Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
6665/17.7T8VNG-B.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOAQUIM MOURA
Descritores: PROCEDIMENTOS CAUTELARES
AUDIÊNCIA PRÉVIA
ARROLAMENTO
Nº do Documento: RP202001136665/17.7T8VNG-B.P1
Data do Acordão: 01/13/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Sendo incontornável a necessidade de existência de nexo de instrumentalidade e dependência entre o objecto da providência cautelar pretendida e o objecto da acção principal a intentar ou já proposta, nada obsta a que o procedimento cautelar seja intentado contra quem não figure como parte na acção principal já proposta, desde que o requerente aí provoque a intervenção principal do terceiro contra quem dirige o pedido de providência cautelar;
II - Nos procedimentos cautelares, quando dispensa a audiência prévia do requerido, o juiz age no exercício de um poder vinculado, pelo que a sua decisão tem de ser fundamentada, sob pena de nulidade;
III – Tendo o juiz explicitado as razões da preterição do contraditório prévio em despacho proferido ao abrigo do disposto no artigo 617.º, n.ºs 1 e 5, do CPC, deve considerar-se sanado o vício da nulidade da decisão por omissão dessa formalidade.
IV - O arrolamento só se justifica quando o requerente se arrogue e demonstre, ainda que indiciariamente, que tem ou pode vir a ter (existência actual ou futura) um direito sobre os bens em relação aos quais se verifica o perigo de extravio, ocultação ou dissipação.
V – O arrolamento de bens não cumpre a função instrumental de tutela antecipada relativamente à pretensão definitiva formulada na acção principal quando esta consiste na anulação de deliberações sociais de uma sociedade comercial;
VI – A titularidade ou contitularidade de uma quota é uma participação no capital social, mas não no património da sociedade e por isso não confere ao sócio qualquer direito sobre os bens, móveis ou imóveis, da sociedade;
VII - Não pode considerar-se demonstrada a seriedade do risco de extravio ou dissipação dos bens arrolados (vários prédios urbanos e fracções prediais) pelo simples facto de estar, indiciariamente, provado que foram vendidos, «por preço bastante inferior ao valor de mercado», três lugares de aparcamento de um prédio pertencentes às sociedades requeridas, sem que se saiba, em concreto, qual foi o preço e qual é (era) o seu valor de mercado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 6665/17.7 T8VNG-B.P1
(Procedimento cautelar de arrolamento)
Comarca do Porto
Juízo de Comércio de V.N. de Gaia (J1)

Acordam na 5.ª Secção do Tribunal da Relação do Porto

IRelatório
B…, devidamente identificado nos autos, veio, por apenso ao processo n.º 6665/17.7 T8VNG (acção declarativa sob a forma de processo comum) em que figura como autor e no qual demandou “C…, L.da”, intentar procedimento cautelar de arrolamento contra essa sociedade e, ainda, contra “D…, Unipessoal, L.da”, alegando, em síntese, que é herdeiro do falecido E…, sócio fundador da primeira requerida, e que, arrogando-se representante dos contitulares da quota, com o valor nominal de € 2 500,00, de que este era titular na “C…, L.da”, a, também, sócia F…, autonomeou-se gerente da sociedade e tem praticado actos de dissipação do seu património, como aconteceu com a venda, por preço inferior ao seu valor de mercado, de três fracções autónomas (lugares de aparcamento) do prédio urbano sito na freguesia …, registado na Conservatória competente sob o n.º 1928, e conclui pedindo que se decrete, cautelarmente, o arrolamento dos bens que identifica.
Por despacho de 13.07.2018, foi decretada a providência requerida, ordenando-se o arrolamento dos bens identificados a fls. 44 e 45 dos autos do procedimento cautelar, decisão que veio a ser notificada às ora recorrentes em 05.11.2018.

Contra essa decisão reagiram as requeridas, interpondo, em 19.11.2018, recurso de apelação, com os fundamentos explanados na respectiva alegação, condensados nas seguintes “conclusões”:
……………………………
……………………………
……………………………
Contra-alegou o requerente/recorrido, pugnando pela total improcedência do recurso.
O recurso foi admitido (com subida em separado e efeito meramente devolutivo).
Dispensados que foram os vistos, cumpre apreciar e decidir.

Objecto do recurso
São as conclusões que o recorrente extrai da sua alegação, onde sintetiza os fundamentos do pedido, que recortam o thema decidendum (cfr. artigos 635.º, n.º 4, e 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil) e, portanto, definem o âmbito objectivo do recurso, assim se fixando os limites do horizonte cognitivo do tribunal de recurso. Isto, naturalmente, sem prejuízo da apreciação de outras questões de conhecimento oficioso (uma vez cumprido o disposto no artigo 3.º, n.º 3 do mesmo compêndio normativo).
As recorrentes começam por invocar a caducidade da providência em relação à “D…, L.da” (conclusões A) a C)), prosseguem com a arguição de nulidade por falta de despacho fundamentado a dispensar o contraditório prévio (conclusões D) a G)) e alegam que o tribunal decretou a providência sem estarem reunidos os respectivos pressupostos, concretamente, a existência de um direito a acautelar, a provável procedência da acção instaurada ou a intentar e o justo receito de extravio, ocultação ou dissipação dos bens que se pretende sejam arrolados (conclusões H) e seguintes).
