Acórdão do Tribunal da Relação do Porto
Processo:
21148/15.1T8PRT-A.P1
Nº Convencional: JTRP000
Relator: ABÍLIO COSTA
Descritores: OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO
INSUFICIÊNCIA DO TÍTULO EXECUTIVO
CONTRATO DE ARRENDAMENTO
COMUNICAÇÃO DO MONTANTE EM DÍVIDA
REQUISITOS
Nº do Documento: RP2018061321148/15.1T8PRT-A.P1
Data do Acordão: 06/13/2018
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: APELAÇÃO
Decisão: REVOGADA
Indicações Eventuais: 5ª SECÇÃO (LIVRO DE REGISTOS Nº 676, FLS 359-370)
Área Temática: .
Sumário: I - O contrato de arrendamento, acompanhado do comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante em dívida, constitui título executivo para a execução para pagamento da quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas por conta deste, nos termos do art.º 14.º-A da Lei n.º 6/2006, de 27 de Fevereiro.
II - Tal comunicação deve observar o regime estabelecido nos art.ºs 9.º a 12.º da mesma Lei, sob pena de ser ineficaz.
Reclamações:
Decisão Texto Integral: Apelação nº21148/15.1T8PRT-A.P1

Acordam no Tribunal da Relação do Porto

Por apenso à acção executiva, para pagamento da quantia de € 7.925,00, acrescida de juros de mora, que lhe move B..., veio C... deduzir oposição mediante embargos, cumulada com oposição à penhora.
Pretendendo o exequente a cobrança coerciva da referida quantia, correspondendo € 6.425,00 às rendas dos meses de Março de 2011 a Março de 2013 e € 1.500,00 ao valor das reparações que teve de efectuar no imóvel após a cessação do contrato de arrendamento, alega o executado que aquele ocupou abusivamente e sem o seu consentimento, em Dezembro de 2011, o locado, encontrando-se o imóvel, desde então, livre de pessoas e bens – sendo que, no início da audiência final, rectificou aquela alegação, de modo a passar a constar que entregou ele próprio o locado, em Dezembro de 2011, mediante a deposição das respectivas chaves na caixa do correio do senhorio; alega, ainda, não existir título executivo, invocando a inconstitucionalidade do art.14º-A do NRAU, por violação dos princípios da segurança, do contraditório e da protecção da confiança, integradores do princípio do Estado de Direito democrático; e que a obrigação exequenda é incerta, ilíquida e inexigível, uma vez que o embargado remeteu ao embargante três comunicações distintas, de onde constam três diferentes valores em dívida, além de que não se encontram identificados os danos a que se reporta a indemnização de € 1.500,00 e, vindo alegado que o contrato cessou em Novembro de 2012, não podem ser devidas rendas nos meses posteriores a esse; concluindo pela condenação do exequente como litigante de má fé.
Relativamente à oposição à penhora, alega que a penhora da quota social que detém lhe causa prejuízos sérios e atenta contra a imagem do respectivo estabelecimento.
Na contestação o exequente impugna a versão apresentada pelo embargante, pedindo também a condenação daquele como litigante de má fé.
Foi, entretanto, proferido o despacho saneador no qual se decidiu julgar improcedente: o incidente de oposição à penhora; a alegada inconstitucionalidade do art.14º-A do NRAU; bem como a invocada incerteza, iliquidez e inexigibilidade da obrigação.
Realizado o julgamento, foi proferida sentença na qual se decidiu:
- julgar a oposição parcialmente procedente e, em consequência, declarar extinta a execução relativamente à quantia de € 3.355,00 e respectivos juros de mora, prosseguindo no mais;
- e julgar improcedentes os pedidos de condenação das partes como litigantes de má fé.
Inconformado, o embargante interpôs recurso.
