Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
1876/19.0T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: VIEIRA E CUNHA
Descritores: ACOMPANHAMENTO DE MAIOR
LEGITIMIDADE PARA RECORRER
ACOMPANHANTE PROVISÓRIO
MEDIDA CAUTELAR
Nº do Documento: RP202009081876/19.0T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 09/08/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: CONFIRMADA
Indicações Eventuais: 2ª SECÇÃO
Área Temática: .
Sumário: I – Se o acompanhante provisório actua, para certos efeitos, em representação do maior, nos termos da norma do artº 16º nº1 CPCiv, por força dos poderes que lhe foram judicialmente conferidos, está autorizado a interpor recurso das decisões judiciais que lhe sejam desfavoráveis, no exercício desses poderes, sem que possa ser equiparado à posição de assistente, prevista apenas quanto à impugnação da decisão relativa à medida de acompanhamento (artº 901º CPCiv).
II – A apresentação de contra-alegações rectius a consideração do alegante como recorrido não decorre do critério do vencimento ou do prejuízo efectivo, a que alude a norma do artº 631º nºs 1 e 2 CPCiv, mas antes de o visado poder constituir a parte como tal identificada e/ou representada por mandatário judicial no processo.
III – Da conjugação do disposto nos artºs 242º nº1 al.b) CPPen e 386º nº1 CPen, extrai-se que existe denúncia obrigatória para o funcionário (no caso, para o juiz), logo que tenha conhecimento da prática de ilícitos criminais, ainda que dependentes de queixa.
IV – A medida cautelar integrada no processo de acompanhamento (artº 891º nº2 CPCiv) revela-se destituída de utilidade se não obedece à geral finalidade cautelar de o dano não se ter já efectivado (artº 362º nº1 CPCiv).
Reclamações:
Decisão Texto Integral: • Rec. 18776/19.0TBPRT.P1. Relator – Vieira e Cunha. Adjuntos – Des. Maria Eiró e Des. João Proença Costa. Decisão recorrida de 20/3/2020.

Acórdão do Tribunal da Relação do Porto

Os Factos
Recurso de apelação interposto na acção com processo especial de acompanhamento de maior nº18776/19.0T8PRT, do Juízo Local Cível do Porto.
Autor/Apelante – Digna Magistrada do Ministério Público.
Requerida – B….

Tese do Autor
Requer que seja determinada Medida de Acompanhamento Provisório e Urgente com Nomeação de Acompanhante Provisório à beneficiária B…, conferindo-se, de imediato ao mesmo, a representação especial da beneficiária para celebrar negócios jurídicos, junto das entidades públicas e privadas, para receber quaisquer quantias, valores e/ou rendimentos certos ou eventuais, vencidos ou a vencer, seja qual for a sua proveniência, para movimentar contas bancárias e proceder à abertura de contas bancárias, em todos os actos relativos à sua saúde, sem prejuízo de outras que se venham a revelar necessárias.
Alega que existem fundadas suspeitas da prática de factos eventualmente integradores de um crime de violência doméstica contra pessoa idosa, praticado pela pessoa à guarda de quem a Requerida se tem encontrado, tornando-se necessário nomear acompanhante provisório e urgente por forma a auxiliar a beneficiária no exercício dos seus direitos pessoais e patrimoniais
Produzida prova, foi, por sentença, decidido aplicar à beneficiária B… a medida provisória de representação especial atribuindo ao acompanhante provisório poderes para:
a) decidir o domicílio da beneficiária;
b) celebrar negócios jurídicos que se venham a revelar de realização urgente;
c) representar a beneficiária junto de quaisquer entidades públicas ou privadas;
d) receber quaisquer quantias, valores ou rendimentos, certos ou incerto, vencidos ou a vencer, seja qual for a sua proveniência que deverão ser depositados em conta bancária titulada pela beneficiária;
e) movimentar contas bancárias, cancelar contas bancárias, requerer a emissão de cartões de débito, requerer o cancelamento de cartões de débito e/ou de crédito, constituir aplicações, poupanças ou depósitos a prazo;
f) decidir todos os actos relativos à saúde da beneficiária, nomeadamente marcação de consultas, sujeição a tratamento, toma de medicamentos e consentimento para a prática de actos médicos.
2. Nomear como acompanhante provisório C….
Em sequência, veio o acompanhante provisório nomeado requerer fosse ordenado ao arrendatário habitacional o depósito das rendas mensais em determinada conta bancária, bem como para demonstrar ter efectuado o pagamento dessas rendas desde Janeiro de 2017; que fosse ordenado ao D… a entrega ao acompanhante de extractos da conta bancária da Requerida; que fosse informado o Requerente de determinados movimentos a débito de contas bancárias, designadamente contas solidárias de que também era titular E…, podendo traduzir a prática de actividade criminosa.
Através dos despachos judiciais de 20/3 e do seu complemento de 5/6/2020, foi decidido “nada mais haver a ordenar, na medida em que todo o afirmado e requerido pelo acompanhante provisório extravasa o âmbito do processo de maior acompanhado”.