São, pois, questões a apreciar e decidir:
- se, relativamente à requerida “D…, L.da”, ocorreu a caducidade da providência;
- se o tribunal tinha de fundamentar a dispensa do contraditório prévio e, na afirmativa, se tal omissão gera uma nulidade;
- se a providência foi decretada sem que se mostrassem reunidos os respectivos pressupostos legais.

IIFundamentação
1. Fundamentos de facto
Decretada uma providência cautelar, o requerido pode reagir contra a decisão, dela interpondo recurso nos termos gerais.
Em alternativa, se a providência tiver sido decretada sem contraditório prévio, uma vez cumprida a decisão e notificado o requerido nos termos previstos no artigo 366.º, n.º 6, do CPC, pode este deduzir oposição se e quando pretender alegar factos ou produzir meios de prova susceptíveis de afastar os fundamentos da providência ou reduzir o seu alcance.
Foi pela primeira via que as requeridas optaram, pelo que os factos a considerar são os apurados e descritos na decisão recorrida, que aqui importa reproduzir[1]:
«1. A 1ª Requerida é uma sociedade por quotas que tem por objecto a compra e venda de imóveis e revenda dos adquiridos para esse fim, promoção imobiliária, participações, acessoria empresarial, consultadoria, gestão de obras e investimentos – Doc.1.
2.Os sócios fundadores da 1ª Requerida são E… e mulher, F…, casados no regime da comunhão de adquiridos.
3.Em 10 de Junho de 2013, faleceu o referido sócio E…, sem testamento e no estado de casado com F….
4. Em 2012, o falecido sócio E… interpôs no Tribunal de Família e Menores do Porto acção de divórcio contra a sua mulher, a sócia F…, acção essa distribuída sob o nº 2015/12.7TMPRT, que correu termos na Instância Central do Porto, 1ª Secção Família e Menores, J4.
5. Divórcio que veio a ser decretado em 09-09-2015, por sentença transitada em julgado em 11-05-2016, que decretou o divórcio com consequente dissolução do casamento celebrado e os efeitos patrimoniais retroagiram a dia 09 de Junho de 2011 – Doc.2.
6. Face ao óbito do sócio E…, e porque a sociedade 1ª Requerida foi constituída durante a pendência do matrimónio (ambas as quotas da sociedade são património comum do casal apesar de tituladas uma pelo E… e outra pela F…), foi efectuada a transmissão das quotas, em comum e sem determinação de parte ou direito, a favor da cônjuge meeira e dos herdeiros do falecido E… – B…, G…, H… e I….
7. Em 21 de Junho de 2017, a F…, arrogando-se na qualidade de sócia e cônjuge meeira, convocou todos os herdeiros do falecido sócio para uma assembleia geral da sociedade 1ª Requerida, a realizar no dia 14 de Julho de 2017, com a seguinte ordem de trabalhos:
1 – Ratificação das deliberações tomadas nas assembleias gerais de 17/07/2013, 22/07/2013, 31/03/2014, 02/04/2014, 02/06/2014, 28/02/2015, 21/04/2015, 20/05/2015, 22/05/2015 e 31/03/2016, nomeadamente:
a) Nomeação de F… como gerente da sociedade;
b) Ratificação de todos os actos e negócios praticados pela F… desde Julho de 2013, mormente contratos, mandatos judiciais e transacções;
c) Nomeação a referida F… como representante da sócia C…, Lda. na sociedade D…, Unipessoal, Lda. [aqui 2ª Requerida] – Doc. 3
8. Na data da assembleia, no dia 14 de Julho de 2017, o A. e os demais contitulares da quota compareceram na sede da sociedade 1ª Requerida para a assembleia, onde foram informados pela F… que poderiam assistir à assembleia, mas que não poderiam intervir na mesma e votar, uma vez que aquela teria sido nomeada representante comum dos contitulares das quotas – Doc.4.
9. Da acta n.º 67 (Doc. 4), resulta, a F… se arroga titular de uma quota de € 2.500,00, “por si e na qualidade de sócia originária”, e representante comum dos contitulares da outra quota de € 2.500,00, representando a totalidade do capital social.
10. Arrogando-se dos poderes de representação supra referidos no art. 14º, a F… aprovou, sozinha e por unanimidade, todos os pontos da ordem dos trabalhos, designadamente:
1 – Ratificação das deliberações tomadas nas assembleias gerais de 17/07/2013, 22/07/2013, 31/03/2014, 02/04/2014, 02/06/2014, 28/02/2015, 21/04/2015, 20/05/2015, 22/05/2015 e 31/03/2016, nomeadamente:
a) Nomeação de F… como gerente da sociedade;
b) Ratificação de todos os actos e negócios praticados pela F… desde Julho de 2013, mormente contratos, mandatos judiciais e transacções;
c) Nomeação a referida F… como representante da sócia C…, Lda. na sociedade D…, Unipessoal, Lda. [aqui 2ª Requerida]
11. Perante tal situação o receio do Requerente é que sejam celebrados negócios de compra e venda dos bens imóveis das sociedades por quem não tem legitimidade e que afectarão terceiros.
