Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
280/15.7EAPRT.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: PEDRO VAZ PATO
Descritores: CRIME DE EXPLORAÇÃO ILÍCITA DE JOGO
JOGOS DE FORTUNA OU AZAR
MODALIDADE AFIM
CONTRA-ORDENAÇÃO
DANOSIDADE SOCIAL
CONSTITUCIONALIDADE
PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
NECESSIDADE
MEDIDA DE PENA
Nº do Documento: RP20180221280/15.7EAPRT.P1
Data do Acordão: 02/21/2018
Votação: MAIORIA COM 1 VOT VENC
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: PARCIALMENTE PROVIDO
Indicações Eventuais: 1ª SECÇÃO, (LIVRO DE RESGISTOS N.º7/2018, FLS.129-137)
Área Temática: .
Sumário: I - Ao contrário das máquinas que funcionam como uma espécie de rifas ou tômbolas mecânicas, são máquinas de jogo de fortuna ou azar aquelas que permitem a acumulação de pontos que podem ser usados em jogadas sucessivas e o próprio funcionamento do jogo induz à acumulação de pontos e a essa utilização em jogadas sucessivas, sempre com o risco de numa jogada serem perdidos os pontos acumulados, pode-se dizer que - como os jogos de casino, independentemente dos valores envolvidos - possibilita uma séria praticamente imitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre o risco de se envolver emocionalmente.
II - A danosidade social deste tipo de jogos, que induzem comportamentos potencialmente compulsivos, justifica a criminalização dessa exploração, à luz dos princípios da necessidades das penas e da proporcionalidade.
III - Tendo-se apurado serem reduzidos os valores envolvidos em cada uma das jogadas proporcionadas pela máquina e, se nada se apurou a respeita do tempo de utilização da máquina, do número de pessoas que a possam ter utilizado ou dos ganhos que proporcionou, tal não pode deixar de beneficiar o arguido, em sede de operação de determinação da medida das penas.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Pr 280/15.7EAPRT.P1

Acordam os juízes, em audiência, no Tribunal da Relação do Porto

I – B… veio interpor recurso da douta sentença do Juízo Local Criminal de Felgueiras do Tribunal Judicial da Comarca do Porto Este que o condenou, pela prática de um crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelos artigos 1.º, 3.º, 4.º, n.º 1, g), e 108.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de dezembro, na pena de dois meses de prisão, substituídos por igual tempo de multa, e cem dias de multa, à taxa diária de seis euros.

Da motivação do recurso constam as seguintes conclusões:
«A. No que se refere à subsunção da conduta que se imputa ao Recorrente em sede de factualidade tida como provada, relativamente à exploração, criminalmente punível da máquina em causa nos autos, entende modestamente aquele que, ao contrário do decidido na douta Sentença sob recurso, não se poderia haver concluído por preenchidos os elementos constitutivos do tipo legal em causa quanto a uma tal máquina.
B. Uma qualquer variabilidade dos prémios não é “exclusiva” dos jogos de fortuna ou azar, sendo patente e muito relevante em jogos socialmente aceites como rifas ou, essencialmente, nas vulgarmente denominadas “raspadinhas”, nas quais em troca de €1,00 (um euro) os jogadores se habilitam a prémios de pelo menos €10.000,00 (Dez Mil Euros), consoante o jogo/cartaz em causa.
C. Por outro lado, nesse jogo das “raspadinhas” só existe a certeza da emissão de determinado capital de prémios, mas já não existe a certeza de que todos os prémios se encontrem em jogo a cada momento em que alguém pretende adquirir o respectivo “talão”, o que, as mais das vezes, induz os seus jogadores em erro pensando estar a habilitar-se a prémios que já poderão ter saído e sem que nada lhes tenha sido comunicado,
D. O que torna muito mais “honesta” a utilização da máquina dos autos, pois que em cada momento, estão sempre em jogo os prémios ali anunciados, os quais vão sendo aleatoriamente atribuídos pela própria máquina, com base em cálculos e fórmulas matemáticas, conforme resulta do Relatório Pericial.
E. Ademais, a máquina em causa autos não pagava directamente prémios em fichas ou moedas, e não desenvolve um qualquer jogo do tipo roleta, sendo que, a única diferença substancial para a máquina objecto de fixação jurisprudência pelo STJ, no seu douto Acórdão n.º 4/2010, prende-se com o modo de funcionamento, eléctrico ou mecânico, sendo os jogos substancialmente idênticos e em nada dependendo da perícia ou destreza, podendo os prémios a final serem eventualmente convertíveis em dinheiro.
F. A jurisprudência fixada pelo STJ tem aplicação ao caso concreto nestes autos, porquanto, o que está em causa não é uma qualquer imposição de jurisprudência, por serem então iguais as máquinas em apreço (porque efectivamente não o são), mas sim, o espírito e pensamento por trás de tal jurisprudência, e o facto de tal permitir então a qualificação de máquinas como as dos autos como não sendo máquinas destinadas à prática de jogos de fortuna ou azar.
G. Na verdade, entende-se que não será de limitar a exploração do jogo ora em causa aos casinos existentes nas referidas zonas de jogo, pois que, não será de entender o mesmo jogo como um qualquer desses jogos nefastos (em que efectivamente “pensava” o legislador quando decidiu restringir a sua prática/exploração às zonas de jogo) cuja exploração a tais zonas se limita,
H. Ainda que mais não seja por não se afigurar de todo possível uma qualquer viciação em jogo tão rudimentar (sem um qualquer pagamento directo de prémios e/ou atribuição de fichas, logo, sem toda a “envolvência” dos denominados jogos de casino), a que acresce o facto de os valores despendidos com o mesmo serem de pouca relevância e não susceptíveis de lesarem uma qualquer família ou património.
I. Além do que, o mesmo não desenvolve um qualquer tema próprio dos jogos de fortuna ou azar, como seja, uma qualquer roleta electrónica, pois que, para além do valor “apostado” não influir por qualquer modo numa qualquer esperança de ganho, não existe uma qualquer aposta concreta em qualquer um dos números ou pontos presentes naqueles jogos, ao contrário do que sucede com uma qualquer roleta de um qualquer casino, tão pouco são permitidas quaisquer apostas múltiplas ou mesmo um qualquer dobrar de apostas,
J. Na medida em que, mesmo que fosse possível utilizar uns quaisquer pontos ganhos (o que se desconhece, por inexistir factualidade provada quanto a tal matéria), tal utilização sempre seria limitada a 1 (um) ponto de cada vez, o qual concederia então o direito a 2 (duas) jogadas, inexistindo, por isso, a compulsividade dos denominados “jogos de casino” e a possibilidade de “tudo ganhar” ou “tudo perder”, pois que não é de todo possível arriscar de uma só vez todos os pontos eventualmente acumulados.
