Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
32/17.0GAVLC.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: JOSÉ CARRETO
Descritores: PROCESSO ABREVIADO
PROVAS EVIDENTES
FUNDAMENTAÇÃO
AMEAÇA
MAL FUTURO
Nº do Documento: RP2018103132/17.0GAVLC.P1
Data do Acordão: 10/31/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REC PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Indicações Eventuais: 1ªSECÇÃO, (LIVRO DE REGISTOS N.º47/2018, FLS.181-205)
Área Temática: .
Sumário: I - Optando o MP por deduzir acusação em processo abreviado, não compete ao juiz, no momento de proferir o despacho a que se refere o artigo 311º do CPP, averiguar se as provas recolhidas são simples e evidentes.
II - O tribunal não tem de fundamentar cada facto de per si, pois a lei não impõe a indicação dos meios de prova atinentes a cada um dos factos provados nem impõe que em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir devendo a fundamentação surgir como um todo.
III - Não é o elemento gramatical das palavras ou a interpretação dos gestos, mas o sentido delas e da conduta globalmente apreciada e a acção imediata que permite aquilatar da existência do anúncio de um mal futuro ou dum mal presente; é ameaça se não há indícios de início de execução do mal ameaçado.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Rec nº 32/17.0GAVLC.P1
TRP 1ª Secção Criminal

Acordam em conferência os juízes no Tribunal da Relação do Porto

No Proc. Abreviado nº 32/17.0GAVLC do Tribunal Judicial da Comarca de Aveiro - Juízo de Competência Genérica de Vale de Cambra em que foi julgada a arguida
B…,

Após julgamento, por sentença de 18/1/2018 foi decidido:
“Por todo o exposto, julgo totalmente provada a acusação pública e, em consequência,
A. Condeno B… pela prática contra C… de um crime de ameaça agravada do artigo 153.°, n." 1 e 155.°, n." 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de 7,00€ (sete euros);
B. Condeno B… pela prática contra D… de um crime de ameaça agravada do artigo 153.°, n." 1 e 155.°, n." 1, alínea a), do Código Penal, na pena de 60 (sessenta) dias de multa à taxa diária de 7,00€ (sete euros);
C. Em cúmulo jurídico das penas de multa aplicadas, condeno B… na pena de 80 (oitenta) dias de multa à taxa diária de 7,00 € (sete euros), o que perfaz o montante global de 560,00€ (quinhentos e sessenta euros);
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O Mº Pº respondeu defendendo a improcedência do recurso.
Nesta Relação o ilustre PGA emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Foi cumprido o artº 417º2 CPP

Cumpridas as formalidades legais, procedeu-se à conferência.
Cumpre apreciar.
Consta da sentença recorrida (transcrição):
“II - Fundamentação de facto 1. Factos Provados
Discutida a causa, provou-se que:
1. No dia 23.12.2016, em hora não concretamente apurada mas próxima do horário de almoço, a arguida encontrava-se no interior da residência de C… e D…, sita na Rua …, si n, na localidade de …, município de Vale de Cambra.
2. Depois de uma troca de palavras acerca de E…, irmão da arguida que se encontrava aos cuidados daqueles C… e D…, a arguida, dirigindo-se a estes e em tom sério, disse: Eu pego numa arma e mato-vos! Eu pego numa arma e mato-vos aos três e depois mato-me a mim ...
3. Pouco tempo após, abandonou aquele local.
4. Ao proferir tais expressões, com foros de seriedade como o fez, a arguida agiu com o propósito, concretizado, de provocar medo e inquietação a C… e D… e de os prejudicar na sua liberdade de autodeterminação e decisão.
5. Agiu de modo livre, voluntário e consciente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal.
Mais se provou que
6. A arguida não tem antecedentes criminais.
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São as seguintes as questões a apreciar:
- Recurso do despacho de 20/4/2017 e nulidade da acusação, e uso do processo abreviado.
- Nulidade por falta de fundamentação da sentença
- Impugnação da matéria de facto (prova insuficiente)
- Violação do principio in dubio pro reo e
- Ausência de crime (mero desabafo) e ausência de mal futuro
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Tais vícios não são alegados em si mesmo e vista a decisão recorrida também não os vislumbramos.