12.Tal receio já foi comprovado através da venda de três fracções autónomas (lugares de aparcamento) “AA”, “V”, “N” e “W” do prédio urbano descrito na conservatória do registo predial do Porto sob o n.º 1928 da freguesia de …, inscrito na respectiva matriz sob o art. 8599º, que eram propriedade da 2ª Requerida D… (integralmente detida pela 1ª Requerida), ocorrida em 10 de Outubro de 2017, pelo Engº H…, em representação daquelas, a terceiros estranhos ao imóvel – sociedade K…, Lda. -, por preço bastante inferior ao valor de mercado e sabendo o Requerente da existência de propostas de compra por valor muito mais elevado por parte de vizinhos — Doc.7;
13. Forçando todos os vizinhos a conviver com estranhos dentro da mesma garagem do condomínio em causa, perdendo a segurança prometida aquando das compras dos imóveis, para, uma vez vendidas todas as garagens à mesma empresa, aplicarem um preço ainda mais alto como forma de resolverem os problemas de segurança que entretanto surgirem.
14. O mandatário da empresa compradora das garagens é o mesmo das requeridas - Doc.8;
15. O Requerente é herdeiro do falecido E…».
2. Fundamentos de direito
As recorrentes sustentam que há caducidade da providência decretada relativamente à “D…, L.da”, invocando o disposto no artigo 373.º, n.º 1, al. a), do CPC.
Não sendo caso de inversão do contencioso, caduca a providência decretada se o requerente não propuser a acção dentro de 30 dias a contar da data em que lhe tiver sido notificado o trânsito em julgado da decisão que a decretou.
Tendo sido interposto, pelas requerentes, recurso de apelação da decisão que ordenou o arrolamento, fica patente que não houve trânsito em julgado (ou seja, insusceptibilidade de recurso ordinário da decisão que decretou a providência) e, por conseguinte, não está verificada a hipótese legal contida naquele preceito.
Argumentam, porém, as recorrentes que a providência em causa foi requerida como incidente de acção declarativa intentada, apenas, contra a “C…, L.da”.
Ora, a dependência que, necessariamente, há-de existir entre o procedimento cautelar e a acção principal implica que a providência não possa ser requerida contra quem não é parte na acção, nem pode já vir a sê-lo.
Em abono da sua posição, as recorrentes citam, além do mais, uma passagem de uma decisão proferida num outro procedimento cautelar (que correu termos sob o n.º 989/13.0TYVNG-A) que envolvia as mesmas partes, proferida pela mesma Sra. Juiz, em que foi declarada a caducidade da providência decretada em relação à “D…, L.da”, precisamente por não ser parte na acção principal de que aquela era dependência.
É incontornável a necessidade de existência de nexo de instrumentalidade[2] e dependência entre o objecto da providência cautelar pretendida e o objecto da acção principal a intentar ou já proposta.
No entanto, tal como pode ser instaurado como preliminar de uma acção (declarativa ou executiva), o procedimento cautelar pode ser intentado contra quem não figure como parte na acção principal já proposta, desde que o requerente aí provoque a intervenção principal do terceiro contra quem dirige o pedido de providência cautelar.
No caso, as próprias recorrentes alegam que o aqui recorrido, autor na acção de que este procedimento cautelar é dependência, requereu, em 22.10.2018 (ainda antes de as requeridas terem sido notificadas da decisão que decretou a providência), a intervenção principal provocada da “D…, L.da”.
Se a intervenção não for admitida, então sim, justificar-se-á o levantamento da providência de arrolamento em relação a essa sociedade.
Não ocorre, pois, a invocada caducidade.
*
Em 10.07.2018, foi proferido o seguinte despacho:
«Sem audição da parte contrária, para inquirição das testemunhas arroladas pelo requerente, designo o dia…».
As recorrentes arguíram a nulidade deste despacho por falta de fundamentação da dispensa do prévio contraditório e, uma vez que a providência foi decretada com preterição do contraditório, também a decisão recorrida será nula.
É por demais sabido que o princípio do contraditório é um princípio fundamental, estruturante do nosso sistema processual civil, e ao juiz cabe o dever de observá-lo e fazê-lo cumprir em todas as fases do processo, «não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem» (artigo 3.º, n.º 3, do CPC)[3].
Mesmo na acção cautelar, o princípio do contraditório tem de ser, escrupulosamente, observado.
O que acontece é que, em alguns procedimentos cautelares (na restituição provisória da posse e no arresto[4]), não há contraditório prévio, sendo o exercício deste diferido para momento posterior ao decretamento da providência.
Importa, no entanto, sublinhar que, mesmo nos procedimentos cautelares especificados (com excepção dos mencionados), designadamente no arrolamento, a regra é a da audiência prévia do requerido, que só poderá ser postergada se e quando a sua observância colocar em risco sério o fim ou a eficácia da providência (artigo 366.º, n.º 1, do CPC).
