Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
723/17.5Y2VNG.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: LUÍS COIMBRA
Descritores: CONTRA-ORDENAÇÃO
RECURSO DE IMPUGNAÇÃO
PRAZO
Nº do Documento: RP20171115723/17.5Y2VNG.P1
Data do Acordão: 11/15/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º56/2017, FLS.224-232)
Área Temática: .
Sumário: O prazo de 20 dias a que se refere o art.º 59 3 RGCO, não é um prazo judicial e não se suspende nas férias judiciais.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo nº 723/17.5Y2VNG.P1
Comarca do Porto
Juízo Local Criminal de Vila Nova de Gaia – Juiz 3

Acordam, em conferência, na 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto
I. RELATÓRIO
1. Por decisão de 09.11.2016, a Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) condenou a arguida B…, Lda na coima de 7.000 euros, pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 9°, n° 1, alínea a) do Decreto-Lei n° 156/2005, de 15.09.
2. De tal decisão, a arguida interpôs recurso de impugnação judicial para o tribunal judicial de 1ª instância, recurso esse que, por despacho de 14.07.2017, foi rejeitado por extemporâneo.
3. Inconformada com esta rejeição, a arguida interpôs recurso para este Tribunal da Relação, finalizando a respectiva motivação as seguintes conclusões (transcrição):
“I. Julgou o Tribunal a quo que o recurso de impugnação judicial apresentado na ASAE a 20.01.2017 foi apresentado fora de prazo e consequentemente foi rejeitado.
II. Decidiu o Tribunal a quo dessa forma por considerar que o prazo de apresentação do recurso de impugnação judicial apenas se suspende aos Sábados, Domingos e Feriados e não durante as férias judiciais.
III. Não se concede nem consente na alegada intempestividade do recurso de impugnação apresentado na ASAE, pois na verdade, o recurso de impugnação foi remetido via CTT para a ASAE, no último dia do prazo, dia 20.01.2017 e não extemporaneamente, senão vejamos.
IV. De 22 de Dezembro de 2016 e 3 de Janeiro de 2017, inclusive, ocorreram férias judiciais.
V. Nos termos do disposto na alínea e) do 279º do Código Civil, as férias judiciais são equiparadas a sábados, domingos e feriados e nessa medida, em tais dias deverá considerar-se suspensa a contagem do prazo, por não serem considerados dias úteis.
VI. Nos termos do disposto no art.º 41.º do RGCO o processo penal é subsidiariamente aplicável e nos termos do disposto no art.º 103º n.º 1 do CPP os actos processuais praticam-se nos “dias úteis, às horas de expediente dos serviços de justiça e fora dos períodos de férias judiciais.”, apenas se exceptuando processos urgentes, não se prevendo que a mera interposição de um recurso de impugnação judicial seja um acto urgente, nem havendo legislação especial que o considere.
VII. Ora, se nos termos do disposto no art.º 104º n.º 2 do CPP só correm em férias os processos urgentes (103.º n.º 2 a) a e) ) não constando de tal elenco a impugnação judicial, logo, por aplicação subsidiária do CPP, a suspensão do prazo em período de férias judiciais tem de ocorrer.
VIII. Sob pena até, de flagrante violação do princípio da igualdade isto porque se o prazo terminar em férias, é já jurisprudencialmente aceite, assente e uniforme que passa para o primeiro dia útil seguinte ao termo das férias.
IX. Ora, se um prazo termina no primeiro dia de férias judiciais de verão, ou seja, em 15 de Julho, por exemplo, o termo do prazo da impugnação passa para 1 de Setembro (isto em abstracto e sem considerar a possibilidade de sábados, domingos ou feriados logo no início de Setembro), decorrendo entretanto pelo menos 46 dias.
X. Já se existir uma notificação no decurso de férias judiciais, cujo termo do prazo ocorra no dia 1 de Setembro, já sem ser em férias, não se considera suspenso o prazo em férias? Tal consubstanciaria uma manifesta e evidente violação do princípio da igualdade.
XI. É certo que existe o acórdão e fixação de Jurisprudência n.º 2/94 e é com base neste aresto e no douto Acórdão do STJ de 22.03.2010 que o Tribunal a quo decidiu da forma que o fez.
XII. Porém o Acórdão 2/94, de acordo com o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora no processo 7/14.0T8ORQ.E1, de 19.05.2015, mostra-se “caduco”, por todas as razões nele aduzidas, que perfilhamos, aqui subscrevemos e damos por integralmente reproduzido para os legais e devidos efeitos.
XIII. Decidiu tal aresto que “1 - Ao recurso de impugnação judicial em processo contra-ordenacional é aplicável o artigo 279º, al. e) do Código Civil que determina que «o prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo».2 - Assim, o termo do prazo de recurso de impugnação judicial que caia em período de férias judiciais transfere-se – ao menos - para o primeiro dia útil seguinte ao fim das férias judicias.3 - Mostra-se caduco o acórdão de fixação de jurisprudência nº 2/94.4 - Existe “recurso de impugnação judicial” desde a entrada do recurso na entidade administrativa e, para este efeito, são irrelevantes as “fases” do processo contra-ordenacional 5 - O artigo 103.º, n. 1 do C.P.P., direito subsidiário que é aplicável ao recurso de impugnação judicial, afirma que os actos processuais se praticam nos “dias úteis, às horas de expediente dos serviços de justiça e fora do período de férias judiciais”. Só se exceptuam deste regime os actos previstos nas alíneas do n. 2 do preceito, os ditos actos urgentes. Não se prevê, portanto, que a mera interposição de um recurso de impugnação judicial seja um acto urgente nem há legislação especial que o considere.6 - Assim é irrelevante a circunstância de as entidades administrativas não gozarem de “férias judiciais”.
XIV. De acordo com a nossa jurisprudência, quando o prazo estabelecido nos artigos 59.º, n.º 3 e 60.º do RGCOC (20 dias úteis) termine em férias judiciais, o prazo para apresentação da impugnação judicial transfere-se para o primeiro dia útil após férias – cfr. Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo, processos n.º 0318/11 e 0311/14, de 21.09.2011 e 28.05.2014, respectivamente, ambos em www.dgsi.pt;
