Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
335/10.4TTOAZ.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: MARIA JOSÉ COSTA PINTO
Descritores: SEGURO DESPORTIVO
COBERTURA
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
INCAPACIDADE
CÁLCULO
Nº do Documento: RP20160407335/10.4TTOAZ.P1
Data do Acordão: 04/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: PROVIDO PARCIALMENTE
Indicações Eventuais: 4ª SECÇÃO (SOCIAL), (LIVRO DE REGISTOS N.º238, FLS.156-186)
Área Temática: .
Sumário: I – Tendo um futebolista júnior, amador, sofrido um acidente e demandado no tribunal cível as entidades que outorgaram um contrato de seguro de acidentes pessoais inerentes à actividade desportiva nos termos do Decreto-Lei n.° 146/93, e suscitando-se um conflito de competência entre os tribunais cíveis e do trabalho que veio a ser dirimido atribuindo-se competência ao Tribunal do Trabalho, fixou-se definitivamente neste a competência para conhecer da acção nele instaurada com fundamento na responsabilidade civil decorrente daquele contrato de seguro desportivo invocado como causa de pedir em ambas as jurisdições.
II – Se o sinistrado invocou na petição inicial para fundar a responsabilidade das seguradoras demandadas um contrato de seguro em regime de co-seguro que vincula todas elas, não fazendo a mínima alusão a um outro contrato de seguro, com âmbito de cobertura diferente, que houvesse sido celebrado apenas com uma delas, e não alterando validamente a causa de pedir no decurso da acção, não pode em sede de apelação invocar como fundamento dos seus pedidos a apólice deste último contrato junto com a contestação de uma das seguradoras.
III – Mostra-se vedado ao tribunal de recurso reconhecer ao autor direitos que eventualmente decorram de um contrato em que o mesmo não fundou os seus pedidos e não foi discutido nos autos.
IV – As normas legais que estipulam coberturas mínimas para o seguro desportivo obrigatório constituem normas imperativas que limitam, nessa medida, a liberdade de conformação do conteúdo contratual.
V – A não previsão da indemnização por danos não patrimoniais nos contratos de seguro desportivo celebrados sob a égide do Decreto-Lei n.° 143/93 não contende com a reserva de conteúdo necessário da regulação contratual que emerge desta regulamentação imperativa do seguro obrigatório.
VI – Se a apólice não contempla expressamente a reparação do dano não patrimonial, se a definição de “invalidez permanente” nela contida aponta apenas para as consequências patrimoniais da lesão e se o critério nela estabelecido para a reparação da “invalidez permanente” é puramente aritmético – multiplicação da IPP apurada pelo valor do capital garantido na apólice –, conduzindo a resultados interpretativos iníquos, face ao clausulado, a interpretação deste no sentido de que o capital garantido abarca a indemnização por danos não patrimoniais, é de concluir que o contrato de seguro desportivo celebrado não compreende as consequências não patrimoniais que eventualmente a pessoa segura possa sofrer em consequência de sinistro verificado na prática de modalidade desportiva.
VII – O Decreto-Lei nº 352/2007, de 23.10, tem carácter imperativo, pelo que as incapacidades no domínio dos direitos laboral e civil passaram a ser obrigatoriamente calculadas de acordo com as suas tabelas, impedindo que as partes possam fixar livremente outras formas de cálculo de desvalorização e respectivas percentagens para efeitos de indemnização por dano corporal.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Processo n.º 335/10.4TTOAZ.P1
4.ª Secção

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
II
1. Relatório
1.1. B…, uma vez frustrada a tentativa de conciliação que teve lugar na fase conciliatória da presente acção especial emergente de acidente de trabalho, apresentou petição inicial em que demandou:
1º) Futebol Clube C…,
2º) Associação de Futebol de D…,
3º) Companhia de Seguros E…, SA,
4º) Companhia de Seguros F…, SA,
5º) Companhia de Seguros G…, SA,
6º) H…- Companhia de Seguros, SA e
7º) I… - Corretores de Seguros, SA.
Pediu o A. que sejam os RR, solidariamente, condenados a pagar-lhe a quantia total de € 100.822,15, sendo € 65.822,15 a título de danos patrimoniais e € 35.000,00, a título de danos não patrimoniais, quantia esta acrescida de juros vincendos, à taxa legal, desde a data da citação dos RR até integral pagamento.
Em fundamento da sua pretensão, alegou, em síntese: que no dia 17 de Maio de 2008, enquanto atleta do 1º R., inscrito para o efeito na época desportiva de 2007/2008 na categoria de Júnior-A, encontrava-se a participar num jogo oficial do campeonato de juniores, por conta, risco, sob a direcção efectiva e no interesse do mencionado R., jogo esse no decurso do qual, na sequência do lance que descreve, sofreu fractura da tíbia e perónio; que a 3ª Ré, Companhia de Seguros E… assumiu a responsabilidade do acidente e prestou-lhe assistência clínica, no âmbito da qual efectuou despesas de deslocação no valor de € 4.674,09 e médicas, nos montantes que indica; que à data do acidente exercia as funções de metalúrgico na empresa “J…, Ldª”, com a categoria profissional de praticante do 1º ano e auferindo a remuneração de base de € 525,00 (a qual, em Dezembro de 2009 e em Janeiro de 2010, ascendia a € 545,00 e € 650,00, respectivamente); que em consequência das lesões sofridas no acidente, ficou totalmente impossibilitado de exercer tal actividade profissional e qualquer outra, tendo deixado de auferir a referida retribuição, montante que, relativamente ao período de 17 de Maio a 10 de Setembro de 2008, computa em € 2.047,50, havendo recebido do Centro Distrital de Segurança Social de L… a quantia de € 1.346,15, pelo que se lhe encontra em dívida a quantia de € 701,35; que a título de incapacidade temporária absoluta e considerando o já recebido da Segurança Social, tem direito à quantia de € 521,16; que em despesas de correio consequentes ao acidente, despendeu € 28,69; que as sequelas determinam uma incapacidade permanente parcial nunca inferior a 20%; que a título de “perda da capacidade aquisitiva de ganho” tem direito a indemnização que estima em € 59.797,11; que sofreu danos não patrimoniais, incluindo dano estético, cujo ressarcimento reclama no valor de € 25.000,00; que o acidente é da única e exclusiva responsabilidade do 1º e 2ª RR já que o A. se encontrava, por conta, risco e direcção do 1.º Réu, bem como no interesse deste e da 2.ª Ré a participar num jogo oficial do Futebol Clube C…; que a 2ª Ré, por contrato de seguro titulado pela apólice ………., transferiu para a 3ª ré, Companhia de Seguros E…, a sua responsabilidade civil pelos riscos pessoais inerentes à actividade desportiva, sendo que, na acção que correu termos no 3º Juízo Cível do Tribunal Judicial de Oliveira de Azeméis, a 3.ª Ré (Companhia de Seguros E…) alegou que o seguro existente e que cobre o acidente em apreço foi celebrado na modalidade de co-seguro com as demais 4.ª, 5.ª e 6.ª RR.; que, quanto à legitimidade da 7.ª RR, a 2ª Ré o informou de que havia celebrado com a mesma um contrato de seguro.
O Instituto da Segurança Social deduziu pedido de reembolso das prestações pagas ao A. em consequência do acidente, no valor de € 1.346,15.
Foram apresentadas contestações pelas RR. I…-Corretora de Seguros, SA (fls. 396 e ss.), Associação de Futebol de D… (fls. 383 e ss.), H…, Companhia de Seguros, SA (fls. 367 e ss.), Futebol Clube C… (fls. 362 e ss.) e Companhia de Seguros E… e F… (fls. 390 e ss.).
O Futebol Clube C… negou ter qualquer relação de trabalho com o A. e alegou que o A. participou no dia 17 de Maio de 2008 num jogo oficial do campeonato de juniores da 1.ª divisão organizado pela Associação de Futebol de D…, enquanto atleta amador do R, com a categoria de júnior, sendo que uma das condições para a inscrição do R. nestes campeonatos é a subscrição de um seguro de acidentes pessoais através da Associação de Futebol de D…, seguro que esta celebrou, não tendo por isso o R. qualquer responsabilidade no acidente em causa.
A Ré H… invocou a excepção da sua ilegitimidade, para tanto referindo, em síntese, que: em 2007.10.01 a sua antecessora M… celebrou com a Associação de Futebol de D… o contrato de seguro do ramo Acidentes Pessoais, na modalidade Desporto Cultura e Recreio, titulado pela apólice ../……, conforme documentos que junta com a contestação, no regime de co-seguro, conforme resulta das Condições Particulares da Apólice da “E…” juntas com a petição inicial, havendo o acidente sido participado, a si e às restantes seguradoras, ao abrigo do referido contrato de seguro, que não transfere, nem cobre, a responsabilidade pelos danos emergentes de um acidente de trabalho, sendo a contestante, por consequência, parte ilegítima; que parte dos danos peticionados não se incluem nas garantias do contrato celebrado; que apenas estão garantidas a invalidez permanente e as despesas de tratamento e que a responsabilidade da R. está limitada à percentagem de 29% transferida pelo contrato de co-seguro.
As RR Companhias de Seguros E…, S.A. e F…, S.A. contestaram por impugnação, mais referindo que a apólice do contrato junta com a petição inicial é uma apólice do ramo de Acidentes Pessoais, seguro esse que foi celebrado com a Associação de Futebol de D…, que não é entidade patronal do sinistrado, nem se alegando qualquer contrato de trabalho que com esta existisse, nem com a Ré foi celebrado qualquer contrato de seguro de acidente de trabalho. Alegam ainda que não respondem por acidente de trabalho, que parece nem ter existido já que o sinistrado era futebolista amador e não profissional, mas, mesmo que existisse no âmbito do contrato de seguro que celebraram e por força do qual pagaram ao A. despesas de tratamento, qualquer obrigação a cumprir, não poderia ela ser apurada no Tribunal do Trabalho por não se tratar de responsabilidade relativa a acidente de trabalho. Quanto ao pedido do ISS, alegam que a baixa médica é relativa à actividade profissional de metalúrgico do A., actividade que as RR. não garantiram.
A Associação de Futebol de D… alegou que celebrou com a Companhia de Seguros E…, SA um contrato de seguro desportivo, titulado pela apólice nº ………., que o A. juntou aos autos, contrato esse cuja celebração é obrigatória para todos os agentes desportivos inscritos na contestante, nos termos do Decreto-Lei n.° 146/93, de 26.04 e Portaria 757/93, de 26.08, pelo que, encontrando-se transferida a responsabilidade para a referida seguradora, é parte ilegítima. Alegou ainda a incompetência do Tribunal do Trabalho por não existir qualquer vínculo laboral com o A. e impugnou parte da factualidade alegada na petição inicial, concluindo pela sua absolvição do pedido.
A I… - Corretores de Seguros, SA excepcionou também a sua ilegitimidade passiva na contestação, sustentando que é mera sociedade de corretagem e mediação de seguros e não tem qualquer responsabilidade contratual ou extracontratual para com o aqui A.
O A. respondeu a todas as contestações (a fls. 399 e ss.), mantendo o alegado na petição inicial, defendendo a legitimidade de todas as RR., invocando que a competência material se encontra decidida com trânsito em julgado, e acrescentando que foi a Ré Associação de Futebol de D… quem celebrou o contrato de seguro directamente e, não sendo o limite de responsabilidade suficiente para cobrir todas as consequências decorrentes do acidente, é ela, também, responsável pelo mesmo.
As RR Companhias de Seguros E…, S.A. e F…, S.A. responderam à contestação da Ré Associação de Futebol de L… alegando que não foi celebrado qualquer contrato de seguro do ramo de acidentes de trabalho, mas sim seguro de acidentes pessoais (fls. 415-416).
Foi proferido despacho saneador em 2012.09.24 que absolveu da instância, por ilegitimidade passiva, as Rés H…-Companhia de Seguros, SA, Associação de Futebol de D…, Companhia de Seguros E…, SA, Companhia de Seguros F…, SA e I… Corretores de Seguros, SA.
Além disso, o mesmo despacho, afirmando que “nenhum dos pedidos formulados se integra, alguns pela sua natureza, outros (como o relativo a deslocações originadas pelo acidente de trabalho e pelos autos), nas prestações previstas na Lei 100/97” e que tal como disse em relação à ilegitimidade já decidida, “o regime especial dos acidentes de trabalho vincula os sinistrados e os responsáveis às prestações nelas previstas”, anunciou que ponderava o tribunal “fazer prosseguir os autos com selecção dos factos necessários a instruir uma decisão de aplicação da Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais – cfr. Lei 100/97 de 13 de Setembro”, absolvendo o R. Futebol Clube dos pedidos formulados e “aplicando aos factos a provar após selecção, o regime substantivo dos acidentes de trabalho” e facultou às partes, Autor e Ré Futebol Clube C…, o contraditório sobre tal questão, vindo a organizar os factos assentes e a base instrutória em despacho de 2013.10.28.
Interposto pelo A. recurso em separado do segmento decisório do despacho saneador que absolveu da instância, por ilegitimidade passiva, as Rés H… - Companhia de Seguros, SA, Associação de Futebol de D…, Companhia de Seguros E…, SA, Companhia de Seguros F…, SA e I… Corretores de Seguros, SA, veio este Tribunal da Relação, atenta a inexistência de decisão por parte do Tribunal a quo quanto à questão da legitimidade ou ilegitimidade da Ré G…, a determinar por decisão de 24 de Setembro de 2013, que a 1ª instância aprecie a questão da legitimidade quanto à referida Seguradora e profira decisão em conformidade.
Baixados os autos à 1ª instância, foi em 31 de Outubro de 2013 proferida nova decisão que, com idêntica fundamentação da anterior, julgou verificada a excepção da ilegitimidade também da Ré Companhia de Seguros G…, SA e a absolveu da instância.
Inconformado, o A. recorreu novamente e este Tribunal da Relação, por acórdão de 7 de Abril de 2014, documentado a fls. 345 a 356 do Apenso A concedeu parcial provimento ao recurso, decidindo:
A. Revogar a decisão recorrida na parte em que absolveu da instância, por ilegitimidade passiva, as RR. Associação de Futebol de D…, H…-Companhia de Seguros, SA, Companhia de Seguros E…, SA, Companhia de Seguros F…, SA, e Companhia de Seguros G…, SA que é substituída pelo presente acórdão considerando-as partes legítimas.
B. Confirmar a decisão recorrida no que se reporta à ilegitimidade da Ré I…-Corretores de Seguros, SA. [1]
Foi entretanto realizada junta médica em processo apenso, sendo aí decidido que o A. apresenta uma IPP de 5,91% decorrente das sequelas apresentadas, as quais são quantificáveis em termos de dor no grau 4 e em termos estéticos no grau 1, ambas numa escala crescente até 7.
Devolvidos os autos à 1.ª instância, o Mmo. Julgador a quo, considerando que o processo iria prosseguir para apreciação integral da pretensão deduzida pelo Autor (e pelo Instituto da Segurança Social, I.P.), no confronto com as Rés demandadas nas petições iniciais, à excepção da Ré I… – Corretores de Seguros, S.A., definitivamente absolvida da instância, readaptou a selecção da matéria de facto encetada no despacho de condensação processual de 2013.10.28 e elaborou nova selecção dos factos assentes e base instrutória, por despacho de 2014.10.31.
Realizado o julgamento, no qual as partes chegaram a acordo quanto a parte da matéria de facto em litígio, foi em 2015.06.17 proferido despacho de resposta à matéria de facto que não foi objecto de atempada reclamação e, após, o Mmo. Julgador a quo proferiu em 2015.06.19 sentença que terminou com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente e em consequência:
I - Condeno as Rés, E… – Companhia de Seguros, SA., Companhia de Seguros F…, SA., Companhia de Seguros G…, SA., e H… – Companhia de Seguros, SA., a pagarem ao autor, na proporção das respectivas responsabilidades, o montante indemnizatório devido por uma IPP de 4,43% (75% da IPP apurada ao abrigo da TNI), e com o limite máximo indemnizável de € 27.000,00, no valor de € 1196,10 (mil cento e noventa e seis euros e dez cêntimos), acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor, desde a citação até efectivo e integral pagamento
II - Condeno as rés, na proporção das respectivas responsabilidades, a pagarem ao autor as consultas no Centro de Saúde de …, Sub-Região de …, Extensão de … e os exames radiológicos, consulta externa, electromiografia e internamento no Hospital Distrital de …, de acordo com o valor mínimo do “K” definido pela tabela da ordem dos médicos para o acto médico em causa.
III - Absolvo todas as rés dos restantes pedidos formulados.
IV - Julgo totalmente improcedente o pedido de reembolso deduzido pelo Instituto da Segurança Social e, em consequência, dele absolvo todas as rés.
V - Custas na proporção do respectivo decaimento que se fixa em 1/10 favorável às rés Companhias de Seguros.
Notifique e Registe.
Valor da acção: € 100.822,15.
[…]
Na sequência de requerimento do R. Futebol Clube C… e das Companhias de Seguros E…, S.A. e F…, S.A., veio a ser proferido despacho rectificativo da sentença em 2015.09.09, determinando-se que passe a constar do ponto II da decisão o nome das rés referidas no ponto I.
*
1.2. O A., inconformado, interpôs recurso da sentença final, tendo formulado, a terminar as respectivas alegações, as seguintes conclusões:
“A. Vem o presente recurso interposto da matéria de facto e de direito da parte da douta sentença que ditou a improcedência parcial da respetiva ação.
B. Salvo o devido respeito que nos merecem a opinião e a ciência jurídica do Mm.º Juiz a quo, a decisão recorrida não poderá manter-se.
C. Desde logo, porque, em modesto entendimento do recorrente, o tribunal a quo errou na apreciação da matéria de facto, pois, mediante a prova produzida e as regras de experiência comum, impunha-se-lhe diferente resposta dada aos factos não provados vertidos nos artigos 2.º in fine, 26.º – A, 30.º – B, 30.º – D, 31.º, 32.º, 34.º e 35.º da Base Instrutória.
D. Na apreciação da matéria quesitada no art. 2.º da B.I., o tribunal a quo considera que, no momento do acidente, apesar de em representação do clube, o autor não atuava por conta, sob a direção efetiva e no interesse do C.... Revelando, assim, uma construção viciosa da decisão em crise, uma vez que os fundamentos referidos pelo Mmo. Juiz a quo conduzem necessariamente a uma decisão de sentido oposto à dada à parte final do quesito 2.º da BI.
E. Com efeito, no que tange à mesma matéria factual, é notório que é o próprio regulamento disciplinar da Associação de Futebol de D... do ano de 2006, acessível em www.D....pt, a impor inúmeras cominações disciplinares para os jogadores amadores, como por exemplo a pena disciplinar para o jogador amador que, com vista à mesma época desportiva, assine boletim de inscrição com mais de um clube (cfr. Artigo 104.º, nº1, al. b)).
F. De resto, mediante toda a prova produzida nos autos, impunha-se uma resposta integralmente positiva ao quesito em causa, como se pode comprovar pelo registo fonográfico dos depoimentos de parte prestados por N..., O..., P..., Q...; dos depoimentos prestados pelas testemunhas S..., T..., U..., V...; e ainda das declarações de parte do autor/recorrente, todos supra devidamente identificados.
G. Por seu turno, impunha-se dar como integralmente provada a matéria vertida nos quesitos 26.º – A, 30.º – D, 31.º e 32.º da B.I., mediante as regras de experiência comum e mediante a prova conferida pelas declarações de parte do autor/recorrente e pelos depoimentos prestados pelas testemunhas que de perto privam e privavam com o autor: U..., V... e W....
H. Igualmente se impunha dar como integralmente provada a matéria vertida no artigo 30.º-B da B.I., mediante a prova conferida pelas declarações de parte do autor/recorrente e pelos depoimentos prestados pelas testemunhas U..., X... e W....
I. Para prova da matéria vertida nos artigos 34.º e 35.º da B.I., o autor/recorrente apresentou prova testemunhal e carreou para os autos, por requerimento autónomo de 26-06-2012, os recibos de vencimento referentes aos respetivos períodos, ali identificados como Docs. 52 (de novembro de 2009) e 53 (de março de 2010).
J. Porém, tanto a resposta à matéria de facto como a sentença em crise é totalmente omissa quanto à apreciação que o tribunal faz desse recibos de vencimento juntos aos autos, e que fazem prova direta dos factos vertidos nos artigos 34.º e 35.º da B.I. – o aumento de vencimento de que beneficiou o autor/recorrente e o respetivo quantum.
K. O tribunal a quo omitiu assim o dever de exame crítico desses documentos que lhe cumpria conhecer, como determina o n.º 4 do artigo 607.º do Código de Processo Civil (CPC).
L. Os sobreditos artigos 34.º e 35.º da BI são dados como não provados sem que o tribunal a quo especifique, por qualquer meio, a fundamentação da decisão.