Conclui:
-Vem o presente recurso da Douta Sentença que atribuiu exequibilidade a um título que não é certo, nem líquido e, por isso, será inexigível;
- Na verdade pelos mesmos factos – rescisão contrato arrendamento – com as mesmas partes, o exequente/senhorio comunicou e reclamou ao executado/inquilino, ora recorrente, o pagamento de três quantias diferentes;
- Por carta que enviou ao executado, em 23 de Setembro de 2013, o exequente reclamou do executado o pagamento de 1.500,00 € - alínea S) da matéria dada como provada;
- Por execução que correu termos nos Juízos de Execução do Tribunal da Comarca do Porto, pela mesma rescisão o exequente peticionou a quantia exequenda de 5.795,00 € - alínea O);
- O executado embargou tal execução – alínea P) da matéria dada como provada;
- Com base no que foi dito, em sede de embargos, o exequente alterou os factos, o locado já não tinha sido entregue, em Julho de 2013, mas em Novembro de 2012;
- E pese embora a entrega do locado na presente execução, na versão do exequente, ter ocorrido 9 meses antes, o certo é que a quantia exequenda subiu mais de 40%, passando para 7.925,00 €;
- Pois que considerou como não pagas, rendas que, na anterior execução, deu como pagas – alínea O) da matéria dada como provada;
- Ou seja, a existir dívida, o que obviamente não se aceita, a mesma nem para o exequente é certa;
- Muito menos o será para o executado que sempre a impugnou, não a aceitando;
- Dada a incerteza da dívida, suscitada, inclusive, pelo exequente facilmente será de concluir de que a mesma não foi devidamente apurada, fixada e/ou calculada;
- Não foi devidamente liquidada e, por isso, no entendimento do executado, não estarão preenchidos os requisitos para a validação de tal comunicação, como constituindo título executivo;
- Acresce que a comunicação, feita ao executado e que ora se executa, não obedeceu aos requisitos legais, na medida em que foi feita através de carta com registo simples quando o deveria ter sido feito com aviso de recepção – artºs 9º nº 1 e 10º nº 2 al. b) do NRAU;
- Assim impõe-se concluir que a comunicação feita ao executado não se pode considerar efectuada regular e eficaz;
- E, como tal, não é suficiente para a formação de título executivo – Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 16-06-2016;
- E nessa medida também terá andado mal o Tribunal a quo ao ter validado tal comunicação como título executivo;
- Acresce que foi dado como provado – alínea T) – de que o executado respondeu, por carta registada com aviso recepção, à comunicação que lhe foi enviada, impugnando os factos constantes da mesma;
- Considerou ainda o Tribunal de que o valor de 1.500,00 € pedido a título de reparações era exequível;
- Ora as reparações estão fora do âmbito de aplicação do artº 14-A do NRAU, já que, além de não se ter feito qualquer prova de tal despesa (exequente não juntou qualquer documento e a testemunha apresentada a Meritíssima Juiz a quo mandou abrir vista de imediato ao M.P.) as mesmas, a terem sido feitas, o que não se aceita, não foram feitas em nome do executado, nem o mesmo delas tomou conhecimento – artº 1078º do C.C.;
- Pelo que também, nesta parte, terá andado mal o Tribunal ao atribuir exequibilidade a um mero valor indicativo constante de uma declaração emitida pela parte interessada, sem qualquer suporte documental;
- De resto este normativo do artº 14º-A do NRAU suscita muitas dúvidas ao executado, considerando-o como uma norma peregrina esquecida pelo legislador quando o mesmo alterou o processo executivo;
- É que, com a recente reforma da ação executiva, pretendeu o legislador proteger os executados de “execuções injustas, risco esse potenciado pela circunstância de as últimas alterações legislativas terem permitido cada vez mais a hipótese de a execução se iniciar pela penhora de bens do executado, postergando-se o contraditório”;
- Como é o caso da presente execução que sendo sumária o executado viu já e tem o seu património penhorado;
- A Lei nº 41/2013 de 26 de Junho eliminou, pois, do elenco dos títulos executivos, os documentos particulares, de tal forma que uma declaração de dívida assinada pelo devedor, em que este reconhece a existência da dívida, foi abolida do leque dos títulos executivos, mesmo que a assinatura do devedor esteja reconhecida presencialmente;
- A intenção do legislador foi, pois, a de dignificar a respectiva categoria dos títulos executivos, pretendendo incutir uma maior segurança jurídica nas ações executivas instauradas;