XV. Refere ainda a alínea e) do artigo 279.º do CC que “o prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, (…)”; e “ao prazo estabelecido no art. 59.º, n.º 3, do DL n.º 433/82, de 27-10, é aplicável o disposto no art. 279.º do CC (RL, 26-5-1993: BMJ, 427.º - 573)” – in Abílio Neto, Código Civil Anotado, 17.ª Edição Revista e Actualizada, Abril 2010, Ediforum – Edições Jurídicas, Lda., p. 192.
XVI. E citando novamente o douto aresto de Évora proferido no processo 7/14.0T8ORQ.E1, de 19.05.2015, na sua fundamentação pode ler-se o seguinte: “B.3 – Estamos a tratar de um recurso de “impugnação judicial”, como tal definido por lei – artigo 59º, n. 1 do RGCO (Dec-Lei n. 433/82, de 27-10) em processo contra-ordenacional e não em processo administrativo. Logo, para a sua interposição é necessário apresentar escrito dirigido ao tribunal judicial competente – artigo 61º RGCO – não obstante apresentado à entidade administrativa decisora. A apresentação à entidade decisora justifica-se por duas razões: possibilidade de revogação da decisão – artigo 62º, n. 2 do RGCO; a possibilidade de o Ministério Público tomar posição sobre ela, retirando a “acusação” (na prática revogando a decisão administrativa) - artigos 62º, n. 1 e 65º-A do diploma. Assim, a apresentação do recurso de impugnação judicial praticado junto da entidade administrativa é um acto praticado em juízo? É indubitável que sim na medida em que se trata de um recurso “de impugnação judicial” que apenas é praticado junto da entidade administrativa seguindo uma tradição sistemática idêntica aos recursos penais que, não obstante dirigidos a tribunais superiores, são apresentados no tribunal recorrido, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 414º do C.P.P.. Aqui apresenta um acréscimo de utilidade ao permitir à entidade administrativa a revogação da sua decisão e a passagem para a fase “acusatória” do processo contra-ordenacional contida no artigo 62º, n. 2 do RGCO. Mas não deixa de ser um recurso de “impugnação judicial” (e não de “impugnação administrativa”) e, portanto, deve ser considerado um acto “praticado em juízo” para os efeitos do citado preceito. Como tal é-lhe aplicável o artigo 279º, al. e) do Código Civil: «o prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparadas as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo».
XVII. Da leitura da brilhante e clara fundamentação deste douto Aresto do Venerando Desembargador João Gomes de Sousa, que aqui se dá por integralmente reproduzido para os legais e devidos efeitos e que fez outras notáveis exposições sobre este mesmo tema em outros arestos, vide por exemplo o Acórdão de 15/12/2015 do TRE proferido no processo 911/15.9T8PTG.E1, onde na mesma senda ilustra claramente que é aplicável aos processos de Contra-ordenação subsidiariamente o Código de Processo Penal e depois deste o Código de Processo Civil, o que, não pode deixar levar a concluir que o prazo em causa, é um prazo judicial e não um prazo administrativo, pelo que, necessariamente, se suspende em férias judiciais.
XVIII. Como brilhantemente justificado e demonstrado pelo Aresto citado e dado como transcrito, cujos argumentos fazemos nossos, deve V.ª Ex.ª considerar que o recurso foi interposto tempestivamente e desse modo, admitir e julgar o mesmo.
XIX. Inclusivamente o próprio Aresto citado, apenas não se pronuncia expressamente quanto à suspensão do prazo de interposição do recurso judicial em férias judiciais, porquanto tal questão não se lhe foi suscitada por desnecessária, mas face a todos os argumentos vertidos fácil é antecipar que iria afirmar expressamente tal suspensão do prazo, tal como, num recurso de uma normal Sentença de um qualquer processo penal.
XX. E do próprio Acórdão do STJ de 22.03.2010 citado pela decisão do Tribunal a quo, resulta expresso que o AUJ 2/94 se encontra caduco, e salvo o devido respeito, que é muito, defende aquele douto Aresto do STJ de 22.03.2010, que o DL 244/95 não veio alterar a natureza do prazo, mas apenas clarificar que o prazo passa de 8 para 20 dias e que se suspende nos Sábados, Domingos e Feriados, interpretação que do nosso ponto de vista é incorrecta face às demais características do RGCO e às próprias garantias processuais e constitucionais do arguido e à equiparação do processo ao Processo Penal e não ao Processo Administrativo, como defende tal Aresto.
XXI. Aliás, existe com esta interpretação uma violação do Princípio da Igualdade constitucionalmente estatuído face ao já supra exposto, sendo dessa forma inconstitucional a interpretação que considere que não se encontra suspenso em férias o recurso de impugnação judicial.
XXII. Por outro lado e sem prescindir, o acto em causa é do nosso ponto de vista um acto judicial, pois apesar de se dar entrada do recurso de decisão junto da Autoridade Administrativa, tal acto tem necessariamente de ser considerado um acto praticado em juízo.
XXIII. De facto, apenas se dá entrada do recurso junto da Autoridade Administrativa para além das razões citadas no Aresto da TRE do processo n.º 7/14.0T8ORQ.E1, de 19.05.2015, referentes à própria Autoridade Administrativa e ao Ministério Público, para que aquela entidade possa remeter todo o processado (ou melhor dito, os autos físicos ou o processo) ao Tribunal Criminal competente (e não administrativo) para que este possa decidir o recurso apresentado.
XXIV. Ou seja, apenas é uma razão de índole prática e não jurídica (ou de qualificação do acto como judicial ou não judicial) que determina a prática do acto junto da Autoridade Administrativa e assim, se o recurso dá entrada na Autoridade Administrativa apenas pelas razões expostas, tal não pode deixar de ser considerado um acto praticado em juízo e como tal ser juridicamente qualificado e considerado.
Face a tudo o vertido, requer-se que V.ªs Ex.ªs profiram decisão no qual julguem sem efeito a decisão do Tribunal a quo e ordenem a admissão do recurso interposto, por tempestivo, e bem assim, ordenem ao Tribunal a quo que julgue o mesmo, fazendo-se desse modo a já costumada e sã justiça.”