No mais:
- recurso do despacho de 20/4/2017 e nulidade da acusação, e uso do processo abreviado.
Conhecendo:
Em 4/4/2017 ( fls 49 ) depois do despacho que designou dia para julgamento a arguida veio arguir a nulidade da acusação por haver sido deduzida em processo abreviado, e sobre tal requerimento recaiu o seguinte despacho ( fls 64) em 20/4/2017:
“Como doutamente promovido, ao juiz de julgamento está vedada a possibilidade de apreciação dos conceitos de “ evidência” e “simplicidade” contidos no artº 391º A, nº 3 do Código Processo Penal, em momento anterior à produção de prova. Pelo exposto, indefere-se o requerido” que foi devidamente notificado à arguida.
Apenas depois do julgamento e da sentença a arguida ao recorrer desta interpõe também recurso de tal despacho em 2/1/2018 (fls 218).
Verificada a nulidade da sentença por não integralmente gravada, foi proferida em 18/1/2018 nova sentença escrita, de que o arguido interpôs o recurso em apreciação.
Verifica-se assim que ao interpor recurso de tal despacho, o fez fora do prazo legal para recorrer (prazo de 30 a contar da notificação do mesmo – artº 411º CPP), pelo que sendo extemporâneo não é admissível, devendo por isso ser rejeitado ( artº 420º1 b) CPP)

Em relação à invocada nulidade da acusação, estando em causa uma nulidade sanável, como está (cf. artºs 118º1, 119º, 120º1 e 3 c) CPP, cf. ac R Lx 11/12/2008 www.dgsi.pt; ac TRG 18/2/2008 www.dgsi.pt; ac RP 6/12/2006 www.dgsi.pt; ac. RP 30/11/2011 www.dgsi.pt e ac RP 26/10/2016 www.dgsi.pt) e não tendo sido arguida em tempo - invocável até ao encerramento do debate instrutório ou até 5 dias depois de declarado encerrado o inquérito (artº 120º 1 e 3 c) CPP) – e apenas agora no recurso da decisão final, a mesma está sanada e não pode mais ser arguida.

Vista a questão como erro no forma do processo, que constitui nulidade insanável do artº 119º f) “O emprego de forma de processo especial fora dos casos previstos na lei” que “que devem ser oficiosamente declaradas em qualquer fase do procedimento” importa averiguar da sua cognoscibilidade por parte do tribunal e da verificação dos seus requisitos, uma vez que diz respeito á forma da acusação.
Em primeiro lugar quer-nos parecer que estando em causa a escolha do Mº Pº por essa forma de processo, não compete ao Juiz de julgamento averiguar da existência dos requisitos do processo abreviado que não sejam evidentes, talqualmente expressa o ac RP de 328/11/2012 www.dgsi.pt “IV – Em sede de saneamento do processo, não pode o Juiz sindicar, em concreto, as provas recolhidas de forma a considerar que as mesmas não são simples nem evidentes”, ao contrario do que pretende o recorrente, pois isso implicaria entrar na analise do inquérito e eventualmente do mérito da causa, pois como ali se expressa “Assim, no quadro das funções jurisdicionais que competem ao juiz de julgamento, este deve pronunciar-se sobre as questões a que se refere o artigo 311.º [artigo 391.º-C, n.º 1, do Cód. Proc. Penal] ou determinar o reenvio para outra forma de processo, caso se verifique a inadmissibilidade do processo abreviado [artigo 391.º-D, n.º1, do Cód. Proc. Penal] seja porque a moldura penal prevista para os crimes imputados ao arguido excede a admitida pelo artigo 391.º-A, seja porque inexistem provas.