M. Acresce que a mesma matéria foi confirmada pelo autor/recorrente em sede de declarações de parte e pelo depoimento prestado pelo seu pai, U..., embora este não tenha conseguido concretizar o quantum da retribuição do seu filho, o que é normal, mas asseverando com firmeza que este fora aumentado.
N. Pelo que também aos quesitos 34.º e 35.º da B.I. se impunha resposta integralmente positiva.
O. Por força do D.L. 146/93 de 26 de Abril, o legislador pretendeu, ao instituir o seguro desportivo obrigatório para a modalidade de futebol, proteger os praticantes desportivos, pelos naturais riscos que a actividade exercida comporta, de modo a prevenir o perigo das vítimas não obterem o ressarcimento e, assim, assegurar que as pessoas seguras pelo mesmo, efectivamente usufruam de uma cobertura.
P. Face aos pedidos formulados pelo A. na sua P.I., ficou o A. sem qualquer ressarcimento, nomeadamente, quanto aos danos morais por si sofridos, quanto às despesas que suportou com as diversas deslocações que fez para os tratamentos e consultas que efectuou, quanto ao montante das restribuições que deixou de auferir no período em que ficou impossibilitado de exercer a sua actividade profissional, bem como pelas despesas que teve com o envio de cartas registadas com A.R. nomeadamente para algumas das Rés nos presentes autos.
Q. Ainda quanto ao cálculo da indemnização devida pela I.P.P. efectuado pelo douto Tribunal a quo, sempre se dirá que o montante apurado pelo douto Tribunal a quo ficou muito aquém do peticionado pelo A. a este título.
A) Questão dos danos morais
R. Entendeu o douto Tribunal a quo na sua douta sentença ora sob recurso, no que se refere à questão dos danos morais, sufragando o entendimento do Venerando Tribunal da Relação de Guimarães no seu acórdão de 15.01.2015, que: “ nada é devido ao autor a título de danos morais”.
S. Embora se respeite o entendimento de tal referido Acórdão daquela Relação de Guimarães, o aqui A./ Recorrente não pode concordar com o mesmo considerando, aliás, o teor dos Acórdãos que infra se citam a este respeito
T. O A. entende que tais danos morais devem ser incluídos na cobertura do referido contrato de seguro desportivo, a coberto do qual o A. jogava, na sua parte referente ao pagamento de um capital pela invalidez permanente que ali é garantido.
U. Tal cobertura resulta das condições particulares e gerais das apólices quer da Ré E... (pelo montante de capital pela invalidez permanente de 27.000,00€), quer da Ré H..., então M... (pelo montante de capital pela invalidez permanente de 105.000,00€), ambas constantes dos autos, sendo que nenhuma das referidas apólices referem qualquer exclusão da cobertura dos danos não patrimoniais sofridos.
V. Corresponde tal cláusula das condições particulares da apólice em causa ao referido no artigo 4.º daquele Decreto-lei 146/93 de 26 de Abril, o qual refere que: “ As coberturas mínimas abrangidas pelo seguro desportivo de grupo são as seguintes: a) Pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente de actividade desportiva;
W. Tem a Jurisprudência entendido ser de inserir em tal previsão do art.º 4, n.º 1, al. a) daquele D.L. e no campo referente a “ pagamento de um capital por (...) invalidez permanente” e de entender-se que assim o pretendeu consagrar o legislador, os referidos danos morais, devendo, de igual modo, o sinistrado ser ressarcido pelos mesmos, porquanto ali não é feita qualquer distinção quanto à natureza dos danos a coberto- conforme Ac. do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, de 09-07-2014, Processo n.º 1118/2002.L1-2, Relator, Olindo Geraldes; Ac. do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, Processo 165/06.8TBGVA.C1, Relator: Teles Pereira, de 08-09-2009; Ac. do Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, de 14-04-2015, Relator Isabel Silva, Processo 815/11.4TBCBR.C1, nas suas partes supra referidas, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
X. Assim, sempre se entende ser de ressarcir o A. também pelos danos morais por si sofridos e peticionados na P.I. (nomeadamente pelas dores físicas que sofreu, abalo moral, dano estético, entre outros – vide nomeadamente factos provados 20,25, 31, 32, 33, e 34 constantes da douta Sentença, bem como os quesitos 26.º-A, 30.º-B e 30.º-D, aqui sob impugnação quanto à resposta atribuida aos mesmos pelo douto Tribunal a quo), devendo proceder o pedido formulado pelo A. na sua P.I. a este título.
B)
i) Das despesas com as deslocações que o A. fez para tratamentos e consultas:
Y. O A. peticionou, ainda, no âmbito da sua P.I., as despesas que teve de suportar com as diversas deslocações que fez para os tratamentos e consultas - factos provados n.º 10., 11., 12., 13., 14., 15., 22., 23. e 24..
Z. O D.L. 146/93 de 26 de Abril, na sua alínea b) do n.º 1 do art.º 4.º, refere que constitui de igual modo cobertura mínima do seguro desportivo b) pagamento de despesas de tratamento, incluindo internamento hospitalar (…), sendo que nesta parte as condições particulares das apólices fixam um capital máximo de 4.800,00€.
AA. Sempre se terá de incluir em tal cobertura, de igual modo, as referidas despesas de deslocações que o A. teve de suportar.
AB. A cobertura de tais deslocações resulta ainda do próprio teor das condições particulares, especiais e gerais das duas apólices referentes ao aqui A.. - vide capítulo I, art.º 1.º, al. l) das mesmas e art. 1.º, n.º 2 :” consideram-se também incluídas as despesas de deslocação ao médico, hospital, clínica ou posto de enfermagem (...)”.
AC. Veja-se, ainda, a este respeito, o douto Ac. Do Tribunal da Relação de Lisboa, Processo n.º 1118/2002.L1-2, de 09-07-2014, relator Olindo Geraldes, na sua parte supra transcrita.
AD. Motivo pelo qual, deve, de igual modo, proceder os pedidos formulados pelo A. nesta parte e nesta conformidade na sua P.I..
ii) Das retribuições que deixou de auferir
AE. Conforme resultou provado nos autos no facto provado n.º 25. o A. ficou totalmente impossibilitado de exercer a sua referida actividade profissional e qualquer outra, até 10 de Setembro de 2008; e de 14.12.2009 até 18.01.2010 e - facto provado n.º 36- À data do sinistro o Autor exercia as funções de metalúrgico, com o vencimento- base mensal de € 525,00.
AF. Nas presentes alegações, pugna-se, ainda, em sede de impugnação da matéria de facto, supra, pela atribuição da resposta de provado aos quesitos n.º 34 e 35 da B.I. pelo que se consideram também aqui tais factos.
AG. Na petição Inicial, o A. peticiona, a este título, o montante de 701,35€, bem como o montante de 521,16€.
AH. Entende-se que tal dano patrimonial sofrido pelo A. merece a tutela do direito e, bem assim, ser o A. ressarcido do mesmo, motivo pelo qual, enquadrando na responsabilidade das Rés, sempre se entende que devem as mesmas de igual modo serem condenadas ao seu pagamento ao A..
AI. Na apólice de seguro da aqui Ré H... – companhia de seguros, S.A., anterior M..., nas suas condições particulares é dada cobertura à incapacidade temporária absoluta, com um capital de 40,00€/dia nos termos constantes do art.º 22.º, n.ºs 1 e 3 das suas condições gerais.
AJ. O mesmo se alcança, ainda, do teor das condições especiais da apólice de seguro da aqui Ré E..., no seu título: “ INCAPACIDADE TEMPORÁRIA”,“ Artigo único – Âmbito da Garantia”.
AK. O período de incapacidade temporária absoluta sofrido pelo A. é inferior aos referidos 360 dias de limite de cobertura definidos pelas condições gerais da apólice.
AL. Pelo que se reitera o pedido já formulado pelo A. na sua P.I. a este título, pelo que devem as Rés serem condenadas ao pagamento de tal quantia peticionada pelo A. a este título.
iii) Das despesas com o envio de cartas registadas com A.R. Para as Rés.
AM. No que concerne às despesas suportadas pelo A. referentes a cartas registadas com A.R. Enviadas por este para algumas das Rés nos presentes autos as mesmas resultam do artigo 37. dos factos provados.
AN. Ora, tendo tais despesas resultado directa, necessária e adequadamente do acidente dos autos, conforme resultou provado, sempre se entende que devem também as Rés ser condenadas ao seu pagamento, ressarcindo, assim, o A. pelas mesmas, o que se requer, muito respeitosamente, a V. Exas..
C) Do errado Cálculo da indemnização devida pela I.P.P. De que padece o A..
AO. Na douta Sentença recorrida,multiplicando a I.P.P. apurada de 4,43% pelo capital alegadamente previsto para Invalidade permanente de 27.000,00€, o douto Tribunal a quo encontrou o montante de 1.196,10€.
AP. Ora, salvo o devido respeito, não pode o A. concordar, por qualquer forma, com o cálculo de indemnização devida pela I.P.P. de que padece o A. efectuado pelo douto Tribunal a quo. Senão Vejamos:
i)
AQ. Ora, o douto Tribunal a quo, citando o teor do contrato de seguro da E... na sua parte referente à Invalidez Permanente, considerou unicamente 75% da I.P.P. do A. (4,43%) para efeitos de cálculo da indemnização,citando o teor do art. 3.º, n.º 4 das condições especiais da apólice AR. Tal cláusula contratual é, salvo o devido respeito, violadora das normas imperativas do D.L. 146/93 e bem assim das garantias que tal D.L. oferece, bem como das do D.L.352/2007 de 23-10, afigurando-se nula, nulidade que aqui se invoca para os devidos e legais efeitos.
AS. Entende-se que tendo sido apurada uma I.P.P. de 5,91% ao A., após junta médica realizada por médicos peritos tendo por base a Tabela Nacional de Incapacidades, é por esta I.P.P. que deve o mesmo ser ressarcido nos precisos termos em que a lei assim o configurou no referido D.L., e não por outra.
AT. Veja-se o douto Ac. Do Tribunal da Relação de Coimbra, Processo n.º 815/11.4TBCBR.C1, de 14-04-2015, Relator: Isabel Silva, disponível in www.dgsi.pt, nas suas partes supra transcritas.
AU. Ora, considerando que o teor de tal D.L. 352/2007 é de carácter imperativo, e tendo a I.P.P. do A. sido avaliada pelos srs. Médicos peritos à luz do referido D.L., não podem as partes, ao contrário do que faz a Ré seguradora E... no seu contrato de seguro, fixar livremente formas de cálculo de desvalorização e respetivas percentagens para efeitos de indemnização por dano corporal, por tal matéria não estar na esfera da disponibilidade das partes.
AV. Deve o cálculo da indemnização devida pela I.P.P. ter por base a percentagem de I.P.P. apurada nos autos de 5,91% o que se requer, muito respeitosamente a V.Exas. para os devidos e legais efeitos.
ii)
AW. O douto Tribunal a quo considerou unicamente o teor da apólice de seguro referente à Ré E..., considerando unicamente, o montante de capital de 27.000,00€ ali definido como cobertura de Invalidez Permanente.
AX. Ora, considerando o teor do facto provado n. 2, a existência de contrato de seguro em regime de co-seguro, refira-se que dos autos consta das condições particulares da apólice da Ré H..., então M..., que esta garante uma cobertura para invalidez permanente no valor de 105.000,00€, isto é, superior à cobertura ou capital definido na apólice da Ré E....
AY. Pelo que deve tal referido capital garantido desta apólice, de 105.000,00€ a este título, ser considerado também para efeitos do cálculo da indemnização devida pela I.P.P., o que, desde já, se requer, muito respeitosamente, a V.Exas..
iii)
AZ. Por fim refira-se, a este respeito, que não pode, ainda, o A. concordar com a fórmula de cálculo usada pelo douto Tribunal a quo para efeitos de atribuição de indemnização pela I.P.P. de simples multiplicação, sem mais.
BA. Pelo critério de cálculo usado pelo douto Tribunal a quo sempre se chegaria ao mesmo resultado, quer o sinistrado tivesse 19 anos, como no caso dos autos, quer o sinistrado tivesse, salvo o devido respeito, 70 anos.
BB. Ora, a indemnização a pagar pela diminuição da capacidade para o trabalho (IPP) do lesado, in casu, do A., deve "representar um capital que se extinga no fim da sua vida activa e susceptível de garantir as prestações periódicas correspondentes à sua perda de ganho"– vide, nomeadamente, Ac. do S.T.J. de 09.01.1979, publicado no BMJ 283º, pág. 260.
BC. Significa isto, que, nomeadamente, a idade do lesado é sempre um factor a relevar no cômputo de tal indemnização, bem como o tempo de vida activa que lhe espera.
BD. Ora, na P.I. do A., no artigo 37.º da mesma, o A. refere ali a fórmula de cálculo a este título proposta pelo venerando T.R.C., no douto Ac. De 04 de Abril de 1995, publicado na Colectânea de Jurisprudência, ano XX, tomo II, pág. 23, a qual se dá aqui por integralmente reproduzida e integrada para os devidos e legais efeitos, por ser a que o A. defende.
BE. No entanto, sabe-se agora nos autos a I.P.P. de que os médicos peritos entenderam padecer o A., de 5,91%.
BF. Assim, recorrendo à mesma fórmula, nos precisos termos formulados na P.I. pelo A., alcança-se o montante de 17.407,21€, a este título de perda de capacidade aquisitiva, o qual se considera como justo e equitativo face às circunstâncias do caso concreto e face às sequelas que resultaram para o A. do acidente dos autos e que constam provadas nos mesmos.
BG. Sendo que tal montante encontra cobertura nos montantes de capital fixados na apólice de seguro supra referidos, pelo que sempre se entende deverem e, assim, se requer, as Rés ser condenadas ao pagamento de tal quantia de 17.407,21€ a este título de indemnização pela IPP.
D)
BH. O acidente sub judice ocorreu durante um jogo oficial da responsabilidade da ré Associação de Futebol de D..., e em que o autor atuava em representação, sob autoridade e direção da ré Clube C... e com vista a formalizar um contrato de trabalho com o clube.
BI. Como tal, deve ser reconhecido o efetivo vínculo jurídico que subordinava o autor à ré Clube C... e condenar-se esta no pedido, em subsidariedade da responsabilidade pelos danos cobertos pelo seguro que beneficia o autor.
BJ. A douta decisão do Tribunal “a quo”, na parte supra identificada e aqui objeto de recurso, violou, nomeadamente, o disposto nos art.ºs 607.º, n.º 4 do C.P.C., o disposto, nomeadamente, nos artigos 1.º, 2.º e 4.º do D.L. 146/93 de 26 de Abril; o disposto no D.L. 352/2007, de 23-10, e o disposto, nomeadamente, no artigo 6.º do D.L. 10/2009 de 12 de Janeiro, violação que desde já se invoca, para os devidos e legais efeitos.
IV. PEDIDO
Termos em que, no provimento da presente apelação, deve a sentença recorrida, na sua parte supra identificada e aqui objeto de recurso, ser revogada e substituída por douto acórdão que altere a decisão quanto à matéria dos factos vertidos nos artigos 2.º in fine, 26.º – A, 30.º – B, 30.º – D, 31.º, 32.º, 34.º e 35.º da Base Instrutória – julgando-a como integralmente provada – e lhe aplique corretamente o Direito, nos termos supra expostos, julgando, a final, a ação totalmente procedente, por provada, com todas as demais consequências legais daí advenientes.”
1.3. As RR. Companhia de Seguros E…, S.A. e Companhia de Seguros F…, S.A. responderam à alegação do A. nos termos de fls. 761 e ss., defendendo a improcedência do recurso e manutenção da sentença recorrida. As demais RR. não apresentaram contra-alegações.
1.4. Foi lavrado despacho de admissão do recurso em 26 de Novembro de 2015.
A Exma. Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido de que a matéria de facto deve manter-se inalterada e de ser negado provimento ao recurso (fls. 770 e ss.), parecer sobre o qual se pronunciou o A., concluindo como nas alegações da apelação.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
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O âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões do recorrente – artigos 635.º, n.º 4 e 639.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil aplicáveis “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – ressalvadas as questões de conhecimento oficioso.
Assim, vistas as conclusões do recurso, verificamos que a este tribunal se colocam essencialmente as seguintes questões, que elencamos por ordem lógica da sua apreciação:
1.ª – da sindicância da decisão de facto no que diz respeito às respostas aos pontos 2.º in fine, 26.º- A, 30.º-B, 30.º-D, 31.º, 32.º, 34.º e 35.º da base instrutória;
2.ª – saber se entre o recorrente e o R. Futebol Clube C… se firmou um vínculo susceptível de responsabilizar este R., ainda que subsidiariamente, pela reparação do acidente sofrido pelo recorrente no dia 17 de Maio de 2008;
3.ª – saber se, no âmbito das relações contratuais emergentes de seguro desportivo, a R. Companhia de Seguros H…, S.A. pode ser responsabilizada nesta acção pelo pagamento de valores indemnizatórios de montantes superiores ao capital definido na apólice do co-seguro celebrado entre a Associação de Futebol de D… e todas as RR. seguradoras;
4.ª – saber se devem ser incluídos na cobertura do contrato de seguro desportivo os danos não patrimoniais, as despesas de deslocação para tratamentos e consultas, as retribuições que o A. deixou de auferir enquanto esteve impossibilitado de exercer a sua actividade profissional e as despesas com o envio de correspondência que remeteu para as RR.;
5.ª – saber se a cláusula 3.ª, n.º 4 das condições especiais da apólice documentada a fls. 328 e ss., ao determinar se considere para o cálculo da indemnização por invalidez permanente apenas a percentagem de 75% da IPP efectivamente sofrida, padece de nulidade, com a consequência de o cálculo da indemnização devida ter por base a percentagem de 5,91% de IPP apurada face à Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo Decreto-Lei n.° 352/2007, de 23 de Outubro;
6.ª – do cálculo da indemnização por incapacidade permanente.
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Preliminarmente, e para situarmos em termos materiais a intervenção desta jurisdição laboral na análise e decisão das questões suscitadas, é importante fazer uma sucinta referência às vicissitudes por que passou o caso sub judice no que diz respeito à competência em razão da matéria.
O A. ora recorrente, B…, começou por propor na jurisdição comum a acção declarativa de condenação com o número 325/09.0TBOAZ) contra as RR. e que o tribunal da jurisdição comum – o 3º Juízo Cível do então Tribunal da Comarca de Oliveira de Azeméis – veio a declarar-se incompetente em razão da matéria, por decisão de 30 de Outubro de 2009 que foi confirmada por Acórdão da Relação do Porto de 22 de Fevereiro de 2010 (vide fls. 94 e ss. dos autos de conflito de competência apensos, com o n.º 81/11.1YFLSB).
Despolotou então o A. a presente acção especial emergente de acidente de trabalho no Tribunal do Trabalho de Oliveira de Azeméis em 8 de Junho de 2010 (vide fls. 26), vindo o Tribunal do Trabalho de Oliveira de Azeméis a julgar-se também incompetente em razão da matéria por decisão de 3 de Março de 2011 (vide fls. 150 e ss.).
Tendo sido suscitado conflito negativo de competência material entre o 3º Juízo Cível do Tribunal de Oliveira de Azeméis, que se julgou materialmente incompetente para a acção ali intentada nos termos já referidos, e o Tribunal do Trabalho de Oliveira de Azeméis, que igualmente se julgou incompetente em razão da matéria pela aludida decisão de 3 de Março de 2011, veio tal conflito a ser dirimido por decisão do Exmo. Sr. Presidente do Tribunal da Relação do Porto de 02 de Novembro de 2011 que considerou ser o Tribunal do Trabalho materialmente competente para a acção, remetendo a sua fundamentação para o teor do citado acórdão da Relação do Porto de 22 de Fevereiro de 2010 que igualmente havia subscrito como adjunto (fls. 241 e ss. dos autos de conflito de competência apensos com o n.º 81/11.1YFLSB)[2].
Prosseguindo estes autos, e na sequência do já aludido recurso interposto do despacho saneador em que se absolveram da instância, por ilegitimidade passiva, as RR. seguradoras e Associação de Futebol de D… e se considerou que a matéria em discussão se cingia, estritamente, às questões jurídicas previstas na Lei de Acidentes de Trabalho, o acórdão desta Relação de 7 de Abril de 2014 (fls. 345 a 356 do Apenso A), revogou parcialmente aquele despacho saneador nos termos já apontados e teceu, além do mais, as seguintes considerações:
“[…]
O Tribunal do Trabalho é o materialmente competente para conhecer das ações que têm por objeto questões emergentes de acidente de trabalho (art. 85º, al. c), da Lei 3/99, de 13.01), questões estas que são as que emergem da Lei 100/97, na qual se define o que é acidente de trabalho e quem por ela é abrangido, incluindo pois, as questões decorrentes de contrato de seguro de acidentes de trabalho. Já quanto à responsabilidade pela reparação de dano proveniente de acidente desportivo, não configurável como acidente de trabalho à luz da Lei 100/97, e ao conhecimento das questões emergentes de contrato de seguro desportivo, essa competência não está abrangida pela citada norma [art. 85º. al. c)].