4. Admitido o recurso, a magistrada do Ministério Público junto da 1ª instância apresentou resposta, pugnando pela improcedência do mesmo.
5. Nesta Relação, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, na vista a que alude o art. 416º do CPP, sublinhando a natureza administrativa do prazo de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, emitiu parecer também no sentido de que o recurso deve ser julgado improcedente.
6. No âmbito do art.º 417.º, n.º 2 do Código Penal, não foi apresentada resposta.
7. Foram colhidos os vistos legais e realizou-se a conferência, cumprindo, pois, conhecer e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. Poderes cognitivos do tribunal ad quem e delimitação do objecto do recurso
Em recursos interpostos de decisões do tribunal de 1.ª instância, no âmbito de processos de contra-ordenação, o Tribunal da Relação apenas conhece, em regra, da matéria de direito, como estatui o nº 1 do artigo 75º do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro (doravante designado por RGCO), sem prejuízo de poder “alterar a decisão do tribunal recorrido sem qualquer vinculação aos termos e ao sentido da decisão recorrida” ou “anulá-la e devolver o processo ao tribunal recorrido” (cfr. art. 75.º, n.ºs 1 e 2 do RGCO).
Por outro lado, importa também não esquecer, e constitui jurisprudência corrente dos tribunais superiores, que o âmbito do recurso se afere e se delimita pelas conclusões formuladas na motivação apresentada (artigo 412º, nº 1, in fine, do Código de Processo Penal), sem prejuízo da apreciação das questões importe conhecer oficiosamente, por obstativas da apreciação do seu mérito.
No caso vertente, não obstante a extensas conclusões do recurso (mas não havendo motivos para se ser demasiado exigente num convite à recorrente para, com o devido formalismo, aperfeiçoar as conclusões tendentes a sinteticamente resumir o alegado na motivação), a questão suscitada consiste em saber se o recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa foi apresentado tempestivamente.
2. O despacho recorrido e os elementos relevantes nos autos.
2.1. O despacho recorrido tem o seguinte teor (transcrição):
“No processo de contra-ordenação n° 3700/13.1.EAPRT, da competência da A.S.A.E., foi aplicada à arguida B…, Lda., com sede na Rua …, …, …, Vila Nova de Gaia, pela prática da contra-ordenação prevista e punida pelo artigo 9°, n° 1, alínea a) do Decreto-Lei n° 156/2005, de 15.09, a coima de 7.000 euros.
Inconformada com tal decisão, a arguida interpôs, a 20.01.2017, recurso de impugnação para este Tribunal, ao abrigo do disposto no artigo 59° do Decreto-Lei n° 433/82, de 27 de Outubro (Regime Geral das Contra-Ordenações e Coimas).
A fls. 88 veio a Digna Magistrada do Ministério Público defender que o referido recurso foi interposto fora de prazo.
Notificada para se pronunciar, a arguida veio fazê-lo a fls. 107 e seguintes, pugnando pela tempestividade do recurso, em suma por entender que, por força da aplicação do disposto no artigo 279°, alínea e) do Código Civil e da aplicação subsidiária do disposto nos artigos 103°, n° 1 e 104°, n° 2, ambos do C.P.P., o prazo de interposição de recurso se suspendeu nas férias judiciais do Natal.
Cumpre, pois, apreciar e decidir se a impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa foi ou não apresentada tempestivamente.
Dispõe o artigo 59°, n° 3 do R.G.C.O.C. que o recurso é apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido.
O artigo 60° do mesmo diploma estatui, no seu n° 1, que "o prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspende-se aos sábados, domingos e feriados" e, no seu n° 2, que "o termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transfere-se para o primeiro dia útil seguinte".
Por seu lado, o artigo 279° do Código Civil prescreve que "à fixação do termo são aplicáveis, em caso de dúvida, as seguintes regras: (...) e) O prazo que termine em domingo ou dia feriado transfere-se para o primeiro dia útil; aos domingos e dias feriados são equiparados as férias judiciais, se o acto sujeito a prazo tiver de ser praticado em juízo".
No caso vertente a arguida foi notificada da decisão da A.S.A.E. por carta registada com aviso de recepção assinada em 12.12.2016. O recurso de impugnação foi remetido, por fax, no dia 20.01.2017.
Defende a arguida que, tendo ocorrido férias judiciais entre 22 de Dezembro de 2016 e 3 de Janeiro de 2017, inclusive, o prazo de interposição do recurso esteve suspenso em tal período, pelo que o recurso deu entrada, precisamente, no último dia do prazo. Cita, entre o mais, o Acórdão da Relação de Évora de 19.05.2015.
Não lhe assiste, porém, razão.
Se não vejamos.
O processo de contra-ordenação tem duas fases distintas: uma primeira fase, da competência da autoridade administrativa, que tem por finalidade a prática de actos de investigação e de recolha de provas que permitam determinar a existência de uma contra-ordenação e, na afirmativa, a aplicação de uma coima; uma segunda fase, que se inicia com o recurso de impugnação judicial, em que a decisão da autoridade administrativa é apreciada pelo tribunal, sendo que, para tanto, é necessário que, recebido o recurso, a autoridade administrativa envie os autos ao Ministério Público, que decidirá o destino a dar-lhes, sendo apenas com a apresentação dos autos ao juiz que a decisão da autoridade recorrida se converte em acusação, iniciando-se a fase judicial do processo de contra- ordenação. Ou seja, o recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa ainda se integra na referida fase administrativa, não representando a imediata entrada na fase judicial do processo. Por isso mesmo o S.T.J. uniformizou jurisprudência no sentido de que "não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.° 3 do artigo 59.° do Dec. Lei n. ° 433/82, de 27 de Outubro, com a alteração do Dec. Lei n.° 356/89, de 17 de Outubro" - AUJ n.° 2/94, de 10/3/1994, publicado no D.R., I Série, de 07.05.1994. A ser assim, a interposição de recurso de impugnação judicial não pode ser considerado acto praticado em juízo e, consequentemente, não pode também o respectivo prazo ser considerado um prazo judicial.