22. Ao sindicar, em concreto, as provas recolhidas de forma a considerar que as mesmas não são simples nem evidentes, o despacho recorrido extravasou o quadro legal previsto [artigo 391.º-C, do Cód. Proc. Penal], pelo que é ilegal. E, assim sendo, deve ser revogado e substituído por outro que, não ocorrendo nova causa, receba a acusação formulada, para julgamento em processo abreviado.” cabendo a função de escolha da forma do processo ao Mº Pº sujeito como está aos princípios da legalidade e cuja decisão está sujeita a controlo hierárquico e judicial. Cf. também ac R Lx de 13/2/2007 www.dgsi.ptII – Tal como no processo comum, também no processo abreviado e por maioria de razão, está vedado ao juiz, no momento de proferir despacho a designar data para julgamento, sindicar a existência ou não de provas simples e evidentes da prática do crime e da responsabilidade penal do arguido”
Por outro lado e tendo em vista a analise dos requisitos da admissibilidade do processo abreviado expressos no artº 391º A CPP “1- Em caso de crime punível com pena de multa ou com pena de prisão não superior a 5 anos, havendo provas simples e evidentes de que resultem indícios suficientes de se ter verificado o crime e de quem foi o seu agente, o Ministério Público, em face do auto de notícia ou após realizar inquérito sumário, deduz acusação para julgamento em processo abreviado. (…)
3 - Para efeitos do disposto no n.º 1, considera-se que há provas simples e evidentes quando:
a) O agente tenha sido detido em flagrante delito e o julgamento não puder efectuar-se sob a forma de processo sumário;
b) A prova for essencialmente documental e possa ser recolhida no prazo previsto para a dedução da acusação; ou
c) A prova assentar em testemunhas presenciais com versão uniforme dos factos.”, e sendo apenas posto em causa o requisito de provas simples e evidentes, afigura-se-nos que o mesmo se mostra verificado, pois as testemunhas apresentadas pela acusação são-no todas como presenciais do facto (e isso mesmo é expresso na fundamentação da sentença), que se traduziram num único acto de ameaçar de morte os ofendidos.
Assim e independentemente da credibilidade que mereçam ou possam merecer em sede de julgamento, elas apresentam-se como preenchendo o requisito da al. c) transcrita.
Não ocorre por isso a violação da forma de processo, pelo que improcede esta questão.
- Nulidade por falta de fundamentação da sentença -
Alega a arguida que a sentença é nula por falta de fundamentação, por não indicar a cada facto a prova respectiva, não confronta as diversas provas nem faz a sua analise critica, nem se saber a razão da decisão, não justificando porque a mentira sobre a remuneração é indiferente para a decisão, e não acreditou na versão da arguida.

Se é certo que o dever de fundamentar as decisões judiciais é imposto pela CRP - artº 205º CRP - e surge no processo penal também como decorrência das garantias de defesa do arguido expressas no artº 32º1 CRP, e encontra consagração legislativa no artº 374º CPP quanto às sentenças sendo a sua omissão, quanto a estas, cominada com a nulidade - artº 379º1 CPP - e existe para cumprir as seguintes finalidades: de conhecer e convencer os destinatários (as partes) da decisão e a sociedade em geral sobre a correcção e a justiça do caso; permitir ao tribunal de recurso conhecer do processo logico-racional subjacente à decisão e aos destinatários da mesma exercer o direito ao recurso de modo consciente e de posse de todos os dados necessários para o efeito, e de permitir o auto controlo e a ponderação por parte do tribunal que decide, sobre a apreciação das provas (pensar duas vezes antes de decidir), e por estas vias assegurar o respeito pelo principio da legalidade da e na sentença (e do decidido) e assegurar e demonstrar a independência e imparcialidade dos juízes e das suas decisões, como factores que são de credibilidade e de legitimidade - Cf. Ac STJ 18/12/91 BMJ 412º, 383, e ac TC 59/2006 http://www.tribunalconstitucional.pt/., e ac. R.C. 3/3/2010 www.dgsi.pt ), não é menos certo que, o artº 374º2 CPP, dispõe quanto à elaboração da sentença que ao relatório, “… segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal.”, e dispõe o artº 379º1 a) CPP, que ´”É nula a sentença:
a) Que não contiver as menções referidas no artigo 374ºnºs 2 e 3, alínea b), ou seja que não seja fundamentada.