Acontece porém que o mencionado acórdão da Relação do Porto de 22.02.2010, confirmado por decisão proferida no conflito (negativo) de competência, declinou a competência material do tribunal cível, atribuindo-a ao Tribunal do Trabalho, nele se referindo, para além do mais, o seguinte: “ (…) a ser assim, mesmo no âmbito daquele contrato (experimental, dissemos nós) o A Autor não auferisse qualquer remuneração nem por isso aquele acordo poderá deixar de ser enquadrado nos limites de uma relação de trabalho, dada não só o estabelecimento de uma subordinação jurídica do Autor em relação ao 1º Réu, isto no que tange ao exercício da actividade desenvolvida por aquele, mas também atendendo aos fins para que foi estabelecido, ou seja, para eventual e posterior formalização de um contrato de trabalho. (…) Por conseguinte, mesmo que o litígio em apreço não possa ser dirimido em função das disposições previstas na Lei 28/98, de 26/6, nem por isso poderá deixar de ser resolvido no âmbito das regras gerais aplicáveis ao contrato de trabalho e bem assim das normas processuais que lhes estão conexas – (…)”.
Ora, e pese embora o A., na ação proposta no tribunal cível, haja invocado o contrato de seguro desportivo celebrado entre a Ré Associação de Futebol de D… e as RR. Seguradoras (E…, F…, H… e G…), e neste fundamentado a responsabilidade das mencionadas RR., a verdade é que esse tribunal declinou a sua competência material para conhecer da reparação dos danos emergentes do acidente em causa, incluindo pois a questão da eventual reparação ao abrigo e/ou com fundamento no contrato de seguro desportivo, competência essa que, como referido, foi cometida ao Tribunal do Trabalho, que neste se fixou e que não pode agora ser posta em causa.
[…]» (sublinhados da nossa autoria).
Prossegue depois o aresto afirmando que, não obstante serem diferentes a responsabilidade com fundamento no contrato de seguro desportivo e a responsabilidade emergente da Lei 100/97, tendo sido definitivamente fixada a competência material do Tribunal do Trabalho, foi excluída a do tribunal cível para a apreciação da primeira das referidas responsabilidades, pelo que a “recusa”, agora pelo Tribunal do Trabalho, do conhecimento dessa eventual responsabilidade com fundamento na ilegitimidade processual das RR. poderia redundar em “situação equiparável à de eventual denegação de acesso à justiça/tribunais no que àquela responsabilidade se reporta”, razão por que conclui pela legitimidade das RR. seguradoras e Associação de Futebol de D….
Assim, por força do Acórdão da Relação do Porto de 12 de Novembro de 2011, fixou-se definitivamente nesta jurisdição laboral a competência para conhecer dos pedidos formulados pelo A. na presente acção por si instaurada com vista à reparação do acidente sofrido no dia 17 de Maio de 2008, ainda que tal reparação encontre o seu fundamento, exclusivamente, em responsabilidade emergente de relações contratuais de seguro desportivo estabelecidas entre as RR. seguradoras ora recorridas e a R. Associação de Futebol de D….
Em face do comando constitucional constante do artigo 20.º da Constituição da Republica Portuguesa, de outro modo não podia ser. Como referem Jorge Miranda e Rui Medeiros, "[o] direito ao processo, conjugado com o direito à tutela jurisdicional efectiva, impõe, por conseguinte, a prevalência da justiça material sobre a justiça formal, isto é, sobre uma pretensa justiça que, sob a capa de «requisitos processuais», se manifeste numa decisão que, afinal, não consubstancia mais do que uma simples denegação de justiça"[3]
Cabe pois a esta Secção Social competência para conhecer de matéria cível.
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3. Fundamentação de facto
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3.1. A primeira questão a analisar no recurso situa-se no âmbito da matéria de facto, uma vez que o recorrente impugnou a decisão de facto da 1.ª instância no que diz respeito aos factos submetidos à instrução nos artigos 2.º in fine, 26.º – A, 30.º – B, 30.º – D, 31.º, 32.º, 34.º e 35.º da Base Instrutória.
Na reapreciação da decisão de facto pelo Tribunal da Relação, no âmbito dos poderes conferidos pelo artigo 662.º do Código de Processo Civil, o que é proposto ao tribunal de segunda instância não é que proceda a um novo julgamento – desprezando o juízo formulado na primeira instância sobre as provas produzidas e a expressão do processo lógico que conduziu à pronúncia sobre a demonstração (ou não) dos factos ajuizados –, mas que, no uso dos poderes próprios de tribunal de recurso, averigúe – examinando a decisão da primeira instância e respectivos fundamentos, analisando as provas gravadas e procedendo ao confronto do resultado desta análise com aquela decisão e fundamentos – se o veredicto alcançado pelo tribunal recorrido quanto aos concretos pontos impugnados assentou num erro de apreciação.
Assim, tendo em consideração que constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os referidos pontos da matéria de facto, por terem sido gravados os meios de prova oralmente produzidos perante o tribunal a quo, e que o recorrente cumpriu de modo suficiente os ónus de impugnação prescritos no artigo 640.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil de 2013 (já em vigor à data da apresentação das alegações de recurso), pois indicou os factos de cuja decisão discorda, bem como os concretos meios de prova que na sua perspectiva sustentam diferente decisão e a decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre a questão de facto impugnada, conhecer-se-á do recurso interposto apreciando-se a argumentação do recorrente no sentido de ser alterada a decisão que ficou a constar dos assinalados pontos da matéria de facto.
Vejamos, pois.
3.1.1. Quanto ao artigo 2.º in fine da base instrutória
O teor do artigo 2.º era o seguinte:
2.º - No dia 17 de Maio de 2008, cerca das 16h00m o Autor encontrava-se a participar num jogo oficial do campeonato de juniores – 1.ª divisão, no Campo de Treino n.º .., no Estádio do …, sito em …, Oliveira de Azeméis, por conta, sob a direcção efectiva e no interesse do referido Futebol Clube?
A este artigo o tribunal recorrido deu a seguinte resposta: “Provado até “Azeméis”.
O recorrente começa por alegar que o tribunal a quo revelou uma construção viciosa da decisão em crise e que os fundamentos referidos pelo Mmo. Juiz conduzem necessariamente a uma decisão de sentido oposto à dada à parte final do quesito 2.º. Alega também ser notório que é o próprio regulamento disciplinar da Associação de Futebol de D… do ano de 2006, acessível em www.D....pt, a impor inúmeras cominações disciplinares para os jogadores amadores, como por exemplo a pena disciplinar para o jogador amador que, com vista à mesma época desportiva, assine boletim de inscrição com mais de um clube (cfr. Artigo 104.º, nº1, al. b)).
No fundo está em causa a circunstância de se ter dado como não provado que o autor actuava “por conta, sob a direcção efectiva e no interesse” do Futebol Clube C… no momento em que foi vítima do acidente objecto dos autos.
Lendo este excerto do ponto da base instrutória em causa, a primeira observação que se impõe é a de que o mesmo encerra matéria que deve reputar-se de conclusiva. Com efeito, embora naquela questão não se indague expressamente se havia uma relação laboral entre as partes, como diz o recorrente, o certo é que não pode dar-se como provado na matéria de facto que o acidente ocorreu quando o A. trabalhava “por conta” e “sob a direcção efectiva e no interesse” do Clube, uma vez que no contexto em causa as referidas expressões integram também o thema decidendum desta acção em que, além do mais, se discute a natureza da relação estabelecida entre o A. e o Futebol Clube C…, envolvendo, por isso, uma questão de direito que não pode ser directamente resolvida através da matéria de facto.
Embora as referidas expressões possam ser utilizadas na linguagem comum para traduzir uma realidade fáctica e, nessa medida, possam, em certas circunstâncias, ser consideradas como matéria de facto, isso não sucede quando, numa acção em que se pretende a reparação de danos emergentes de um acidente, é essencial para a sua resolução saber se o sinistrado se mostrava adstrito, ou não, a um vínculo susceptível de fazer desencadear as consequências reparatórias previstas na Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro ou se a reparação tem o seu fundamento em contratos de seguro desportivo celebrados entre a Associação de Futebol de D… e as seguradoras demandadas, com as estritas consequências resultantes do neles convencionado.
Ora, apenas os factos são objecto de prova – cfr. os artigos 341.º do Código Civil e 410.º do Código de Processo Civil.
E por isso o artigo 607.º, n.º 3 do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013 prescreve que na sentença deve o juiz "discriminar os factos que considera provados” e o n.º 4 do mesmo preceito dispõe que "[n]a fundamentação da sentença o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que foram admitidos por acordo, provados por documento ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou pelas regras de experiência".
Segundo o artigo 663º, n.º 2 do Código de Processo Civil de 2013, na elaboração do acórdão, observar-se-á, na parte aplicável, o preceituado nos artigos 607.º a 612.º, pelo que o comando normativo do artigo 607.º relativo à discriminação dos factos se aplica, também, ao Tribunal da Relação, impedindo-o de fundar o seu juízo sobre afirmações constantes do elenco de facto que se traduzam em juízos valorativos ou de direito, maxime se os mesmos se apresentam como determinantes do sentido a dar à solução do litígio. Só acontecimentos ou factos concretos podem integrar o elenco de facto.
Assim, bem andou o tribunal da 1.ª instância ao não dar como provado aquele excerto do artigo, 2.º da base instrutória, atitude que se impõe, também a este Tribunal, da Relação.
Tal não significa que não devesse o Mmo. Julgador a quo, na medida do possível, fazer constar da decisão de facto, caso se provassem, factos susceptíveis de constituir concretização daqueles conceitos.
Ora, tendo-se procedido à audição da prova pessoal produzida[4] e analisando especialmente a assinalada pelo recorrente, verifica-se que não há dissenso relevante entre os depoimentos de parte e as testemunhas ouvidas, podendo retirar-se da análise crítica e conjugada dos mesmos que quando sofreu o acidente o A. integrava uma equipa do Futebol Clube C…, jogando em nome deste Clube e cumprindo as instruções do seu treinador.
Assim, e quanto aos depoimentos de parte, o representante do R. Futebol Clube C…, Y…, confirmou que o autor teve a lesão quando jogava “com as cores” do C…, “pelo nosso clube”, e explicou que o mesmo representava o clube mas não tinha qualquer contrato com este, nem recebia qualquer quantia do clube, que obedecia às ordens do treinador e que quando os jogadores chegam ao final da época desportiva podem transferir-se para qualquer clube e se o atleta quiser deixar de jogar pode fazê-lo. Segundo explicou, trata-se de jovens que gostam de jogar futebol. Disse ainda que as deslocações dos atletas eram feitas em carrinhas do clube e que muitas vezes os jogadores comparticipam nas despesas do clube para praticar a modalidade dentro dele.
Também O… (presidente da ré Associação de Futebol de D… que depôs em seu nome) referiu que a Associação de Futebol de D… tem o registo de todos os atletas e que o autor era à data jogador do C…, nada adiantando quanto a saber os termos em que o mesmo ali desenvolvia a modalidade.
Quanto a P… (legal representante da ré F… e responsável da área de sinistros graves do Porto) e Q… (profissional de seguros que trabalha no sector de contencioso da R. G… e também a representa), não demonstraram qualquer conhecimento relevante nesta matéria, como assinalou a 1.ª instância, não se compreendendo por que razão o recorrente invocou os seus depoimentos para sustentar uma alteração da resposta ao artigo 2.º na apelação. Também Z…, legal representante da R. H…, S.A. que igualmente ouvimos, apesar de não indicada, nada adiantou quanto à matéria do artigo 2.º da base instrutória.
No que diz respeito à testemunha S… (secretário-geral da associação de futebol de D… desde 2011, coordenador da actividade desportiva da Associação), disse o mesmo que recolheu informação relacionada com a situação do A. quando soube que ia ser testemunha e consultou a ficha de inscrição do autor e ainda o registo interno dos jogadores inscritos com o competente seguro desportivo. Esclareceu que o B… estava inscrito na Associação pelo Clube de Futebol C… como atleta amador e estava abrangido pelo seguro desportivo da associação nessa época desportiva, seguro que é obrigatório na prática da actividade desportiva amadora e que a associação disponibiliza aos seus associados. Informou que se o jogador fosse profissional teria que ter um contrato de seguro próprio para profissionais, caso contrário não seria aceite pela Associação de Futebol de D…. É certo que esta testemunha respondeu afirmativamente quando lhe foi perguntado pelo Exmo. Mandatário do recorrente se o B…, quando se sinistrou, “estava a jogar por conta, sob a direcção efectiva e no interesse do respectivo clube C…”, mas logo explicou a sua razão de ciência: é “porque, como digo, os promotores do espectáculo são os clubes”. Ora, não só a pergunta tinha um significado jurídico muito próprio, o que inquina desde logo uma resposta da testemunha meramente afirmativa e sem qualquer explicação concretizadora, como a razão adiantada pela testemunha para aquela resposta denota que a sua conclusão (pois que de uma afirmação conclusiva se trata) resulta, não de um conhecimento que tivesse do tipo de relação que se estabeleceu e desenvolveu entre o clube e o A., mas do facto de ser o clube a promover o espectáculo, o que nada adianta sobre o tipo de relações que se estabelece entre o clube e os atletas que participam nos jogos.
Já T… (coordenador de formação do Clube de Futebol C… em várias épocas, embora não na época desportiva em que ocorreu o sinistro) referiu de modo claro e convincente que o A. foi atleta federado do clube, que cumpria horários de jogos e de treinos, bem como as ordens dos treinadores. Mas explicou, também, que o C… “nunca tirou partido dum qualquer atleta seu da formação”, que nunca nenhum foi “vendido ou transferido”, que os pais põem os filhos a jogar no clube porque é um local adequado, onde podem praticar desporto relevando “a parte educacional e de formação” e que o futebol, como todo o desporto, tem regras que todos têm que cumprir, bem como há regras de “boa educação” e de “utilização das instalações”. Referiu ainda que o clube nunca pagou nada a um jogador para jogar nos juniores e que hoje em dia, por força das dificuldades do clube, os jogadores até pagam a inscrição e uma mensalidade.
No que diz respeito à testemunha U…, pai do A., é certo que confirmou genericamente o teor conclusivo do artigo 2º da base instrutória, o que fez nas várias vezes em que lhe foi perguntado, mas, descendo ao concreto dos factos, demonstrou saber que o filho estava “vinculado ao clube e a jogar pelo C…”, que o treinador lhe dava ordens e impunha disciplina, que o filho não ganhava nada e que falou com pessoas ligadas ao clube que lhe disseram que o filho tinha jeito e era depois para lá ficar nos seniores, já a ganhar. Neste contexto, as respostas totalmente afirmativas que conferiu às perguntas feitas pelo ilustre mandatário que reproduziam expressamente a matéria quesitada aqui em apreciação e a afirmação que fez de que a relação era como se fosse “patrão/empregado” são pouco coerentes com o que espontaneamente relatou, pelo que se compreende a menor credibilidade que lhe foi conferida pelo tribunal a quo. O mesmo deve dizer-se quanto à testemunha V…, mãe do autor que referiu que este tinha um contrato em papel assinado com o C… (embora ela o não tenha visto), e que por vezes se adiantava em respostas que excediam o que lhe era perguntado e denotavam uma preocupação em favorecer o filho, como sucedeu por exemplo quando disse que ele era “castigado” se não fosse fazer os treinos, sem mais explicações.
São a este propósito muito relevantes as declarações de parte do A. ora recorrente que referiu que no ano em que se deu o acidente trabalhava numa serralharia mediante retribuição mensal e assinou com o C… para o representar nas camadas jovens porque “gostava de jogar”. Mais tarde veio a dizer que não sabe bem se o que assinava todos os anos, desde cerca de 2005, era “coisa de médicos” e que não sabe bem o que era pois o que “queria era jogar futebol”. Assinalou que não recebia qualquer quantia do Clube, o que aliás é consonante com o que vem sustentando desde que instaurou a presente acção, ainda na sua fase conciliatória, como se vê do requerimento apresentado em 2011.02.23, onde claramente informa que “não lhe era paga qualquer remuneração por força da actividade desportiva que desenvolvia em prol do Futebol Clube C…” (a fls. 128). Também na petição inicial jamais o A. referiu que auferisse retribuição pela sua actividade de futebolista (fls. 239 e ss.). Quanto à obediência aos treinadores e directores, o A. usou em julgamento a expressão “respeitava”, tal como foi assinalado na motivação da decisão da 1.ª instância (expressão que usou quando foi ouvido pelo Mmo. Juiz a quo e que reiterou a instâncias do seu ilustre mandatário). Disse também que tinha 3 treinos por semana das 19.00 h às 21.00 h e, para além disso, tinha que respeitar os horários dos jogos que eram ao sábado normalmente e tinha que treinar e jogar nos jogos oficiais. E esclareceu que podia deixar de jogar futebol no C… se quisesse, embora não pudesse jogar por outros clubes enquanto lá estivesse. O autor disse ainda que, quer o pai, quer ele, chegaram a comparticipar com algum dinheiro para o clube para o pagamento dos prémios de seguro e para ajudar o clube designadamente em camisolas e equipamentos, como acontecia com os outros jogadores das camadas jovens. Na parte final em que se lhe pediu que explicitasse as ordens e instruções que cumpria, respondeu que, quanto ao treinador, obedecia nos exercícios, na forma de os realizar e, quanto à direcção, observava as regras de comportamento e higiene a cumprir no balneário (que “não era um centro comercial, nem uma peixaria”). Precisou também que, se falhasse um treino pensa que o treinador não o escolhia para o jogo, mas fazia sempre por ir a todos os treinos para manter a sua forma e que não se lembra de isso ter acontecido.
Perante o esclarecedor depoimento do próprio A., que chegou também a referir que se “especulava” – termo geralmente associado a algo incerto e que pode ser enganoso – antes de fracturar a perna em ele vir a “assinar” pelo Clube, não vemos como sustentar a afirmação de que o mesmo jogava sob a direcção efectiva e no interesse do clube sem prejuízo, obviamente, da necessidade de cumprir as instruções do seu treinador.
Deve ainda acrescentar-se que o argumento adiantado pelo recorrente de que o próprio regulamento disciplinar da Associação de Futebol de D… do ano de 2006[5] impõe inúmeras cominações disciplinares para os jogadores amadores, como por exemplo a pena disciplinar para o jogador amador que, com vista à mesma época desportiva, assine boletim de inscrição com mais de um clube (artigo 104.º, nº1, al. b) nada adianta quanto à resposta a conferir ao artigo 2.º da base instrutória na parte impugnada que, já o vimos, contém um enunciado linguístico geralmente usado para referenciar, em modo conclusivo, os termos de uma vinculação laboral. Isto porque tal regulamento é muito amplo e não se aplica apenas a trabalhadores, mas a vários tipos de pessoas singulares e colectivas, incluindo sócios de clubes e espectadores, sendo independente do regime emergente das relações laborais ou estatuto profissional. É o que resulta da definição nele contida de “infracção disciplinar” como o “facto voluntário praticado por entidade ou agente desportivo que desenvolva actividade compreendida no objecto da FPF, por interveniente em geral no espectáculo desportivo, e bem assim por espectador, que viole os deveres de correcção previstos e punidos nos Estatutos e Regulamentos da FPF e demais legislação desportiva aplicável” (artigo 2.º, n.º 1; vejam-se também os artigos 15.º a 18.º) e da autonomia de regime nele consagrada ao estabelecer que “o regime disciplinar desportivo é independente da responsabilidade civil ou penal, assim como do regime emergente das relações laborais ou estatuto profissional” (artigo 6.º, n.º 1).
Aliás, perante a especificidade da prática organizada de uma modalidade desportiva, vg. o futebol, dificilmente se concebe ser a mesma possível sem um regime disciplinar a que se submetam todos os que queiram desenvolver nesses termos a modalidade.
Em suma, da análise crítica e conjugada dos elementos probatórios que agora se reponderaram, coordenados com as regras processuais das quais se retira que não podem ser elencados na decisão factos com cariz conclusivo e directamente atinentes ao thema decidendum da acção, entendemos que a decisão da 1.ª instância foi correcta ao suprimir a parte final do ponto 2.º da base instrutória, não se vislumbrando que haja uma construção viciosa da decisão em crise e que os fundamentos referidos pelo Mmo. Juiz conduzam necessariamente a uma decisão de sentido oposto à dada à parte final do artigo 2.º da base instrutória, como alega o recorrente.