É certo que o Acórdão citado pela arguida sustenta que o mencionado AUJ caducou. Não obstante, terá que entender-se que tal caducidade não se estende ao aspecto aqui em causa. Transcrevendo o que se escreveu no Acórdão do S.T.J. de 03.22.2010, "ao fixar o entendimento de que o prazo do art. 59°, n° 3, do RGCO não era um prazo judicial, o Acórdão n° 2/94 veio estabelecer que a tal prazo não se aplicava o disposto no n° 3 do art. 144° do CPC, na redacção que então vigorava, e que, consequentemente, o prazo corria continuamente. É este o sentido do Acórdão n° 2/94.Da mesma forma, e decorrendo da natureza não judicial do prazo, não seriam aplicáveis ao mesmo prazo as restantes regras atinentes aos prazos judiciais, como os arts. 104°, n° 1, e 107, n° 5,do CPP. O DL n° 244/95, como já vimos, veio modificar supervenientemente o quadro legislativo. Mas fê-lo apenas em dois aspectos: ampliando o prazo de 8 para 20 dias; e determinando a suspensão do prazo nos sábados, domingos e feriados, mas não já nas férias judiciais. Quer dizer: o DL n°244/95 não veio expressamente alterar a natureza do prazo de recurso das decisões administrativas que aplicam coimas, nem sequer estabelecer um regime de contagem idêntico ao dos prazos judiciais, hipótese em que se poderia argumentar a favor de uma tácita intenção de modificar a sua natureza. O que o DL n° 244/95 fez, ao estabelecer que o prazo se suspende nos sábados, domingos e feriados, foi fazer coincidir o regime de contagem desse prazo com o dos prazos administrativos em geral, previsto no art. 72°, n° 1, b), do Código de Procedimento Administrativo, e em contraste com o modo de contagem dos prazos judiciais, que eram suspensos nos sábados, domingos e feriados e nas férias judiciais. Ou seja: o DL n° 244/95 não converteu, expressa ou tacitamente, o prazo previsto no art. 59°, n° 3 num prazo judicial. Pelo contrário, acentuou a sua natureza administrativa. Com a reforma introduzida no CPC pelo DL n° 329-A/95, de 12-12, os prazos judiciais passaram a ser contínuos, suspendendo-se, porém, durante as férias judiciais (art. 144°, n° 1), regra que á aplicável ao processo penal, por força do n° 1 do art. 104° do CPP. Contudo, essa modificação legislativa não se repercutiu no prazo para impugnação das decisões administrativas em matéria de aplicação de coimas, que se mantém idêntico: suspende-se (apenas) nos sábados, domingos e feriados, mas não em férias, pois na administração pública não existem férias. É certo que o DL n° 244/95 em alguma medida contradiz o Acórdão n° 2/94: na parte em que estabelece a suspensão do prazo nos sábados, domingos e feriados, quando da doutrina do Acórdão resultava que o prazo corria continuamente. Quanto a essa parte, não pode haver dúvidas de que a doutrina do Acórdão caducou. Mas apenas nessa parte, e já não quanto à não suspensão nas férias judiciais. E o mesmo se dirá do que se refere a outras regras dos prazos judiciais, como o disposto no art. 107°, n°s 5 e 6, do CPP (este último número aditado pela Lei n° 59/98, de 25.08)".
Acresce que, como resulta do artigo 296° do Código Civil, as regras previstas no artigo 279° desse diploma (só) são aplicáveis na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados na lei. E a verdade é que no caso das contra-ordenações sujeitas ao regime geral existe disposição legal contrária ao artigo 279°, alínea e), do Código Civil: o art.60° do R.G.C.O.C., aplicável ao caso em apreço. Isto para não dizer que, além do mais, a apresentação do recurso de impugnação judicial perante a autoridade administrativa não é um acto a praticar em juízo, como exige a parte final da citada alínea e).
De salientar ainda que a jurisprudência do S.T.A. indicada pela recorrente se reporta a impugnações judiciais de actos da administração fiscal, em que é aplicável o artigo 20° do CPPT, que remete expressamente para o Código Civil, nomeadamente para o seu artigo 279°, no que respeita à contagem dos prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial. Por conseguinte, a argumentação expendida em tais Acórdãos não pode ser transporta para o caso presente.
Em suma, pois, e em conclusão, pelas razões aduzidas, tendo a arguida sido notificada da decisão da A.S.A.E. em 12.12.2016, e porque o prazo de 20 dias para a impugnação da decisão daquela autoridade administrativa apenas se suspendeu aos sábados, domingos e feriados, ao apresentar o recurso de impugnação judicial em 20.01.2017 a arguida fê-lo extemporaneamente.
Pelo exposto, por ter sido apresentado fora de prazo, rejeita-se o recurso de fls. 60 e seguintes - artigo 63°, n° 1 do R.G.C.O.C.
Custas do incidente pela recorrente, fixando-se no mínimo a taxa de justiça - artigo 7°, n° 4 do R.C.P. e tabela II anexa ao mesmo Regulamento - e levando-se em conta a já paga.”

