Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6574/22.8T8VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ALEXANDRA PELAYO
Descritores: JUSTO IMPEDIMENTO
INVOCAÇÃO
DECURSO DO PRAZO
Nº do Documento: RP202301246574/22.8T8VNG.P1
Data do Acordão: 01/24/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: RECURSO IMPROCEDENTE; DECISÃO CONFIRMADA.
Indicações Eventuais: 2. ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I - A invocação de justo impedimento (art. 140º do CPC) para evitar o efeito extintivo do decurso do prazo, tem de ser feito logo que acabe a causa impeditiva.
II - Constituindo o impedimento a situação de doença seguida de falecimento do anterior mandatário, justifica-se a concessão do prazo de 10 dias, por analogia com o art. 47º nº 5 do CPC, para o novo mandatário se inteirar do processo e vir invocar o justo impedimento do anterior mandatário, para a prática de determinado ato.
III - Decorrido esse prazo, porém, tem de considerar-se a invocação extemporânea.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Proc. n.º 6574/22.8T8VNG.P1


SUMÁRIO:
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Acordam em Conferência os Juízes que compõem o Tribunal da Relação do Porto:

I - RELATÓRIO:
AA, solteira, maior, residente na Rua ... União das Freguesias ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia, CP ... ... E ..., na qualidade de gerente da requerida, veio requerer DECLARAÇÃO DE INSOLVÊNCIA da sociedade unipessoal por quotas sob a denominação A...- UNIPESSOAL, LDA, NIF ... com sede na Rua ... União das Freguesias ... e ..., concelho de Vila Nova de Gaia, CP ... ... E ..., tendo juntado procuração forense comprovativa de ter conferido mandato judicial ao Exmº Sr. Dr. BB.
Foi proferido despacho que convidou a Requerente a preencher um dos campos do formulário apresentado que não se mostra preenchido, tendo sido apresentado novo formulário corrigido.
Foi de seguida proferido despacho, datado de 7.8.2022, concedendo à Requerente “o prazo de 5 (cinco) dias para sanar as preditas irregularidades, juntando, uma nova PI devidamente corrigida, sob pena de indeferimento liminar da petição inicial – cfr. artº 27º, nº 1, alínea b), do CIRE.”
Em 26.9.2022, foi proferido despacho que, nos termos do disposto no art. 27º/1/b), do CIRE, indeferiu liminarmente a petição inicial, por ter decorrido aquele prazo, sem que nada tivesse sido junto aos autos, tendo o processo sido remetido á conta, em consequência.
A Requerente A..., Unipessoal, Lda, veio, por requerimento datado de 7.11.2022:
1) Informar do falecimento do mandatário Dr. BB, em 10.10.2022.
2) Juntar procuração.
E em 25.11.2022, veio a Requerente através do novo mandatário constituído, solicitar a concessão de novo prazo de 10 dias, para apresentar petição corrigida, invocando justo impedimento, alegando em suma que o Sr.R. Dr.BB no início do ano de 2022, foi acometido de doença grave, mantendo porém, o patrocínio dos assuntos que tinha a seu cargo e, como a doença se agravou repentinamente deixou de poder acompanhar este assunto, pelo que a Requerente só tomou conhecimento de que tinha sido notificada para responder a tribunal à notificação de 08/09/2022, após o seu falecimento ocorrido em 10/10/2022.