Entendemos também, não obstante, que dos mesmos meios de prova é possível extrair alguma concretização fáctica do que ali vinha perguntado, pelo que se altera a resposta em causa para a seguinte: “No dia 17 de Maio de 2008, cerca das 16h00m o Autor encontrava-se a participar num jogo oficial do campeonato de juniores – 1.ª divisão, no Campo de Treino n.º .., no Estádio do …, sito em …r, Oliveira de Azeméis, integrando uma equipa do Futebol Clube C…, jogando em nome deste Clube e cumprindo as instruções do seu treinador.”
E, em consequência, o ponto 4. da decisão de facto passará a ter a seguinte redacção,
4. No dia 17 de Maio de 2008, cerca das 16h00m o Autor encontrava-se a participar num jogo oficial do campeonato de juniores – 1.ª divisão, no Campo de Treino n.º .., no Estádio do …, sito em …, Oliveira de Azeméis, integrando uma equipa do Futebol Clube C…, jogando em nome deste Clube e cumprindo as instruções do seu treinador.
3.1.2. Quanto aos artigos 26.º-A, 30.º-D, 31.º e 32.º da base instrutória
O seu teor era o seguinte:
26.º-A - Pela cicatriz com que ficou, o Autor sente constrangimento e vergonha?
(…)
30-B - Pelas sequelas permanentes com que ficou, o Autor sofreu, sofre, e sofrerá, para o resto da vida, de desgosto e angústia, e um forte abalo, que o impedirá de ter sossego?
(…)
30.º-D - …bem como não se pôde deslocar aos locais que costumava frequentar, ficando dessa forma privado da companhia dos amigos, com isso sofrendo enormes mágoa e amargura?
31.º - Por causa da incapacidade de que é portador o Autor viu-se forçado a mudar de actividade?
32.º - Pelo que a partir de meados de 2011, altura em que conseguiu efectivar essa mudança, emigrou para a Suíça, onde actualmente desempenha outra actividade profissional (condutor)?
A estes artigos o tribunal recorrido conferiu a seguinte resposta:
«Quesito 26º- A - Não Provado.
(…)
- Quesito 30º- B - Não Provado.
(…)
- Quesito 30º- D - Não Provado.
- Quesito 31º- Não Provado.
- Quesito 32º- Provado apenas que o autor em meados de 2011 emigrou para a Suíça onde trabalhou numa empresa de transporte de móveis.»
Alega o recorrente que se impunha dar como integralmente provada a matéria vertida nos quesitos 26.º-A, 30.º-D, 31.º e 32.º da B.I., mediante as regras de experiência comum e mediante a prova conferida pelas declarações de parte do autor e pelos depoimentos prestados pelas testemunhas que de perto privam e privavam com o autor, U…, V… e W…. Quanto ao artigo 30.º-B, que defende também dever ser provado, invoca ainda o depoimento de X….
Vejamos, cada um de per si, estes pontos da base instrutória.
Reanalisada a prova produzida, entendemos ter sido correcta, por conforme com os depoimentos indicados e com as regras do comum acontecer, a resposta negativa conferida ao artigo 26.º-A da base instrutória.
Na verdade, a despeito de as duas primeiras testemunhas indicadas – que, recorde-se, são pais do A. e prestaram depoimento nos termos já assinalados – terem respondido afirmativamente à pergunta que lhes foi colocada repetindo a indagação que era feita a este propósito na base instrutória, a verdade é que o fizeram referindo ambas que antes o A. era dos que ia à praia e “agora não gosta muito de ir” porque “até vê-se as cicatrizes” (o pai) ou “não vai” porque “não se sente à vontade” (a mãe). E o mesmo acontece quanto à testemunha W…, irmão do A., segundo o qual o A. “deixou de frequentar com regularidade praia, na época balnear” e “fica um pouco constrangido”.
Ora, embora não tenhamos visto in loco as cicatrizes que o A. tem na sua perna direita, estão as mesmas retratadas nas fotocópias das fotografias juntas pelo A. a fls. 121 e 122 e descritas nos relatórios periciais juntos aos autos, que se reflectiram no ponto 28. dos factos provados, tendo a junta médica classificado o dano estético delas emergente no grau 1 numa escala crescente até 7 (fls. 70 verso do apenso de fixação de incapacidade para o trabalho), sendo de considerar, segundo as regras da experiência comum, que a localização e dimensão das mesmas não é de molde a causar ao A. vergonha e constrangimento. É de notar o modo cauteloso como depõe o irmão do A. – “fica um pouco constrangido” – e, também, a forma como o próprio A. se refere a esta matéria nas suas declarações de parte quando lhe é perguntado o que “sente em ter essa cicatriz”. Ao responder que “quando é nos outros, não, não é grave, agora quando é em nós, eu olho, quando eu vou para a praia, gostava de ir, é uma coisa que tenho vergonha (…) preferia não a ter”, mostra, a nosso ver, que a sua própria avaliação é a de que não há efectivamente razão suficiente para os estados subjectivos negativos que alegou.
Assim, como o tribunal a quo, entendemos que os referidos depoimentos não foram suficientes para lograr uma convicção positiva quanto à veracidade do que era perguntado no artigo 26.º-A da base instrutória, não merecendo censura a resposta de “não provado” que lhe foi conferida.
Quanto ao artigo 30.º-B – onde se perguntava se, “[p]elas sequelas permanentes com que ficou, o Autor sofreu, sofre, e sofrerá, para o resto da vida, de desgosto e angústia, e um forte abalo, que o impedirá de ter sossego” –, além das declarações de parte do A. que o confirmaram, mas devem ser apreciadas com as cautelas inerentes ao facto de ser o próprio A. a emitir considerações sobre o que o favorece, é de salientar que a indicada testemunha X…, médico especialista em medicina do trabalho que observou o A. e subscreveu o relatório de fls. 452 (datado de 2012.08.16), afirmou que o A. mostrou “desgosto” e “sinais de insatisfação” com o sucedido e “abalo” por não poder praticar o que fazia naquela idade, mas respondeu negativamente quando lhe foi perguntado se tal o impediria de ter sossego para o futuro, expressando que “por uma coisa simples como esta” espera que o A. tenha capacidade para ultrapassar. Conjugado este depoimento com o da testemunha W… que espontaneamente disse apenas que o A. “ficou um pouco mais contido e sente-se limitado quanto a isso”, embora tenha anuído às perguntas em que lhe eram expressamente reproduzidos os estados de espírito quesitados, com o da testemunha U…, que pouco adiantou de modo espontâneo, limitando-se a confirmar o que lhe era perguntado, e também com as declarações de parte do A., das quais podemos extrair que, essencialmente, o que desgosta o A. e o deixa “um bocado triste” é não poder mais jogar futebol, entendemos que deve considerar-se parcialmente provada a matéria em causa, respondendo-se ao perguntado no sentido de que, pelas sequelas permanentes com que ficou, o Autor sofreu e sofre de desgosto por não poder jogar mais futebol.
Assim, aditar-se-á à decisão de facto o ponto 33-A, com o seguinte teor:
33-A. Pelas sequelas permanentes com que ficou, o Autor sofreu e sofre de desgosto por não poder jogar mais futebol.
Quanto ao artigo 30.º-D da base instrutória, onde se perguntava se durante os 150 dias em que esteve imobilizado em consequência do sinistro (vide o precedente artigo 30.º-C), o Autor não se pôde deslocar aos locais que costumava frequentar, ficando dessa forma privado da companhia dos amigos, com isso sofrendo enormes mágoa e amargura, entendemos que o facto objectivo da imobilização do A. que ficou provado (facto 34.) e a análise dos indicados depoimentos, que confirmaram a retenção do A. em casa nesse período e o tipo de vida que este jovem então com 18-19 anos antes fazia com os amigos (testemunha U…, V…, W… e as próprias declarações de parte do A.), permitem se considere provado que o Autor não se pôde deslocar nesse período de imobilização aos locais que costumava frequentar com os amigos, ficando dessa forma privado da companhia destes, o que lhe causou mágoa, embora não se considere a prova produzida suficiente para considerar verificadas as “enormes mágoa e amargura” que alega uma vez que nenhuma das testemunhas ouvidas caracterizou estados de espírito que assim pudessem qualificar-se, o mesmo sucedendo com as próprias declarações de parte do A.
Aditar-se-á, também, à decisão de facto o ponto 34-A, com o seguinte teor:
34-A. o Autor não se pôde deslocar nesse período de imobilização aos locais que costumava frequentar com os amigos, ficando dessa forma privado da companhia destes, o que lhe causou mágoa.
No que concerne à matéria das respostas conferidas aos artigos 31.º e 32.º da base instrutória, nenhuma censura nos merece a decisão recorrida.
Efectivamente, quanto ao relato objectivo do percurso laboral do A. após o acidente, são consonantes as declarações de parte do A. e os depoimentos prestados pelas testemunhas U…, V… e W… (pais e irmão do A.), dos mesmos se extraindo que o A. veio a deixar o emprego de metalúrgico que tinha e foi para a Suíça onde passou a ser motorista e a acartar móveis, tendo necessidade de subir escadarias para fazer entrega de móveis com outra pessoa, o que também lhe era difícil. Perante esta sequência, igualmente a nós é difícil considerar apurado que o A. se viu forçado a mudar de actividade por força da incapacidade de que era portador e que a mudança efectivada em meados de 2011 para a Suíça foi determinada por aquela necessidade. Aliás é de notar que o A., em excerto das suas declarações distinto do que indica nas alegações da apelação (a partir do minuto 17.12 da gravação das suas declarações), referiu que trabalhava cá numa fábrica de chapa, na linha de corte, e aí “tinha que pegar na chapa, tinha que meter à máquina, cortá-la à medida e tirar a chapa da máquina”, que então tinha dores porque estava muito tempo em pé e tinha que pegar por vezes em pesos (“não a todo o minuto”, mas “diariamente”) e que saiu da fábrica de chapas no ano de 2011, indo para a Suíça pela esperança de ter uma vida melhor e também para ter um trabalho mais leve. Uma vez na Suíça, passou a fazer o transporte de móveis que diz serem funções eram menos pesadas por ser “um trabalho a dois” – o que se nos afigura uma explicação pouco consistente na medida em que, podendo os “móveis” ter múltiplos pesos e configurações, acartá-los ou carregá-los pode revelar-se uma tarefa que, mesmo com o máximo esforço de duas pessoas, acarreta intensa penosidade –, trabalho onde esteve até Fevereiro de 2014, passando a trabalhar numa vidraria em Abril de 2014, trabalho que diz ser mais leve dos que os dois anteriores.
Ora, não só o A. continuou até 2011 na serralharia onde trabalhava quando sofreu o acidente (em 2008), realizando o anterior trabalho mesmo após a ocorrência deste num período assinalável, como é o próprio A. a indicar como razão para a mudança a esperança de ter uma vida melhor a par de pretender um trabalho mais leve, o que logo nos leva a por em causa a causalidade exclusiva que é perguntada nos artigos 31.º e 32.º da base instrutória. Além disso, como bem salientou o Mmo. Julgador a quo ao motivar a sua convicção, “não se percebe que uma pessoa que, supostamente, tem limitações no exercício das suas funções (corte de chapas) tenha optado por ir para a Suíça carregar móveis, o que fez até ao ano de 2014!”.
É de notar que é o próprio A. a dizer, também nas suas declarações, mas já na fase em que é instado pelo seu ilustre mandatário, que na actividade que passou a desenvolver na Suíça sentia dores, sobretudo a descer escadarias com os móveis, o que lhe causava sofrimento, mas a verdade é que fez este trabalho naquele país entre 2011 e 2014, só nesta altura passando a trabalhar numa vidraria e realizar um trabalho que, de acordo com o que descreveu, não lhe exige grande esforço físico e será mais leve do que os dois anteriores.
Nenhuma censura nos merece, pois, a decisão que ficou corporizada nas respostas (negativa e restritiva) conferidas aos artigos 31.º e 32.º da base instrutória, que devem ser mantidas, improcedendo a sua impugnação.
3.1.3. Quanto aos artigos 34.º e 35.º da base instrutória
O seu teor era o seguinte:
34) …e em Dezembro de 2009, no exercício dessas funções, o Autor auferia o vencimento base mensal de € 545,00…?
35) …e em Janeiro de 2010 o de € 650,00?
A estes artigos – que se seguiam ao artigo 33) que ficou provado e no qual se perguntava se à data do sinistro o Autor exercia as funções de metalúrgico, na empresa «J…, Lda.», com sede em …, Oliveira de Azeméis, com a categoria de «praticante 1º ano» e o vencimento-base mensal de € 525,00 – o tribunal recorrido conferiu as respostas de “não provado”.
A este propósito o recorrente defende também uma resposta integralmente positiva e sustenta que apresentou prova testemunhal e carreou para os autos, os recibos de vencimento referentes aos respectivos períodos, ali identificados como docs. 52 (de Novembro de 2009) e 53 (de Março de 2010), os quais fazem prova directa dos factos vertidos nos artigos 34.º e 35.º da B.I. – o aumento de vencimento de que beneficiou o autor/recorrente e o respetivo quantum – mas não são referidos pelo tribunal que omitiu o dever de exame crítico desses documentos, ao que acresce ter sido a mesma matéria confirmada pelo autor/recorrente em sede de declarações de parte e pelo depoimento prestado pelo seu pai, U…, embora este não tenha conseguido concretizar o quantum da retribuição do seu filho, o que é normal, mas asseverando com firmeza que este fora aumentado.
Assiste-lhe razão.
Na verdade, apesar de o A. ter referido que não se recorda dos valores em que foi aumentado na sua primitiva empregadora e de a testemunha U… se ter limitado a afirmar, referindo-se ao seu filho, “acho que ele foi aumentado” mas sem conseguir concretizar minimamente a data ou o conteúdo de tal aumento, a verdade é que, tal como a cópia do recibo de vencimento de Março de 2008 emitido pela J…, Lda. constante de fls. 41 (também constante de fls. 305) serviu para o tribunal a quo dar como provado o vencimento que o autor auferia na empresa onde trabalhava e que ficou a constar da resposta ao artigo 33.º da base instrutória, também as cópias dos recibos de vencimento de Novembro de 2009 e de Março de 2010 emitidos pela J…, Lda. constantes de fls. 311 e 312, de conteúdo similar ao primeiro embora ostentando valores distintos, são suficientes para este tribunal da Relação dar como provada a percepção do vencimento base mensal aí referenciado (respectivamente nos valores de € 545,00 e € 650,00), por parte do autor.
Assim, confere-se aos artigos referenciados as seguintes respostas:
34) Provado que em Novembro de 2009, no exercício dessas funções, o Autor auferia o vencimento base mensal de € 545,00.
35) E pelo menos em Março de 2010 o de € 650,00.
Acrescentando-se à decisão de facto os pontos 38. e 39. com teor similar.
Procede, na medida assinalada, a impugnação da decisão de facto.
*
3.2. Os factos a atender para a decisão jurídica do pleito, após a intervenção deste Tribunal da Relação, são, assim, os seguintes (destacam-se a traço mais grosso os que foram objecto de alteração):
1. O Autor nasceu no dia 9 de Março de 1989 (cfr. doc. de fls. 118).
2. As Rés «H…» (então «M…, S.A.») «F…», «G…» e «E…», nas proporções de 29%, 15%, 5% e 51%, respectivamente, celebraram com a Ré Associação de Futebol de D… contratos de seguro, em regime de coseguro, do ramo de «acidentes pessoais», na modalidade «Desporto Cultura e Recreio», nos termos que ressaltam das condições particulares e gerais de fls. 328 a 338 e 372 a 380 (aqui dadas por reproduzidas), contrato esse que vigorava no dia 17 de Maio de 2008.
3. O Autor exerceu funções enquanto atleta do Futebol Clube C…, inscrito para o efeito, na época desportiva 2007/2008, com o n.º ……. e a categoria de Júnior-A.
4. No dia 17 de Maio de 2008, cerca das 16h00m o Autor encontrava-se a participar num jogo oficial do campeonato de juniores – 1.ª divisão, no Campo de Treino n.º 2, no Estádio do …, sito em …, Oliveira de Azeméis, jogando em nome deste Clube e cumprindo as instruções do seu treinador.
5. No decorrer do jogo, o A., ao disputar uma bola, saltou para cabecear a mesma com um dos adversários da equipa contrária, Futebol Clube AB…, acabando por chocar com a sua perna direita no joelho do adversário, fracturando a tíbia e o perónio.
6. Como consequência do referido acidente, o A. sofreu: fractura na tíbia e no perónio da perna direita, trauma da perna direita, dor a palpação do 1/3 proximal e medial da perna direita, contratura da musculatura da panturilha; fractura da diáfise dos ossos da perna direita e imobilização com tala gessada.
7. Por força dessas lesões foi assistido, nesse dia, na urgência do Centro Hospitalar … EPE, em ….
8. E foi transportado, nesse mesmo dia, para o Hospital Distrital de …, onde permaneceu internado, no serviço de ortopedia, desde 17-05-2008 até ao dia 26-05-2008, data em que teve alta hospitalar.
9. Ali foi submetido a uma cirurgia à perna direita, em 20-05-2008.
10. Após o dia 26-05-2008 o A., por indicação do Hospital Distrital de …, deslocou-se à Companhia de Seguros E…, a fim de ser assistido pelos médicos dessa Companhia de Seguros.
11. O Autor foi então encaminhado para os médicos desta companhia de seguros, onde foi consultado, nomeadamente nas seguintes datas: 09-06-2008; 07-07-2008; 22-09-2008; 13- 10-2008 e 03-11-2008.
12. Tais médicos determinaram que o A. fosse submetido a várias sessões de fisioterapia na Clínica de Reabilitação Física de AC…, sita em ….
13. Sessões de fisioterapia essas que o A. frequentou nas seguintes datas:
- Dias 16, 17, 18, 19, 23, 24, 25, 26, 27 e 30 de Junho de 2008, e dias 1, 2, 3 e 4 de Julho de 2008,
- Dias 8, 9, 10, 11, 14, 15, 16, 17, 18, 21, 22, 23, 24, 25, 28, 29, 30 e 31 de Julho de 2008 e dias 1 e 4 de Agosto de 2008,
- Dias 27, 28 e 29 de Agosto de 2008 e 1, 2, 3, 4, 5, 8, 9, 10, 11, 12, 15, 16, 17, 18, 19, 22 e 23 de Setembro de 2008,
- Dias 15, 25, 26, 29 e 30 de Setembro de 2008 e 1, 2, 3, 6, 7, 8, 9, 10, 14 e 15 de Outubro de 2008,
- Dias 16, 17, 20, 21, 22, 23, 24, 27, 28, 29, 30 e 31 de Outubro de 2008 e 4, 5, 6, 7, 10, 11 e 12 de Novembro de 2008,
- Dias 13, 14, 17, 18, 19, 20, 21, 24, 25, 26, 27 e 28 de Novembro de 2008 e 2, 3, 4, 5, 9, 10, 11 e 15 de Dezembro de 2008.
14. O A. efectuou várias deslocações ao Hospital Distrital de …, à Clínica de Reabilitação Física de AC…, Lda., em … e à Companhia de Seguros E…, S.A., no Porto, nomeadamente, para consultas, exames e tratamentos de fisioterapia.
15. Para as deslocações, de ida e volta, ao Hospital Distrital de …, deslocações para as várias sessões de fisioterapia a que foi submetido na Clínica de Reabilitação Física de AC…, sita em …, e ainda deslocações à Companhia de Seguros E…, S.A., sita no Porto, deslocações estas, todas elas, tendo como ponto de partida a residência do A., em …, o A. teve que alugar, por diversas vezes, como meio de transporte, um táxi, tendo despendido, com esse mesmo serviço de táxi, nestas várias deslocações, o montante total de 4.674,09€ (quatro mil, seiscentos e setenta e quatro euros e nove cêntimos).
16. Em consequência das lesões descritas em 6., o A. despendeu o montante de 6,45€ (seis euros e quarenta e cinco cêntimos) para pagamento de consultas no Centro de Saúde de …, Sub- Região de …, Extensão de ….
17. Bem como o montante de 65,70€ (sessenta e cinco euros e setenta cêntimos) em exames radiológicos, consulta externa, electromiografia e internamento no Hospital Distrital de ….
18. Quando foi submetido à cirurgia supra referida em 7) no Hospital Distrital de …, foram-lhe introduzidos na perna direita uma cavilha e dois parafusos.
19. Para retirar da perna direita a referida cavilha e os referidos parafusos, o Autor foi submetido a nova cirurgia, para o que esteve internado nos dias 14 e 15 de Dezembro de 2009.
20. Com esta cirurgia, o Autor sofreu dores.
21. Em virtude desta operação, o A. teve que ser assistido em consultas médicas nos dias 4 e 18 de Janeiro de 2010, tendo despendido a quantia total de 5,20€ (cinco euros e vinte cêntimos), a título de taxas moderadoras.