Como decorre dos normativos citados, a fundamentação da sentença, é essencial para a compreender, por expressar o raciocínio seguido pelo julgador, mas ela é um todo unitário, e neste âmbito, exige a indicação e o exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e também os elementos (se for o caso) que, em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos, constituem o substrato racional que conduziu a que essa convicção se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência (v. ac. STJ de 08.02.07, proc. n.º 07P028, www.dgsi.pt), e para melhor compreensão tem sido também delimitado negativamente, no sentido de que não se basta com a mera enumeração dos meios de prova e uma vaga e genérica referência à sua ponderação e valoração, e “Estes motivos de facto que fundamentam a decisão não são nem os factos provados (thema decidendum) nem os meios de prova (thema probandum) mas os elementos que em razão das regras da experiência ou de critérios lógicos constituem o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse em determinado sentido ou valorasse de determinada forma os diversos meios de prova apresentados em audiência…
A fundamentação ou motivação deve ser tal que, intraprocessualmente permita aos sujeitos processuais e ao tribunal superior o exame do processo lógico ou racional que lhe subjaz…” (Marques Ferreira, “Meios de Prova”, Jornadas de Direito Processual Penal, O Novo Código de Processo Penal, pág. 229-230), cf. Ac. R. P 25/3/2010 rec. 552.07.4PJPRT.P1 www.dgsi.pt/jprt.
E “… consiste tão somente na indicação das razões que levaram a que determinada prova tenha convencido o tribunal” Ac. STJ 24/6/99 proc 457/99 SA STJ nº 32, 88 cit. Por M. Gonçalves, CPP, 16ª ed. pág.789, ou “ … esse exame tem de ser aferido com critérios de razoabilidade, sendo fundamental que permita avaliar cabalmente o porquê da decisão e o processo lógico-formal que serviu de suporte ao respectivo conteúdo” – Ac. STJ 12/4/2000 proc. 141/2000 SA STJ nº 40, 48, e de 11/10/2000 proc 2253/2000 SA STJ nº 44, 70; ou “ … traduz-se na indicação das razões que levaram a que o tribunal formasse a convicção probatória num dado sentido, repelindo um e adoptando outro, porque é que certas provas são mais credíveis do que outras, servindo de substrato lógico da decisão “ - Ac. STJ 17/3/2004 Proc. 4026/03 cit. por M. Gonçalves, ob. cit. pág. 793 e Ac. STJ 12/7/05 proc 2315/05 SA STJ nº 93, 116. e Ac. TRP 12/10/2011 rec. 212/10.9JAPRT.P1, sendo ainda certo que “I - O exame crítico das provas, não exige a descrição pormenorizada dos testemunhos prestados mas também não se basta com o elencar dos testemunhos ouvidos e dos documentos examinados, sendo necessário que a decisão descreva, com clareza, o raciocínio efectuado pelo juiz, que o conduziu a dar determinados factos como provados ou não provados.”- ac RP de 16/12/2015 ( Renato Barroso) www.dgsi.pt; dado que como também expressa o ac. RP 10/9/2014 www.dgsi.pt (Neto de Moura) “I – A análise crítica das provas é o momento crucial do processo probatório já que, da amálgama das provas produzidas, o tribunal tem de "separar o trigo do joio", selecionar as informações válidas e rejeitar as outras de acordo com os critérios da experiência comum mas também à luz dos conhecimentos científicos e técnicos postos à sua disposição.”
Em suma o exame crítico das provas, sendo uma análise e ponderação da prova traduz-se em demonstrar porque razão se chegou àquele resultado.

Na sentença, com maior ou menos extensão da fundamentação, e do factor de credibilidade no que se refere aos depoimentos e declarações prestados, importa é saber a razão do decidido, e esta é expressa na decisão.
Por outro lado tal conceito tem elevada elasticidade, desde logo porque a norma legal – artº 374º 2 CPP – exige concisão - e porque tem por base, o que o tribunal recorrido considerou relevante para a decisão tendo em conta no essencial os factos provados, pois só estes fundamentam a decisão, e não os factos não provados, o conteúdo, extensão ou maior ou menor pormenorização não pode interferir com a sua validade. Nesse medida e desde que expresse a razão da decisão não ocorrerá, falta de exame critico.
E isso a sentença recorrida, como expresso transcrito, di-lo.
Diverso é saber se as razões da decisão proferida expressas na fundamentação estão correctas ou a prova correctamente avaliada / valorada, e para isso, como referido, importa ser analisada a prova produzida (constituída e constituenda) se tal for possível como modo de sindicar a matéria de facto, quer pela invocação dos vícios do artº 410º CPP, quer pela impugnação ampla da matéria de facto.