2.2. Por sua vez, resulta dos autos que a decisão administrativa foi notificada à arguida no dia 12.12.2016 (cfr. A/R de fls. 32), sendo que a missiva onde seguia a cópia da decisão ia ainda a seguinte informação (transcrição parcial com os realces dela constantes): “Mais fica notificado de que esta decisão é susceptível de impugnação judicial por recurso, que será feito por escrito e apresentado na sede desta ASAE, no prazo de 20 dias úteis (…)
(…)
A condenação torna-se definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada, naquele prazo, nos termos do art. 59° do Dec. Lei n° 433/82 de 27 de Outubro, com as alterações introduzidas pelo Dec. Lei n° 244/95, de 14 de Setembro.”

2.3. A arguida interpôs recurso de impugnação judicial da referida decisão administrativa em 20.01.2017, através de fax e também por correio registado também nesse dia (cfr. 33 e segs e 85).
3. Apreciando
Defendendo que o prazo de impugnação judicial a que alude o art. 59º nº 3 do RGCO se trata de um prazo judicial, e não administrativo, argumenta a recorrente que o recurso de impugnação judicial da decisão administrativa que interpôs em 20.01.2017 foi tempestivo, porquanto entre 22 de Dezembro de 2016 e 3 de Janeiro de 2017 se interpuseram as férias judiciais, período este em que se deverá considerar suspensa a contagem do prazo, dado que nos termos do art. 279º alínea e) do Código Civil as férias judiciais são equiparadas a sábados, domingos e feriados.
Desde já adiantando a nossa posição de que não assiste razão à recorrente, analisemos a questão.
Como supra mencionado em 2.2. e 2.3. a decisão condenatória proferida pela ASAE foi notificada à recorrente em 12.12.2016 e esta interpôs recurso de impugnação judicial em 20.01.2017.
Não existindo, a propósito de prazos de impugnação judicial da decisão administrativa, qualquer norma especial no âmbito do Decreto-Lei nº 156/2005, de 15 de Setembro, teremos que atender às normas gerais do RGCO.
E quanto a esta matéria dispõe o art 59º do RGCO (que tem por epígrafe “Forma e prazo”):
“1 A decisão da autoridade administrativa que aplica uma coima é susceptível de impugnação judicial.
2 O recurso de impugnação poderá ser interposto pelo arguido ou pelo seu defensor.
3 O recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões.” (sublinhado nosso)
Por sua vez, estabelece o art 60º do RGCO (que tem por epígrafe “Contagem do prazo para impugnação”):
1 O prazo para a impugnação da decisão da autoridade administrativa suspendese aos sábados, domingos e feriados.
2 O termo do prazo que caia em dia durante o qual não for possível, durante o período normal, a apresentação do recurso, transferese para o primeiro dia útil seguinte.” (sublinhado nosso)
Todavia tal prazo, diferentemente do que pretende fazer crer a recorrente, é um prazo administrativo (e não judicial) uma vez que respeita a um acto que se inscreve ainda no âmbito administrativo e, portanto, prévio à fase processual que o mesmo tem por fim desencadear.