K. Sendo que, o valor pago não é uma qualquer aposta, mas apenas um “preço” da jogada, sem possibilidade de ela mesmo multiplicar-se, e o prémio a obter é fixo e pré-determinado (Cfr. neste sentido, Acórdãos deste Venerando Tribunal da Relação do Porto, de 14.07.1999, proferido no Proc. 9910385 e acessível in www.dgsi.pt, e do Venerando Tribunal da Relação de Évora, de 06.11.1990, disponível in CJ., XV, T.V, pg. 277).
L. Sendo que, tendo por base e fundamento a Jurisprudência fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça, no seu douto Acórdão n.º 4/2010 (proferido no Processo n.2485/08 e publicado na 1.ª Série, Nº 46, do D.R. de 08 de Março de 2010), sempre se questiona o Recorrente de quais as diferenças existentes entre o jogo desenvolvido pela máquina dos autos e aquele outro jogo que foi objecto do citado Acórdão de Fixação de Jurisprudência, para além daquela diferença óbvia de que a máquina ora em causa depende de impulso electrónico, enquanto que aquela outra depende de impulso mecânico?
M. Não obstante, e sem descurar do exposto, apraz referir que, após rigorosa análise e enquadramento de tudo o vertido em tal douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência n. 4/2010, o Venerando Tribunal da Relação de Coimbra, no seu douto Acórdão de 02.02.2011 (proferido no âmbito do Proc. n.º 21/08.SFDCBR.C2 e disponível in www.dgsi.pt), e aquando da análise comparativa entre o jogo em causa nos autos onde veio a ser fixada a aludida Jurisprudência e naqueles autos de recurso (nos quais, por sua vez, o jogo era absolutamente similar ao desenvolvido pela máquina ora em causa), entendeu que máquinas como a ora em causa nos presentes autos não consubstanciam a prática de um qualquer jogo de fortuna ou azar.
N. Porquanto, concluiu desde logo aquele Venerando Tribunal da Relação de Coimbra que, sendo devidamente analisado o conteúdo legal da proibição da exploração de jogos de fortuna ou azar fora dos locais legalmente autorizados, «nunca merecerá a qualificação de crime a exploração de jogos que se enquadrem num mecanismo em que os prémios se encontrem previamente definidos»
O. Ainda que tais jogos possam mesmo atribuir prémios em dinheiro ou desenvolver temas de jogos de fortuna ou azar, até porque, e ainda segundo o vertido naquele douto Acórdão, mesmo «às modalidades afins que atribuam prémios em dinheiro ou fichas a lei não deixa de designar como modalidades afins», constituindo uma qualquer sua exploração ilícita uma “mera” contraordenação, conforme preceituado no art. 163º,
P. Pois que, conclui então aquele Venerando Tribunal da Relação de Coimbra «ser esta a tese que está imanente ao acórdão de fixação de jurisprudência e que importa considerar até em obediência ao princípio da igualdade plasmado no artigo 13.º da Constituição da República.».
Q. Donde, atento o vertido no douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n. 4/2010, e, bem assim, nos, doutos Acórdãos da Veneranda Relação de Coimbra de 02.02.2011, 25.06.2014 e 18.03.2015, doutos Acórdãos da Veneranda Relação de Évora, de 31.05.2011 e 10.05.2016, douto Acórdão da Veneranda Relação de Lisboa, de 01.06.2011, bem como, doutos Acórdãos desta Veneranda Relação do Porto, de 11.12.2013, 12.02.2014, 02.07.2014, 17.09.2014, 24.09.2014, 04.02.2015 e 22.04.2015, está em crer modestamente o Recorrente que a máquina ora em causa nos presentes autos, não poderá ser entendida como desenvolvendo um qualquer jogo de fortuna ou azar.
R. Sendo, nessa sequência, forçoso concluir-se que, atentos os factos por si dados como provados, nomeadamente, quanto às características da máquina em causa, não poderia o Digníssimo Tribunal “a quo” ter concluído pela subsunção da conduta do Recorrente à prática de um qualquer crime de exploração ilícita de jogo, impondo-se a sua absolvição.
S. Mais que não seja porque, e abordando-se a questão por outro prisma, e tal qual resulta do vertido no aludido douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça n.º 4/2010, sendo o tipo legal em causa (exploração ilícita de jogo) dotado de uma certa rigidez, que o constitui como tipo de garantia, sendo essa precisamente uma das manifestações do princípio da legalidade, claramente será de excluir o jogo dos autos das previsões de punição penal decorrentes do preceituado nos arts. 1º, 3º, 4º e 108º da “Lei do Jogo”,
T. Pois que, para se concluir pela exploração de um qualquer jogo de fortuna ou azar terão que se ter por verificados os 3 (três) pressupostos elencados na lei, como seja, a dependência da sorte, o desenvolvimento de temas próprios dos jogos de fortuna ou azar e, bem assim, o pagamento feito directamente em fichas ou moedas, na medida em que, esse é o pagamento efectuado nos “jogos de casino” - Cfr. arts. 1.º e 4º, n.º 1, als. f) e g) - sendo que, no caso concreto, este requisito se encontra totalmente afastado.
U. Isto sem descurar do facto de a própria “Lei do Jogo” (arts. 1 º e 4º do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, na redacção do D.L. n.º 10/95, de 19 de Janeiro), na definição de jogos de fortuna ou azar, combinar uma fórmula generalizadora (art. 1º) com a técnica exemplificativa (art. 4º), donde resulta que os diversos tipos de jogos considerados como de fortuna ou azar e que são autorizados nos casinos são os que estão especificados na lei, e não outros,
V. Pois que, não obstante exemplificativa, a especificação dos jogos de fortuna ou azar constante da lei, sempre tal especificação é tendencialmente completa e comporta uma certa rigidez, como é próprio de um tipo legal de crime, que é um tipo de garantia,
W. Ao que acresce o facto de, nem mesmo pelas Portarias actualmente em vigor (nºs 817/2005, de 13 de Setembro e 217/2007, de 26 de Fevereiro), relativamente às regras de execução dos jogos de fortuna ou azar, porque os tipos de jogos (bancados, não bancados, e, em máquinas electrónicas) quase totalmente coincidentes com os especificados no D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, se poder concluir pela observância por parte do jogo da máquina dos autos das características dos denominados jogos de casino.
