quatro preservativos da marca "Unilatex''.
- Treze preservativos femininos da marca "Cupid” por utilizar;
- Um preservativo masculino, por utilizar da marca "Sensitex'';
- Dezanove preservativos masculinos, devidamente fechados, da marca "Viva";
- Noventa e sete preservativos masculinos, por utilizar, da marca "Shadow”;
- Cinco preservativos femininos da marca "Sexy'', que se encontram dentro de embalagens da Direção Geral de Saúde;
- Um gel lubrificante da marca "Durex'', já aberto;
- Um gel lubrificante, também em uso, da marca "Unilatex''.
- Uma caixa de preservativos, devidamente fechada, da marca "Viva", contendo no seu interior cento e quarenta e quatro preservativos.
Todos os demais bens não foram comprovadamente utilizados para a prática do crime de lenocínio e a sua natureza ou as circunstâncias do caso não pôem em causa a segurança das pessoas, a moral ou ordem públicas, nem oferecem sério risco de serem utilizados para o cometimento de novos factos típicos.

Das custas:
Sendo o recurso do Ministério Público julgado provido, com oposição dos arguidos BB e AA, há lugar à condenação destes dois arguidos no pagamento das custas, conforme resulta do disposto nos artigos 513°, 1, do Código de Processo Penal, fixando-se a respetiva taxa de justiça individual – tendo em conta o respetivo objeto e extensão – em 5 (cinco) unidades de conta.
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III – DECISÃO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes subscritores, por unanimidade e em conferência, julgar parcialmente provido o recurso do Ministério Público e, em consequência:
a) Reconhecer a existência de erro notório na apreciação da prova no acórdão recorrido;
b) Sanar esse vício, mediante a alteração da decisão da matéria de facto concretizada na fundamentação deste acórdão;
c) Revogar a absolvição da pronúncia dos arguidos AA, BB e CC;
d) Julgar a pronúncia parcialmente procedente, porque provada e, em consequência:
- Condenar o arguido AA pela prática, em coautoria material e sob a forma consumada, de um crime de lenocínio simples p. e p. pelo disposto no artigo 169º, nº 1, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão efetiva;
- Condenar a arguida BB pela prática, em coautoria material e sob a forma consumada, de um crime de lenocínio simples p. e p. pelo disposto no artigo 169º, nº 1, do Código Penal, na pena de 4 (quatro) anos de prisão efetiva;
- Condenar o arguido CC pela prática, como cúmplice, de um crime de lenocínio simples p. e p. pelo disposto no artigo 169º, nº 1, do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 4 (quatro) anos.
- Confirmar a absolvição da pronúncia pela prática, em coautoria material, de um crime de lenocínio p. e p. pelo disposto no art. 169º, nº 1, do Código Penal, dos coarguidos DD e EE;
- Julgar procedente a perda ampliada de bens a favor do Estado no valor de € 292.479,65 (duzentos e noventa e dois mil quatrocentos e setenta e nove euros e sessenta e cinco cêntimos) e respetiva liquidação de bens, requerida pelo Ministério Público ao abrigo dos artigos 7.º e seguintes da Lei n.º 5/2002, de 11 de Janeiro, contra os arguidos AA e BB, mantendo-se o arresto decretado (artigo 11º, nº 3, “a contrario sensu”, da mesma lei);
- Declarar perdidos a favor do Estado os seguintes bens apreendidos:
• Dois preservativos da marca "Control” e dois preservativos da marca "Shadow”.
• Quatro preservativos da marca "Unilatex''.
• Treze preservativos femininos da marca "Cupid”;
• Um preservativo masculino da marca "Sensitex'';
• Dezanove preservativos masculinos, devidamente fechados, da marca "Viva";
• Noventa e sete preservativos masculinos, da marca "Shadow”;
• Cinco preservativos femininos da marca "Sexy'', que se encontram dentro de embalagens da Direção Geral de Saúde;
• Um gel lubrificante da marca "Durex'', já aberto;
• Um gel lubrificante, também aberto, da marca "Unilatex''.
• Uma caixa de preservativos, devidamente fechada, da marca "Viva", contendo no seu interior cento e quarenta e quatro preservativos.

Custas a cargos dos arguidos AA e BB, fixando-se a respetiva taxa de justiça individual em 5 (cinco) unidades de conta.

Nos termos do disposto no art. 94º, 2, do Código de Processo Penal, aplicável por força do art. 97º, 3, do mesmo texto legal, certifica-se que o acórdão foi elaborado e integralmente revisto pelo relator.

Porto, em 13 de Julho de 2022.
Jorge Langweg
Maria Dolores da Silva e Sousa
___________________
[1] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, 2ª edição revista e atualizada, Editorial Verbo, 2000, pág. 335, V.
[2] Como decorre já de jurisprudência datada do século passado, cujo teor se tem mantido atual, sendo seguido de forma uniforme em todos os tribunais superiores portugueses, até ao presente: entre muitos, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995 (acórdão de fixação de jurisprudência obrigatória), publicado no Diário da República 1ª-A Série, de 28 de Dezembro de 1995, de 13 de Maio de 1998, in B.M.J., 477º,-263, de 25 de Junho de 1998, in B.M.J., 478º,- 242 e de 3 de Fevereiro de 1999, in B.M.J., 477º,-271 e, mais recentemente, de 16 de Maio de 2012, relatado pelo Juiz-Conselheiro Pires da Graça no processo nº. 30/09.7GCCLD.L1.S1.
[3] Segundo Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, Vol. III, 2ª, Edição, Editorial Verbo, pág. 341.
[4] Continua a ser considerado não provado que “Os arguidos DD e EE, cientes de tal acordo e atividade, de igual modo, agiram de comum acordo com os arguidos AA e BB e em comunhão de esforços, intentos e vontades com os mesmos, fomentando e auxiliando na prática da exploração da prostituição.”
[5] Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal - à luz da Constituição da República e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, 3ª Edição, U.C.P., págs. 672 e 673.
[6] Para efeito do citado normativo, a noção de património é ampla, abrangendo não só o que está na titularidade do condenado, mas também tudo o que estiver efetivamente ao seu dispor ou conjuntamente ao seu dispor e de terceiros, especialmente de terceiros com quem coabite ou viva em economia comum, ainda que esteja na titularidade desses (ou em contitularidade com esses) terceiros. Por outro lado, também estarão em causa as vantagens que o condenado auferiu no período em que vigora a presunção, independentemente do destino que tenham tido.