22. Teve ainda que se deslocar, por duas vezes, da sua residência, em …, para consultas, uma no Centro de Saúde de … e outra no Hospital de …, em …, tendo estas deslocações sido efectuadas em veículo automóvel ligeiro de passageiros, pertencente ao pai do A., U….
23. De … a Oliveira de Azeméis distam cerca de 9 quilómetros.
24. De … a Santa Maria da Feira distam cerca de 15 quilómetros.
25. Em consequência directa, necessária e adequada do referido acidente, o A. ficou totalmente impossibilitado de exercer a sua referida actividade profissional e qualquer outra, até 10 de Setembro de 2008; o autor esteve igualmente numa situação e ITA de 14.12.2009 até 18.01.2010.
26. O Centro Distrital de Segurança Social de … pagou ao Autor a quantia de 1.346,15€ por tal período de incapacidade.
27. O Centro Distrital da Segurança Social do … pagou já ao Autor o valor montante de 195,84€ (cento e noventa e cinco euros e oitenta e quatro cêntimos), pelo período de baixa de 14.12.2009 até 18.01.2010.
28. Como consequência directa, necessária e adequada do acidente supra descrito, o A. é portador de sequelas, nomeadamente:
-tíbias varas com torsão tibial interna mais acentuada do lado direito (R.I. do pé direito 10º superior à do pé esquerdo);
- cicatriz da face anterior do joelho direito, de orientação vertical, com 6 cm de eixo maior;
- rigidez da tíbia társica direita na dorsi flexão: 22º à direita e 30º à esquerda;
- limitação ligeira da flexão do pé (dorsiflexão);
- dor à flexão forçada do joelho;
- alterações morfológico-estruturais do terço médio da diáfise tibial e fibular direitas em relação com sequelas de lesão traumática e posterior consolidação;
- cicatriz cirúrgica, longitudinal, com 6cm de comprimento, na extremidade anterior da perna direita a partir do pólo inferior da rótula.
29. As sequelas, descritas em 28., são permanentes.
30. E determinam uma incapacidade permanente parcial para o trabalho no valor de 5,91%.
31. O A. sofreu dores, quer no momento do descrito acidente, quer posteriormente, quer durante o período de internamento e observações, dores estas de que o A. ainda padece, nomeadamente na tíbia e no perónio da perna direita.
32. Antes do acidente o Autor era pessoa saudável, robusta e de elevado porte atlético, não apresentando qualquer defeito físico.
33. E tinha uma grande alegria de viver e uma inesgotável boa disposição.
33-A. Pelas sequelas permanentes com que ficou, o Autor sofreu e sofre de desgosto por não poder jogar mais futebol (resposta ao artigo 30.º-B da base instrutória).
34. Ainda em consequência do sinistro, o Autor, durante os 150 dias em que esteve imobilizado, não pôde executar os seus cuidados pessoais mais elementares, nomeadamente lavar-se e vestir-se sozinho, para o que teve que se socorrer da ajuda de terceiros.
34-A. Bem como não pôde deslocar-se nessa altura aos locais que costumava frequentar com os amigos, ficando dessa forma privado da companhia destes, o que lhe causou mágoa (resposta ao artigo 30.º-D da base instrutória).
35. O autor em meados de 2011 emigrou para a Suíça onde trabalhou numa empresa de transporte de móveis.
36. À data do sinistro o Autor exercia as funções de metalúrgico, na empresa «J…, Lda.», com sede em …, …, Oliveira de Azeméis, com a categoria de «praticante 1º ano» e o vencimento-base mensal de € 525,00.
37. Antes de recorrer à via judicial, o Autor, tendo em vista reclamar as diversas despesas que ia suportando em consequência do sinistro, enviou diversas cartas registadas com aviso de recepção, nomeadamente para a I…. Corretores de Seguros, S.A., Companhia de Seguros E…, S.A., Instituto da Segurança Social, I.P., Futebol Clube C… Associação de Futebol de D…, com as quais gastou o montante total de € 28,69.
38. Provado que em Novembro de 2009, no exercício dessas funções, o Autor auferia o vencimento base mensal de € 545,00 (resposta ao artigo 34.º da base instrutória).
39. E pelo menos em Março de 2010 o de € 650,00 (resposta ao artigo 35.º da base instrutória).
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4. Fundamentação de direito
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4.1. A primeira questão de direito a analisar consiste em saber se entre o recorrente e o R. Futebol Clube C… se firmou um vínculo susceptível de responsabilizar este R. pela reparação do acidente sub judice.
Alega o recorrente que o acidente ocorreu durante um jogo oficial da responsabilidade da R. Associação de Futebol de D…, em que actuava em representação, sob autoridade e direcção do Clube C… e com vista a formalizar um contrato de trabalho com o clube e que, como tal, deve ser reconhecido o efectivo vínculo jurídico que subordinava o autor ao Clube C….
É certo que o recorrente suscita esta questão – sem descurar a impugnação que inicialmente deduziu à decisão de facto corporizada na resposta ao artigo 2.º, in fine da base instrutória, também relacionada com a mesma matéria – apenas na parte final da sua alegação (conclusões BH a BJ).
Contudo, impõe-se que a mesma seja apreciada desde já na medida em que, a entender-se que existia entre o recorrente e o Futebol Clube C… um vínculo susceptível de fazer qualificar o acidente sofrido como acidente de trabalho, tal tem evidentes implicações no regime jurídico a atender para a resolução das ulteriores questões suscitadas na apelação.
Ora, adiantando, devemos dizer que no caso vertente, é patente que o acidente sofrido pelo ora recorrente quando participava num jogo oficial de futebol do campeonato de juniores – 1.ª divisão, não se subsume ao âmbito reparador da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (que aprovou o regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais) e sua legislação complementar, que se encontravam em vigor[6] à data do sinistro – 17 de Maio de 2008 –, não emergindo dos factos provados os requisitos próprios de um vínculo laboral ou contrato equiparado entre o sinistrado e o Futebol Clube C…, nos termos prescritos nos artigos 2.º da Lei n.º 100/97 e 12.º, n.º 3 do Decreto-Lei n.° 143/99, de 3 de Abril, que a regulamenta.
Na verdade, provou-se tão só que o Autor exerceu funções enquanto atleta do Futebol Clube C…, inscrito para o efeito, na época desportiva 2007/2008, com o n.º 8556779 e a categoria de Júnior-A e que no dia 17 de Maio de 2008, cerca das 16h00m se encontrava a participar num jogo oficial do campeonato de juniores – 1.ª divisão, no Campo de Treino n.º .., no Estádio do …, sito em …, Oliveira de Azeméis, jogando em nome deste Clube e cumprindo as instruções do seu treinador (factos 3. e 4.), o que não permite se conclua pela existência de um contrato de trabalho entre o A. e o R. Futebol Clube C…. Como é dito na sentença da 1.ª instância, tratava-se, apenas, de um jogador amador que representava o clube em determinados jogos, sem o recebimento de qualquer quantia monetária como contrapartida.
Desde logo do que o A. alegou na petição inicial se infere que este não mantinha com a Ré Associação de Futebol de D…, qualquer relação laboral e, mesmo quanto ao Réu Futebol Clube C…, os factos alegados naquele articulado não eram de molde a caracterizar o estabelecimento de um vínculo de natureza laboral ou de qualquer outro que, em face do âmbito de aplicação da Lei n.º 100/97 traçado no seu artigo 2.º, lhe seja equiparável e que por esta Lei pudesse estar abrangido.
Prosseguindo os autos para a instrução e julgamento, este cenário não se alterou, não permitindo os factos ulteriormente apurados a conclusão de que o A. e o Futebol Clube C… estiveram unidos por um contrato de trabalho tal como este se mostrava previsto no artigo 10.º do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003 de 27 de Agosto como “aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas”, nem por um contrato de trabalho desportivo, definido este no artigo 2º, alínea a) da Lei n.º 28/98, de 26 de Junho[7] como “aquele pelo qual o praticante desportivo se obriga, mediante retribuição, a prestar actividade desportiva a uma pessoa singular ou colectiva que promova ou participe em actividades desportivas, sob a autoridade e a direcção desta”, nem, tão pouco, permite a afirmação de que o recorrente se encontrava na dependência económica deste R., nem ainda, diga-se, permitindo afirmar que se estabeleceram entre o A. e aquele Clube relações com vista à celebração de um contrato de trabalho, circunstância indemonstrada esta que servira de arrimo à Jurisdição Cível (Tribunal da Comarca de Oliveira de Azeméis e Secção Cível do Tribunal da Relação do Porto), bem como ao Exmo. Sr. Presidente do Tribunal da Relação do Porto, para a afirmação da competência do Tribunal do Trabalho para a tramitação desta acção, sob a invocação do artigo 85.º, alínea b), segunda parte da LOFTJ, aprovada pela Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro.
Apesar de na apelação o recorrente afirmar que actuava em representação, sob autoridade e direcção da ré Clube C… e com vista a formalizar um contrato de trabalho com o clube, a matéria de facto provada em termos finais não o sustenta. Não só porque o recorrente não viu atendida a sua pretensão no sentido da alteração da decisão de facto – não tendo manifestamente relevo para estes efeitos o acrescento feito ao ponto 4. da decisão no sentido de que, quando participava no jogo do campeonato de juniores, o A. cumpria as instruções do seu treinador –, como ainda porque, mesmo que a visse atendida, dos demais factos provados não emerge o mínimo sinal de que o A. auferisse uma retribuição do referido Clube ou, de algum modo, dele estivesse dependente em termos económicos ou, sequer, que estivesse em formação prática com vista ao estabelecimento ulterior de um contrato de trabalho.
Assim, não tem qualquer base factual o pretendido reconhecimento de que existia um efectivo vínculo jurídico de subordinação do A. ao Clube C…, como vem alegado na apelação.
Aliás, o recorrente disso estará bem ciente na medida em que na parte final das conclusões apenas defende que se condene o Futebol Clube C… no pedido, “em subsidariedade da responsabilidade” e “pelos danos cobertos pelo seguro que beneficia o autor”. Ora, a aplicar-se o regime reparador constante da Lei n.º 100/97, tal significaria que o empregador era em primeira linha responsável pela reparação, embora com a obrigação de transferir a sua responsabilidade para uma empresa de seguros (cfr. o 37.º da LAT), nunca vendo o empregador a sua responsabilidade configurada em termos meramente subsidiários. Além disso, a haver reparação nos termos da LAT, esta seria determinada pelos parâmetros desta lei que, apesar de não reparar o dano em toda a sua amplitude (vejam-se as restrições percentuais que resultam do artigo 17.º da LAT quanto às prestações por incapacidade), sempre lhe confere uma tutela mais ampla do que a resultante do seguro desportivo (cfr. o maior leque das prestações enunciadas nos artigos 10.º a 24.º da LAT). Se esta pretensão do recorrente foi formulada na pressuposição de que na ocasião do acidente actuava em representação, sob autoridade e direcção da ré Clube C… e com vista a formalizar com ele um contrato de trabalho, não se compreende que a mesma se tenha restringido a ver o Futebol Clube C… subsidiariamente responsabilizado, tão só, “pelos danos cobertos pelo seguro que beneficia o autor” (ou seja, o seguro desportivo que invocou na petição inicial).
Improcedem, neste aspecto, as conclusões da apelação.
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4.2. A segunda questão que cabe enfrentar consiste em saber se, no âmbito das relações contratuais emergentes de seguro desportivo, a R. Companhia de Seguros H…, S.A. é responsável pelo pagamento de valores indemnizatórios de montantes superiores aos capitais definidos na apólice do co-seguro celebrado entre a Associação de Futebol de D… e todas as RR. seguradoras.
O A. vai aludindo, no decurso das suas alegações, a propósito das diversas pretensões que formula, a duas apólices de seguro que se mostram documentadas nos autos, invocando o clausulado de ambas (vide as conclusões U, AI., AW., AX., AY.) e, nalguns pontos, sustentando que este tribunal de recurso venha a atender à “apólice de seguro da aqui R. H…” que, segundo alega, cobre a incapacidade temporária que sofreu e garante uma cobertura por invalidez permanente superior à cobertura definida pela apólice da R. E….
Torna-se assim candente aferir se o acidente sub judice se mostra coberto por seguro desportivo e, em caso afirmativo, determinar qual a apólice a atender, para dar resposta a esta questão e, também, para dar resposta às questões que subsequentemente se colocam a este tribunal da recurso e que têm como pressuposto essencial a identificação precisa do quadro contratual que baliza as pretensões que o A. pretende fazer valer através da presente acção.
Vejamos, pois.
4.2.1. Constituem realidades distintas, quer nos pressupostos em que assentam, quer no âmbito da reparação que prevêem, o contrato de seguro de acidentes de trabalho relativo a praticantes desportivos abrangidos pela Lei n.º 100/97, por um lado, e o contrato de seguro desportivo a que se reporta o Decreto-Lei n.° 146/93, de 3 de Abril e em que se ancorou o A. ora recorrente na presente acção para afirmar a responsabilidade das RR. seguradoras, por outro.
No domínio do seguro obrigatório de acidentes de trabalho, é a responsabilidade do empregador, sobre quem impende em primeira linha a obrigação do ressarcimento do sinistro laboral sofrido por trabalhadores ao seu serviço, que é transferida (artigo 37.º, n.º 1, da Lei n.º 100/97). Por força da obrigatoriedade deste seguro, o empregador deverá transmitir a sua obrigação para uma companhia seguradora, incumbindo-lhe o pagamento do respectivo prémio de seguro, bem como a obrigação de fazer prova do contrato de seguro no acto de registo do contrato de trabalho desportivo (artigo 6.º, n.º 4, da Lei n.º 28/98 de 26 de Junho). A Lei n.º 8/2003, de 12.05, que prevê o regime específico relativo à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais[8], remete para os termos da reparação constantes da Lei n.º 100/97 (artigo 2.º, n.º 1 e 6.º), embora com especificidades de regime ditadas pela especial natureza dos contratos de trabalho desenvolvidos com os praticantes desportivos profissionais[9].
Para os praticantes enquadrados na prática desportiva formal, mas sem contrato de trabalho, o Decreto-Lei n.° 146/93, de 26 de Abril instituiu um seguro que cobre os riscos de acidentes pessoais inerentes à actividade desportiva [artigo 1.º], com vista a assegurar que os praticantes, sujeitos aos naturais riscos de lesão de direitos de personalidade, vg. da integridade física[10], que a prática da actividade desportiva comporta, vejam ressarcidos os danos que possam eventualmente sofrer, não ficando entregues meramente à sua sorte em caso de sofrerem um acidente no exercício daquela actividade[11]. Neste domínio, e de acordo com o regime estabelecido no Decreto-Lei n.° 146/93[12], o seguro é obrigatório para todos os agentes desportivos inscritos nas federações dotadas de utilidade pública desportiva, nomeadamente praticantes desportivos não profissionais [art. 2.º, alínea a)], cabendo às federações a instituição, mediante a celebração de contrato com entidades seguradoras, de seguro desportivo de grupo [artigo 3.º], com a cobertura prevista no artigo 4º.
Para a hipótese de um jogador profissional protegido pela lei reparadora laboral ser, igualmente, abrangido por um contrato de seguro desportivo, o artigo 4º da Lei 8/2003 (que, como se viu, prevê o regime específico relativo à reparação dos danos emergentes de acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais) dispõe que “os seguros de acidentes pessoais e de grupo, previstos no Decreto-lei 146/93, de 26 de Abril, ainda que estabelecidos entre entidades empregadoras desportivas e entidades seguradoras, têm carácter complementar relativamente ao seguro de acidentes de trabalho”. O carácter complementar que é assinalado ao seguro desportivo neste preceito significa que o seguro desportivo apenas tem de cobrir os danos que não estejam cobertos pelo seguro de acidente de trabalho[13].
4.2.2. No caso vertente, o A. fundou os pedidos que fez constar da parte final da petição inicial e que dirigiu contra as RR. seguradoras, num contrato de seguro desportivo.
Mostra-se correcto este enquadramento, na medida em que não resulta dos factos provados que o acidente sofrido pelo A. possa ser imputado a culpa de qualquer das RR. e, como vimos, não havia entre o A. e o Clube de Futebol C… qualquer vínculo susceptível de o fazer caracterizar como acidente de trabalho, com a consequente imputação ao empregador da responsabilidade objectiva pela sua reparação. Como se diz na sentença sob recurso, o A. jogava futebol “unindo o seu próprio interesse, enquanto jogador amador, e o interesse do Clube de Futebol C…”.
Mas, como o A. sofreu o acidente enquanto atleta amador do Futebol Clube C…, inscrito para o efeito, na época desportiva 2007/2008 e na categoria de Júnior-A, há que ver se o mesmo se mostra abrangido pela cobertura de um seguro desportivo que, como vimos, a R. Associação de Futebol de D… se mostrava obrigada a subscrever nos termos prescritos no Decreto-Lei n.° 146/93, de 26 de Abril, em vigor à data do acidente.
Na petição inicial apresentada nesta acção, o A. alegou que no dia 17 de Maio de 2008, quando participava num jogo do campeonato de juniores e, ao disputar uma bola, saltou para cabecear a mesma com um dos adversários da equipa contrária, da AB…, acabando por chocar com a sua perna direita no joelho do adversário, fracturando a tíbia e o perónio, e que a R. Companhia de Seguros E…, S.A. assumiu a responsabilidade do acidente e encaminhou o A. para os médicos desta Companhia de Seguros, onde foi consultado e encaminhado para tratamentos de fisioterapia que fez (artigos 5.º a 8.º da petição inicial). Alegou também que a participação de seguro, datada de 19 de Maio de 2008, foi enviada a esta Companhia de Seguros (artigo 3.º da petição inicial) e, essencialmente, alegou para sustentar a legitimidade das RR. seguradoras, que o seguro existente que cobre o acidente do A., em discussão nos presentes autos é um co-seguro celebrado entre a Ré E… e as 4.ª, 5.ª e 6.ªs RR., F…-Companhia de Seguros, S.A., Companhia de Seguros G…, S.A., e M…, S.A.,actualmente H… Companhia de Seguros, S.A., de acordo com o qual a responsabilidade pelo acidente do A., alegadamente pertence em 51% à 3.ª Ré, 15% à F…-Companhia de Seguros, S.A., 4.ª Ré, 5% à Companhia de Seguros G…, S.A., 5.ª Ré, e 29% à M…, S.A., actualmente H… Companhia de Seguros, S.A.., 6.ª Ré, conforme o documento denominado “Condições Particulares da Apólice”, que junta e cujo conteúdo deu “integralmente reproduzido e integrado” (artigos 48.º a 52.º da petição inicial), identificando expressamente a apólice de tal contrato com a referência ao n.º ……….. (artigo 58.º da petição inicial).
Analisando os documentos juntos com a petição inicial, constata-se que o contrato invocado no aludido articulado é em regime de co-seguro e foi celebrado entre a Associação de Futebol de D… e as seguradoras «E…, S.A.», «M…, S.A.», «F…, S.A.» e «G…, S.A.» e se mostra titulado pela apólice n.º ……….., em vigor à data do sinistro (fls. 328 e ss.).
Nenhuma das partes questiona a vigência deste contrato, nem que o acidente sub judice se mostre submetido à sua cobertura.
Nos termos do artigo 264.º, nº 1, do Código de Processo Civil, na redacção que vigorava quando foram oferecidos os articulados nestes autos[14], “[à]s partes cabe alegar os factos que integram a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções” (a este preceito corresponde o artigo 5.º, n.º 1 do Código de Processo Civil de 2013).
Nos termos do disposto no artigo 268º do mesmo Código de Processo Civil “[c]itado o réu, a instância deve manter-se a mesma quanto às pessoas, ao pedido e à causa de pedir, salvas as possibilidades de modificação consignadas na lei” (a este preceito corresponde o artigo 260.ºdo Código de Processo Civil de 2013).
Quanto à alteração da causa de pedir, havendo acordo das partes “o pedido e a causa de pedir podem ser alterados ou ampliados em qualquer altura, em 1ª ou 2ª instância, salvo se a alteração ou ampliação perturbar inconvenientemente a instrução, discussão e julgamento do pleito” mas, na falta de acordo, “a alteração ou ampliação da causa de pedir, exceptuando o caso de resultar de confissão feita pelo réu e aceita pelo autor, só pode ser feita na réplica, se o processo a admitir” (artigos 272.º e 273º, n.º 1, do Código de Processo Civil de 1961, a que correspondem actualmente os artigos 264.º e 265.º).
Especificamente na acção laboral podem, eventualmente, ser considerados factos que extrapolam a causa de pedir enunciada na petição inicial se, no momento próprio (cfr. os arts. 28.º e 60.º, n.º 3 do Código de Processo do Trabalho), o autor cumular uma nova causa de pedir, provocando uma decisão do juiz a admiti-la e cumprindo-se o contraditório.