X. Pois que, tal como se infere do Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2010 (Diário da República, 1ª série - N.º 46 - 8 de Março de 2010), tendo o critério de distinção entre o ilícito criminal e o ilícito contra-ordenacional que ser um critério material, imposto pelo princípio da legalidade e pela função de garantia inerente a cada tipo de crime,
Y. Sempre os jogos de fortuna ou azar serão aqueles que se encontram especificados no n.º 1 do artigo 4.º, e, como tal, nunca a máquina dos autos poderá ser enquadrada nesses jogos, pois que, relativamente a ela, está totalmente afastado o preceituado na al. f) do n.º 1 daquele art. 4º, na medida em que, não pagava directamente prémios em fichas ou moedas, mas tão só apresentava pontuações, as quais dependiam então da sorte e poderiam então, alegadamente, ser convertíveis posteriormente em numerário,
Z. No entanto, sempre se diga que, nem essa possibilidade de conversão das aludidas pontuações em numerário poderá, por si só, fazer precludir a sua “integração” enquanto mera modalidade afim dos jogos de fortuna ou azar, mas tão só, poderá consubstanciar, ela própria, uma distinta contra-ordenação.
AA. No sentido de que máquinas como a dos autos não consubstanciam um qualquer jogo de fortuna ou azar, antes sim, apenas e só, uma mera modalidade afim, pronunciou-se este Venerando Tribunal da Relação do Porto, no seu douto Acórdão de 11.12.2013 (proferido no âmbito do Proc. n.º 626/11.7GDGDM da 1ª Secção e disponível in www.dgsi.pt), já “confirmado” pelos mais recentes doutos Acórdãos de 12.02.2014, 24.09.2014 e 22.04.2015 (proferidos, respectivamente, no âmbito dos Processos n.º 2084/12.OTAVLG.P1, n.º 447/12.OEAPRT.P1 e n.º 103/13.1PFVNG.P1, todos da 1.ª Secção - não “publicados”), o que fez, tendo por “base” o vertido nos aludidos doutos Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, do Tribunais da Relação de Coimbra e do Tribunal da Relação de Évora.
BB. Na medida em que, atento o seu funcionamento, «se conclui que o ‘jogo” desenvolvido pela máquina não corresponde a qualquer dos temas próprios dos jogos de fortuna ou azar, sendo antes uma modalidade afim destes jogos. Aliás e para sermos mais impressivos, podemos afirmar que este tipo de máquinas não tem qualquer correspondência com nenhuma existente nos casinos. antes pelo contrário.»,
CC. Sendo que, «apesar de o jogo em causa depender exclusivamente da sorte, o certo é que, também previamente, o jogador sabia que o prémio que iria receber era necessariamente variável entre €1.00 e €200,00.»,
DD. Ao que acresce ainda o facto de, «Para além de o tema do jogo não se assemelhar ao promovido noutra espécie de máquinas que desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar (cf. art. 4 nº 1-g) do citado diploma legal), o prémio não era pago directamente pela máquina em “fichas ou moedas” (cf. art. 4 nº 1-f do mesmo diploma legal)».
EE. Neste mesmo sentido, através de douto Acórdão subscrito por um outro Exmo. Desembargador Relator, veio igualmente a pronunciar-se este Venerando Tribunal da Relação do Porto, no seu douto Acórdão de 09.07.2014 (proferido no âmbito do Proc. 514/13.2EAPRT.P1 da 1. Secção, e disponível in www.dgsi.pt), o qual, após a enumeração de toda uma série de “requisitos/pressupostos” que pudessem então servir para diferenciar uns e outros jogos (os de fortuna ou azar e as suas modalidades afins), conclui ser possível «isolar uma característica comum a todas as modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar, de resto imediatamente apreensível e que se não verifica nos jogos de fortuna ou azar: a predeterminação do respectivo prémio. A que acresce estoutra; a pequena dimensão daquilo que o jogador arrisca, que até pode ser pura e simplesmente insignificante.»
FF. Concluindo então que, atendendo ao valor do prémio (predefinido e conhecido) e ao valor da jogada (sempre de €0,50, num máximo de introdução de €2,00), «parece evidente que estamos perante um jogo que se configura como uma tômbola mecânica ou electrónica em que o valor arriscado pelo jogador é diminuto ou de pequena dimensão e o prémio a que se habilitava estava logo à partida predeterminado, devendo, por consequência, ser qualificado como de modalidade afim dos jogos de fortuna ou azar. Pelo que a exploração da máquina por onde o jogo corria não constituía um crime de exploração ilícita de logo mas uma contra-ordenação»,
GG. E, mais recentemente, também este Venerando Tribunal da Relação do Porto, no seu douto Acórdão de 17.09.2014 (proferido no âmbito do Proc. 480/13.4EAPRT.P1 da 4.ª Secção, e disponível in www.dgsi.pt), já “confirmado” pelo douto Acórdão de 04.02.2015 (proferido no âmbito do Processo n.º 151/11.6EAPRT.P1, da 4.ª Secção - ainda não “publicado”), se pronunciou nesse mesmo sentido, pois que, «Está em causa, essencialmente, a natureza incipiente do jogo e a fraca danosidade das consequências dele resultante, tanto para o jogador ganhador como para o jogador perdedor.»
HH. Na medida em que, «estamos perante valores diminutos e práticas de jogo inócuas, insusceptíveis de criar viciação ou outro dano [como, aliás, decorre do facto de, apesar da grande disseminação deste tipo de máquinas pelo país, não se conhecerem, nem serem referenciados casos de perdas patrimoniais assinaláveis ou de dependência (adição) psíquica dos seus utilizadores]. Ao contrário do que é referido no Auto, as semelhanças com o jogo de casino [roleta] limitam-se o movimento circular e progressivamente mais lento da luz -. afastando-se no que é essencial, ou seja, na definição prévia dos números ganhadores e do respectivo prémio».