- Sendo que, para conferir exequibilidade a um documento particular, passará a exigir-se a autenticação desse documento, assegurando-se dessa forma a compreensão do conteúdo do documento constitutivo da obrigação, pelas partes, e a sua manifestação de vontade aí expressa, não sendo suficiente, à luz do novo código, o simples reconhecimento da assinatura;
- E se a lei geral assim o diz e o escopo do legislador foi esse, não fará sentido, nem será justo nem seguro, lei especial alargar o leque dos títulos executivos;
- O artº 14º- A do NRAU, no entender do aqui executado, viola, pois, de forma grave o princípio que serviu de base à alteração da ação executiva;
- A lei ao atribuir força executiva a uma mera comunicação ao arrendatário, acompanhada do contrato de arrendamento, está a violar o princípio do Estado de Direito Democrático constitucionalmente consagrado;
- Dúvidas não poderão existir de que o facto de uma mera comunicação poder constituir título executivo, viola, de forma grave, o princípio da segurança e da confiança integradores do princípio do Estado de Direito Democrático, sendo, por isso, no entender do executado, inconstitucional;
- Mais grave ainda o facto de o processo seguir a tramitação de uma execução sumária, sem precedência de despacho judicial – artº 855º do C.P.C. – com imediata penhora de bens do executado, não tendo este nem o seu mandatário acesso ao processo – artº 165º C.P.C.;
- Ora, se o legislador pretendeu ser mais rigoroso no elenco dos títulos executivos, eliminando dos mesmos os próprios documentos, assinados pelos particulares, em que estes reconhecem a existência de uma dívida;
- Como é possível atribuir-se força executiva a uma mera comunicação cujo valor nela constante é totalmente unilateral?
- Mais grave se o próprio documento é elaborado pela própria pessoa – solicitadora - que instaura a execução?
- E que sobre a mesma situação elaborou dois títulos com valores e factos diferentes e valores muito superiores ao indicado pelo próprio exequente na comunicação que fez ao executado;
- Ou seja, sobre a mesma situação existiriam 3 pedidos – 3 títulos – com valores e factos completamente diferentes, entre si, como é o caso da presente execução;
- Tal situação, por isso, demonstra a evidente má fé do exequente, a falta fiabilidade do título que se executa, a mentira dada como provada e demonstrada nos autos;
- De resto o Tribunal deu como provado que o exequente fez mais de 30 denúncias às autoridades sanitárias e à Câmara Municipal ... com vista ao encerramento do estabelecimento propriedade do executado – D... – só tendo desistido de tais queixas quando o executado lhe arrendou o escritório – alíneas L) e M) da matéria dada como provada;
- O que demonstra o tipo de carácter do exequente e que se reflete em toda esta situação;
- Pelo que dadas todas as incertezas do título deveria a execução ter sido indeferida, por inexigibilidade da quantia exequenda;
- Mas mesmo que assim se não entendesse, o que não se aceita, sempre a comunicação que foi feita ao executado não seria suficiente para a formação de título executivo, por não ter sido efectuada com carta registada com aviso recepção;
- Pelo que deverá ser revogada a Douta Decisão proferida no sentido de se determinar que tal comunicação não constituiu título executivo;
- Caso assim se não entenda, e na hipótese meramente académica de assim não ser decidido e a considerar-se a existência de título sempre o mesmo deverá aplicar-se apenas a rendas e nunca a reparações efectuadas, no locado;
- Tomando em consideração que as rendas que agora se pretende executar foram consideradas pagas, pelo exequente, em anterior execução.
Nas contra-alegações o exequente conclui pela confirmação da sentença recorrida.
*
*
Suscita o recorrente as questões da incerteza e da iliquidez da obrigação exequenda, bem como da inconstitucionalidade do art.14º-A do NRAU.
Tais questões foram objecto de apreciação no despacho saneador proferido em 10-10-2017 – fls 118 e ss. – não constando, por isso, da sentença recorrida qualquer pronúncia sobre as mesmas.
E cabe recurso autónomo do despacho saneador que, sem pôr termo ao processo, conheça do mérito da causa – art.644º, nº1, al. b), do CPC. Entendendo-se que tal acontece quando nele se apreciam excepções peremptórias, como foi o caso – cfr. ABRANTES GERALDES in Recursos no Novo CPC, 152.
Ora, nem o recorrente interpõe recurso daquele despacho – limitando-se a recorrer da sentença proferida; e também não o podia agora fazer, já que, sendo o mesmo susceptível de recurso autónomo, transitou em julgado.