Conclusões do Recurso de Apelação:
1.O instituto do acompanhamento de maior rege-se pelos princípios da necessidade, proporcionalidade e adequação, cabendo aos tribunais promover e diligenciar pelas medidas que melhor cumpram a defesa dos interesses do acompanhado.
2. O regime do maior acompanhado consagra, a nível processual, os princípios da efectividade e da gestão processual.
3. O bom desempenho do cargo do acompanhante provisório, nomeado em visa à protecção dos interesses do acompanhado, obriga o acompanhante a exercer com a diligência requerida a um bom pai de família as funções que lhe foram cometidas por um órgão jurisdicional.
4. Em obediência aos princípios e obrigações supra enumerados, cabe no âmbito do processo especial de acompanhamento de maior o dever do tribunal facultar ao acompanhante os meios necessários para cumprir a função que lhe foi cometida, designadamente ordenando a entidades terceiras que prestem as informações e cumpram as instruções que por aquele foram pedidas.
5. Ao recorrente, nomeado acompanhante provisório à beneficiária, foram, entre outros, atribuídos poderes para receber quaisquer quantias, valores ou rendimentos, certos ou incertos, vencidos ou a vencer, seja qual for a sua proveniência, que deverão ser depositados em conta bancária titulada pela beneficiária; e movimentar contas bancárias, cancelar contas bancárias, requerer a emissão de cartões de débito, requerer o cancelamento de cartões de débito e/ou crédito, constituir aplicações, poupanças ou depósitos a prazo.
6. O recorrente, no cumprimento das obrigações que para si decorrem enquanto acompanhante provisório nomeado à beneficiária, contactou as instituições bancárias nas quais a beneficiária era titular de contas, designadamente o D… e o F…, S.A., no sentido de assegurar que as contas tituladas pela beneficiária não fossem movimentadas por outrem diverso do acompanhante provisório, facultando cópia da decisão que assim o nomeou; contactou a Caixa Geral de Aposentações, entidade que procede ao pagamento à beneficiária de uma pensão de reforma, no sentido de os valores referentes à pensão passarem a ser pagos, por transferência bancária, para conta bancária por ele recorrente indicada e titulada pela beneficiária; enviou a G…, arrendatário de uma habitação cujo usufruto pertence à beneficiária, sita na Rua …, nº …, no Porto, comunicação escrita mediante a qual lhe solicitou o depósito da renda mensal na conta bancária da acompanhada junto do H… e ainda o comprovativo do pagamento das rendas vencidas desde Janeiro de 2017.
7. O D…, a Caixa Geral de Aposentações e o Arrendatário não cumpriram os pedidos e instruções do recorrente.
8. A acompanhada tem como únicos rendimentos a pensão de reforma e a renda acima referidas.
9. Através do requerimento objecto da decisão constante do douto despacho sob recurso, o recorrente requereu que o Tribunal a quo:
- ordenasse que fosse oficiado à Caixa Geral de Aposentações à CGA para proceder ao depósito/transferência da pensão de reforma da acompanhada para a conta bancária com o IBAN PT …………………..;
- ordenasse que fosse oficiado ao arrendatário para proceder ao depósito/transferência das rendas mensais que são devidas para a conta bancária com o IBAN PT ………………….., bem como lhe fosse ordenada a junção dos comprovativos do pagamento das rendas desde Janeiro de 2017 até à data da notificação que lhe viesse a ser efectuada, por não existir evidência nas contas bancárias da acompanhada de qualquer crédito equivalente ao valor da renda mensal a fim de ser equacionada, e pedida, a necessária autorização judicial, para instauração da acção judicial que se mostrar adequada;
- ordenasse que fosse oficiado o D…, S.A. para entregar ao requerente ou juntar aos autos os extractos da conta nº ……. desde 1 de Janeiro de 2017 até à presente data; e,
- que aos autos fosse dada vista ao Ministério Público para, se assim o entendesse, deles extrair certidão a fim de os mesmos serem investigados em processo-crime.
10. As medidas decretadas no âmbito dos presentes autos – medidas provisórias – foram-no porquanto a situação e os interesses da beneficiária o justificam, cfr. art.ºs 891, nº 2 e 894º, ambos do CPCivil e art.º 139º, nº 2, do CCivil.
11. O requerido pelo recorrente teve e tem em vista a concretização das medidas de garantia patrimonial e salvaguarda do sustento e dos rendimentos da beneficiária, constituindo meios com vista a assegurar o superior e imperioso interesse desta.
12. Não tendo as solicitações e instruções dadas à Caixa Geral de Aposentações, às instituições bancárias e ao arrendatário sido cumpridas, as mesmas podem e devem ser ordenadas pelo Tribunal a quo, porque em qualquer altura do processo podem ser determinadas as medidas de acompanhamento provisórias e urgentes, necessárias para providenciar quanto à pessoa e bens do requerido, cfr. nº 2 do art.º 139º do CCivil.
13. Nos termos do disposto no art.º 891, nº 1, do CPCivil, ao processo de acompanhamento de maiores aplica-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos processos de jurisdição voluntária no que respeita aos poderes do juiz, ao critério de decisão e à alteração das decisões com fundamento em circunstâncias supervenientes.
14. A remissão para o regime dos processos de jurisdição voluntária, conferindo também ela às medidas provisórias natureza cautelar, determina que os actos que tenham por finalidade o cumprimento de medidas não respeitadas, por parte de terceiros, para salvaguarda do património e a garantia de sustento do acompanhado dispensem o recurso a processo judicial novo destinado ao cumprimento do requerido. Ou seja, deve ser o próprio tribunal onde pende o processo de acompanhamento a ordenar aos terceiros incumpridores a prática desses actos.
15. Sendo o Ministério Público titular da acção penal – e no presente processo requerente das medidas de acompanhamento – deve-lhe ser dada vista do requerimento apresentado pelo recorrente para, se assim o entender, dele extrair certidão a fim de os factos relatados serem investigados em processo-crime, designadamente os que respeitam à actuação de E… e de G…, indiciadora da prática de crimes de natureza pública.
16. No despacho sob recurso, ao decidir-se nada haver a ordenar quanto ao requerido pelo recorrente com o fundamento de o requerido extravasar o âmbito do processo de maior acompanhado, fez-se menos acertada interpretação e aplicação do disposto nos art.ºs 139º, nº 2, 140º, nº 1 e 146º, todos do CCivil e dos art.ºs 6º, nº 1, 547º, 891º, nº 2, 894º e 902º, nº 3, todos do CPCivil.
Pelo exposto, na procedência das conclusões do recurso, deve ser revogado o douto despacho ora recorrido, substituindo-se o mesmo por outro que, deferindo ao requerido pelo recorrente através do requerimento com a referência 35165322, ordene a realização das diligências referidas em 9 das Conclusões.