Sobre esta questão, de forma bem explícita e fundamentada, o Acórdão desta Relação de 08.03.2017 (proferido no Proc. 3534/16.1T8STS.P1, relatado por Maria Luísa Arantes e acessível em www.dgsi.pt com o seguinte sumário “O prazo para a impugnação da decisão de autoridade administrativa apenas se suspende aos sábados, domingos e feriados e não em férias judiciais, pois que na administração pública não existem férias "judiciais"), a dado passo refere textualmente o seguinte (transcrição):
“O processo de contraordenação tem duas fases distintas:
- uma primeira fase, da competência da autoridade administrativa, que tem por finalidade a prática de atos de investigação e de recolha de provas que permitam determinar a existência de uma contraordenação e, se assim for, a aplicação de uma coima [art.54.º, n.º2, do RGCO];
- a segunda fase inicia-se com o recurso de impugnação judicial, em que a decisão da autoridade administrativa é apreciada pelo tribunal. Mas, para tanto, é necessário que recebido o recurso, a autoridade administrativa envie os autos ao Ministério Público, o qual decide o destino a dar-lhes. É com a apresentação dos autos ao juiz que a decisão da autoridade recorrida se converte em acusação, iniciando-se a fase judicial do processo de contraordenação. Vale por dizer, que o recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa ainda faz parte da fase administrativa do processo.
Por isso, o STJ uniformizou jurisprudência no sentido de que «não tem natureza judicial o prazo mencionado no n.º 3 do artigo 59.º do Dec. Lei n.º 433/82, de 27 de Outubro, com a alteração do Dec. Lei n.º 356/89, de 17 de Outubro» - AUJ n.º 2/94, de 10/3/1994, DR, I, de 7/5/1994.
Como se refere neste AUJ «o recurso a que alude o artigo 59.º, n.ºs 1 e 3, do Decreto-Lei n.º 433/82 não é apresentado em juízo, mas perante a autoridade administrativa.
E perante ela o processo permanece, até que por esta os autos sejam enviados ao Ministério Público (artigo 62.º, n.º 1, do mesmo diploma), podendo, entretanto, e até ao envio dos autos, a mesma autoridade administrativa revogar a decisão de aplicação da coima (artigo 62.º, n.º 2), o que significa que, até ao envio dos autos ao Ministério Público, tudo se mantém no âmbito meramente administrativo, não representando a interposição do recurso a imediata entrada na fase judicial do processo. Donde se conclui que, fazendo o recurso de impugnação parte da fase administrativa do processo, e não da fase judicial, não pode esse acto - de interposição - ser considerado acto praticado em juízo e, consequentemente, não pode também o respectivo prazo ser considerado «prazo judicial».
Saliente-se que o Ac.R.Évora de 19/5/2015, invocado pelo recorrente, sustenta que este AUJ caducou. Entendemos, com todo o respeito por opinião contrária, que tal não ocorreu no que se refere ao aspeto em discussão.
O Ac.STJ de 3/11/2010, relatado pelo Conselheiro Maia Costa, é muito elucidativo a este propósito, pelo que o transcrevemos parcialmente: «Ao fixar o entendimento de que o prazo do art. 59º, nº 3, do RGCO não era um prazo judicial, o Acórdão nº 2/94 veio estabelecer que a tal prazo não se aplicava o disposto no nº 3 do art. 144º do CPC, na redacção que então vigorava, e que, consequentemente, o prazo corria continuamente. É este o sentido do Acórdão nº 2/94.
Da mesma forma, e decorrendo da natureza não judicial do prazo, não seriam aplicáveis ao mesmo prazo as restantes regras atinentes aos prazos judiciais, como os arts. 104º, nº 1, e 107, nº 5, do CPP.
O DL nº 244/95, como já vimos, veio modificar supervenientemente o quadro legislativo. Mas fê-lo apenas em dois aspectos: ampliando o prazo de 8 para 20 dias; e determinando a suspensão do prazo nos sábados, domingos e feriados, mas já não nas férias judiciais.
Quer dizer: o DL nº244/95 não veio expressamente alterar a natureza do prazo de recurso das decisões administrativas que aplicam coimas, nem sequer estabelecer um regime de contagem idêntico ao dos prazos judiciais, hipótese em que se poderia argumentar a favor de uma tácita intenção de modificar a sua natureza. O que o DL nº 244/95 fez, ao estabelecer que o prazo se suspende nos sábados, domingos e feriados, foi fazer coincidir o regime de contagem desse prazo com o dos prazos administrativos em geral, previsto no art. 72º, nº 1, b), do Código de Procedimento Administrativo, e em contraste com o modo de contagem dos prazos judiciais, que eram suspensos nos sábados, domingos, feriados e nas férias judiciais.
Ou seja: o DL nº 244/95 não converteu, expressa ou tacitamente, o prazo previsto no art. 59º, nº 3 num prazo judicial. Pelo contrário, acentuou a sua natureza administrativa.
Com a reforma introduzida no CPC pelo DL nº 329-A/95, de 12-12, os prazos judiciais passaram a ser contínuos, suspendendo-se, porém, durante as férias judiciais (art. 144º, nº 1), regra que á aplicável ao processo penal, por força do nº 1 do art. 104º do CPP.
Contudo, essa modificação legislativa não se repercutiu no prazo para impugnação das decisões administrativas em matéria de aplicação de coimas, que se mantém idêntico: suspende-se (apenas) nos sábados, domingos e feriados, mas não em férias, pois na administração pública não existem férias.
É certo que o DL nº 244/95 em alguma medida contradiz o Acórdão nº 2/94: na parte em que estabelece a suspensão do prazo nos sábados, domingos e feriados, quando da doutrina do Acórdão resultava que o prazo corria continuamente. Quanto a essa parte, não pode haver dúvidas de que a doutrina do Acórdão caducou.
Mas apenas nessa parte, e já não quanto à não suspensão nas férias judiciais. E o mesmo se dirá do que se refere a outras regras dos prazos judiciais, como o disposto no art. 107º, nºs 5 e 6, do CPP (este último número aditado pela Lei nº 59/98, de 25-8).»
Por outro lado, como decorre do art.296.º do C.Civil, os prazos previstos no art.279.º do C. Civil são aplicáveis, na falta de disposição especial em contrário, aos prazos e termos fixados na lei. Ou seja, o disposto no art.279.º do C.Civil só é aplicável se inexistir disposição legal em contrário, pois se houver é essa disposição legal que é aplicável.
Ora, no caso das contraordenações sujeitas ao regime geral, existe disposição legal contrária ao art. 279.º, alínea e), do C.Civil: o art.60.º do RGCO, aplicável ao caso em apreço [neste sentido. V. Ac.R.Guimarães de 30/11/2015, relatado pela Desembargadora Maria Dolores Sousa, in www.dgsi.pt].
Acresce, como já supra referido, que a apresentação do recurso de impugnação judicial perante a autoridade administrativa não é um ato a praticar em juízo, como o exige a parte final da alínea e) do art.279.º do C.Civil.
De realçar que o Tribunal Constitucional, no Ac.473/2001, de 24/110/2001, se pronunciou no sentido de não considerar inconstitucional, designadamente por violação do nº 1 do artigo 20º da Constituição, o disposto nos artigos 59º nº 3 e 60º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na interpretação de que, terminando em férias judiciais o prazo para a interposição do recurso neles previsto, o mesmo não se transfere para o primeiro dia útil após o termos destas.
De salientar ainda que a jurisprudência do STA indicada pelo recorrente reporta-se a impugnações judiciais de atos da administração fiscal, em que é aplicável o art. 20.º do CPPT [«1 - Os prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial contam-se nos termos do artigo 279.º do Código Civil. 2 - Os prazos para a prática de actos no processo judicial contam-se nos termos do Código de Processo Civil.»], que remete expressamente para o C.Civil., nomeadamente, para ao art.279º do C.Civil, no que respeita a contagem dos prazos do procedimento tributário e de impugnação judicial. Assim, a argumentação expendida em tais acórdãos não pode ser transporta para o caso presente.”

Não obstante existir alguma jurisprudência divergente desta posição (vejam-se desde já os acórdãos da Relação de Évora de 19.05.2015 e de 15.12.2015, citados pelo recorrente e ambos relatados por João Gomes de Sousa), sufragamos todo o atrás transcrito entendimento de que o prazo de impugnação judicial se trata de um prazo meramente administrativo e não judicial, sendo que em idêntico sentido, e de em número bem maioritário, se perfilham, entre outros, os seguintes acórdãos, cujos sumários assim rezam:

Ac da RL de 30/05/2011 (processo 301/09.2TFLSB.L1-5, rel Neto de Moura, in www.dgsi.pt)
“Iº No processo de contra-ordenação, o recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa ainda faz parte da fase administrativa do processo, iniciando-se a fase judicial, apenas, com a apresentação pelo Ministério Público dos autos ao juiz;
IIº O acórdão de uniformização de jurisprudência nº2/94, de 10Março94 (DR Iª Série de 7Maio94), mantém-se em vigor quando dispõe que o prazo previsto no nº3, do art.59, do RGCO não é um prazo judicial.”