Define o Prof. Alberto dos Reis a causa de pedir como sendo o “acto ou facto jurídico de que procede a pretensão do autor”. Ao invocar determinado direito, ao autor compete especificar a respectiva causa de pedir, ou seja, a fonte desse direito, os factos donde, no seu entendimento, procede tal direito, neles alicerçando, numa relação lógico-jurídica, o pedido deduzido[15].
Como ensina Manuel de Andrade, o objecto da acção – e com ele o objecto da decisão e a extensão objectiva do caso julgado – é identificado através do pedido e da causa de pedir, consubstanciada esta em factos concretos (arts. 193º, nº2, al. a), 497º e 498º do Código de Processo Civil)[16].
A causa de pedir exerce uma função individualizadora do objecto do processo, conformando-o. Por isso o tribunal tem de a considerar ao apreciar o pedido e não pode basear a sentença de mérito em causa de pedir não invocada pelo autor, sob pena de nulidade da sentença (artigos 608.º, n.º 2 e 615.º, n.º 1, al. d) do CPC de 2013, já em vigor à data da sentença). E, também por isso, também, a sentença de mérito que vem a ser proferida só vincula no âmbito objectivamente definido pelo pedido e pela causa de pedir (artigo 581.º, n.º 1 do CPC de 2013).
A enunciação da causa de pedir, com a descrição dos factos essenciais que a caracterizam, continua submetida a um rigoroso princípio dispositivo, constituindo terreno reservado à parte que recorre ao tribunal e formula a sua pretensão de tutela judiciária. É ao autor que cabe delinear a causa de pedir da sua pretensão.
Mesmo os poderes inquisitórios emergentes do art. 72.º do Código de Processo do Trabalho, que permitem ao juiz atender aos factos que surjam no decurso da produção da prova e que o tribunal “considere relevantes para a boa decisão da causa” (fórmula ampla que é susceptível de abarcar quer factos essenciais, quer instrumentais, quer complementares e concretizadores), mesmo que não tenham sido articulados, estão sujeitos a limitações, sendo uma delas, precisamente, a de que tais factos só poderão fundar a decisão se não implicarem uma nova causa de pedir, nem a alteração ou ampliação da causa ou causas de pedir iniciais[17].
É a causa de pedir que traça os limites da actividade cognitiva do tribunal, funcionando aqui em pleno o princípio do dispostivo.
Ora, o que o A. invocou na petição inicial para fundar a responsabilidade das RR. seguradoras foi o contrato de seguro em regime de co-seguro que vincula todas elas, a saber, o contrato celebrado entre a Associação de Futebol de D… e as seguradoras «E…, S.A.», «M…, S.A.», «F…, S.A.» e «G…, S.A.» titulado pela apólice n.º ……….., conforme documentação que juntou (fls. 328 a 338). Não faz o A. a mínima alusão a um contrato de seguro que a Associação de Futebol de D… houvesse celebrado apenas com a M… Companhia de Seguros, S.A. e que, eventualmente, tivesse um âmbito de cobertura diferente, vg. o titulado pela apólice n.º ../…… cuja cópia se mostra junta com a contestação da R. Companhia de Seguros H…, S.A. (fls. 372 a 380).
É de notar que é a R. Companhia de Seguros H…, S.A. quem junta cópia desta apólice n.º ../…… e indica o seu número no artigo 4.º da contestação, mas, incompreensivelmente, aludindo na mesma contestação ao contrato de seguro em regime de co-seguro que o A. alegou na petição inicial, tendo como líder a Companhia de Seguros E… e com os limites máximos de capital seguros enunciados na apólice junta com a petição inicial, para que também remete, embora sem expressamente dizer o seu número (artigo 5.º e 17.º da contestação de fls. 367 e ss.), não procedendo a qualquer distinção entre os dois contratos de seguro.
Perante esta alegação que a R. H… fez constar da sua contestação, e perante os documentos a ela juntos, demonstrativos da existência de uma outra apólice que, ao que tudo indica, estaria também em vigor à data do sinistro, o A. não lançou mão da faculdade que lhe era concedida pelo artigo 28.º do Código de Processo do Trabalho, nem artigo 273.º, n.º 1 do Código de Processo Civil então em vigor, nem consta dos autos qualquer acordo que as partes tenham alcançado nos termos do artigo 272.º do mesmo diploma, razão por que vale na sua plenitude o princípio da estabilidade da instância, não podendo agora em sede de recurso serem reconhecidos ao A. direitos que eventualmente decorram deste outro contrato de seguro em que o mesmo não fundou os seus pedidos e que não foi discutido nos autos.
Perante os termos em que foi efectuada a narração factual que o A. fez constar da petição inicial, não pode, a nosso ver, sustentar-se que a causa de pedir da presente acção – os factos de onde, no entendimento do A., procede o direito alegado e nos quais alicerça, numa relação logico-jurídica, o pedido deduzido – é também integrada por um “outro” contrato de seguro que é alegado (deficientemente, diga-se) na contestação da R. Companhia de Seguros H…. Note-se que o A. se limitou a impugnar a atinente alegação da Companhia de Seguros H… por “não saber se corresponde ou não à verdade do contratado entre as partes” (vide a resposta de fls. 403-404) e que a sentença da 1.ª instância pura e simplesmente não abordou este contrato, como não tinha que abordar na medida em que o mesmo não foi invocado pelo A. na sua petição inicial como fundamento dos pedidos que formulou na acção, como aconteceu com o contrato de seguro de acidentes pessoais inerentes à actividade desportiva celebrado entre a Associação de Futebol de D… e as seguradoras «E…, S.A.», «M…, S.A.», «F…, S.A.» e «G…, S.A.», titulado pela apólice n.º ……….., ali expressamente invocado.
Não tem qualquer relevo a este propósito o facto de, no ponto 2. da decisão de facto, que descreve o contrato de seguro em regime de co-seguro alegado na petição inicial, se fazer referência às folhas do processo em que se encontram as cópias das duas apólices (fls. 328 a 338 e 372 a 380). Na verdade, e por um lado, a remissão para folhas do processo não vale em si como relato de um facto, estando a mesma sempre submetida ao conteúdo do que se descreve no concreto facto provado. Por outro lado, resulta com clareza da descrição feita no referido facto 2. que a mesma apenas se refere a um contrato em regime de co-seguro, pois que enuncia especificamente a proporção das responsabilidades de cada uma das seguradoras nesse contrato – as “Rés «H…» (então «M…, S.A.») «F…», «G…» e «E….», nas proporções de 29%, 15%, 5% e 51%, respectivamente” – e não faz uma qualquer alusão a um outro contrato em que a R. «H…» fosse a única responsável pela reparação nele prevista.
Seja como for, ainda que a apólice n.º ../…… celebrada com a então «M…, S.A.» estivesse descritivamente enunciada na decisão de facto, tal não autorizava que o tribunal a quo à mesma atendesse sem que houvesse no decurso da acção uma alteração válida da causa de pedir. A pretensão do recorrente de se fazer agora valer de tal contrato, aliás apenas explicitamente manifestada nas alegações de recurso, consubstancia uma verdadeira alteração da causa de pedir extemporaneamente formulada, atento o princípio da estabilidade da instância (cfr. o art. 268.º do Código de Processo Civil de 1961, a que corresponde o artigo 260.º do CPC de 2013), não se enquadrando em qualquer das situações em que a lei admite a alteração do objecto da acção (artigo 28.º do Código de Processo do Trabalho e artigos 272.º e 273.º do Código de Processo Civil de 1961, a que correspondem os artigos 264.º e 265.º do Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho).
Acresce que o suscitar desta questão em via de recurso configura ainda o suscitar de uma questão nova que não é de conhecimento oficioso, pelo que, também por esse motivo, não poderia este Tribunal da Relação pronunciar-se sobre a mesma. Como decorre do disposto no artigo 627.º do Código de Processo Civil de 2013[18], e constitui jurisprudência uniforme (à luz do artigo 676.º do anterior CPC), os recursos, como remédios jurídicos que são, não se destinam a conhecer questões novas não equacionadas perante o tribunal recorrido e por este não apreciadas, mas, sim, a apurar da adequação e legalidade das decisões sob recurso, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso[19].
Em suma, está subtraída a este Tribunal da Relação a possibilidade de analisar os pedidos formulados na acção à luz de um contrato de seguro distinto do titulado pela apólice n.º ……….., invocado pelo A. na sua petição inicial e que a sentença teve em vista na análise que fez dos pedidos formulados, sem prejuízo da análise de eventuais direitos decorrentes dessa apólice que o A. entenda dever fazer valer noutra sede, sendo caso disso.
4.2.3. Conclui-se, pois, que o acidente sofrido pelo A. no dia 17 de Maio de 2008 se mostra coberto pelo contrato de seguro desportivo celebrado entre a Associação de Futebol de D… e as seguradoras «E…, S.A.», «M…, S.A.», «F…, S.A.» e «G…, S.A.», titulado pela apólice n.º ………… – o que aliás nenhuma das partes põe em causa –, devendo apreciar-se a responsabilidade da R. Companhia de Seguros H…, S.A. apenas no quadro normativo emergente deste contrato em regime de co-seguro e não procedendo a pretensão do recorrente de ver a mesma responsabilizada em valores superiores aos assegurados por esta apólice, vg. por força de um outro contrato que não foi discutido nestes autos.
Mediante o contrato titulado pela apólice n.º …………, as RR. seguradoras, nas assinaladas proporções da responsabilidade por si assumida, garantem, nos termos definidos nas respectivas Condições Gerais, Especiais e Particulares, o pagamento das indemnizações previstas nas coberturas subscritas pelo tomador do seguro, às pessoas por ele identificadas que sofram sinistros ocorridos no desenvolvimento da actividade desportiva de futebol, até à concorrência do capital seguro.
*
4.3. Cabe agora enfrentar a questão de saber se devem ser incluídos na cobertura do contrato de seguro desportivo titulado pela apólice n.º ……….. os danos não patrimoniais alegados, as despesas de deslocação para tratamentos e consultas, as retribuições que o A. deixou de auferir enquanto esteve impossibilitado de exercer a sua actividade profissional e as despesas com o envio de correspondência que remeteu para as RR., tudo em consequência do acidente que sofreu em 17 de Maio de 2008.
4.3.1. O contrato de seguro é normalmente caracterizado como bilateral, oneroso, aleatório, de execução continuada, típico e de boa fé[20].
Resulta do disposto no corpo do art. 425º do Código Comercial[21], bem como do seu parágrafo único e nº 3, que o contrato de seguro é também de natureza formal, devendo ser reduzido a escrito e devendo qualquer alteração ao mesmo constar da apólice.
É pois exigido o documento escrito como formalidade "ad substantiam" (art. 220º do C.Civil), devendo a respectiva interpretação fazer-se em termos de ter uma correspondência no texto do documento (art. 238º do C.Civil).
Este documento é a apólice do seguro, como se infere do art. 426º do C. Comercial ao estabelecer que "[o] contrato de seguro deve ser reduzido a escrito num instrumento que constituirá a apólice de seguro".
Nos termos do artigo 427º do Código Comercial, o contrato de seguro rege-se pelas condições e cláusulas da respectiva apólice não proibidas por lei, e, na sua falta ou insuficiência, pelas disposições desse código.
As condições e cláusulas estabelecidas integram o contrato e obrigam segurador e segurado, face ao princípio da liberdade contratual estabelecido no artigo 405.º do Código Civil e à eficácia dos contratos prevista no artigo 406.º do mesmo compêndio normativo ("pacta sunt servanda").
4.3.2. À data do sinistro, o seguro obrigatório destinado a cobrir os riscos de acidentes pessoais inerentes à actividade desportiva era regulado pelo já referenciado Decreto-Lei n.° 146/93, de 26 de Abril.
De acordo com o artigo 4.º deste diploma, as coberturas mínimas abrangidas pelo seguro desportivo de grupo eram as seguintes:
«a) Pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da actividade desportiva
b) Pagamento de despesas de tratamento, incluindo internamento hospitalar, e de repatriamento.»
Por seu turno a Portaria n.º 757/93 de 26 de Agosto, que estabeleceu as normas necessárias à fixação dos capitais mínimos obrigatórios para o seguro desportivo, nas suas várias modalidades, dispôs no seu artigo 1.º que:
«As federações dotadas de utilidade pública desportiva devem, obrigatoriamente, celebrar um seguro desportivo de grupo com os seguintes montantes mínimos de capital por praticante ou agente desportivo não profissional nelas inscritos:
- Morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente da actividade desportiva - 3 000 000 $. Para menores de 14 anos o capital por morte reduz-se ao valor das despesas de repatriamento e funeral, até ao limite de 300 000 $;
- Pagamento de despesas de tratamento, incluindo internamento hospitalar, e de repatriamento - 500 000 $.»
Embora o Instituto de Seguros de Portugal, não tenha aprovado nenhuma norma regulamentar a fixar um clausulado uniforme para o seguro desportivo obrigatório (como fez por exemplo no âmbito do seguro de acidente de trabalho através, actualmente, da Portaria n.º 256/2011, de 05 de Julho[22]), há que ter em atenção as coberturas mínimas que emergem desta regulação legal.
Estas coberturas permitem, como diz Margarida Lima Rego, qualificar o seguro desportivo obrigatório como uma figura híbrida, “com uma vertente de seguros de capitais – porque proporciona o pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, em cuja fixação não se aplica o chamado princípio indemnizatório, que limitaria a prestação do segurador ao valor do dano decorrente do sinistro; e uma vertente de seguro de danos – já que cobre as despesas de tratamento e de repatriamento, aplicando-se a essas coberturas o princípio indemnizatório”[23].
4.3.3. O seguro obrigatório desportivo é fundado num contrato, num convénio entre partes estabelecido ao abrigo da liberdade contratual enunciada no n.º 1 do artigo 405.º do Código Civil. Mas, sendo embora um contrato, o mesmo traduz uma “convergência entre elementos negociais estabelecidos no quadro da autonomia das partes (se quisermos, negociados livremente) e elementos necessários (se quisermos, imperativos), modelados exteriormente ao exercício dessa autonomia e, em certo sentido, a ela subtraídos”, razão por que a liberdade de modulação da relação contratual surge mitigada pelos chamados “limites da lei” salvaguardados no referidos artigo 405.º, como é dito no Acórdão da Relação de Coimbra de 8 de Setembro de 2009[24].
Foi justamente por considerar que a cláusula da apólice que continha a exclusão da cobertura de incapacidades permanentes iguais ou inferiores a 10 % era nula, por contrariar a norma imperativa constante do artigo 4.º, n.º 1, alínea a) do Decreto-Lei n.° 146/93 – pois ao estabelecer a obrigação, no mínimo, da cobertura da invalidez permanente, total ou parcial, a norma cobre obrigatoriamente toda e qualquer incapacidade permanente parcial (IPP), e não só a que seja igual ou supere os 10% de incapacidade – que o tribunal a quo afirmou o direito do A. a ser ressarcido pela IPP inferior a 10% de que ficou a padecer, em conformidade com a jurisprudência que cita (segmento decisório este que não foi posto em causa na apelação).
O contrato de co-seguro invocado pelo A. tem, pois, como referência inultrapassável, os termos da obrigação de segurar decorrentes das disposições do Decreto-Lei n.° 146/93, devendo ainda submeter-se às demais regras imperativas do ordenamento jurídico.
Mas para além do que deva considerar-se ser a reserva de conteúdo mínimo da relação contratual, vale na sua plenitude o princípio da autonomia da vontade liberdade contratual, devendo o contrato celebrado ser pontualmente cumprido, em conformidade com as estipulações constantes das suas cláusulas.
4.3.4. O contrato de co-seguro celebrado entre a Associação de Futebol de D… e as seguradoras «E…, S.A.», «M…, S.A.», «F…, S.A.» e «G…, S.A.» mostra-se titulado pela apólice n.º ……….. cujas “condições particulares” (fls. 328 e ss.) referem que o contrato abrange jogadores de futebol amador menores de 14 anos, restantes jogadores de futebol amador, árbitros, juízes e cronometristas, dirigentes desportivos, treinadores, monitores e animadores. Quanto aos “restantes jogadores de futebol amador” – grupo no qual é pacífico que se inclui o ora recorrente – garante o seguinte:
«3 – Garantias e Capitais Seguros
3.1 O presente contrato garante em relação a cada Pessoas Seguras, até ao limite dos capitais indicados, as seguintes garantias:
(…)
Restantes jogadores de futebol amador
Garantias Capitais
Morte ou Invalidez Permanente € 27.000,00
Despesas de tratamento e Repatriamento € 4.800,00
(…)».
No mesmo item das “condições particulares” da apólice n.º ……….. (fls. 330 verso) consta ainda o seguinte:
«(…)
3.3 Ao abrigo da Garantia "Morte ou Invalidez Permanente", o risco de morte será extensivo à denominada morte súbita, entendendo-se como tal, a morte quando ocorrida durante a prática do futebol. quando não provocada directamente por acidente, desde que não resulte de doença ou situação clínica previamente diagnosticada.
3.4 Caso se verifique uma situação de Invalidez Permanente, garantida ao abrigo das garantias "Invalidez Permanente" ou "Morte ou Invalidez Permanente", fica estabelecido que o pagamento da indemnização far-se-á nos seguintes termos:
- Se o grau de invalidez permanente for inferior a 10%, não haverá lugar ao pagamento de qualquer indemnização;
- Se o grau de invalidez permanente for igual ou superior a 10% e inferior a 66%, será paga à Pessoa Segura uma indemnização na proporção do respectivo grau de invalidez permanente;
- Se o grau de invalidez permanente for igual ou superior a 66%, será considerado exclusivamente para efeitos de indemnização um grau de invalidez de 100%, sendo pago à Pessoa Segura a totalidade do capital seguro previsto para a respectiva cobertura.»
E nas “condições especiais” da mesma apólice (fls. 336) consta também o seguinte:
«(…)
Artigo 3.º
1. Ocorrendo a invalidez permanente da pessoa segura, clinicamente constatada e fixada através de relatório médico no decurso de dois anos a contar da data do acidente garantido pela Apólice, a E… pagará a parte do correspondente capital determinado pela Tabela de Desvalorização anexa ao presente contrato e que dele faz parte integrante.
2. O pagamento desta indemnização, na falta de indicação expressa em contrário nas Condições Particulares, será feito directamente à Pessoa Segura ou ao seu representante legal quando esta seja menor de idade.
3. Quando expressamente previsto nas Condições Particulares, poderão ser adoptadas desvalorizações diferentes das que fazem parte da Tabela de Desvalorização anexa a esta apólice.
4. Quando, de acordo com o número anterior, não for adoptada uma Tabela de Desvalorização diferente a lesão verificada não se encontrar prevista nesta última, a invalidez permanente a indemnizar pela E… será determinada com base na Tabela Nacional de Incapacidades, sendo atribuída à Pessoa Segura 75% da incapacidade aí fixada para a lesão em questão, independentemente da profissão eventualmente exercida.(…)»
Sendo este o quadro contratual a atender, vejamos se os danos que o recorrente invoca na apelação não terem sido ressarcidos devem considerar-se contemplados nas duas garantias previstas na apólice que, diga-se, correspondem às duas alíneas do artigo 4.º do Decreto-Lei n.° 146/93 e ao artigo 1.º da Portaria n.º 757/93.
4.3.5. Quanto aos danos não patrimoniais, alega o recorrente, no essencial, que tais danos devem ser incluídos na cobertura do referido contrato de seguro desportivo, a coberto do qual o A. jogava, na sua parte referente ao pagamento de um capital pela “invalidez permanente” que ali é garantido, pois a apólice não refere qualquer exclusão da cobertura dos danos não patrimoniais sofridos e na previsão do art.º 4, n.º 1, al. a) do D.L. n.º 146/93 o legislador não fez qualquer distinção quanto à natureza dos danos a coberto.
A sentença sob recurso considerou nada ser devido a título de danos não patrimoniais estribando-se na decisão contida no Acórdão da Relação de Guimarães de 2015.01.15[25]. Tal acórdão, além do mais, partindo da afirmação de que o seguro de grupo do ramo «acidentes pessoais» em análise tem um cunho indemnizatório – “no dizer de José Vasques, serão «seguros de prestação indemnizatória todos aqueles em que a prestação da seguradora consiste num valor a determinar a partir dos danos resultantes do sinistro, e serão seguros de prestação convencionadas todos os restantes (in Contrato de Seguro, 1999, pág. 47)” – e de que, no caso, a indemnização do risco da invalidez permanente é determinada pela tabela de desvalorização anexa às condições gerais com um critério puramente aritmético – “multiplicação da IPP apurada pelo valor do capital da apólice” – vem a concluir que as condições contratuais pré-estabelecidas, às quais aderiu o tomador de seguro, “não contemplam no risco da IPP coberto os danos não patrimoniais” onde, precisa, “o critério prevalecente é a equidade (artigo 496º, nº4, do Código Civil)”.