Fácil é, pois, discorrer que o despacho em que se dispense a audiência do requerido tem de ser fundamentado.
Como anotam A.S. Abrantes Geraldes e outros[5], «a decisão sobre a dispensa ou não do contraditório não constitui um reflexo de um poder discricionário (art. 152.º, n.º 4), antes correspondendo ao exercício de um poder vinculado, pelo que deve ser fundamentada (art. 154.º, n.º 1)». Em anotação ao artigo 405.º, os mesmos autores especificam que «cabe ao juiz pronunciar-se de acordo com as circunstâncias do caso e a avaliação que faça sobre o receio quanto à eficácia ou utilidade da providência».
Está bom de ver que não se exige do juiz uma fundamentação longa e exaustiva sobre o fim e a eficácia da providência e como garantir o efeito prático que, com ela, se pretende atingir, mas uma exposição sumária das razões por que considera que o contraditório, no concreto circunstancialismo com que se depara, provavelmente, provocará mais danos do que aportará benefícios e que está em condições de tomar uma decisão conscienciosa sem o contributo esclarecedor que possa emergir da audição do requerido.
O que não pode aceitar-se é uma decisão de exclusão do contraditório prévio em que está, completamente, ausente a sua justificação, como aqui sucedeu.
Por isso que, ao abrigo do disposto no artigo 617.º, n.os 1 e 5, do CPC, se determinou a baixa do processo à primeira instância para que aí fosse apreciada a arguição de nulidade.
Foi, então, proferido despacho datado de 26.10.2019 (mas inserido no sistema em 28.10.2019) que, na parte relevante, é do seguinte teor:
«In casu, o tribunal entendeu não ouvir as requeridas, uma vez que, entendeu que tal audição poderia frustrar o fim da providência em face do que o requerente alegou no requerimento inicial.
Na verdade, esta providencia cautelar foi instaurada na por apenso e na pendencia da acção principal, na qual está em causa a anulação das deliberações sociais tomadas na AG de 14.07.2017, nomeadamente, a nomeação de F… como gerente da sociedade, cônjuge meeira do falecido E…, mas que ainda não foi nomeada cabeça-de-casal do património comum do casal dissolvido.
Na acção principal discute-se, assim, a legitimidade da representação de F….
A presente providencia cautelar foi instaurada por haver receio de que, F… e um dos filhos procedam à venda do património da herança (como já houve), que haviam acordado entre todos os irmãos e a mãe no sentido de venderem os bens e o produto ser dividido equitativamente por todos os herdeiros.
Para evitar esta situação, o tribunal entendeu decretar a providencia sem audição da outra parte, atenta a urgência da situação e a proximidade das férias judiciais.
Esta a razão pela qual se dispensou a audição da parte contrária».
Notificadas desse despacho, as requeridas pronunciaram-se nos termos que constam do seu requerimento com a referência 33872591, contestando as razões ali aduzidas para a dispensa da audiência prévia.
Quando é preterido o contraditório prévio, o juiz não actua um poder discricionário e o citado despacho, embora não culmine com uma decisão sobre a arguição da nulidade da sentença, explicitou as razões dessa preterição.
Concorde-se, ou não, com essa justificação, a decisão de dispensa da audiência prévia está agora fundamentada e por isso deve considerar-se sanado o vício da nulidade da decisão que decretou a providência cautelar.
*
Qualquer providência cautelar pressupõe, por um lado, que o requerente seja titular de um direito, ainda que meramente aparente, e o perigo de insatisfação ou de lesão desse direito aparente, por outro.
Nas providências cautelares nominadas podemos distinguir as que se destinam a assegurar obrigações de prestação de carácter pecuniário (como acontece com o arresto e os alimentos provisórios) e aquelas que visam assegurar direitos sobre coisas ou obrigações de prestação de coisas (será o caso do arrolamento[6], do embargo de obra nova e da restituição provisória de posse) e por isso são designadas providências conservatórias.
O específico periculum in mora que o arrolamento visa acautelar é o perigo de extravio, ocultação ou dissipação de bens litigiosos (art.º 403.º, n.º 1, do Cód. Proc. Civil)[7].
Por isso que o arrolamento só se justifica quando o requerente se arrogue e demonstre, ainda que indiciariamente, que tem ou pode vir a ter (existência actual ou futura) um direito sobre os bens em relação aos quais se verifica o perigo de extravio, ocultação ou dissipação.
O arrolamento - dispõe o n.º 2 do citado art.º 403.º - é dependência da acção à qual interessa a especificação dos bens ou a prova da titularidade dos direitos relativos às coisas arroladas[8].
Por seu turno, o n.º 1 do art.º 405.º do CPC, para o decretamento da providência, exige:
- que o requerente faça prova sumária do direito relativo aos bens (fumus boni juris);
- que o requerente faça prova sumária dos factos em que fundamenta o receio do seu extravio ou dissipação;
- que, dependendo o direito relativo aos bens de acção proposta ou a propor, o requerente convença o tribunal da provável procedência do pedido correspondente.
Existe, no caso, o necessário nexo de instrumentalidade e dependência entre o arrolamento pretendido (e decretado) e o objecto da acção principal, já intentada?