II. De igual modo, e porque no mesmo se aborda uma tal matéria por referência a uma máquina similar à dos presentes autos, mas denominada “C…”, sendo uma tal “abordagem” efectuada por referência àquilo que resulta e se “defende” no douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 4/2010 do STJ, sempre será ainda de referir o douto Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 18-03-2015 (proferido no âmbito do Proc. 27/10.4EASTR.C1, e disponível in www.dgsi.pt),
JJ. No qual se conclui «constituir critério diferenciador, fundamental, das modalidades afins, a predeterminação do prémio e a pequena dimensão daquilo que o jogador arrisca, pelo pequeno valor da aposta e pela certeza, pré-definida, dos prémios», com base no que, a final, se decide pela «irrelevância criminal de parte da matéria valorada pela decisão recorrida como constitutiva do crime (jogo “C…”).»
KK. Por fim, e porque no sentido da aplicabilidade da Jurisprudência fixada pelo STJ ao caso presente, de referir o muito recente douto Acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora, de 10-05-2016 (proferido no âmbito do Proc. n.º 271/11.7ECLSB.E1 da Secção Criminal - ao que se sabe, não “publicado”),
LL. No qual se conclui que «não merece a qualificação de crime a exploração de jogos como os desenvolvidos pelas máquinas em apreço nestes autos, ainda que as mesmas atribuam prémios em dinheiro e ainda que as mesmas desenvolvam temas próprios de jogos de fortuna ou azar.», pois que, «o entendimento que está (quanto a nós) subjacente ao Acórdão de Uniformização de jurisprudência nº 4/2010 deve também ser aplicado às máquinas em discussão nos presentes autos».
MM. Do exposto, de referir que temos por inconstitucional a interpretação das normas contidas nos nºs 4º 108º e 115º do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, quando efectuada (como sucede no caso dos autos) no sentido de que um qualquer jogo desenvolvido por máquina electrónica, cujo resultado dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte, mas cujos limites máximos de “prémios” a atribuir resultem da conversão dos pontos ganhos, cujas variávejs se encontram definidas desde ab initio e são do conhecimento dos utilizadores, consubstancia um qualquer jogo de fortuna ou azar,
NN. Pois que, uma tal interpretação é claramente inconstitucional por violação dos princípios da “igualdade”, da “liberdade individual” e da “proporcionalidade”, designadamente, das normas constantes nos arts. 13º e 18º da Constituição da República Portuguesa, e, bem assim, por clara violação do supre referido princípio da “legalidade”, na vertente de “nullum crimen sine lege certa”, logo, por violação do disposto no art. 29º da Constituição da República Portuguesa (Neste sentido, cfr. Acórdão deste Venerando Tribunal da Relação do Porto de 21.05.2008, proferido no Proc. n.º 2492/08-1, e acessível in www.dgsi.pt).
SEM PRESCINDIR,
00. Delimitando-se as penas a aplicar ao Recorrente na culpa deste e, bem assim, nas exigências de prevenção, geral e especial, sempre resulta que, de forma alguma se poderão compreender e aceitar as penas aplicadas, na medida em que, extravasam claramente a culpa deste e as próprias necessidades de prevenção, e, não têm, devidamente, em conta as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do mesmo Recorrente.
PP. São de todo incompreensíveis, porque exageradas e desproporcionadas, as penas aplicadas ao Recorrente, ainda que mais não seja pelo facto de a conduta a punir se reportar, apenas e só, a uma única máquina, que funcionava unicamente com recurso a moedas, o que se “traduzia” em apostas de valor reduzido e, naturalmente, sempre obstaria a um qualquer delapidar grave e sério do património dos seus utilizadores e, bem assim, limitaria quaisquer benefícios económicos que pudessem vir a resultar para o ora Recorrente.
QQ. Não se percebendo, nessa sequência, do porquê de, de modo absolutamente injustificado, e comparando mesmo com a pena de prisão aplicada, ter sido aplicada ao ora Recorrente uma pena de muita que se situa precisamente no meio da pena abstractamente aplicável, o que se revela exagerado.
RR. Já no que respeita às circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do Recorrente, é de referir que, não parece ter sido devidamente valorada a ausência de antecedentes criminais do tipo, bem como a inserção familiar, social e profissional do mesmo e, bem assim, o facto de não existir uma qualquer notícia posterior da prática de quaisquer factos similares da sua parte,
SS. A que acresce a confissão integral e sem reservas efectivada pelo mesmo, em sede de audiência, e que “advém” já desde o inquérito realizado, porquanto, desde sempre o ora Recorrente assumiu integralmente os factos em causa.
TT. No caso presente, e por de aplicação ao mesmo, atenta a problemática em apreço, deverá relevar-se tudo quanto vem vertido no douto Acórdão desta Relação do Porto, de 18/09/2013 (proferido pela 4ª Secção no âmbito do Proc. N. 311/1O.7EAPRT.P1), que nos refere estarmos perante o «domínio das denominadas “bagatelas penais”», com um pequeno grau de ilicitude dos factos e com pequenas necessidades de prevenção geral, porquanto, o tipo em causa não é causador de grande alarme social.
UU. Ademais, e na sequência do decidido pelo STJ, no seu douto Acórdão de Fixação de Jurisprudência, n.º 8/2013, sempre temos que a substituição da pena de prisão aplicada deveria ter sido efectivada, não em medida igual ou proporcional àquele prazo, mas sim em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, apresentando-se assim como exagerada e desproporcional a pena aplicada, impondo-se em medida inferior.
VV. As penas aplicadas ao ora Recorrente, não são de forma alguma correctas e justas, revelando-se, aliás, como exageradas e desproporcionadas às exigências de prevenção geral e especial aqui reclamadas, não se enquadrando, por isso, de forma alguma, nos princípios legais reguladores da presente matéria, como sejam, os arts. 40º e 71º do C.Penal,
WW. Donde, sempre será de concluir que, no caso presente, e atento tudo o exposto, sempre deverá decidir-se pela aplicação de penas substancialmente interiores, na medida em que, das mesmas sempre resultarão perfeitamente prosseguidas as exigências de prevenção, resultando, daí, por realizadas, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição.
XX. A douta Sentença sob recurso violou os arts. 40º, 43º, 47º e 71º do C.Penal, 1º, 3º, 4º e 108º, todos do D.L. n.º 422/89, de 02 de Dezembro, e 13º, 18º e 29º da Constituição da República Portuguesa.»

O Ministério Público junto do Tribunal de primeira instância apresentou resposta a tal motivação, pugnando pelo não provimento do recurso.