Anuímos a este entendimento, que se nos afigura ser o mais consentâneo, quer com a interpretação dos textos legais, quer, no caso que nos ocupa, com a interpretação do convénio celebrado entre a Associação de Futebol de D… e as RR. seguradoras.
Não desconhecemos a jurisprudência que admite a reparação deste tipo de danos no âmbito do seguro desportivo[26], essencialmente com base na consideração de que o texto do artigo 4º do DL 146/93 não a exclui (quando dispõe que o contrato de seguro desportivo cobre o pagamento de um capital por morte ou invalidez permanente e o pagamento de despesas de tratamento, incluindo hospitalar, e de repatriamento, sem distinguir entre o dano patrimonial e o dano não patrimonial) e o contrato em si mesmo também não exclui expressamente no texto os danos não patrimoniais, interpretando o que qualificam de “ambiguidade do texto” como abrangendo o conteúdo indemnizatório mais amplo, correspondente à não exclusão da cobertura dos danos não patrimoniais.
É certo que o art. 4.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.° 146/93, não exclui efectivamente a atribuição da indemnização por danos não patrimoniais – isto é, daqueles danos relativos a “valores de ordem espiritual, ideal ou moral” e insusceptíveis, por isso, de avaliação pecuniária[27] – ao determinar que a cobertura mínima abrangida pelo seguro desportivo de grupo se consubstancia no “[p]agamento de um capital por morte ou invalidez permanente, total ou parcial, por acidente decorrente de actividade desportiva”.
Mas também é verdade que a não abarca de modo evidente, sendo certo que neste âmbito em que a actividade do intérprete intenta determinar o grau de imperatividade de uma prescrição legal a fim de averiguar se as cláusulas contratuais contendem com uma regulamentação imperativa, deve o mesmo estar ciente de que a regra é a liberdade de modelação do conteúdo contratual pelo que apenas deve concluir pela existência de uma prescrição legal limitativa quando esta seja clara e patente[28].
Ora, se não houver, como não há, uma imposição legal evidente de cobertura de danos não patrimoniais, não se nos afigura sustentável que da falta de distinção na lei deva extrair-se tal imposição, a limitar, nesses termos, a liberdade de modulação do conteúdo da relação contratual prescrita como regra no artigo, 405.º do Código Civil.
Cremos pois que a não previsão da indemnização por danos não patrimoniais nos contratos de seguro desportivo celebrados soba égide do Decreto-Lei n.° 143/93 não contende com a reserva de conteúdo necessário da regulação contratual que emerge desta regulamentação imperativa do seguro obrigatório.
Tal não significa que as partes não pudessem clausular uma cobertura com esse âmbito.
Mas não é o que ocorre no caso dos autos.
Com efeito, procedendo à interpretação da apólice do seguro sub judice, tendo presente a teoria da impressão do destinatário tal como se mostra prevista no artigo 236.º do Código de Processo Civil, cremos que dos termos em que na mesma se mostra garantida a indemnização por invalidez permanente resulta a nosso ver, com clareza, que esta não compreende as consequências não patrimoniais que eventualmente a pessoa segura possa sofrer em consequência de sinistro verificado na prática da modalidade desportiva.
Desde logo nas condições gerais da apólice o conceito de “invalidez permanente” é definido como a “diminuição total ou parcial de a pessoa segura exercer a sua profissão ou qualquer outra actividade lucrativa” [artigo 1.º, alínea k)] o que reporta o intérprete, apenas, para a repercussão do dano no plano profissional ou num outro modo de obtenção de lucros, ou seja, para as consequências patrimoniais da lesão (privação da capacidade aquisitiva), sem qualquer alusão a consequências não patrimoniais.
Além disso, quando nas condições especiais dispõe sobre o modo de cálculo das prestações a pagar, define um critério puramente aritmético, ao estabelecer no artigo 3.º, n.º 1 que, ocorrendo a invalidez permanente da pessoa segura, a seguradora “pagará a parte do correspondente capital determinado pela Tabela de Desvalorização anexa ao presente contrato e que dele faz parte integrante”. E nas condições particulares, como já se enunciou, mostra-se estabelecido, além do mais, que “[s]e o grau de invalidez permanente for (…) inferior a 66%, será paga à Pessoa Segura uma indemnização na proporção do respectivo grau de invalidez permanente” e “[s]e o grau de invalidez permanente for igual ou superior a 66%, será considerado exclusivamente para efeitos de indemnização um grau de invalidez de 100%, sendo pago à Pessoa Segura a totalidade do capital seguro previsto para a respectiva cobertura.”
Ora, perante este texto contratual e sendo o contrato de seguro um contrato formal – o que determina que a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso (n.º 1 do artigo 238.º do Código Civil) –, é manifesto que na reparação da invalidez permanente foi convencionado um critério dependente de meros cálculos matemáticos (no qual não intervém o princípio geral contido no artigo 562.º do Código Civil, segundo o qual o quantum indemnizatório deve corresponder ao prejuízo efectivamente sofrido e repará-lo integralmente), não se vendo como pode ter-se como compreendida no capital por invalidez permanente, para além da estrita indemnização correspondente à percentagem da perda da capacidade aquisitiva, a indemnização por danos não patrimoniais.
Acresce que, a entender assim, teríamos que aceitar a incongruente solução de que a apólice apenas contemplaria a reparação de danos não patrimoniais em casos de menor gravidade, em que a invalidez permanente fosse de um valor percentual mais baixo, pois o o valor do capital disponível para tal indemnização iria diminuindo à medida que fosse subindo o grau de desvalorização funcional permanente. E chegar-se-ía ao absurdo de, no caso de uma incapacidade permanente absoluta para todo e qualquer trabalho, correspondente a uma IPP de 100%, ou mesmo no caso de uma IPP de 66% – potencialmente determinativas de maiores danos em bens de ordem espiritual, atenta a maior gravidade do dano corporal e as maiores limitações físicas que coenvolvem –, a apólice não contemplar a indemnização por danos não patrimoniais por não haver já capital disponível para o efeito. O que, a nosso ver, de forma alguma é crível que tenha sido o sentido verdadeiramente querido pelas partes.
Assim, se a apólice não contempla expressamente a reparação do dano não patrimonial, se a definição de “invalidez permanente” nela contida aponta apenas para as consequências patrimoniais da lesão e se o critério nela clara e inequivocamente estabelecido para a reparação da “invalidez permanente” é puramente aritmético – multiplicação da IPP apurada pelo valor do capital garantido na apólice, com as restrições assinaladas –, conduzindo a resultados interpretativos claramente iníquos, face ao clausulado, a contemplação no capital garantido da indemnização por danos não patrimoniais, é de concluir que o contrato de seguro celebrado entre a Associação de Futebol de D… e as RR. seguradoras não compreende as consequências não patrimoniais que eventualmente a pessoa segura possa sofrer em consequência de sinistro verificado na prática da modalidade desportiva.
Improcede, nesta matéria, a pretensão recursória do A.
4.3.6 Já quanto às despesas de deslocação para tratamentos, não se poderá dizer o mesmo.
Com efeito, resulta da interpretação dos termos específicos do clausulado na apólice do contrato de seguro sub judice que, no tocante às “despesas de tratamento e repatriamento”, esta garante, até aos valores fixados nas condições particulares, as despesas de deslocação efectuadas por causa dos tratamentos clínicos regulares.
Senão vejamos.
O conceito de “despesas de tratamento” é definido de modo amplo nas condições gerais da apólice nos seguintes termos: “Despesas necessárias para o tratamento das lesões sofridas pela pessoa segura em consequência de um sinistro garantido” [artigo 1.º, alínea l)].
Mas o âmbito da garantia quanto a estas despesas mostra-se estabelecido no corpo do artigo 1.º das condições especiais em termos de a seguradora garantir o reembolso das despesas necessárias para o tratamento das lesões sofridas em consequência de acidentes garantidos pela apólice, bem como das despesas extraordinárias de repatriamento e transporte clinicamente aconselhado em função das referidas lesões, dispondo ainda este artigo 1.º das condições especiais que:
«1. Por despesas de tratamento entendem-se as relativas a honorários médicos e internamento hospitalar, incluindo assistência medicamentosa e de enfermagem, que forem necessárias em consequência do acidente.
2. No caso de ser necessário tratamento clínico regular, e durante todo o período do mesmo, consideram-se também incluídas as despesas de deslocação ao medico, hospital, clínica ou posto de enfermagem, desde que o meio de transporte utilizado seja adequado à gravidade da lesão.
3. Por despesas de repatriamento, entendem-se as relativas ao transporte clinicamente aconselhado.
4. O reembolso das despesas acima garantidas será feito a quem demonstrar ter pago as mesmas, contra entrega da respectiva documentação comprovativa.”
(vide fls. 333 e 336 verso).
Ora, não só em termos objectivos as despesas de deslocação para tratamentos são despesas necessárias ao tratamento das lesões sofridas (pois sendo os tratamentos realizados em estabelecimentos especificamente destinados a prestar cuidados de saúde, não é possível ao sinistrado submeter-se aos mesmos sem se deslocar da sua residência para tais estabelecimentos, sendo as despesas feitas com tais deslocações indispensáveis para a concreta efectivação dos tratamentos) como, ainda, se mostram efectivamente contempladas no texto da apólice as “despesas de deslocação ao medico, hospital, clínica ou posto de enfermagem” (artigo 1.º, n.º 2) no caso de ser necessário tratamento clínico regular.
É pois de considerar que, no caso vertente, os contraentes tiveram como compreendidas nas “despesas de tratamento” garantidas no contrato de seguro as “despesas de deslocação ao medico, hospital, clínica ou posto de enfermagem, desde que o meio de transporte utilizado seja adequado à gravidade da lesão”, quando seja “necessário tratamento clínico regular, e durante todo o período do mesmo”.
Resulta dos factos provados que o A. necessitou de tratamento clínico regular no que diz respeito às sessões de fisioterapia que frequentou nos dias assinalados no ponto 13 da decisão de facto, sendo a submissão a tais tratamentos determinada pelos médicos da Companhia de Seguros E… (factos 11. e 12.).
Além disso, ficou provado que para tais deslocações, cujo ponto de partida foi a sua residência, “teve que alugar por diversas vezes um táxi”, tendo despendido as quantias inerentes ao custo de tais deslocações (facto 15.).
Quanto à adequação do transporte à gravidade da lesão, nenhuma das RR. seguradoras questionou tal adequação nas suas contestações, limitando-se as RR. E…, F… e H… a invocar que a apólice não contempla os prejuízos de transportes – o que já vimos não suceder quando seja necessário tratamento clínico regular, e durante todo o período do mesmo – e a impugnar a realização das despesas, sendo certo que ficou provado no ponto 15., sem que a decisão de facto neste aspecto tenha sido objecto de impugnação, que “[p]ara as deslocações, de ida e volta, ao Hospital Distrital de …, deslocações para as várias sessões de fisioterapia a que foi submetido na Clínica de Reabilitação Física de AC…, Lda., sita em …, e ainda deslocações à Companhia de Seguros E…, S.A., sita no Porto, deslocações estas, todas elas, tendo como ponto de partida a residência do A., em …, o A. teve que alugar, por diversas vezes, como meio de transporte, um táxi, tendo despendido, com esse mesmo serviço de táxi, nestas várias deslocações, o montante total de 4.674,09€ (quatro mil, seiscentos e setenta e quatro euros e nove cêntimos).”
Cremos pois que o modo como o Mmo. Julgador a quo considerou provada a realização das despesas – para as deslocações de ida e volta, além do mais, às sessões de fisioterapia, “teve que alugar por diversas vezes um táxi” – denota que foi necessário para o efeito este meio de transporte, o que, em si, nos conduz a afirmar a não questionada adequação do transporte à gravidade da lesão.
Devem pois as seguradoras ser condenadas a reembolsar o recorrente das despesas que este realizou com as deslocações para os tratamentos de fisioterapia que lhe foram prescritos e realizou.
Já quanto às demais deslocações apuradas (ao hospital, a consultas e à Companhia de Seguros), não se incluem as mesmas dentro da cobertura de € 4.800,00 garantida na apólice, como já se assinalou.
Uma vez que a matéria de facto apenas enuncia, sem discriminar, um valor global de despesas de deslocações (facto 15.) e não tem este Tribunal da Relação elementos para autonomizar o valor despendido com as específicas deslocações verificadas para a submissão às sessões de fisioterapia que o A. frequentou nos múltiplos dias indicados no ponto 13 da decisão de facto[29], é necessário remeter para incidente de liquidação o apuramento do valor a atender a este título.
Acresce que resulta da decisão de facto ter a seguradora custeado directamente a maior parte do tratamento p. dito a que o recorrente foi submetido em consequência do acidente (pois o mesmo foi assistido pelos seus médicos e fisioterapeutas – vide os factos 10. e seguintes) e não está nos factos provados em quanto orçaram tais tratamentos prestados na rede clínica da seguradora e que, necessariamente, terão que ser contabilizados para aferir se foi ou não alcançado o limite do valor de € 4.800,00 por que as seguradoras respondem a título de “despesas de tratamento” nos termos enunciados na apólice.
Por outro lado, as RR. seguradoras mostram-se já condenadas, com trânsito em julgado, na proporção das respectivas responsabilidades, “a pagarem ao autor as consultas no Centro de Saúde de …, Sub-Região de …, Extensão de … e os exames radiológicos, consulta externa, electromiografia e internamento no Hospital Distrital de …, de acordo com o valor mínimo do “K” definido pela tabela da ordem dos médicos para o acto médico em causa”, não sendo condenadas no valor global de € 77,35 apurado a esse título (factos 16., 17. e 21.) por força do ponto 3.6. das condições particulares da apólice, sendo que também este valor não se mostra ainda determinado em termos quantitativos finais.
Impõe-se ainda ter em consideração que o “capital seguro” representa o valor máximo da prestação a pagar pelo segurador e que a responsabilidade do segurador está limitada às importâncias máximas fixadas nas condições particulares de cada uma das coberturas (veja-se a cláusula 14.ª das condições gerais da apólice (fls. 334), bem como a precisão final das condições particulares da mesma apólice de que “os capitais indicados para cada uma das garantias são definidos por pessoa segura e sinistro”, razão por que não podem as RR. seguradoras ser responsabilizadas pelo pagamento de despesas de tratamento que excedam aquele montante do capital seguro a este título.
Há pois necessidade de efectuar o apuramento do devido a título de “despesas de tratamento” em incidente de liquidação nos termos do artigo 609.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho
Assim, manter-se-á a condenação das RR. seguradoras nas despesas de tratamento contempladas na decisão da 1.ª instância, condenando-se ainda as mesmas RR no pagamento das despesas efectuadas pelo A. para se deslocar às sessões de fisioterapia enunciadas no ponto 13 da matéria de facto a que se submeteu por determinação dos médicos da R. E…, precisando-se que a condenação na soma do valor correspondente ao custo destas deslocações (a apurar), com o valor em que a 1.ª instância condenou as seguradoras (a apurar) e com o do valor dos tratamentos custeados directamente pelas seguradoras (também a apurar), tem como limite o montante de € 4.800,00 garantido na apólice a este título, sendo a condenação das seguradoras no que se vier a liquidar, nos termos do artigo 609º, nº2, do CPC, dentro dos limites do capital previsto na apólice.
Procede parcialmente o recurso, neste aspecto.
4.3.7. No que concerne às retribuições que o A. deixou de auferir enquanto esteve impossibilitado de exercer a sua actividade profissional, não pode proceder a sua pretensão, na medida em que, como assinalou a sentença sob recurso, não encontram suporte no contrato de seguro vigente nos autos, nem constituem cobertura mínima consagrada no Decreto-Lei n.° 146/93.
É certo que, como alega o recorrente, resultou provado nos autos que ficou totalmente impossibilitado de exercer a sua referida actividade profissional e qualquer outra, até 10 de Setembro de 2008 e de 14 de Dezembro de 2009 até 18 de Janeiro de 2010 (factos 25. e 36.) e que estão apuradas, também, as retribuições que nesse período auferia no exercício da sua actividade profissional, tendo esta Relação acrescentado aos factos provados os valores retributivos auferidos em parte desse período.
Simplesmente, como resulta do já exposto, a cobertura da apólice quanto aos “restantes jogadores de futebol amador”, grupo em que se inclui o ora recorrente, restringe-se às garantias de “Morte ou Invalidez Permanente” (€ 27.000,00) e “Despesas de tratamento e Repatriamento” (€ 4.800,00), não estando prevista qualquer outra garantia, nem a exigindo a lei que estabelece o seguro obrigatório desportivo.
O recorrente apela a este propósito à “apólice de seguro da aqui Ré H…” (conclusão AI.), mas, já o vimos, não pode o mesmo ver este tribunal a apreciar os seus pedidos com fundamento naquela apólice.
E apela também às condições especiais da “apólice de seguro da aqui Ré E…” que inclui cláusulas referentes a “incapacidade temporária”, cláusulas estas que, todavia, não se aplicam ao caso concreto do recorrente, na medida em que este não se enquadra no grupo de pessoas relativamente aos quais a apólice garante a incapacidade temporária e que são os “árbitros, juízes e cronometristas” (vide as condições particulares a fls. 328 e verso)
Sendo assim, independentemente de o A. poder ter sofrido a este título um dano patrimonial, não pode o mesmo ver condenadas as RR. seguradoras a ressarci-lo.
4.3.8. Finalmente, no que diz respeito às despesas no valor de € 28,69 com o envio de correspondência que remeteu para as RR., para reclamar as despesas que ía suportando, é também manifesto que não pode proceder a sua pretensão apesar de estas despesas se encontrarem provadas (facto 37.), por não se encontrar igualmente prevista no contrato de seguro desportivo celebrado entre a R. Associação de Futebol de D… e as RR. seguradoras qualquer garantia que as abarque, nem estando as mesmas contempladas na cobertura mínima consagrada no referido Decreto-Lei n.° 146/93.
*
4.4. Insurge-se ainda o recorrente com o facto de o tribunal a quo, citando o teor do contrato de seguro da E… na sua parte referente à “invalidez permanente”, ter considerado unicamente 75% da IPP do A. (4,43%) para efeitos de cálculo da indemnização, citando o teor do art. 3.º, n.º 4 das condições especiais da apólice, o que viola normas imperativas do Decreto-Lei n.° 146/93 e do Decreto-Lei n.° 352/2007, de 23-10.
Segundo alega, tendo sido apurada uma IPPde 5,91% ao A., após junta médica realizada por médicos peritos tendo por base a Tabela Nacional de Incapacidades, é por esta IPP que deve o mesmo ser ressarcido nos precisos termos em que a lei assim o configurou no referido Decreto-Lei, e não por outra.
De acordo com o já citado artigo 3.º das “condições especiais” da apólice (fls. 336):
«(…)
1. Ocorrendo a invalidez permanente da pessoa segura, clinicamente constatada e fixada através de relatório médico no decurso de dois anos a contar da data do acidente garantido pela Apólice, a E… pagará a parte do correspondente capital determinado pela Tabela de Desvalorização anexa ao presente contrato e que dele faz parte integrante.
(…)
4. Quando, de acordo com o número anterior, não for adoptada uma Tabela de Desvalorização diferente a lesão verificada não se encontrar prevista nesta última, a invalidez permanente a indemnizar pela E… será determinada com base na Tabela Nacional de Incapacidades, sendo atribuída à Pessoa Segura 75% da incapacidade aí fixada para a lesão em questão, independentemente da profissão eventualmente exercida.(…)»
Em nota à referida “tabela de desvalorização” anexa ao contrato (fls. 337), consta ainda que:
«NOTA: De acordo com o estipulado no n.° 4 do Artigo 3.° da Condição Especial de Morte ou Invalidez Permanente, quando a lesão da Pessoa Segura não constar da presente tabela e a aplicação de outras regras de desvalorização não tenham sido acordadas, a E… procederá à determinação da invalidez permanente com base na Tabela Nacional de Incapacidades, considerando para o efeito 75% da incapacidade aí definida.»
Por força do n.º 4 do artigo 3.º, a sentença sob recurso, considerando que a lesão sofrida pelo autor não se encontra prevista na tabela e partindo da incapacidade atendível para efeitos contratuais de 5,91%, ponderou que 75% de tal incapacidade equivalia a 4,43% e concluiu que o A. tinha direito a ser indemnizado, tendo por base esta IPP de 4,43% e o limite máximo indemnizável de € 27.000,00 fixando a indemnização devida ao A. pela invalidez permanente na quantia de € 1.196,10 (mil cento e noventa e seis euros e dez cêntimos).