Feito este intróito para nos situarmos, cremos que a recorrente não tem razão.
Ora pela norma aplicável - artº 374º2 CPP - se pode comprovar que a falta em causa não se verifica pois na sentença estão enumerados os factos provados e não provados, a que se segue a exposição, tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas.
Na verdade não tem razão na sua critica, pois o tribunal não tem de fundamentar cada facto por si mesmo - pois “A lei não impõe a indicação dos meios de prova atinentes a cada um dos factos provados” – Ac. STJ 2/12/98 CJ STJ, VI, 3, 229, nem impõe que “… em relação a cada facto se autonomize e substancie a razão de decidir “ – Ac. STJ 30/6/99 proc 285/99 SA STJ nº 32, 92 in M. Gonçalves, ob. cit. pág. 789, e antes “ …a fundamentação tem de surgir como um todo …” (Ac. STJ 24/4/2001 Proc. 3063/01 SA STJ nº 57, 69 cit. M. Gonçalves, ob. cit. pág. 791) do mesmo modo, ( que não é o caso) “ não tem de ser distinta para cada um dos arguidos” Ac. STJ 12/4/2000 proc 141/2000 SA STJ nº 40, 48, e Ac. TC nº 102/99 de 10/2/99 BMJ 484, 119, e sendo que a fundamentação não é assentada, transcrição ou resumo do que a testemunha disse em audiência ou seja uma descrição dos depoimentos prestados em audiência, - o certo é que tem de fazer o exame critico das provas, e tal como a fundamentação é o local onde se expõe, se descreve e se analisa a prova de molde a que o tribunal superior possa seguir o raciocínio probatório em vista do controlo da convicção do tribunal recorrido (Ac. STJ 29/6/95 CJ STJ 95, III, 254; 2/9/99, CJ STJ 99, III, 229; 12/4/2000 SASTJ nº41, 78; 24/4/2001 SASTJ nº50, 42, e, 17/3/04 Proc.4026/03, 12/7/05 Proc. 2315/05 citados por M. Gonçalves, CPP anotado 16ª ed. págs. 792 / 793), e se tem de conter as razões de ciência do depoimento e os elementos que em razão das regras da experiencia ou da lógica que levou à formação da convicção num determinado sentido, também deve expressar as razoes de credibilidade de um dado meio de prova e o que dele o tribunal extraiu em termos probatórios;
Através desta arguição o arguido / recorrente esqueceu-se de toda a motivação da decisão de facto da sentença onde é descrita a razão de ciência das testemunhas (serem ou não presenciais dos factos e modo como depuseram), as discrepâncias mostram-se justificadas (revelam naturais face à confusão e intensidade da situação, ocorrida de forma inesperada e num curto período de tempo, e bem assim por força do decurso do tempo e das limitações próprias da memória humana), e convergem no ponto essencial, terem sido ameaçados de morte com uma arma, a falta de credibilidade da arguida, e em especial a falta de credibilidade quanto à prestação e justifica a diferença de depoimento (Relativamente à questão do pagamento … o Tribunal ficou convencido que as testemunhas de acusação faltaram à verdade ao negá-la. Cremos, porém, que tal facto não afeta o demais que resulta dos seus depoimentos porquanto, por um lado, é ostensiva a perda de naturalidade e espontaneidade dos depoimentos nessa concreta matéria…” e onde está tudo bem expresso, analisado e interligado, donde é possível saber, a todas as pessoas que lerem a sentença, a razão do convencimento do tribunal quanto a tais factos, demonstrando a razão da convicção adoptada e segundo as regras da experiencia e a lógica da vida e o tribunal de recurso, lendo a fundamentação percebe a razão da decisão proferida – o tribunal acreditou nas testemunhas de acusação porque presenciaram os factos e a presença da arguida no local como descrito não era incompatível com a sua ida a uma garrafeira – e diremos nós que tendo os factos ocorrido pela hora de almoço a arguida faltou ao almoço que combinara na garrafeira - que se afigura lógica e coerente com os dados descritos nessa mesma fundamentação, pelo que a fundamentação apresentada - que não é uma descrição dos depoimentos prestados em audiência, mas apenas o local onde se expõe, se descreve e se analisa a prova de molde a que o tribunal superior possa controlar a razão da convicção do tribunal recorrido (Ac. STJ 29/6/95 CJ STJ 95, III, 254; 2/9/99, CJ STJ 99, III, 229; 12/4/2000 SASTJ nº41, 78; 24/4/2001 SASTJ nº50, 42, e, 17/3/04 Proc.4026/03, 12/7/05 Proc. 2315/05 citados por M. Gonçalves, CPP anotado 16ª ed. págs. 792 / 793) - se mostra conforme à norma do artº 374º2 CPP;
Assim tendo presente estes dados e que o tribunal de recurso pode seguir o raciocínio do tribunal recorrido quanto à sua convicção na apreciação da prova, -porque são apresentadas e são compreensíveis as provas e as razões invocadas - é manifesto que nada falta nem é insuficiente pelo que não ocorre o apontado vício, pois pode não se concordar com a decisão, com a apreciação da prova ou com a fundamentação, mas esta tem em vista a decisão proferida e não qualquer outra e é em função dela que tem de ser analisada, no que a este invocado vício contende.