Que direito (certo ou eventual) tem o requerente sobre os bens arrolados?
Segundo José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre (ob.cit., 184), a formulação genérica do n.º 2 do artigo 403. «aponta, em primeira linha, para acção em que esteja em causa – ou de cuja procedência possa resultar estar em causa – a determinação, para qualquer fim, dos bens dum património, geral, separado ou colectivo».
Em anotação ao artigo 364.º do CPC (aplicável aos procedimentos cautelares especificados ex vi do artigo 376.º, n.º 1), A. S. Abrantes Geraldes[9] expende que «a relação de instrumentalidade impõe que o procedimento vise a tutela antecipada ou a conservação do concreto direito cuja efectividade se pretende por via da acção principal. Por isso, o objecto da providência há-de ponderar não apenas o direito em causa, mas especialmente a pretensão envolvida na causa principal. Embora não se exija uma perfeita identidade, a providência deve apresentar-se com uma função instrumental relativamente à medida definitiva”, sendo que a falta desse nexo de dependência levará à improcedência da pretensão cautelar.
Vejamos, então, qual é a pretensão formulada na causa principal.
Como é referido no despacho de 28.10.2019 (supra reproduzido), na causa principal o autor pretende que se declare a nulidade das deliberações tomadas na assembleia geral de 14.07.2017, na qual foram aprovados todos os pontos da ordem de trabalhos com que foi convocada, a saber:
«1 – Ratificação das deliberações tomadas nas assembleias gerais de 17/07/2013, 22/07/2013, 31/03/2014, 02/04/2014, 02/06/2014, 28/02/2015, 21/04/2015, 20/05/2015, 22/05/2015 e 31/03/2016, nomeadamente:
a) Nomeação de F… como gerente da sociedade;
b) Ratificação de todos os actos e negócios praticados pela F… desde Julho de 2013, mormente contratos, mandatos judiciais e transacções;
c) Nomeação da referida F… como representante da sócia C…, Lda. na sociedade D…, Unipessoal, Lda. [aqui 2ª Requerida]».
Sendo essa a pretensão do autor, lógico seria que lançasse mão do procedimento cautelar de suspensão de deliberações sociais para evitar a produção dos efeitos das deliberações impugnadas[10].
Não foi esse o caminho seguido pelo aqui requerente, mas não se vislumbra que tutela possa antecipar um arrolamento de bens relativamente à pretensão de ver anuladas aquelas deliberações sociais.
Afigura-se manifesto que o arrolamento não cumpre a aludida função instrumental relativamente à medida definitiva.
Indemonstrado se revela, também, o requisito da probabilidade séria da existência do direito que, com a providência de arrolamento de bens, se visa acautelar.
A factualidade considerada indiciariamente provada corresponde, basicamente, ao alegado pelo requerente da providência, que configurou assim o direito que pretende acautelar com a providência de arrolamento de bens:
E… e F… eram os únicos sócios da sociedade requerida “C…, Lda.”, sendo cada um deles titular de uma quota no valor nominal de € 2 500,00.
A “C…, L.da”, por seu turno, é a titular do capital social, no valor de € 50 000,00, da sociedade comercial “D…, Unipessoal, Lda.”
Os referidos E… e F… foram casados entre si no regime de comunhão de adquiridos e desse casamento existem quatro filhos, entre os quais o requerente.
O casamento foi dissolvido por divórcio decretado por sentença transitada em julgado em 11.05.2016 e os efeitos patrimoniais do divórcio retroagiram ao dia 09.06.2011.
E… faleceu em 10.06.2013, sem testamento.
A sociedade requerida “C…, L.da” foi constituída durante a vigência do matrimónio, pelo que ambas as quotas da sociedade são património comum do casal, ocorrendo a sua transmissão em comum e sem determinação de parte ou direito a favor da cônjuge meeira e dos herdeiros do falecido E…, os seus filhos B…, G…, H… e I….
Porém, a sócia F…, invocando ser titular de uma das quotas e arrogando-se representante dos contitulares da quota, com o valor nominal de € 2.500,00, de que o falecido E… era titular na “C…, L.da”, autonomeou-se gerente da sociedade e tem praticado actos de dissipação do seu património.
É contra essa postura da F… e as deliberações por ela tomadas que o requerente veio reagir através da acção que intentou e, por conseguinte, é a contitularidade da referida quota social (adquirida na sequência do óbito do seu pai E…) o direito que pretende fazer valer.
Os factos considerados indiciariamente provados não são esclarecedores sobre se houve inventário para partilha dos bens em consequência do divórcio, nem se foi instaurado processo de inventário por morte do pai do requerente.
No entanto, no despacho de 28.10.2019, afirma-se que a F… «ainda não foi nomeada cabeça-de-casal do património comum do casal dissolvido» e que «a presente providencia cautelar foi instaurada por haver receio de que F… e um dos filhos procedam à venda do património da herança».
Por outro lado, na sua contra-alegação, o requerente/recorrido, aludindo à certidão permanente do registo comercial da sociedade “C…, L.da”, alega que “ambas as quotas da sociedade requerida são tituladas, em comum e sem determinação de parte ou direito, pela cônjuge meeira do falecido E…, F…, e pelos filhos e herdeiros daquele, B…, G…, H… e I…» e é, realmente, isso que decorre desse documento.