Por contra-alegações, a Digna Magistrada do Ministério Público sustenta a confirmação da decisão recorrida.
No mesmo sentido vão as contra-alegações apresentadas por E…; invoca, para corroborar a legitimidade para a intervenção no processo, na fase de recurso, que apresentou nos autos um pedido para substituição do acompanhante provisório (que, por despacho judicial, foi decidido ser apreciado no momento da decisão a proferir sobre o acompanhamento definitivo), e ainda o facto de ele contra-alegante ser visado no requerimento do acompanhante provisório, por força da alegação de factos que poderão justificar investigação criminal.
Mais invoca que o despacho recorrido não admite recurso, por ter sido proferido ao abrigo de um poder discricionário.
Para além disso, a decisão recorrida não permite recurso imediato, designadamente por não enquadrável no disposto no artº 644º nº2 als.h) e i) CPCiv.
Acresce que a acompanhada não apresentou recurso da decisão recorrida, pelo que o acompanhante, assumindo uma posição de parte acessória (assistente), não poderia ter praticado actos que a acompanhada tivesse perdido po direito de praticar – artº 328º nº2 CPCiv.
O Recorrente (acompanhante provisório) invoca que o contra-alegante E… não tem legitimidade para a apresentação das contra-alegações, pois não é interveniente reconhecido no processo, até à data, nem o requerimento em discussão no processo pode prejudicar, directa e efectivamente, o contra-alegante.
Igualmente apresentou resposta à contra-alegação.

Factos Provados
Encontram-se provados os factos supra descritos no relatório, relativos à tramitação geral, bem como ao teor das decisões judiciais proferidas no processo, designadamente a ora impugnada.