Improcede assim esta questão.
- impugnação da matéria de facto (prova insuficiente) -
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não se mostra que tivesse alguma arma consigo de modo a poder executar de imediato a ameaça de morte.
Depois diz o artº 153º CP “1 - Quem ameaçar outra pessoa com a prática de crime contra a vida, a integridade física, a liberdade pessoal, a liberdade e autodeterminação sexual ou bens patrimoniais de considerável valor, de forma adequada a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar a sua liberdade de determinação, é punido com pena de prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias”, e desta previsão legal resulta efectivamente que estamos perante um crime cujos elementos típicos se traduzem na existência de um anuncio de um mal futuro, de natureza pessoal ou patrimonial, que constitua crime (sendo vitima o próprio ou terceiro), apenas dependente do agente ameaçador, e, necessita ainda de chegar ao conhecimento do destinatário (ameaçado), devendo o mal anunciado ser adequado a acusar no ameaçado medo, inquietação ou prejudicar a sua liberdade de agir;
Em face da nova redacção e alteração legal o novo tipo não exige que a conduta tenha efectivamente causado medo na vítima bastando que seja adequado a tal, em virtude da nova natureza do crime: crime mera actividade e de perigo abstracto.
Este é o sentir da jurisprudência constante e assim:
AcRP 29/01/2014 (Eduarda Lobo) www.dgsi.pt: “I - Enquanto no art.º 155º, n.º 1, do CP de 1982 se exigia que o agente tivesse, com a sua conduta, provocado, no sujeito passivo, receio, medo, inquietação ou lhe tivesse prejudicado a sua liberdade de determinação, agora basta que o agente se tenha servido de expediente adequado a provocar-lhe medo ou inquietação ou a prejudicar-lhe a sua liberdade de determinação. II - Para que ocorra o crime de ameaça não se exige, pois, que o agente cause ao ofendido receio, medo ou inquietação, exigindo-se apenas que a ameaça seja adequada a tal. III - O crime de ameaça passou de crime de resultado a crime de perigo e deixou de ser exigível que a ameaça produza efeito no espírito do ameaçado”; Ac RP 09/07/2014 (Neto de Moura) www.dgsi.pt:“I - Para efeitos de pronúncia, segundo Figueiredo Dias, “os indícios só serão suficientes e a prova bastante, quando, já em face deles, seja de considerar altamente provável a futura condenação do acusado, ou quando seja mais provável do que a absolvição”. II - O crime de ameaça tutela a tranquilidade e a liberdade de autodeterminação individual (liberdade de acção e de decisão), que são postas em causa mediante o constrangimento exercido sobre a vítima para que esta faça ou deixe de fazer algo, ou suporte uma actividade que não deseja. III - Com a reforma do Código Penal de 1995, deixou de ser um crime material ou de resultado, passando a ter a natureza de crime formal, de mera actividade. IV – É um crime de perigo porque não se exige, como nos crimes de dano ou de resultado, uma efectiva lesão, mediante a destruição ou diminuição do bem jurídico, bastando o perigo de lesão, o dano provável, a potencialidade da acção para ocasionar a perda ou diminuição do bem, o sacrifício ou restrição de um interesse. V - Exige-se que a acção ameaçadora seja idónea a lesar ou afectar, de modo relevante, a tranquilidade individual ou a liberdade de determinação do sujeito passivo, não sendo necessário que, em concreto, tenha provocado medo ou inquietação, sendo pacificamente aceite que o critério para aferir da adequação da ameaça para provocar medo e inquietação, ou para prejudicar a liberdade de determinação, deverá ser objectivo-individual, devendo considerar-se “a conduta