Juntou cópia do assento de óbito do Dr. BB, e indicou uma testemunha.
A pretensão a Requerente foi indeferida por despacho de 3.12.2022, com fundamento em que:
“(…) Portanto, daqui decorre que o preceito supra citado apenas prevê a invocação de justo impedimento e já não a prorrogação do prazo, pois que, com o requerimento a pedir o justo impedimento, a parte terá, logo de praticar o ato omitido, o que não sucedeu no caso em apreço, uma vez que a requerente refere que teve conhecimento do despacho de 07.09.,após o falecimento do Il. Mandatário, ou seja, após 10.10.2022, porém, não refere uma data em concreto.
O certo é que, a requerente veio num primeiro requerimento em 07.11.2022 informar apenas e tão só, do falecimento do Il. Mandatário e juntar nova procuração; só num segundo requerimento, em 25.11.2022, é que veio invocar o justo impedimento e pedir a prorrogação do prazo.
S.m.o., não é isto que resulta do citado preceito, o qual prevê apenas a invocação do justo impedimento e já não qualquer possibilidade de prorrogação do prazo.
Além disso, a requerente, deveria ter logo deduzido o incidente do justo impedimento no primeiro requerimento (de 07.11) e, ao mesmo tempo, junto a certidão de óbito e praticado o ato omitido, o que não fez, pelo que, também o segundo requerimento (de 25.11.) é, a nosso ver, intempestivo por tardio, porque no primeiro já tinha conhecimento do impedimento e veio juntar procuração.
Assim e por todo o exposto, julgo improcedente o pedido formulado.
Custas do incidente pela requerente, fixando a taxa respetiva em 1Uc.”
Inconformada, A...- UNIPESSOAL, LDA veio interpor o presente recurso de APELAÇÃO, tendo formulado as seguintes Conclusões:
“1º Nos termos do artigo 140º nº 1 do CPC constitui justo impedimento, o evento não imputável á parte, aos seus representantes ou mandatários…”
2º Tendo o mandatário sido notificado para responder a tribunal em certo prazo, desconhecendo a mandante a existência da notificação pendente e a gravidade da doença do seu mandatário, que veio a falecer, afigura-se existir justo impedimento determinativo da concessão de prazo.
3º Uma vez que o ato a praticar depende da constituição de novo mandatário que só tem acesso aos documentos através da família do falecido, por o mesmo trabalhar em prática individual e dever ser preservado o período de nojo.
Termos em que deve o presente recurso ser julgado precedente e deferido o prazo de 10 dias para a prática do ato, como é de Justiça.”
Admitido o recurso, veio a ser proferida decisão sumária, que julgou improcedente o recurso e confirmou a decisão recorrida.
A Recorrente requereu que a decisão fosse submetida a Conferência, nos termos do art. 652º nº 3 do C.P.C., para sobre a mesma recair acórdão.
Foram colhidos os vistos, pelo que importa apreciar e decidir.