Procedeu-se a audiência, nos termos dos artigos 411.º, n.º 5. e 426.º do Código de Processo Penal.

II – As questões que importa decidir são, de acordo com as conclusões da motivação do recurso, as seguintes:
- saber se a exploração da máquina em apreço configura a prática do crime de exploração ilícita de jogo por que o arguido e recorrente foi condenado;
- saber se é inconstitucional a interpretação que considera que tal se verifica;
- saber se as penas em que o arguido e recorrente foi condenado são exageradas, face aos critérios legais.
III – Da fundamentação da douta sentença recorrida consta o seguinte:
«(…)
III – FUNDAMENTAÇÃO
1. Factos Provados
1) No dia 14.12.2015, pelas 11h30, no estabelecimento comercial CAFÈ D…, sito na Rua…, s/n, Felgueiras, na área desta comarca de Porto Este, explorado pelo arguido B…, que à data tomava todas as decisões inerentes ao seu funcionamento, encontrando-se tal estabelecimento aberto ao público em geral, e, em cima do balcão de atendimento ao público em geral, encontrando-se ligada à corrente eléctrica e disponível para os clientes do estabelecimento, uma máquina electrónica, ostentando os dizeres “E…”, máquina essa integrada em móvel de tipo portátil, com estrutura em contraplacado, tendo na zona frontal um painel em vidro acrílico, com os dizeres “E…”, onde se situa um mostrador circular dividido em oito pontos luminosos identificados com os números 1; 20; 10; 100; 2; 50; 5; 200, observados no sentido dos ponteiros do relógio, sendo que nos eu lado direito encontra-se o mecanismo de introdução de moedas.
2) No enfiamento de cada número exposto na zona frontal situa-se um orifício que se ilumina à passagem de um sinal luminoso giratório, e que gira quando a máquina desenvolve uma jogada, assim iluminando os pontos indicados.
3) Após a introdução de uma moeda, automaticamente, é disparado um ponto luminoso que percorre os vários orifícios existentes no mostrador a grande velocidade, iluminando-os à sua passagem e, depois a velocidade perde ânimo e tudo pára ao fim de quatro ou cinco voltas, fixando-se o ponto aleatoriamente num de tais orifícios. Acaso o ponto luminoso permaneça num orifício dos identificados, quem o operar tem direito aos correspondentes pontos, entre 1 e 200 e que são registados. Em suma, aquele jogo envolve a atribuição de prémios resultantes do movimento de pontos luminosos aleatórios no display, sem qualquer perícia ou destreza associadas, dependendo o resultado final da sorte ou do azar, tudo conforme relatório pericial constante de fls. 69 e 70, cujo teor aqui se dá por reproduzido, para todos os efeitos legais.
4) Bem sabia o arguido, assim, que aquela máquina desenvolvia jogos de fortuna e azar, porque fundamentalmente assentes na sorte, e que os mesmos apenas são permitidos nos locais previamente autorizados, como casinos, e que tal não era o caso do estabelecimento comercial CAFÉ D….
5) E, mesmo assim, quis o arguido B… explorar a mencionada máquina electrónica para obtenção de lucros, como efectivamente aconteceu em ordem de grandeza que porém não foi possível apurar.
6) O arguido B… agiu livre, deliberada e conscientemente, ciente de que incorre em responsabilidade penal, não se abstendo, porém, de assim atuar.
Mais se provou:
7) O Arguido B…:
a) é empresário em nome individual e explora o referido café, auferindo um vencimento mensal declarado correspondente ao SMN;
b) é solteiro e vive com a sua companheira, a qual é operária têxtil, auferindo o SMN;
c) têm dois filhos menores;
d) habitam em casa arrendada e pela qual pagam uma renda mensal de €200,00
e) tem o 9º ano de escolaridade
f) Do seu CRC constam os antecedentes criminais, aí melhor descritos e constantes de fls. 198 a 202, e cujo teor aqui se dá por reproduzido.
(…)»
IV 1. – Cumpre decidir.
Vem o arguido e recorrente alegar que não estão preenchidos, face à matéria de facto considerada provada na douta sentença recorrida, os elementos constitutivos do crime de exploração ilícita de jogo, p. e p. pelo artigo 108.º, n.º 1, do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de dezembro.
Alega o arguido e recorrente que a máquina em apreço é equiparável à que deu origem ao acórdão de fixação de jurisprudência nº 4/2010 e, portanto, à luz da doutrina desse acórdão, não deve ser considerada máquina de jogo de fortuna ou azar, mas modalidade afim.
Vejamos.
Considerou a douta sentença em apreço que estamos perante uma máquina de jogo de fortuna e azar, tal como este é definido nos artigos 1.º e 4.º, n.º 1, g) deste Decreto-Lei nº 422/89.
Estatui esse artigo 1.º que são jogos de fortuna e azar «aqueles cujo resultado é contingente por assentar exclusiva ou fundamentalmente na sorte». O artigo 4.º define os tipos de jogos de fortuna e azar, autorizados apenas nos casinos, constando dessa lista os jogos em máquinas que, não pagando diretamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvem temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte (alínea g) do nº 1).
Decisivo é, pois, saber se está preenchida a previsão destes artigos.
Alega o arguido e recorrente que a máquina em apreço é equiparável à que foi objeto do processo que deu origem ao acórdão de fixação de jurisprudência nº 4/2010.
Este acórdão fixa jurisprudência nos seguintes termos:
«Constitui modalidade afim, e não jogo de fortuna ou azar, nos termos dos artigos 159.º, n.º 1, 161.º, 162.º e 163.º do Decreto -Lei n.º 422/89, de 2 de Dezembro, na redacção do Decreto -Lei n.º 10/95, de 19 de Janeiro, o jogo desenvolvido em máquina automática na qual o jogador introduz uma moeda e, rodando um manípulo, faz sair de forma aleatória uma cápsula contendo uma senha que dá direito a um prémio pecuniário, no caso de o número nela inscrito coincidir com algum dos números constantes de um cartaz exposto ao público».
Há, então, que apurar se os fundamentos em que se baseia esse acórdão para a jurisprudência em causa levarão, em coerência e por identidade de razão, a que se conclua que também a máquina a que se reporta o presente processo deva ser incluída não entre os jogos de fortuna e azar, mas entre as modalidades a eles afins (reguladas nos artigos 159.º e seguintes do mesmo diploma).