Por isso, podemos ter por certo que o património comum do casal, de que fazem parte as duas quotas sociais da “C…, L.da”, não foi, ainda, partilhado.
O requerente é herdeiro legitimário do falecido E… (artigos 2030.º e 2157.º do Cód. Civil) e, embora não se possa dizer que ele tem direitos sobre bens concretos da herança (esse direito só se adquire pela partilha, conforme dispõe o art.º 2119.º do Cód. Civil), tem um direito sobre a própria herança (o direito a uma quota parte ideal de um todo, de uma universalidade que é a herança), que nasce com a sua abertura, ou seja, com a morte do seu autor.
A fundamentação de direito da decisão recorrida é do seguinte teor (reprodução da parte que para aqui releva):
«Como referia ALBERTO DOS REIS, in CPC anot., vol.II Coimbra Ed., Coimbra 1981, pg. 105 “…se uma pessoa tem ou pretende ter direito a determinados bens e mostra que certos factos ou circunstâncias fazem nascer o justo receio de que o detentor ou possuidor deles os extravie ou dissipe antes de estar judicialmente reconhecido, de forma definitiva, o seu direito aos mesmos bens, estamos perante ocorrências que justificam o uso (…) do arrolamento.” Daí a natureza preventiva e conservatória da providência cautelar de arrolamento, visando acautelar um perigo actual de lesão de direitos.
A lei processual prevê dois tipos de arrolamento: o especial, previsto no artigo 409.º do CPC, e o geral, previsto nos artigos 403.º e seguintes. O primeiro aplica-se, preliminar ou incidentalmente, às acções de separação judicial de pessoas e bens, divórcio, declaração de nulidade ou anulação do casamento ou em caso de abandono de bens (por ausência, por estar jacente a herança ou por outro motivo) e não exige que ocorra – que se demonstre – o justo receio de extravio, ocultação ou dissipação de bens (móveis ou imóveis) ou de documentos (427.º, n.º 3). O segundo, o arrolamento não especial, aplicar-se-á necessariamente (e também preliminar ou incidentalmente) a todos os restantes casos em que alguém com interesse na conservação dos bens (404.º, n.º 1) demonstre, além desta legitimidade, o aludido justo receio de extravio, ocultação ou dissipação (403.º, n.º 1).
Assim, impende sobre o requerente o ónus de alegar e indiciariamente provar os respectivos requisitos, enquanto factos constitutivos do seu direito (artigo 342.º, n.º 1 do Código Civil).
O arrolamento funciona como meio de obter a conservação dos bens.
Perante os factos indiciariamente assentes, importa concluir que o requerente logrou demonstrar o justo receio ao qual faz alusão o artº 403º do CPC.
Em face dos factos indiciariamente assentes, resultou demonstrado que existe uma séria intenção por parte das requeridas, na pessoa do Engº. H…, irmão do requerente, de vender o património das sociedades a um preço inferior ao valor de mercado, sabendo que existem propostas de compra por valor muito mais elevado, por parte dos vizinhos residentes no imóvel de ….
Demonstrado também que, em face disso, os irmãos, G… e o requerente, têm receio que o património seja vendido, tendo interesse na preservação do mesmo, para depois, poder ser repartido correcta e legalmente pelos herdeiros.
A mãe do requerente nunca exerceu nem exerce funções de gerência, sendo estas funções exercidas pelo filho H….
Por tudo isto, parece-nos poder concluir que, atenta a factualidade assente, verifica-se, que o requerente do arrolamento, fez prova suficiente do seu direito relativo aos bens e do interesse na conservação dos bens, bem como, do receio do seu extravio ou dissipação dos bens supra referidos.
No domínio dos procedimentos cautelares, a prova resume-se ao que a doutrina costuma chamar de justificação; trata-se de uma prova sumária que não produz “a plena convicção” exigida para o julgamento da causa, mas apenas um grau de probabilidade aceitável para decisões urgentes e provisórias.
Deste modo, quanto aos bens indicados para arrolar, atento os factos assentes, entendemos que devem ser arrolados os bens sobre os quais pode existir receio de extravio ou dissipação, ou seja, os bens que são património das requeridas e identificados pelo requerente».
Como se constata pela fundamentação transcrita, na primeira instância considerou-se que o requerente «fez prova suficiente do seu direito relativo aos bens», mas não se concretiza, não se identifica esse direito, sobrelevando a ideia de que se entendeu que o decretamento da providência se satisfaz com o receio de extravio ou dissipação dos bens, como alegam, criticamente, as recorrentes.
Dando de barato que o requerente é contitular (tal como a sua progenitora F… e os seus irmãos G…, H… e I…) das quotas que compõem o capital social da “C…, L.da”, essa qualidade dá-lhe o direito de quinhoar nos lucros, mas não quaisquer direitos sobre os bens da sociedade.