II - OBJETO DO RECURSO
A questão a reapreciar consiste unicamente em saber se se verificam os pressupostos ou não do justo impedimento invocado pelo ilustre mandatário da Requerente que justifique a prorrogação do prazo para a apresentação de nova petição inicial corrigida.

III - FUNDAMENTAÇÃO:
Dão-se por reproduzidos os atos processuais acima descritos.

IV - O DIREITO APLICÁVEL
A apreciação pelo tribunal das pretensões jurídicas das partes obedece a regras- formalismos e prazos -condensados no Código de Processo Civil.
A obrigação de seguir este "figurino legal" conduz necessariamente à autorresponsabilização dos sujeitos processuais: caso pretendam praticar um qualquer ato processual terão de o fazer pela forma e no prazo previsto na lei, sob pena de preclusão.
Refere, a este propósito, José Lebre de Freitas [1] "Ónus, preclusões e cominações ligam-se entre si ao longo de todo o processo, com referência aos atos que as partes, considerada a tramitação aplicável, nele têm de praticar dentro de prazos perentórios. (...) As partes têm assim o ónus de praticar os atos que devam ter lugar em prazo perentório, sob pena de preclusão e, nos casos indicados na lei, de cominações. A autorresponsabilidade da parte exprime-se na consequência negativa (desvantagem ou perda de vantagem) decorrente da omissão do ato."
Nos termos do artigo 139º nº 4 e 5 do Código de Processo Civil o ato de parte pode ser praticado, para alem do respetivo prazo em duas situações:
a) sem invocação de justo impedimento, dentro dos três dias úteis subsequentes com o pagamento imediato da multa;
b) com invocação de justo impedimento, mas a parte que o alegar deve oferecer logo a respetiva prova, para assim ser dada a outra parte a possibilidade de, sobre ela, ser ouvida.
São estes os únicos meios de evitar os efeitos preclusivos resultantes do esgotamento dum prazo perentório, como é o prazo (de 5 dias) que foi concedido á Requerente para apresentar petição inicial devidamente corrigida.
Dispõe o n.º 1 do artigo 140.º do CPC o seguinte: «Considera-se justo impedimento o evento não imputável à parte nem aos seus representantes ou mandatários, que obste à prática atempada do ato».
Nos termos do n.º 2 do citado normativo, a parte que alegar o justo impedimento oferecerá logo a respetiva prova, e o juiz, ouvida a parte contrária, admitirá o requerente a praticar o ato fora do prazo, se julgar verificado o impedimento e reconhecer que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
A figura do justo impedimento tem sido interpretada pelos tribunais de forma muito cautelosa, a fim de contrariar o seu uso abusivo, contrário aos interesses da segurança e da celeridade.
São requisitos cumulativos do justo impedimento a não imputabilidade do evento à parte ou aos seus representantes ou mandatários e a consequente impossibilidade de praticar o ato em tempo.
O instituto do “justo impedimento” encontra-se hoje reconhecidamente centrado na ideia da culpabilidade das partes, dos seus representantes, dos seus mandatários.
Segundo Lopes do Rego [2], “o que deverá relevar decisivamente para a verificação do “justo impedimento” – mais do que a cabal demonstração da ocorrência de um evento totalmente imprevisível e absolutamente impeditivo da prática atempada do ato – é a inexistência de culpa da parte, seu representante ou mandatário no excedimento ou ultrapassagem do prazo perentório, a qual deverá naturalmente ser valorada em consonância com o critério geral estabelecido no n.º 2 do art.º 487.º do C. Civil, e sem prejuízo do especial dever de diligência e organização que recai sobre os profissionais do foro no acompanhamento das causas”.
E o que releva decisivamente para a verificação do justo impedimento é a inexistência de culpa, negligência ou imprevidência da parte, seu representante ou mandatário, na ultrapassagem do prazo perentório.[3]
Está em causa no presente recurso saber se se se mostram reunidos os pressupostos do justo impedimento, especialmente previsto no art. 140º do C.P.C.
Dispõe esta norma o seguinte:
“1-Considera-se justo impedimento o evento não imputável á parte nem aos seus representantes ou mandatários que obste á prática atempada do ato.
2-A parte que alegar o justo impedimento oferece logo a respetiva prova; o juiz ouvida a parte contrária, admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
3-É do conhecimento oficioso a verificação do impedimento, quando o evento a que se refere o nº 1 constitui facto notório, nos termos do nº 1 do art. 412º e seja previsível a impossibilidade da prática do ato dentro do prazo.”