Os Factos e o Direito
Em função da esquematização das conclusões do Recorrente, os tópicos a abordar na solução do recurso são os de conhecer do bem fundado da decisão recorrida, quando nada ordenou, quanto às requeridas notificações ao arrendatário, a um Banco e ao Ministério Público.
Previamente, e por se tratarem de questões de conhecimento oficioso, independentes da alegação das partes, cumprirá pronúncia sobre se se o despacho recorrido não admite recurso (por ter sido proferido ao abrigo de um poder discricionário) ou se a decisão recorrida não permite recurso imediato, designadamente por não enquadrável no disposto no artº 644º nº2 als.h) e i) CPCiv.
Ainda, saber se, não tendo a acompanhada apresentado recurso da decisão recorrida, não poderia o acompanhante, assumindo uma posição de parte acessória (assistente), ter praticado actos que a acompanhada tivesse perdido o direito de praticar – artº 328º nº2 CPCiv.
Incidentalmente, cumprirá conhecer se o contra-alegante E… não tem legitimidade para a apresentação das contra-alegações.
Vejamos então.
I
Em primeiro lugar, a questão da discricionariedade do despacho recorrido.
Na definição clássica do Consº J. Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, 1972, III/272, a discricionariedade prende-se com a atribuição pela lei da possibilidade da livre escolha da solução ou da oportunidade da prática do acto, desde que exista respeito do fim para cuja satisfação o poder é conferido.
Ora, basta atentar no teor do despacho recorrido para confirmar que o mesmo se pronuncia sobre a lei aplicável ao processo e, portanto, sobre a legalidade, ou não, da prática ou do requerimento, pelo acompanhante provisório, de determinados actos.
Se o despacho se reporta à lei, vincula-se a esta e não é (ao menos na sua aparência, que determina a admissão do recurso) exercido em função de um poder discricionário.
Quanto à questão de saber se a decisão recorrida não permite recurso imediato, designadamente por não enquadrável no disposto no artº 644º nº2 als.h) e i) CPCiv.
Para a citada al.h), o legislador assinalou um nível de exigência elevado, ao impor que a impugnação da decisão com a decisão final se revele “absolutamente” inútil.
Como escreve o Consº Abrantes Geraldes, Recursos no Novo CPC, 2013, pg. 160, “é necessário que imediatamente se possa antecipar que o eventual provimento do recurso não passará de uma “vitória de Pirro”, sem qualquer reflexo no resultado da acção ou na esfera jurídica do interessado”.
Quanto ao arrendatário, o mesmo invoca pretender instruções da acompanhada, mais reforçando que, na ausência destas instruções, continuará a efectuar o pagamento da renda pela forma como sempre tem feito – o que significa que o “recebimento de quaisquer quantias, valores ou rendimentos, vencidos ou a vencer”, cujos poderes de recebimento foram atribuídos ao acompanhante provisório, poderá ficar prejudicado, e, em tese, por forma irreversível.
Independentemente do mérito da alegação recursória, a forma como tal alegação se expressa (bem ou mal fundada) remete para um prejuízo inevitável e irremediável a final, pelo que consideramos integrado o fundamento de recurso de apelação autónomo da citada al.h).
II
Prosseguindo pela questão de saber se, não tendo a acompanhada apresentado recurso da decisão recorrida, não poderia o acompanhante, assumindo uma posição de parte acessória (assistente), ter praticado actos que a acompanhada tivesse perdido o direito de praticar – artº 328º nº2 CPCiv.
Não nos parece que assim possa ser – a posição de assistente ou a assistente equiparada resulta expressamente da lei, quanto à impugnação da decisão relativa à medida de acompanhamento (artº 901º CPCiv).
Não se trata porém nos autos da impugnação dessa decisão, aliás já proferida, ainda que em termos meramente cautelares.
O que se encontra em causa na impugnação do recurso é a actuação dos poderes já adrede conferidos ao acompanhante provisório, designadamente em matéria de recebimento de quaisquer quantias, vencidas ou a vencer, a serem depositadas em determinada conta bancária.
Nesse sentido, o acompanhante actua em representação do maior, nos termos da norma do artº 16º nº1 CPCiv (ainda que actuasse enquanto gestor de negócios estaria autorizado a recorrer – artº 464º CCiv).
O contra-alegante E… não tinha legitimidade para a apresentação das contra-alegações?
Importa esclarecer que a apresentação de contra-alegações rectius a consideração do alegante como recorrido não decorre do critério do vencimento ou do prejuízo efectivo, a que alude a norma do artº 631º nºs 1 e 2 CPCiv.