Estatui o n.º 1 deste artigo 159º que modalidades afins dos jogos de fortuna ou azar são as operações oferecidas ao público em que a esperança de ganho reside conjuntamente na sorte e perícia do jogador, ou somente na sorte, e que atribuem como prémios coisas com valor económico. Nelas se incluem, nomeadamente, rifas, tômbolas, sorteios, concursos publicitários, concursos de conhecimentos e passatempos (n.º 2 do mesmo artigo).
Impõe-se, assim, uma breve análise do referido acórdão nº 4/2010.
A questão por este dirimida, e que dividia até então a jurisprudência, diz respeito a máquinas que funcionam como espécies de rifas ou tômbolas mecânicas e atribuem prémios com valor económico de acordo com resultados que dependem exclusiva ou fundamentalmente da sorte.
De acordo com a definição ampla do artigo 1.º atrás citado, poderia pensar-se que essas máquinas configuram um jogo de fortuna ou azar pelo facto de os seus resultados dependerem da sorte.
Não é, no entanto, esse o entendimento perfilhado pelo acórdão nº 4/2010. Na sua fundamentação afirma-se a dado passo:
«Todas as modalidades de jogos que não correspondam às características descritas e especificadas nos referidos artigos 1.º e 4.º do Decreto -Lei n.º 422/89, na redacção do Decreto -Lei n.º 10/95, embora os seus resultados dependam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, revertem para as modalidades afins, como se defende no acórdão fundamento.
No caso das máquinas de jogos, só são de considerar como jogos de fortuna ou azar:
Os jogos em máquinas pagando diretamente prémios em fichas ou moedas;
Os jogos em máquinas que, não pagando directamente prémios em fichas ou moedas, desenvolvam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar ou apresentem como resultado pontuações dependentes exclusiva ou fundamentalmente da sorte. O facto de os jogos em máquinas terem desaparecido do elenco exemplificativo do artigo 159.º, n.º 2 (modalidades afins), após as alterações introduzidas pelo Decreto - Lei n.º 22/85, de 17 de janeiro, não significa que todos os jogos em máquinas se dividam, pura e simplesmente, em jogos de fortuna ou azar e jogos de diversão, estes de resultados dependentes exclusiva ou fundamentalmente da perícia do utilizador e não pagando prémios em dinheiro, fichas ou coisas com valor económico, nos termos do artigo 1.º do Decreto -Lei n.º 21/85, também de 17 de janeiro.
Ora, os jogos nas máquinas automáticas em causa nos acórdãos em conflito (cf. supra n.os 6.1 e 6.2), se apresentavam resultados que dependiam exclusiva ou fundamentalmente da sorte, não desenvolviam temas próprios dos jogos de fortuna ou azar nem pagavam directamente prémios em fichas ou moedas. Por conseguinte, não podiam ser enquadradas em qualquer dos tipos de jogos de fortuna ou azar praticados em máquinas automáticas, tal como descritos nas referidas alíneas f) e g) do n.º 1 do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 422/89, na redacção introduzida pelo Decreto-Lei n.º 10/95, revertendo, antes, para as modalidades afins referidas no artigo 159.º, pois constituem uma espécie de sorteio por meio de rifas ou tômbolas mecânicas.
É certo que os referidos jogos proporcionavam também prémios em coisas com valor económico e em dinheiro, ou só em dinheiro, mas tal circunstância, se não é permitida pelo artigo 161.º, n.º 3, do referido diploma legal, também não é suficiente, por si só, para integrar a «específica configuração em que está definido o pagamento de prémios (pagamento directo em fichas ou moedas) nos jogos de fortuna ou azar», como se diz no acórdão fundamento
E a razão para seguir tal entendimento é a seguinte:
«Como vimos atrás, o tipo legal de crime é dotado de uma certa rigidez, que o constitui como tipo de garantia, sendo essa precisamente uma das manifestações do princípio da legalidade. Assim, aquela circunstância não retira aos jogos em causa a natureza de modalidade afim.
Acresce que a tutela penal adscrita à proibição dos jogos de fortuna ou azar fora dos locais autorizados encontra fundamento, como se viu (cf. supra n.º 7.1.1), em valores de relevante ressonância ético -social, nomeadamente pelos efeitos devastadores a nível social, familiar, económico e laboral, com incremento de criminalidade grave, não só de carácter patrimonial mas também de carácter pessoal (vida, integridade física, ameaça, coacção) que a dependência de jogos de grande poder aditivo e potenciação de descontrolo pode acarretar.
Tal não sucede relativamente aos jogos em máquinas automáticas que funcionam como espécies de rifas ou tômbolas mecânicas, em que o que se arrisca assume dimensão pouco significativa, pois a expectativa é limitada ou predefinida e o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação, ao contrário do que sucede com os jogos de casino, mesmo em máquinas, possibilitando uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre o risco de se envolver emocionalmente
Há. assim, duas razões para optar pelo entendimento seguido pelo acórdão.
Uma relativa ao princípio da legalidade e à rigidez da definição do tipo penal em causa. Essa definição não se basta com a noção genérica do citado artigo 1.º, há que a completar com o elenco que consta do artigo 4.º. Não basta que o resultado do jogo dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte. É necessário que se esteja perante um dos tipos de jogo elencados no artigo 4.º, o que não se verifica com as máquinas em questão no acórdão.
Uma outra razão na base do entendimento perfilhado pelo acórdão é de ordem teleológica, relativa à ratio da incriminação e aos princípios da dignidade penal da carência de pena e da máxima restrição penal. A criminalização da exploração de uma máquina de jogo há-de justificar-se à luz de prementes necessidades de proteção de bens jurídicos de particular relevo social. Tal não se verifica, de acordo com o acórdão em relação a máquinas que funcionam como uma espécie de rifas ou tômbolas. Nestas o risco assume pouco significado, pois a «expectativa é limitada ou predefinida», o «impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação», ao contrário do que sucede com os jogos de casino, os quais possibilitam «uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre os risco de se envolver emocionalmente».
À luz da doutrina deste acórdão, não são consideradas máquinas de jogo de fortuna ou azar as máquinas que funcionam como uma espécie de rifas ou tômbolas mecânicas, porque nelas a expetativa é limitado ou predefinida e o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação, mas já o serão máquinas que possibilitam uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre o risco de se envolver emocionalmente, em que os pontos adquiridos pode ser usados em jogos sucessivos e o próprio funcionamento do jogo induz à acumulação de pontos e a essa utilização em jogos sucessivos, pois as induzem comportamentos compulsivos com reflexos sociais danosos, que a criminalização da exploração ilícita do jogo pretende combater.