Pelo que não se admite o recurso nesta parte.
São, assim, questões a decidir:
- falta ou insuficiência do título executivo;
- despesas com a reparação do locado.
*
*
Encontram-se provados os seguintes factos:
A) Em 14/4/1998, embargante e embargado, mediante escritura pública de fls. 9 a 12 do processo principal, que aqui se dá por integralmente reproduzida, celebraram contrato intitulado “arrendamento”.
B) Mediante tal documento, o embargado declarou dar e o embargante declarou receber de arrendamento, com início em 1 de Abril de 1998, pelo prazo de 3 anos, renovável por períodos de 1 ano, uma sala, designada pela letra C, no 1º andar, traseiras, do prédio sito na Rua ..., ... e ..., Matosinhos, destinando-se aquele local a escritório de contabilidade.
C) Declararam ainda embargado e embargante que este pagaria àquele uma renda anual de Esc. 600.000$00, divididos em duodécimos de Esc. 50.000$00, cada um a pagar até ao dia 8 do mês anterior àquele a que se referisse.
D) Na cláusula 5ª de tal documento ficou estipulado que era da responsabilidade do inquilino manter o perfeito estado de conservação, limpeza e funcionamento do local arrendado, bem como as respectivas instalações de água, esgotos, electricidade, sanitários e pluviais e seus pertences, pagando à sua conta todas as reparações que fossem necessárias.
E) Desde 1/1/2001, a renda mencionada em C) encontra-se actualizada para o valor mensal de € 305,00.
F) Por carta registada de 28/7/2015, cuja cópia consta a fls. 5 a 8 da execução e que aqui se dá por integralmente reproduzida, o embargado comunicou ao embargante que, relativamente ao local referido em B), se encontravam em dívida € 1.240,00 relativos ao valor em falta para liquidação das rendas de Março a Outubro de 2011 [em razão de, naqueles meses, terem sido pagos € 150,00, em vez de € 305,00], € 5.185,00 referentes às rendas de Novembro de 2011 a Março de 2013 (no valor de € 305,00 cada) e € 1.500,00 de indemnização pelos prejuízos sofridos com a degradação do imóvel e com as despesas tidas com as reparações efectuadas no locado.
G) O embargante colocou na caixa do correio do embargado as chaves do imóvel referido em B), juntamente com o documento de fls. 80, que aqui se dá por integralmente reproduzido, informando o embargado de que, pelo motivo de encerramento de actividade, junto enviava as chaves referentes ao escritório sala 1º C, podendo o embargado vender ou dar a quem quisesse o que lá estivesse.
H) Desde essa ocasião, o espaço encontra-se devoluto de pessoas.
I) O facto mencionado em G) ocorreu em dia que não foi concretamente apurado, mas que se situa no mês de Abril de 2012.
J) Com o comportamento referido em G), pretendia o embargante a cessação imediata do contrato de arrendamento, o que obtivera o acordo verbal do embargado.
K) Posteriormente, o embargado efectuou naquele escritório a reparação do chão, que tinha os tacos levantados, a reparação e pintura das paredes, que estavam todas escritas e tinham a tinta arrancada, e das cortinas, que estavam danificadas, no que despendeu € 1.500,00.
L) No rés-do-chão do prédio confinante com a sala referida em B) o executado teve instalado, durante 26 anos, o seu comércio – D.... M) O exequente fez mais de 30 denúncias às autoridades sanitárias e à Câmara Municipal ..., com vista ao encerramento do estabelecimento, só tendo desistido de tais queixas quando o executado lhe arrendou o escritório.
N) O executado encerrou o seu estabelecimento comercial em 13 de Novembro de 2011.
O) Em 13/5/2014, o aqui embargado intentou contra o ora embargante acção executiva, para pagamento de quantia certa, onde alega que o contrato de arrendamento exequendo cessou em Julho de 2013, por abandono do locado por parte do embargante, encontrando-se em dívida as quantias de € 1.550,00, de rendas dos meses de Janeiro a Outubro de 2011, € 1.500,00 de reparações no locado, e € 2.745,00 de rendas dos meses de Agosto de 2013 a Abril de 2014 – documento de fls. 92 a 112, que aqui se dá por integralmente reproduzido.
P) O aqui embargante deduziu igualmente embargos por apenso àquela execução.