Para o que importa decidir o Tribunal a quo entendeu que o justo impedimento deveria ter sido invocado no primeiro requerimento (de 07.11) e, ao mesmo tempo, junta a certidão de óbito e praticado o acto omitido, o que a requerente não fez, pelo que, também o segundo requerimento (de 25.11.) é intempestivo por tardio, porque no primeiro já tinha conhecimento do impedimento e apenas veio juntar procuração.
Vejamos
O falecimento ou impedimento do mandatário é causa de suspensão imediata da instância, nos termos dos arts 269º al b) e art. 271º do C.P.C., aplicável ex vi do art. 17º do CIRE., suspensão essa que cessa apenas “quando a parte contrária tiver conhecimento judicial de que está constituído novo advogado.”
Na situação em apreço, foi dado conhecimento nos autos do óbito do anterior mandatário em data posterior ao transito em julgado do despacho que indeferiu liminarmente a p.i, dessa forma extinguindo a instância.
Com efeito, aquele despacho foi notificado ao Dr. BB (anterior mandatário da Requerente) em 27.9.2022, pelo que a decisão já havia transitado em julgado,[4] quando é dado conhecimento do óbito no processo em 7.11.2022.
Desta forma, uma vez que o conhecimento do falecimento é dado no processo após o trânsito em julgado da sentença, não é possível sujeitar a questão em apreciação a este regime, uma vez que não é possível suspender uma instância que já se encontra extinta.
Assim sendo, apenas poderá ser admitida a prática do ato omitido, se ocorrer uma situação de justo impedimento.
Concordamos com a Apelante quando alega que, tendo o mandatário sido notificado para responder a tribunal em certo prazo, desconhecendo a mandante a existência da notificação pendente, já que apenas àquele mandatário fora dado conhecimento do despacho, e que o ato a praticar de natureza técnica, depende da constituição de novo mandatário, que não pode obter a documentação necessária através do mandatário anterior, e que só teve conhecimento do processo, após ter sido inserido no citius após a junção da procuração, existe todo um circunstancialismo surgido em consequência do óbito do ilustre mandatário anterior que não pode ser desatendido pelo tribunal, para apurar a tempestividade do ato.
Acontece que, junta a procuração aos autos, com a constituição do novo mandatário, mediante requerimento datado de 7.11.2020, a Requerente, através do novo mandatário constituído, só vem invocar o justo impedimento passados 18 dias.
Mesmo considerando como aplicável, dada a analogia das situações, o prazo estabelecido no artigo 47º nº 5 do C.P.C., de 10 dias, concedido a título de direito de exame do processo, ao advogado nomeado em substituição de advogado renunciante, tal prazo mostra-se largamente ultrapassado.
Ora, esse é o prazo que a lei entende como razoável para permitir que o novo advogado nomeado se inteire dos termos do processo em curso, numa situação análoga á ora em apreço.
Ora, o art. 140º nº 2 do CPC estabelece como vimos, que o juiz admite o requerente a praticar o ato fora do prazo se julgar verificado o impedimento e reconhecer que que a parte se apresentou a requerer logo que ele cessou.
No caso em apreço, mesmo reconhecendo ao novo mandatário constituído, o prazo de 10 dias para se inteirar devidamente do processo, aquele, em representação da Requerente só se apresentou nos autos a invocar o justo impedimento decorridos 18 dias, da comunicação do óbito do anterior mandatário e da junção da procuração constituindo novo mandatário.
De acordo com a jurisprudência uniforme, a invocação de justo impedimento para evitar o efeito extintivo do decurso do prazo, tem de ser feito logo que acabe a causa impeditiva.
Dai que tenhamos de concordar com a decisão recorrida, no sentido que, mesmo a provar-se a ocorrência do justo impedimento - doença do anterior mandatário que culminou no seu falecimento e que o impediu de praticar atempadamente o ato processual - a sua invocação nos autos foi feita de forma extemporânea, pelo que deve ser indeferido, sem necessidade de ulteriores provas.

V-DECISÃO:
Pelo exposto e em conclusão, acordam os Juízes que compõem este tribunal da Relação em confirmar a decisão sumária, julgando improcedente o recurso.

Custas do recurso pela recorrente.

Notifique.


Porto, 24 de janeiro de 2022
Alexandra Pelayo
Fernando Vilares Ferreira
Alberto Taveira
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[1] In Introdução ao Processo Civil - Conceito e princípios gerais à luz do novo código, 3ª Edição, Coimbra Editora, p.182.
[2] in Comentários ao Código de Processo Civil, vol I, Almedina, 2.ª edição, pág. 146),
[3] cfr. acórdão do STJ de 15.1.2014 e da Rel. de Lisboa de 13/7/2010 e acórdão do TRP de 5.3.2018, , todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[4] O prazo de recurso nos processos urgentes é de 15 dias (cfr. arts 17º do CIRE e 638º nº 1 do C.P.C.).