Ac da RC de 30/05/2012 (processo 44/12.0T2ILH.C1, rel. Maria José Nogueira, in www.dgsi.pt):
I - O prazo mencionado no n.º 3, do artigo 59º, do D.L. n.º 433/82, de 27/10, não tem natureza judicial, mas sim natureza administrativa, pelo que este prazo não se suspende nem interrompe durante as férias judiciais.
II - Ao prazo de interposição de recurso da decisão administrativa não é aplicável o disposto nos artigos 144º e 145º, do C. Proc. Civil.
III- Terminando em férias judiciais, tal prazo não se transfere para o primeiro dia útil após o termo destas.”

Ac da RE de 12/07/2012 (processo 179/10.3TBORQ.E1, rel. Martinho Cardoso, in www.dgsi.pt):
“1. O prazo de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa não é um prazo judicial, sendo-lhe, por conseguinte, inaplicáveis as regras do processo civil e do processo penal. (…)”

Ac da RL de 10/12/2013 (processo 5111/13.0T3SNT.L1-5, rel. Vieira Lamim, in www.dgsi.pt):
I - O art. 59, n° 3, do RGCOC (Dec. Lei n°433/82, de 27-10, com as alterações do Dec. Lei n° 244/95, de 14-9), estabelece “O recurso é feito por escrito e apresentado à autoridade administrativa que aplicou a coima, no prazo de 20 dias após o seu conhecimento pelo arguido, devendo constar de alegações e conclusões.
II - Encontrando-se no regime geral das contra-ordenações uma norma especial que prevê o modo de contagem do prazo para recurso de impugnação da decisão administrativa, não faz sentido chamar à colação o art.41 desse regime e aplicar subsidiariamente as normas do processo criminal e, por via destas, as do processo civil.”

Ac da RE de 6/01/2015 (processo 10/14.0T8LAG.E1, rel. Renato Barroso, in www.dgsi.pt):
“(…)
II - O prazo previsto no nº3 do Artº 59 do D.L. 433/82, de 27/10, não tem natureza judicial, devendo ser considerado de natureza administrativa, pelo que não lhe são aplicáveis as regras privativas dos prazos judiciais, quer no que respeita à sua suspensão em período de férias judiciais, quer quanto à possibilidade de prática extemporânea do acto mediante o pagamento de multa processual.”

Ac da RG de 30/11/2015 (processo 3/14.8T8CBT.G1, Maria Dolores Silva, in www.dgsi.pt):
I) Ao prazo de 20 dias previsto no artigo 59º, n.º 3 do RGCO para a interposição de recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa não é aplicável o disposto no artigo 279, al. e) do C.C.

Ac da RG de 30/11/2015 (Processo 3/14.8T8CBT, rel. Maria Dolores Sousa, in CJ, XL, Tomo V, pag 299):
“O prazo de 20 dias previsto no artigo 59º, n.º 3, do RGCO, para a interposição de recurso de impugnação judicial da decisão da autoridade administrativa, não é um prazo judicial, corre em férias e apenas se suspende aos sábados, domingos e feriados.”

Ac da RE de 3/12/2015 (processo 2436/14.0TBPTM.E1, rel. Clemente Lima, in www.dgsi.pt):
O prazo previsto no artigo 59º, nº 3, do RGCO (D.L. nº 433/82, de 27/10), não tem natureza judicial, devendo ser considerado de natureza administrativa, pelo que não lhe são aplicáveis as regras privativas dos prazos judiciais, nomeadamente no que respeita à sua suspensão em período de férias judiciais.”

Ac da RP de 26.10.2016 (processo 10407/16.6T8PRT.P1, rel. Maria Ermelinda Carneiro, in www.dgsi.pt):
“O prazo estabelecido no nº 3 do art. 59º do RGCC não tem natureza judicial.”

Ac da RC de 24/05/2017 (processo 255/16.9 T8SCD.C1, in www.dgsi.pt):
“I - Recebido o recurso de impugnação, a autoridade administrativa envia os autos, não ao tribunal competente, mas ao Ministério Público, que decidirá do destino a dar-lhes.
II - Se o Ministério Público fizer os autos presentes ao juiz, com esse acto, a decisão da autoridade recorrida converte-se em acusação e, é com este acto que se inicia a fase judicial do processo de contra-ordenação.
III - O recurso de impugnação da decisão da autoridade administrativa ainda faz parte da fase administrativa do processo.
IV - Assim, está-se perante um prazo administrativo, não se contando o dia da notificação e suspendendo-se aos sábados, domingos e feriados.
V - Só pode ser considerado como prazo judicial o que se destina à prática de um ato no âmbito de um processo judicial, ou seja, de uma ação que já se encontre em juízo.
VI - Não tem aqui aplicação o regime contemplado no artigo 139.º, n.º 5, do novo Código de Processo Civil.”

Ac da RC de 18.10.2017 (processo 2219/17.6T8CBR.C1, rel. Brízida Martins, in www.dgsi.pt):
“I- Estando em causa uma contra-ordenação rodoviária, a condenação proferida em sede administrativa torna-se definitiva e exequível se não for judicialmente impugnada por escrito no prazo de 15 dias úteis após o seu conhecimento e junto da autoridade administrativa que aplicou a coima.
II - Prazo esse que, tal como sucede no regime geral das contra-ordenações [artigo 60.º do RGCO], não reveste natureza judicial, uma vez que respeita a um acto que se inscreve ainda no âmbito administrativo e é, portanto, prévio à fase processual que o mesmo tem por fim desencadear.”

No mesmo sentido da natureza não judicial do prazo pronuncia-se a doutrina - “O prazo delimitado no presente normativo não é um prazo judicial pois que se reporta a um momento em que não existe uma fase judicial. Aliás, tal fase pode nem sequer iniciar-se caso a entidade administrativa revogue a decisão até ao momento em que deveria enviar o processo para tribunal. Não sendo um prazo judicial são inaplicáveis as regras do Código de Processo Civil, nomeadamente artigos 144º e 145º” (actuais artigos 139º e 140, do CPC) - comentários efectuados ao art. 60º, do RGCO, por António de Oliveira Mendes e José dos Santos Cabral, in Notas ao Regime Geral das Contraordenações e Coimas, Almedina, p. 164.”