A (con)titularidade de uma quota é uma participação no capital social, mas não no património da sociedade. Pelo menos, enquanto esta estiver na plenitude da sua actividade como pessoa jurídica, com personalidade e identidade próprias, distintas das pessoas dos seus sócios, que a circunstância de se tratar de uma empresa de tipo familiar não altera.
Ora, ao requerente cabia, antes de mais, fazer prova (ainda que sumária) do direito relativo aos bens cujo arrolamento pediu (n.º 1 do artigo 405.º do CPC), não bastando a contitularidade das quotas sociais.
Passando à análise do requisito do periculum in mora, que, como já se referiu, no arrolamento se traduz no receio de extravio ou dissipação dos bens, importa sublinhar que o receio do requerente tem de ser objectivo e apoiar-se em factos de que decorra a seriedade da ameaça[11] de uma lesão ainda não consumada, mas eminente, ou já verificada, mas de previsível repetição. O mesmo é dizer que «não bastam (…) simples dúvidas, conjecturas ou receios meramente subjectivos ou precipitados, assentes numa apreciação ligeira da realidade…»[12].
O extravio abrange a perda, a destruição, o furto, etc., ou seja, todos os factos susceptíveis de levar ao desaparecimento dos bens e não se descortina como podem bens imóveis (no caso, prédios urbanos), que estão registados, ser extraviados.
Dissipar é esbanjar, desbaratar, delapidar os bens e, aqui sim, já é possível que aconteça com imóveis, que podem ser vendidos “ao desbarato”.
Foram alegados e estão (indiciariamente) provados factos que, objectivamente, tornem fundado o receio de que seja(m) praticados algum(ns) desses actos?
No despacho de 28.10.2019, afirma-se que «a presente providência cautelar foi instaurada por haver receio de que, F… e um dos filhos procedam à venda do património da herança» (sublinhado nosso).
Se o procedimento cautelar especificado de arrolamento é um procedimento instrumental de uma acção, em regra, de partilha, de inventário ou em que esteja em causa a determinação de bens de um património, no caso, não são os bens de uma herança que estão em causa, mas sim o património imobiliário das sociedades requeridas.
Na decisão recorrida entendeu-se que «perante os factos indiciariamente assentes (…) o requerente logrou demonstrar o justo receio ao qual faz alusão o artº 403º do CPC», conclusão que estaria alicerçada no seguinte:
«Em face dos factos indiciariamente assentes, resultou demonstrado que existe uma séria intenção por parte das requeridas, na pessoa do Engº. H…, irmão do requerente, de vender o património das sociedades a um preço inferior ao valor de mercado, sabendo que existem propostas de compra por valor muito mais elevado, por parte dos vizinhos residentes no imóvel de ….
Demonstrado também que, em face disso, os irmãos, G… e o requerente, têm receio que o património seja vendido, tendo interesse na preservação do mesmo, para depois, poder ser repartido correcta e legalmente pelos herdeiros».
Para ser fundada a imputação ao irmão do requerente daquela intenção de vender ao desbarato o património das sociedades, imperioso será que haja factos concretos de onde se possa inferir esse propósito.
Aparentemente, seria o que está vertido nos pontos 11 e 12 do elenco dos factos considerados indiciariamente provados, cujo conteúdo importa aqui relembrar:
«11. Perante tal situação o receio do Requerente é que sejam celebrados negócios de compra e venda dos bens imóveis das sociedades por quem não tem legitimidade e que afectarão terceiros.
12.Tal receio já foi comprovado através da venda de três fracções autónomas (lugares de aparcamento) “AA”, “V”, “N” e “W” do prédio urbano descrito na conservatória do registo predial do Porto sob o n.º 1928 da freguesia de …, inscrito na respectiva matriz sob o art. 8599º, que eram propriedade da 2ª Requerida D… (integralmente detida pela 1ª Requerida), ocorrida em 10 de Outubro de 2017, pelo Engº H…, em representação daquelas, a terceiros estranhos ao imóvel – sociedade K…, Lda. -, por preço bastante inferior ao valor de mercado e sabendo o Requerente da existência de propostas de compra por valor muito mais elevado por parte de vizinhos — Doc.7».
Afinal de contas, parece ser outro o receio do requerente, que não o de que o irmão H… venda ao desbarato o património das sociedades requeridas.
Por outro lado, atribuir ao mesmo H… o propósito de desbaratar o património das sociedades requeridas porque vendeu três lugares de aparcamento num prédio urbano sito na freguesia de …, cidade do Porto, por preço inferior ao valor de mercado é, no mínimo, uma ousadia, não é um juízo de inferência razoável porque não assenta em factos concretos considerados provados, mas em afirmações puramente conclusivas.
Com efeito, concluir que as ditas fracções (lugares de aparcamento) foram vendidas «por preço bastante inferior ao valor de mercado», no mínimo, exigia que se soubesse qual o preço por que foram vendidas e qual seria, em concreto, o seu valor de mercado.
Porém, nada disso foi alegado nem consta dos factos indiciariamente apurados, pelo que não pode considerar-se demonstrada a seriedade do risco de extravio ou dissipação dos bens arrolados, pelo que o receio do requerente tem de considerar-se meramente subjectivo, senão mesmo precipitado.