Essa norma é válida apenas para a possibilidade de interposição de recurso.
A possibilidade de contra-alegar é apenas conferida ao “recorrido” – artº 638º nº5 CPCiv.
Ora, o Recorrido só pode constituir a parte como tal identificada e/ou representada por mandatário judicial.
Uma intervenção incidental no processo, como a ocorrida pela apresentação de um requerimento prévio do contra-alegante, sobre o qual não recaiu qualquer espécie de pronúncia judicial relevante, obviamente não confere ao interveniente o estatuto de recorrido, isto é, de contraparte.
O requerimento sobre o qual incidiu o despacho recorrido tem a ver exclusivamente com o depósito de rendas, a cargo de um arrendatário terceiro, com o saldo ou os movimentos de uma conta bancária que não consta (ao menos aparentemente) que seja igualmente titulada pelo contra-alegante, e finalmente com a abertura de vista ao Ministério Público, que, pela própria natureza da denúncia, não carecia sequer da intermediação do processo de acompanhamento de maior.
Portanto, nem o critério do vencimento ou do prejuízo efectivo poderiam validar a apresentação de contra-alegações a cargo de um sobrinho da acompanhada, mesmo que a referida acompanhada tivesse convivido em anos próximos com esse mesmo sobrinho.
Em consequência, e sempre salvo o devido respeito, tem razão o Recorrente quando invoca a nulidade da apresentação das contra-alegações, que assim deverão ser de todo inconsideradas.
III
Passemos agora a conhecer do bem fundado da decisão recorrida, quando nada ordenou, relativamente às requeridas notificações ao arrendatário, a um Banco e ao Ministério Público, mais invocando que “todo o afirmado e requerido pelo acompanhante provisório extravasa o âmbito do processo de maior acompanhado”.
Quanto ao requerido conhecimento ao Ministério Público, a verdade é que tal matéria não tem de passar pelo processo de acompanhamento de maior e pode ser exercida independentemente deste processo.
Todavia, da conjugação do disposto nos artºs 242º nº1 al.b) CPPen e 386º nº1 CPen, extrai-se que existe denúncia obrigatória para o funcionário, logo que tenha conhecimento da prática de ilícitos criminais, ainda que dependentes de queixa.
No caso dos autos, os factos poderão configurar a prática de um crime de furto – artº 203º CPen.
Acresce que saber se a denúncia dará lugar a inquérito é matéria que extravasa o comportamento requerido – veja-se o nº3 do artº 242º CPPen.
Portanto, tudo aconselhava a vista requerida ao Ministério Público.
Quanto à notificação ao E…, e independentemente da matéria criminal que da alegação do acompanhante provisório possa decorrer, a verdade é que o Banco forneceu informação bastante ao acompanhante e ora requerente, no sentido de uma eventual conta da Requerida nesse Banco ter já sido encerrada e não possuir saldo credor.
Nesse sentido, medida cautelar integrada no processo de acompanhamento (artº 891º nº2 CPCiv), e em complemento do acompanhamento provisório decretado, revelar-se-ia destituída de utilidade, não obedecendo à geral finalidade cautelar de o dano não se ter já efectivado (artº 362º nº1 CPCiv).
Quanto à actuação do arrendatário ou, mais exactamente, ao pagamento de rendas a cargo do arrendatário, tendo sido decretada uma medida que engloba representação especial com poderes para “receber quaisquer quantias, valores ou rendimentos, certos ou incertos, vencidos ou a vencer, seja qual for a sua proveniência, que deverão ser depositados em conta bancária titulada pela beneficiária”, foi cometido esse referido encargo ao acompanhante em função da norma do artº 145º nº2 als. b) e c) CCiv.
Sendo aparentemente do conhecimento do arrendatário a natureza dos poderes concedidos ao acompanhante (e a sua efectiva concessão, através de decisão cautelar que transitou em julgado) aquilo que pode resultar para o referido arrendatário são as consequências, para o contrato de arrendamento, da falta de pagamento de rendas, matéria que, confirmamo-lo, excede o âmbito de conhecimento do processo relativo ao acompanhamento do maior.
Nestes termos, cumpre a confirmação do douto despacho recorrido, sem prejuízo do conhecimento que cumpre dar ex officio à Digna Magistrada do Ministério Público.

Concluindo:
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Deliberação (artº 202º nº1 CRP):
Julga-se improcedente, por não provado, o recurso de apelação interposto e, em consequência, confirma-se o douto despacho recorrido, sem prejuízo da necessária denúncia ao Ministério Público, para os fins tidos por convenientes.
Sem custas.

Porto, 8/9/2020
Vieira e Cunha
Maria Eiró
João Proença Costa