Integram-se na primeira dessas categorias (e, por isso, não foram consideradas máquinas de jogo de fortuna ou azar) as máquinas que deram origem aos processos a que são relativos os acórdãos da Relação de Coimbra de 18 de março de 2015, proc. n.º 27/10.4EATCT.C1, relatado por Belmiro Andrade; da Relação do Porto de 17 de setembro de 2014, proc. n.º 480/13.4 EAPRT. P1 relatado por Artur Oliveira; de 4 de fevereiro de 2015, proc. n.º 514/13.2EAPRT.P1, relatado por Alves Duarte; e de 31 de maio de 2017, proc. n.º 604/12.9EAPRT.P1, relatado por Pedro Vaz Pato; e da Relação de Évora de 31 de maio de 2011, proc. n.º 10/07.6TACCH.E1, relatado por Alves Duarte; de 28 de fevereiro de 2012, proc. n.º 81/10.9GCMN.E1, relatado por Ana Bacelar Cruz, e de 10 de maio de 2016, proc.n.º 271/11.7ECCLSB.E1, relatado por João Amaro (todos acessíveis em www.dgsi.pt).
Integram-se na segunda dessas categorias (e, por isso, foram consideradas máquinas de jogo de fortuna ou azar) as máquinas que deram origem aos processos a que são relativos os acórdãos (invocados na douta sentença recorrida) da Relação do Porto de 4 de fevereiro de 2015, proc. n.º 60/10.6PEMTS.P1, relatado por Neto Moura; e de 7 de maio de 2014, proc. n.º 970/10.0GALSD.P1, relatado por Pedro Vaz Pato (ambos acessíveis em www.dgsi.pt). E também as máquinas que deram origem aos processos a que são relativos os acórdãos da Relação de Lisboa de 5 de abril de 2011, proc. nº 728/06.1GBVFX.L1-1, relatado por Jorge Baptista Gonçalves; da Relação de Coimbra de 15 de fevereiro de 2012, proc. nº 41/07.7FDCBR.C1, relatado por Paulo Guerra; e de 21 de março de 2012, proc. nº 354/10.0GDACB.C1;, relatado por Paulo Valério; e da Relação do Porto de 27 de junho de 2012, proc. nº 217/08.0GCPV.P1, relatado por Francisco Marcolino; de 25 de novembro de 2011, proc nº 34/09.0FAPRT.P1, relatado por Luís Teixeira; e de 19 de outubro de 2011, proc. nº 324/10.9GBGDM.P1, relatado por Pedro Vaz Pato (todos também acessíveis in www.dgsi.pt),
E também se integra na segunda dessas categorias a máquina em apreço nestes autos.
Na verdade, como resulta do relatório do exame pericial junto a fls. 64 a 71, a máquina em apreço neste autos permite a acumulação de pontos que podem ser usados em jogadas sucessivas e o próprio funcionamento do jogo induz à acumulação de pontos e a essa utilização em jogadas sucessivas. Sempre com o risco de numa jogada ulterior serem perdidos os pontos acumulados (tal relatório fala, por isso, em “apostas” desses pontos).
Não pode dizer-se em relação ao jogo em apreço nestes autos, como pode dizer-se da máquinas que funcionam como uma espécie de rifas ou tômbolas mecânicas a que ser reporta o acórdão nº 4/2010, que «a expectativa é limitada ou predefinida», ou «o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação». Pelo contrário, dela pode dizer-se, como pode dizer-se dos jogos de casino, que possibilita «uma série praticamente ilimitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre o risco de se envolver emocionalmente». Neste aspeto, os efeitos do uso da máquina em apreço nestes autos podem ser substancialmente equiparados aos jogos dos casinos, independentemente dos valores envolvidos, que são certamente diferentes. A indução de comportamentos compulsivos com reflexos sociais danosos representa um malefício que a criminalização da exploração ilícita do jogo pretende combater e, porque tal risco se verifica no uso da máquina em questão, justifica-se a criminalização da sua exploração ilícita.
Não pode, pois, dizer-se, como alega o recorrente, que o jogo em questão não cria um risco de “viciação”. Ou que o impulso para um novo jogo é renovado apenas de cada vez que se volta a introduzir a moeda. Não, esse impulso é fortemente estimulado pela possibilidade de acumulação de pontos que depende da realização de novos jogos. A atracão dos prémios não está pré-definida e circunscrita, vai crescendo de forma eventualmente ilimitada. E sempre com o risco de perda dos pontos sucessivamente acumulados.
Certamente que a menor dimensão dos valores envolvidos há de ser considerada na determinação da medida da pena aplicável, mas essa menor dimensão não é fator decisivo para excluir a criminalização da conduta em apreço.
Deve, pois, ser negado provimento ao recurso quanto a este aspeto.
IV 2. –
Vem o arguido e recorrente alegar que é inconstitucional, por violação dos princípios da “liberdade individual”, da “proporcionalidade” e da “legalidade”, a interpretação das normas contidas nos nºs 4º, 108º e 115º do Decreto-Lei nº 422/89, de 2 de dezembro, quando efetuada (como sucederá no caso em apreço) no sentido de que um qualquer jogo desenvolvido por máquina eletrónica, cujo resultado dependa exclusiva ou fundamentalmente da sorte, mas cujos limites máximos de “prémios” a atribuir estejam já previamente definidos e delimitados e sejam do conhecimento dos utilizadores, consubstancia um qualquer jogo de fortuna ou azar.
Ora, e como vimos, não estamos perante um jogo com limites de prémios previamente definidos. Assim, não se suscita a questão de eventual violação do princípio da legalidade, questão que também se suscitava na situação apreciada no acórdão de fixação de jurisprudência nº 4/2010, a qual não é, porém, como vimos também, equiparável à que está agora em apreço.
E a danosidade social do jogo em apreço, como vimos, vai para além da de um jogo com as características invocadas pelo arguido e recorrente e que correspondem à da máquina a que é relativo o acórdão de fixação de jurisprudência n.º 4/2010. A danosidade social inerente à exploração de jogos que induzem comportamentos potencialmente compulsivos (como se verifica no caso em apreço, pelas razões indicadas) justifica a criminalização dessa exploração, à luz dos princípios da necessidade das penas e da proporcionalidade, como reconheceu o Tribunal Constitucional no seu acórdão n.º 99/2002 (acessível in www.tribunalconstitucional.pt),
Deverá, assim, ser negado provimento ao recurso também quanto a este aspeto.