Adiantando, devemos dizer que assiste razão ao recorrente, sufragando, também nós, a tese expressa no Acórdão da Relação de Coimbra de 14 de Abril de 2015[30].
Com efeito, com aí vem exarado:
«[…]
É permitida às partes a livre fixação do conteúdo dos contratos, os quais, uma vez firmados, devem ser pontualmente cumpridos: art. 405º e 406º nº 1 do Código Civil (de futuro, apenas CC).
Contudo, essa autonomia da vontade e liberdade contratuais têm limites, não podendo desrespeitar leis imperativas, ou, no dizer do art. 405º nº 1 do CC, elas têm de se conter “dentro dos limites da lei”.
E, como refere Almeida Costa [In “Direito das Obrigações”, 10ª edição reelaborada, 2006, Almedina, pág. 241/242], tais limites da lei «(…) visam a tutela de interesses das partes — nomeadamente a correcção e a justiça substancial nas suas relações —, ao lado de valores colectivos — como sejam a salvaguarda de princípios de ordem pública e da facilidade e segurança do comércio jurídico. Postula-se modernamente uma concepção de contrato dominada por imperativos éticos e sociais. Sobressai o princípio intervencionista, em particular nos contratos que vão participando do chamado direito social, de que representam exemplos expressivos as relações de trabalho e as de arrendamento rural e urbano, assim como a esfera da defesa do consumidor.».
E, acrescentamos nós, disso é exemplo também o caso dos contratos de seguro, mormente os seguros obrigatórios como é o caso do seguro dito desportivo.
Será que para efeitos de indemnização por dano corporal, as partes podem fixar livremente quais as formas de cálculo de desvalorização e respetivas percentagens? Ou tal está subtraído à sua liberdade contratual?
A resposta é-nos dada pelo Decreto-Lei nº 352/2007, de 23.10, que aprovou a referida TNI e que de forma clara determinou que a avaliação do dano e o cálculo de incapacidades no âmbito do direito civil deixou de estar no domínio da livre disposição e contratação das partes (autonomia privada).
Tal diploma aprovou duas Tabelas, uma para Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, e outra para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, estabelecendo a sua aplicação de forma imperativa.
E, como se extrai do seu preâmbulo, foi propósito firme do legislador em distinguir ambas as situações e corrigir os desvirtuamentos que se verificavam até então, ciente de que a anterior TNI vinha sendo «(…) utilizada não apenas no contexto das situações especificamente referidas à avaliação de incapacidade laboral, para a qual foi efectivamente perspectivada, mas também por vezes, e incorrectamente, como tabela de referência noutros domínios do direito (…)».
Aí se refere que, atendendo à complexidade da questão da avaliação médico-legal do dano corporal nos diversos domínios do direito — «Complexidade que resulta também da circunstância de serem necessariamente diferentes os parâmetros de dano a avaliar consoante o domínio do direito em que essa avaliação se processa, face aos distintos princípios jurídicos que os caracterizam».
«Por isso mesmo opta o presente decreto-lei pela publicação de duas tabelas de avaliação de incapacidades, uma destinada a proteger os trabalhadores no domínio particular da sua actividade como tal, isto é, no âmbito do direito laboral, e outra direccionada para a reparação do dano em direito civil.
(…)
Em segundo lugar, como anexo II, o presente decreto-lei introduz na legislação nacional uma Tabela Nacional para Avaliação de Incapacidades Permanentes em Direito Civil, que visa a criação de um instrumento adequado de avaliação neste domínio específico do direito, consubstanciado na aplicação de uma tabela médica com valor indicativo, destinada à avaliação e pontuação das incapacidades resultantes de alterações na integridade psico-física.
(…)
Com a adopção desta nova tabela visa-se igualmente uma maior precisão jurídica e a salvaguarda da garantia de igualdade dos cidadãos perante a lei, no respeito do princípio de que devem ter avaliação idêntica as sequelas que, sendo idênticas, se repercutem de forma similar nas actividades da vida diária.».
O Decreto-Lei nº 352/2007, em vigor desde 21 de Janeiro de 2008, determinou expressamente que a TNI em direito civil seria aplicável a “todas as peritagens de danos corporais efectuadas após a sua entrada em vigor”: art. 6º nº 1 al. c).
Concluindo: o Decreto-Lei nº 352/2007, de 23.10, tem caráter imperativo, pelo que, as incapacidades no domínio do direito civil passaram a ser obrigatoriamente calculadas de acordo com a sua Tabela II, impedindo que as partes possam fixar livremente formas de cálculo de desvalorização e respetivas percentagens para efeitos de indemnização por dano corporal.
[…]»
Em conformidade com este entendimento, a que anuímos, sem necessidade de acrescentar quaisquer outras considerações, deve considerar-se nulo o artigo 3.º das “condições especiais” da apólice e a nota à referida tabela de Desvalorização anexa ao contrato que determinam se atribua à Pessoa Segura apenas 75% da incapacidade fixada com base na Tabela Nacional de Incapacidades para a lesão em questão (cfr. o art. 294.º Código Civil).
E substitui-se tal determinação pela de atender à IPP de que ficou a padecer a pessoa segura em conformidade com a Tabela Nacional de Incapacidades aprovada pelo Decreto-Lei nº 352/2007, de 23.10, assim se projectando directamente no contrato a norma imperativa violada e aproveitando-se o restante da cláusula e do contrato.
Procede, neste aspecto, o recurso.
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4.5. Aqui chegados, cabe proceder ao cálculo da indemnização por incapacidade permanente devida ao recorrente pelas RR. seguradoras.
Assim, tendo em consideração o que estabelece o artigo 3.º das “condições especiais”, uma vez que, como consequência directa, necessária e adequada do acidente supra descrito, o A. ora recorrente é portador de sequelas permanentes que lhe determinam uma incapacidade permanente parcial para o trabalho no valor de 5,91%. (factos 28. a 20.), tendo presente o limite máximo indemnizável de € 27.000,00 e atendendo a que nas condições particulares se mostra estabelecido, além do mais, que “[s]e o grau de invalidez permanente for (…) inferior a 66%, será paga à Pessoa Segura uma indemnização na proporção do respectivo grau de invalidez permanente” e “[s]e o grau de invalidez permanente for igual ou superior a 66%, será considerado exclusivamente para efeitos de indemnização um grau de invalidez de 100%, sendo pago à Pessoa Segura a totalidade do capital seguro previsto para a respectiva cobertura”, entendemos que o valor a arbitrar a título de invalidez permanente deve encontrar-se procedendo a um cálculo aritmético que faça equivaler a IPP de 66% à totalidade do capital garantido.
Conclui-se, deste modo, que o recorrente tem direito a ser indemnizado pela invalidez permanente de 5,91%, com a quantia de € 2.411,73 (27.000,00 x 5,91 : 66).
Procedem, parcialmente, as conclusões do recurso.
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4.6. Atenta a parcial procedência do recurso, e a indefinição quantitativa de uma parcela razoável da condenação, deverão as custas ser suportadas na proporção do decaimento, o qual se fixa provisoriamente na proporção fixada na 1.ª instância, de 1/10 para as recorridas e 9/10 para o recorrente, corrigindo-se esta proporção, sendo caso disso, na fase da liquidação.
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5. Decisão
Em face do exposto, decide-se conceder parcial provimento à apelação e, em consequência:
5.1. condenam-se as Rés E… – Companhia de Seguros, SA., Companhia de Seguros F…, SA., Companhia de Seguros G…, SA., e H… – Companhia de Seguros, SA., a pagarem ao autor, na proporção das respectivas responsabilidades, o montante indemnizatório devido por invalidez permanente no valor de € 2.411,73 (dois mil quatrocentos e onze euros e setenta e três cêntimos), acrescido de juros de mora à taxa legal em vigor, desde a citação até efectivo e integral pagamento;
5.2. condenam-se as Rés E… – Companhia de Seguros, SA., Companhia de Seguros F…, SA., Companhia de Seguros G…, SA., e H… – Companhia de Seguros, SA., a pagarem ao autor, na proporção das respectivas responsabilidades, as despesas efectuadas:
5.2.1. com as consultas e exames referidos nos pontos 16. e 17. da decisão de facto, de acordo com o valor mínimo do “K” definido pela tabela da ordem dos médicos para o acto médico em causa;
5.2.2. com as deslocações às sessões de fisioterapia assinaladas no ponto 13. da decisão de facto;
a apurar em incidente de liquidação nos termos supra assinalados e de forma a salvaguardar o limite máximo indemnizável de despesas de tratamento de € 4.800,00.
No mais, confirma-se a sentença da 1.ª instância.
Custas da acção e do recurso, provisoriamente, na proporção de 1/10 para as recorridas e 9/10 para o recorrente, corrigindo-se, sendo caso disso, na fase da liquidação, o decaimento agora fixado.
Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, anexa-se o sumário do presente acórdão.
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Porto, 7 de Abril de 2016
Maria José Costa Pinto
António José Ramos
Jorge Loureiro
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[1] Acórdão que a ora relatora subscreveu como primeira adjunta.
[2] É de notar que o conflito foi erroneamente qualificado no início como conflito de jurisdição, vindo o Exmo. Vice-Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, após douto Parecer do Exmo. Procurador-Geral Adjunto que opinou pela competência do tribunal cível, a proferir em 31 de Agosto de 2011 decisão em que chama a atenção para o facto de a divergência das decisões se referir à competência em razão da matéria para julgar determinada causa (artigo 115. do Código de Processo Civil então em vigor) sendo os tribunais da mesma ordem de jurisdição – tribunais judiciais nos termos dos artigos 1.º e 2.º da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto – e que integram a mesma comarca – artigos 72.º a 74.º da Lei n.º 52/2008 –, pelo que o pedido deveria ser apreciado pelo modo e na competência definida para a resolução dos conflitos de competência, ou seja, pelo presidente do tribunal de menor categoria que exerça jurisdição sobre as autoridades em conflito (artigo 116.º, n.º 2 do CPC). Assim, determinou a remessa do Conflito para decisão do Presidente do Tribunal da Relação do Porto (fls. 219 e ss. dos autos de conflito de competência apensos com o n.º 81/11.1YFLSB).
[3] In Constituição da República Portuguesa Anotada, Tomo I, 2ª Edição, Coimbra Editora, 2005, pp. 439 e 440.
[4] Tarefa que, não podemos deixar de o notar, se revelou especialmente difícil e penosa no caso vertente, atenta a constante interferência de ruídos talvez resultante de deficiências dos microfones que captam o som ou de uma excessiva proximidade dos intervenientes (quer algumas testemunhas, quer advogados) relativamente àqueles microfones. É de toda a conveniência que na 1.ª instância se vigiem estes aspectos e, periodicamente, a qualidade da gravação a que se vai procedendo, a fim de possibilitar ao tribunal superior uma percepção mais clara da prova pessoal produzida em audiência, bem como para evitar a necessidade de anulação de julgamentos com fundamento em deficiência da gravação (artigos 155.º e 195.º do Código de Processo Civil), com os inerentes incómodos e delongas.
[5] Consultado em www.D....pt.
[6] A LAT de 1997 entrou em vigor em 01 de Janeiro de 2000 [cfr. alínea a) do n.º 1 do seu artigo 41.º, conjugada com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril (Regulamento da Lei de Acidentes de Trabalho), na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 382-A /99, de 22 de Setembro] e manteve-se em vigor até 31 de Dezembro de 2009, sendo a aplicável aos acidentes de trabalho ocorridos entre aquela e esta data. O Código do Trabalho, aprovado pela Lei 7/2009, de 12.02, que entrou em vigor em 17 de Fevereiro de 2009, foi regulamentado pela Lei n.º 98/2009, de 04.09 em matéria de acidentes de trabalho, sendo que esta Lei apenas entrou em vigor em 01 de Janeiro de 2010 (art. 188º). Segundo o art. 186.º Lei n.º 98/2009, com a entrada em vigor dessa Lei, são revogadas a Lei n.º 100/07, de 13.09 e o Decreto-Lei n.° 143/99, de 30.09 (que regulamentou a Lei n.º 100/97) e segundo o seu art. 187.º, as disposições relativas a acidentes de trabalho aplicam-se aos acidentes de trabalho ocorridos após a sua entrada em vigor.
[7] Diploma que estabeleceu o regime jurídico do contrato de trabalho do praticante desportivo e do contrato de formação desportiva e revogou o anterior regime que constava do Decreto-Lei n.° 305/95, de 18 de Novembro.
[8] Diploma que à data do sinistro em análise regulava o contrato de seguro desportivo. Entretanto foi revogado pela Lei n.º 27/2011, de 16.06, a qual, todavia, é posterior aos factos em causa nos autos e apenas se aplica aos acidentes de trabalho dos praticantes desportivos profissionais ocorridos após a data da sua entrada em vigor, o que ocorreu em 17 de Junho de 2011 (vide o respectivo artigo 12.º)
[9] Vg. com a tabela de comutação específica anexa a essa lei, que prevê que ao grau de desvalorização resultante da TNI por acidentes de trabalho e doenças profissionais corresponda o grau de desvalorização previsto na aludida tabela, adaptada de Comutação Específica.
[10] Objecto de tutela no artigo 25.º da Lei Fundamental e no artigo 70.º do Código Civil.
[11] Vide Ana Brilha, “O novo regime do seguro desportivo – verdadeira inovação?”, in Desporto & Direito, Revista Jurídica do Desporto, Ano VI, Janeiro/Abril 2009, n.º 17, pp. 293-299
[12] Entretanto revogado pelo Decreto-Lei n.° 10/2009, de 12.01 (que aprova o regime jurídico do seguro desportivo obrigatório), diploma este, todavia, posterior à data dos factos em apreço nos autos e que, por consequência, não lhe é aplicável.
[13] Vide sobre o carácter complementar do seguro desportivo, embora já à luz do Decreto-Lei n.º 10/2009, de 12 de Janeiro, o Acórdão da Relação do Porto de 2012.12.03, processo n.º 433/10.4TTVNG.P1, in www.dgsi.ptVide também o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2012.10.25, processo n.º 2598/09.9TBVNG.P1.S1.
[14] E que se manteve vigente no decurso de toda a fase dos articulados. Quando o Código de Processo Civil aprovado pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho entrou em vigor (em 1 de Setembro de 2013), estava já o processo na fase da condensação processual.
[15] In “Comentário ao Código de Processo Civil”, II, pp. 369 e ss.
[16] In “Noções Elementares de Processo Civil”, p. 320.
[17] Vide Leite Ferreira, in “Código de Processo de Trabalho Anotado”, 4.ª edição, Coimbra, 1996, p. 333, em anotação ao art. 67.º do CPT aprovado pelo DL n.º 272-A/81 de 30 de Setembro, correspondente ao actual art. 72.º, Albino Mendes Baptista, in “Código de Processo de Trabalho Anotado”, p. 177 e os Acs do STJ de 17 de Janeiro de 2001, Recurso n.º 2277/00, de 7 de Maio de 2003, Recurso n.º 4396/02, ambos da 4.ª Secção e sumariados em www.stj.pt.
[18] Já em vigor à data da apresentação das alegações.
[19] Vide, entre muitos outros, os Acórdãos do STJ de 2007.10.10, Processo n.º 3634/07-3.ª Secção, de 2008.12.04 Processo n.º 2507/08-3.ª Secção e de 2009.09.23, Processo n.º 5953/03.4TDLSB.S1-3.ª Secção, todos sumariados em www.stj.pt e o Prof. José Alberto dos Reis, Código de Processo Civil Anotado, vol. V, p. 141.
[20] Vide José Vasques in “O contrato de seguro – Notas para uma teoria geral”, 1999, pp. 103 e ss. e Florbela de Almeida Pires, in “Seguro de acidente de trabalho”, Lex, 1999,, p. 63
[21] O aplicável, uma vez que o contrato de seguro sub judice não se mostra ainda submetido ao regime jurídico emergente do Decreto-Lei n.º 72/2008, de 16 de Abril, vigente a partir de 1 de Janeiro de 2009 – vide o artigo 7.º do diploma.
[22] Que aprova a parte uniforme das condições gerais da apólice de seguro obrigatório de acidentes de trabalho para trabalhadores por conta de outrem, bem como as respectivas condições especiais uniformes.
[23] In “O início da cobertura no seguro desportivo” in O desporto que os tribunais praticam, Coordenação de José Manuel Meirim, Coimbra, 2014, p.212.
[24] Processo n.º 165/06.8TBGVA.C1, in www.dgsi.pt.
[25] Processo n.º 1266/09.6TBEPS.G1, in www.dgsi.pt.
[26] Vejam-se o citado Acórdão da Relação de Coimbra de 2009.09.08 - que geralmente é citado nos demais arestos e de que, neste particular, nos permitimos discordar -, o Acórdão da Relação de Lisboa de 2014.07.09, Processo n.º 1118/2002.L1-2 e o Acórdão da Relação de Coimbra de 2015.04.14, Processo 815/11.4TBCBR.C1, todos disponíveis in www.dgsi.pt.
[27] Vide Mário Júlio de Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 4.ª edição Coimbra Editora, 1984, p. 389.
[28] Quando seja “ambígua” a natureza imperativa ou supletiva de uma norma, “deva a mesma ser considerada supletiva em homenagem ao princípio da autonomia privada” – assim José Vasques, in Contrato de Seguro – Notas para uma Teoria Geral, Coimbra, 1999, p. 25, nota 24, citando vg. Meneses Cordeiro, in Teoria Geral do Direito Civil, Lisboa, 1990, vol I, p 349.
[29] Com efeito, de alguns dos recibos constantes de fls. 49 a 71 concretizam a que se destinou o pagamento que comprovam e a data da realização do serviço de transporte do A. (vide por exemplo a fls. 50), outros há que se reportam em conjunto a vários serviços de táxi, sem indicarem a sua finalidade e, sequer, as datas em que foram realizados (vide por exemplo a fls. 52).
[30] Processo n.º 815/11.4TBCBR.C1, in www.dgsi.pt.
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Nos termos do artigo 663.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, lavra-se o sumário do antecedente acórdão nos seguintes termos:
I – Tendo um futebolista júnior, amador, sofrido um acidente e demandado no tribunal cível as entidades que outorgaram um contrato de seguro de acidentes pessoais inerentes à actividade desportiva nos termos do Decreto-Lei n.° 146/93, e suscitando-se um conflito de competência entre os tribunais cíveis e do trabalho que veio a ser dirimido atribuindo-se competência ao Tribunal do Trabalho, fixou-se definitivamente neste a competência para conhecer da acção nele instaurada com fundamento na responsabilidade civil decorrente daquele contrato de seguro desportivo invocado como causa de pedir em ambas as jurisdições.
II – Se o sinistrado invocou na petição inicial para fundar a responsabilidade das seguradoras demandadas um contrato de seguro em regime de co-seguro que vincula todas elas, não fazendo a mínima alusão a um outro contrato de seguro, com âmbito de cobertura diferente, que houvesse sido celebrado apenas com uma delas, e não alterando validamente a causa de pedir no decurso da acção, não pode em sede de apelação invocar como fundamento dos seus pedidos a apólice deste último contrato junto com a contestação de uma das seguradoras.
III – Mostra-se vedado ao tribunal de recurso reconhecer ao autor direitos que eventualmente decorram de um contrato em que o mesmo não fundou os seus pedidos e não foi discutido nos autos.
IV – As normas legais que estipulam coberturas mínimas para o seguro desportivo obrigatório constituem normas imperativas que limitam, nessa medida, a liberdade de conformação do conteúdo contratual.
V – A não previsão da indemnização por danos não patrimoniais nos contratos de seguro desportivo celebrados sob a égide do Decreto-Lei n.° 143/93 não contende com a reserva de conteúdo necessário da regulação contratual que emerge desta regulamentação imperativa do seguro obrigatório.
VI – Se a apólice não contempla expressamente a reparação do dano não patrimonial, se a definição de “invalidez permanente” nela contida aponta apenas para as consequências patrimoniais da lesão e se o critério nela estabelecido para a reparação da “invalidez permanente” é puramente aritmético – multiplicação da IPP apurada pelo valor do capital garantido na apólice –, conduzindo a resultados interpretativos iníquos, face ao clausulado, a interpretação deste no sentido de que o capital garantido abarca a indemnização por danos não patrimoniais, é de concluir que o contrato de seguro desportivo celebrado não compreende as consequências não patrimoniais que eventualmente a pessoa segura possa sofrer em consequência de sinistro verificado na prática de modalidade desportiva.
VII – O Decreto-Lei nº 352/2007, de 23.10, tem carácter imperativo, pelo que as incapacidades no domínio dos direitos laboral e civil passaram a ser obrigatoriamente calculadas de acordo com as suas tabelas, impedindo que as partes possam fixar livremente outras formas de cálculo de desvalorização e respectivas percentagens para efeitos de indemnização por dano corporal.

Maria José Costa Pinto