na sua globalidade, o contexto em que a mesma acontece, e a idiossincrasia e modos de ser e estar do(s) ameaçante(s) e do(s) ameaçado(s)”, por referência ao homem comum, ao cidadão normal que não menospreza uma ameaça verbal de morte, mas também é capaz de relativizar e de distinguir entre o que é uma ameaça séria e uma fanfarronice. VI – A ameaça há-de consistir numa mensagem a um destinatário com significado da prática futura de um mal a este ou a um terceiro”; Ac.RP 16/11/2015 www.dgsi.pt (Elsa Paixão) “II - Para o preenchimento do crime de ameaça, basta que, ainda que por momentos breves o anuncio do mal, ainda que não concretizado, seja capaz de gerar medo, inquietação ou de prejudicar a liberdade de determinação”; acRP 27-01-2016 (Renato Barroso) www.dgsi.pt:“I - São elementos objectivos do crime de ameaça: anúncio de um mal futuro que constitua crime e esse anúncio seja adequado a provocar medo ou inquietação ou a prejudicar a liberdade de determinação. II - Trata-se de um crime de mera actividade mas exige-se que a ameaça seja adequada a provocar o medo, mesmo que o medo não venha acorrer, e traduz-se no receio de que o mal anunciado venha a acontecer. III - A existência do crime depende da vontade do agente de fazer o mal, e se apesar desse anúncio tal vontade não existe [não existe) o crime de ameaças.”
Verificamos assim que a previsão legal para que ocorra, dando por preenchidos todos os elementos típicos, o crime de ameaças não exige que o agente cause ao ofendido receio, medo ou inquietação, exigindo-se apenas que a ameaça seja adequada a provocar medo, mesmo que no caso concreto o não venha a provocar (do mesmo modo que, se os provocar, mas a ameaça não se mostrar idónea/ adequada a provocar esse efeito, não existe o crime, e o mal anunciado seja futuro ou não iminente (apurando-se essa iminência pela sua execução ou inicio de execução imediata – caso em que estaremos perante outro crime que in casu se ocorresse inicio de execução seria de tentativa de homicídio), sendo que “ II - É a intenção que presidiu à conduta do arguido que permite distinguir entre o anúncio do mal futuro, do crime de ameaça e os actos de execução de um crime iminente” ac RP 19/9/2015 www.dgsi.pt
E em face do tipo legal, não é o elemento gramatical das palavras (ou a interpretação dos gestos) mas o sentido delas e da conduta globalmente apreciados e a acção imediata (é ameaça se não há indícios de inicio de execução do mal ameaçado) que permite aquilatar da existência do anúncio de um mal futuro ou dum mal presente.
Assim e em face dos dados de facto provados, e tendo em conta a questão objecto de apreciação, manifesto se torna que a questão suscitada é improcedente, pois restamos perante o anuncio de um mal futuro, pois é esse o sentido das palavras e da atitude da arguida (nº 3 dos factos provados “Pouco tempo após, abandonou aquele local”) pois não ocorreu inicio de execução ou preparação para tal e não se mostra sequer que tivesse consigo ou ali próximo meio para executar o anunciado mal.
Improcede assim esta questão e na ausência de outras questões de que cumpra conhecer improcede o recurso;
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Pelo exposto, o Tribunal da Relação do Porto, decide:
- Rejeitar o recurso do despacho de 20/4/2017, por extemporâneo.
Condena a arguida no pagamento da taxa de justiça de 3 UC (artº 420º3 CPP)
- Julgar improcedente o recurso interposto pela arguida e em consequência mantém a decisão recorrida.
Condena o arguido no pagamento da taxa de justiça de 4 Uc e nas demais custas.
Notifique.
Dn
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Porto, 31/10/2018
José Carreto
Paula Guerreiro