IV 3. –
Vem o arguido e recorrente alegar, por outro lado, que as penas em que foi condenado na douta sentença recorrida são exageradas e desproporcionadas, extravasando claramente a sua culpa e as próprias necessidades de prevenção, não tendo devidamente em conta as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a seu favor. Alega que, por contraposição com a pena de prisão aplicada, situada próximo do mínimo legal, e de modo injustificado, lhe foi aplicada pena de multa situada no meio da pena abstratamente aplicável. Alega que está em causa a exploração de uma única máquina, que permitiu apenas apostas de valor reduzido e um limitado benefício. Alega que não foram devidamente valoradas as circunstâncias de ter confessado integralmente e sem reservas, ter boa inserção familiar, social e profissional e não ter antecedentes criminais relativos ao crime em apreço.
Vejamos.
O crime em apreço é punível com pena de prisão até dois anos e com pena de multa até duzentos dias.
Na escolha das penas em questão e na determinação das respetivas medidas concretas, há que considerar as seguintes disposições do Código Penal.
De acordo com o artigo 40.º, a aplicação de penas visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade (n.º 1), sendo que em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (n.º 2).
Nos termos do artigo 70.º, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, pena privativa e pena não privativa de liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.
Nos termos do n.º 1 do artigo 71º, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. E, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, nessa determinação o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente, o grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente (alínea a)); a intensidade do dolo ou da negligência (alínea b)), os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram (alínea c)); as condições pessoais do agente e a sua situação económica (alínea d)); a conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime (alínea e)); a falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena (alínea f)).
Analisemos, a esta luz, as penas aplicadas ao arguido e recorrente.
Nada se apurou a respeito do tempo de utilização da máquina em questão, do número de pessoas que a possam ter utilizado ou dos ganhos que ela proporcionou ao arguido. Esse desconhecimento não pode deixar de o beneficiar. E são, de qualquer modo, reduzidos os valores envolvidos em cada uma das jogadas proporcionadas pela máquina em questão.
É certo que o arguido não tem antecedentes criminais relativos ao crime em apreço, mas foi já condenado, em penas de multa, pela prática de crimes de tráfico de estupefacientes e falsificação (ver o seu certificado de registo criminal a fls. 215 a 217).
A confissão assume pouco relevo atenuante, pois se verificou uma situação de flagrante delito.
Há que considerar a inserção familiar, social e profissional do arguido.
As referidas circunstâncias atenuantes foram já consideradas na determinação da pena de prisão em que o arguido foi condenado, situada próximo do mínimo legal (em dois meses) situa-se próximo do mínimo legal. A multa que substitui tal pena (de sessenta dias) também não se revela desproporcionada considerando a respetiva moldura e as circunstâncias referidas.
A determinação da pena de multa (em cem dias, a meio da moldura respetiva) deverá, porém, ser reduzida, atendendo às referidas circunstâncias atenuantes e, sobretudo, ao valor reduzido dos valores envolvidos.
Nesta medida, deverá ser concedido provimento parcial ao recurso.

Não há lugar a custas (artigo 513º, nº 1, a contrario, do Código de Processo Penal)

V – Pelo exposto, acordam os juízes da 1ª Secção Criminal do Tribunal da Relação do Porto em conceder provimento parcial ao recurso, reduzindo a pena de cem (100) dias de multa em que o arguido e recorrente foi condenado para cinquenta (50) dias e, consequentemente, a multa global de cento e sessenta (160) dias em que ele foi condenado para cento e dez (110) dias, mantendo, no restante, a douta sentença recorrida.

Notifique

Porto, 21/2/2018
(processado em computador e revisto pelo signatário)
Pedro Vaz Pato
Eduarda Lobo (vencida conforme declaração junta.)
Francisco Marcolino
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Vencida, porquanto entendo que os factos em causa nos autos não integram um crime de exploração ilícita de jogo, mas antes um ilícito contra-ordenacional, entendimento que manifestei no Ac. Desta Relação de 11.12.2013 (proferido no Proc.n° 626/11.7GDGDM.P1, disponível em www.dgsi.pt).
Com efeito, os efeitos devastadores a nível social, familiar, económico e laboral, com incremento de criminalidade grave, não só de carácter patrimonial, mas também de carácter pessoal que a dependência de jogos de grande poder aditivo e potenciação de descontrole pode acarretar, não ocorrem “relativamente aos jogos em máquinas automáticas que funcionam como espécies de rifas ou tômbolas mecânicas, em que o que se arrisca assume dimensão pouco significativa, pois a expectativa é limitada ou predefinida e o impulso para o jogo tem de ser renovado em cada operação, ao contrário do que sucede com os jogos de casino, mesmo em máquinas, possibilitando uma série praticamente limitada de jogadas, numa espécie de encadeamento mecânico e compulsivo, em que o jogador corre o risco de se envolver emocionalmente”.
O tipo de máquina em causa nos presentes autos, bem como o “jogo” que desenvolvia da forma descrita – cujo resultado dependia exclusivamente da sorte nos termos acima indicados e não da perícia do jogador – como é claro não se integra em qualquer dos tipos de “jogos de fortuna ou azar” previstos no artigo 40 do cit. DL n°422/89 (nem a qualquer deles se equipara).
Por outro lado, considerando o seu modo de funcionamento, valores da respetiva “aposta” e prémios que atribuía, entendemos estar perante máquina que desenvolve uma “modalidade afim”, tal como definida no art. 1630 n°1, por referência aos arts. 1590, 160° nº 1 e 161° do cit. DL nº 422/89, pelo que a sua exploração nos moldes descritos na decisão recorrida, não integra a prática do crime imputado ao arguido, correspondendo antes a um ilícito contra-ordenacional, p.e.p. pelo artigo 159° do Decreto-Lei n.° 422/89, de 02 de Dezembro.
Razão porque daria provimento parcial ao recurso interposto pelo arguido e, consequentemente, substituiria a pena aplicada pela imposição de uma coima nos termos do disposto no art° 163° do diploma supra citado.
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Eduarda Lobo