Em suma, salvo o devido respeito por entendimento diverso, não se mostra verificado nenhum dos requisitos da providência de arrolamento decretada.
As recorrentes espraiam-se, ainda, em considerações sobre a regularidade da convocatória da assembleia geral da “C…, L.da” realizada em 14.07.2017 e sobre a validade das deliberações aí tomadas, mas não se antolha qual a sua pertinência, uma vez que não está aqui em causa a providência de suspensão de deliberações sociais.

III - Dispositivo
Pelas razões vindas de expor, acordam os juízes desta 5.ª Secção Judicial (3.ª Secção Cível) do Tribunal da Relação do Porto em julgar procedente o recurso interposto por “C…, L.da” e “D…, Unipessoal, L.da” e, em consequência, revogar a decisão recorrida.
Custas a cargo do requerente/recorrido (artigo 527.º, n.os 1 e 2, do Cód. Processo Civil).

(Processado e revisto pelo primeiro signatário).

Porto, 13.01.2020
Joaquim Moura
Ana Paula Amorim
Manuel Domingos Fernandes
___________
[1] Sem qualquer correcção.
[2] Uma instrumentalidade em segundo grau, também dita instrumentalidade hipotética, porquanto o procedimento cautelar é instrumental em relação ao processo principal que, por seu turno, é instrumental em face do direito material que aí se faz valer (cfr. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, Almedina, vol. 2.º, 4.ª edição, 63.
[3] O Tribunal Constitucional já se pronunciou, em múltiplas ocasiões, sobre o princípio do contraditório, assinalando que tem tutela constitucional, pois integra-se no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º da CRP, e sublinhando que “o processo de um Estado de Direito (processo civil incluído) tem, assim, de ser um processo equitativo e leal. E, por isso, nele cada uma das partes tem de poder fazer valer as suas razões (de facto e de direito) perante o tribunal, em regra, antes que este tome a sua decisão. É o direito de defesa, que as partes hão-de poder exercer em condições de igualdade. Nisso se analisa, essencialmente, o princípio do contraditório, que vai ínsito no direito de acesso aos tribunais, consagrado no artigo 20.º, nº 1, da Constituição” (Acórdão nº 358/98, DR, II, de 17 de Julho de 1998).
[4] Cingimo-nos aos procedimentos cautelares previstos no Código de Processo Civil. Nestes casos, em que se quis afastar a regra da audiência prévia, o legislador fê-lo de forma expressa e inequívoca.
[5] In “Código de Processo Civil Anotado”, Almedina, 2019, pág. 426.
[6] O arrolamento – anotam José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, vol. 2.º, Almedina, 4.ª edição, 161 – constitui, na classificação legal, uma providência de tipo conservatório, mas também assinalam que “função conservatória e função antecipatória” acabam por convergir” porque as providências conservatórias tomadas na dependência da acção declarativa antecipam, em parte, a decisão (pág. 11).
[7] Para o arrolamento, relativamente a este requisito, a lei é bem menos exigente do que para as providências cautelares inominadas, para as quais se requer a ocorrência de lesão grave e dificilmente reparável do direito.
[8] Em termos idênticos, dispõe o artigo 364.º, n.º 1, para o procedimento cautelar comum: «1 - Exceto se for decretada a inversão do contencioso, o procedimento cautelar é dependência de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado e pode ser instaurado como preliminar ou como incidente de ação declarativa ou executiva».
[9] Ob. cit., 422.
[10] Assim, Ac. TRE de 28.05.2009 (proc n.º 629/09.1 TBFAR.E1) disponível in www.dgsi.pt e publicado com o seguinte sumário: «I - O arrolamento é sempre um procedimento instrumental de uma acção, em regra, de partilha, inventário, prestação de contas etc. em que está em causa a manutenção dum certo património. Claro que o arrolamento também pode ser preliminar ou dependência de uma acção de anulação, v.g. de um testamento. Mas tendo como causa próxima uma deliberação social que na perspectiva do requerente pode levar à delapidação do património da empresa, em benefício de terceiros, o procedimento adequado a prevenir tais desígnios, nunca será o arrolamento mas sim a providência específica da suspensão de deliberações sociais. II – Se o perigo que o requerente invoca é o da alienação e oneração dos bens, por força do deliberado em Assembleia-geral, através da posição dominante do sócio gerente da Requerida, o meio adequado a impedir a sua concretização será a acção de anulação de tal deliberação, que poderá ser sempre precedida da providência devida e adequada a acautelar o perigo invocado pelo Requerente, ou seja, a suspensão de deliberações sociais.».
[11] Embora o n.º 1 do artigo 405.º disponha que o requerente tem que fazer prova sumária dos factos em que fundamenta o receio de extravio ou dissipação, o n.º 2 do mesmo artigo já revela uma maior exigência, pois aí se determina que o juiz ordena a providência se adquirir a convicção de que, sem o arrolamento, o interesse do requerente “corre risco sério”.
[12] Ainda, A.S. Abrantes Geraldes, “Temas da Reforma do Processo Civil – Procedimento Cautelar Comum”, III volume, Almedina, 87.