Também o próprio Tribunal Constitucional - reportando-se à interpretação do artigo 60.°, nº 2 do RGCO segundo a qual o prazo em questão não se suspende durante o período de férias judiciais nem se transfere para o primeiro dia útil subsequente - no seu Acórdão nº 473/01, de 24.10.2001, decidiu “não considerar inconstitucional, designadamente por violação do nº 1 do artigo 20º da Constituição, o disposto nos artigos 59º nº 3 e 60º, nºs 1 e 2 do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na interpretação de que, terminando em férias judiciais o prazo para a interposição do recurso neles previsto, o mesmo não se transfere para o primeiro dia útil após o termos destas”, sendo que na respectiva fundamentação argumentou que “ situando-se o acto a praticar ainda no âmbito da fase administrativa do processo contra-ordenacional, visando impugnar um acto administrativo, tendo o recurso de ser obrigatoriamente apresentado perante a autoridade administrativa que aplicou a coima (art. 59º, nº 3, do Dec. Lei nº 433/82, de 27 de Outubro) e funcionando normalmente os seus serviços administrativos durante o período de férias judiciais, não se vê em que é que a interpretação normativa que foi adoptada na decisão recorrida, e que supra já identificámos, pode restringir desproporcionadamente o direito de acesso aos tribunais constitucionalmente garantido.”
E também no seu Acórdão nº 395/02, de 02.10.2002, a propósito da não suspensão do prazo de recurso da decisão de autoridade administrativa durante as férias judiciais, o mesmo Tribunal Constitucional também decidiu “Não julgar inconstitucional, designadamente por violação do disposto nos artigos 20º, nºs 1 e 4, e 32º, nºs 1 e 10, da Constituição, os artigos 59º, nº 3, e 60º, nºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 433/82, de 27 de Outubro, na redacção que lhes foi dada pelo Decreto-Lei nº 244/95, de 14 de Setembro, na interpretação de que o prazo para a interposição do recurso neles previsto não se suspende durante as férias judiciais
Assim, dada a diferente natureza dos interesses em causa e do próprio acto a praticar (que, recorde-se, se destina a impugnar uma decisão administrativa e, portanto, ainda antes de qualquer processo judicial), não existe qualquer fundamento que justifique a equiparação que o artigo 279.°, alínea e), do Código Civil faz das férias judiciais aos sábados, domingos e feriados, baseado na premissa de que o acto sujeito a prazo tem de ser “praticado em juízo”.
Temos, pois, sempre com o muito devido respeito pela opinião da recorrente e da jurisprudência em que a mesma se apoia, que a disciplina consagrada no artigo 60.º do RGCO, não consente a equiparação das férias judiciais aos sábados, domingos e feriados, quer para a suspensão do prazo, quer para a transferência do termo (neste sentido, cfr. os já citados Acórdãos desta Relação do Porto de 08-03-2017 e da Relação de Coimbra de 24-05-2017, ambos disponíveis em www.dgsi.pt).
Aliás, conforme se concluiu também no já referido Acórdão do STJ de 03.11.2010 (proc. 103/10.3YLSB.L1-A.S1, rel. Maia Costa, disponível www.dgsi.pt), pese embora se refira a uma norma anterior à actual redacção do artigo 60.º do RGCO, introduzida pelo Decreto-Lei n.º 244/95, de 14 de Setembro, a doutrina estabelecida pelo Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência n.º 2/94 não se mostra ultrapassada nem é contrária à Constituição da República Portuguesa, não tendo o aresto caducado em toda a sua extensão e mantendo-se, assim, em vigor na parte em que determina que o prazo previsto no n.º 3 do artigo 59.º do RGCO não é um prazo judicial.

Dito tudo isto, podemos concluir que aquele prazo de 20 dias a que se reporta o art. 59º nº 3 do RGCO não se suspende nas férias judiciais.
Revertendo ao caso dos autos, constata-se que a arguida/recorrente foi notificada da decisão da autoridade administrativa no dia 12.12.2016, pelo que o prazo de 20 dias de que dispunha para impugnar judicialmente – prazo esse que apenas se suspendeu aos sábados, domingos e feriados – terminou no dia 09.01.2017.
Ao ter apresentado o recurso de impugnação judicial apenas no dia 20.01.2017, é por demais manifesto que o fez extemporaneamente, pelo que toda a razão teve o tribunal a quo quando o rejeitou com base nessa extemporaneidade.
Por outro lado, em contraposição ao simplesmente invocado pela recorrente na conclusão XXIX, consideramos que nenhuma violação do princípio da igualdade existe quando se considera que as férias judiciais não suspendem o prazo de recurso de impugnação judicial. Com efeito, sendo o prazo de impugnação judicial da decisão administrativa sempre o mesmo (ou seja 20 dias úteis), ninguém pode ser tratado de forma diferente (isto é não pode ver rejeitado o seu recurso por extemporaneidade) se praticar o acto dentro desse mesmo prazo.
Não merecendo qualquer censura a decisão recorrida, deverá, pois, ser negado provimento ao recurso.

Assim, e em síntese conclusiva, não se mostrando violados quaisquer princípios ou preceitos constitucionais ou quaisquer preceitos legais ordinários, designadamente os invocados no recurso - terá o recurso que improceder, sendo de confirmar a decisão recorrida.
III. DISPOSITIVO
Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes do Tribunal da Relação do Porto em negar provimento ao recurso e, consequentemente, confirmar a decisão recorrida.
Custas pela recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 3 (três) UC’s (arts. 513º nº 1 do Código de Processo Penal e 8º nº 9 do Regulamento das Custas Processuais, conjugado este com a Tabela III anexa a tal Regulamento).
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(Texto elaborado em computador pelo relator e revisto por ambos os signatários - art. 94º nº 2 do Código de Processo Penal)
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Porto, 15 de Novembro de 2017
Luís Coimbra
Maria Ermelinda Carneiro