Q) Tal execução veio a findar por indeferimento do requerimento executivo, em virtude de não ter sido junto qualquer contrato de arrendamento, mas apenas um contrato-promessa de arrendamento.
R) O embargante não enviou ao embargado qualquer outro documento escrito comunicando a cessação do contrato de arrendamento, para além do referido em G).
S) Em 23/9/2013, o embargado remeteu ao embargante a carta cuja cópia consta de fls. 25 e que aqui se dá por integralmente reproduzida, reclamando o pagamento de € 1.500,00 pelo incumprimento do contrato de arrendamento referido em A) e afirmando que, embora o valor do débito não fosse inferior a € 10.000,00, dava o seu acordo à rescisão automática do contrato com a entrega daqueles € 1.500,00.
T) Em 6/8/2015, o embargante remeteu à declarada representante do embargado, a qual a recebeu no dia seguinte, a carta cuja cópia consta de fls. 32 e 36 e que aqui se dá por integralmente reproduzida, dizendo impugnar os factos constantes da comunicação mencionada em F).
*
*
Factos não provados:
1 - O exequente tomou posse do locado em Dezembro de 2011.
2 - O executado deixou o locado devoluto de bens.
3 - Todas as rendas foram pagas pelo executado.
4 – O executado abandonou o locado em Novembro de 2012.
5 – O executado sempre reconheceu a dívida constante da comunicação mencionada em F).
*
*
Suscita o embargante, agora em sede de recurso, a questão da inobservância, por parte do exequente, das formalidades exigidas no art.14º-A, da Lei nº6/2006, de 27 de Fevereiro, para a comunicação ao arrendatário do montante em dívida – dado, embora ter sido feita por carta registada, faltar o aviso de recepção. Pondo, assim, em causa o título executivo apresentado.
Na resposta alega o exequente que apenas em caso de cessação do contrato de arrendamento, actualização de rendas e obras é exigida a comunicação por carta registada com aviso de recepção, o que não é o caso; de qualquer modo, resulta dos autos que o executado recebeu a comunicação; acresce que nunca antes suscitou tal questão, pelo que, a existir alguma irregularidade, encontra-se sanada.
Está em causa a falta ou insuficiência do título executivo, o que pode ser fundamento de indeferimento liminar do requerimento executivo – art.726º, nº2, al. a), do CPC - questão que pode ser conhecida oficiosamente até ao primeiro acto de transmissão dos bens penhorados – art.734º do CPC, disposições legais estas aplicáveis ao processo sumário de execução por força do art.551º, nº3, do CPC.
Pelo que, não obstante se tratar de uma questão nova, integra o objecto do recurso.
Ora, dispõe-se no art.14º-A da Lei nº6/2006, de 27/2: “O contrato de arrendamento, quando acompanhado do comprovativo de comunicação ao arrendatário do montante em dívida, é título executivo para a execução para pagamento de quantia certa correspondente às rendas, aos encargos ou às despesas que corram por conta do arrendatário”.
Constitui, assim, título executivo, estando em causa o pagamento de rendas, encargos ou despesas, o contrato de arrendamento acompanhado do comprovativo da comunicação ao arrendatário do montante em dívida.
Quanto à forma daquela comunicação dispõe-se no art.9º, nº1. da referida Lei nº6/2006: “Salvo disposição da lei em contrário, as comunicações legalmente exigíveis entre as partes relativas a cessação do contrato de arrendamento, actualização da renda e obras são realizadas mediante escrito assinado pelo declarante e remetido por carta registada com aviso de recepção”.
Parece, assim, que apenas nas situações expressamente referidas naquela norma – cessação do contrato, actualização de renda e obras – é exigível que a comunicação seja feita mediante carta registada com aviso de recepção. Não o sendo no caso em apreço – consoante foi entendido no ac.da Relação de Coimbra de 5-2-2013, a consultar in www.dgsi.pt, citado pelo recorrido, parecendo ser igualmente o entendimento seguido por GRAVATO MORAIS in CDPrivado, 27-65. Podendo, assim, aquela comunicação ser comprovada por qualquer meio – e no caso, resulta do ponto T) dos factos provados que tal aconteceu.
Todavia, e estando o regime das comunicações legalmente exigíveis entre as partes previsto nos art.s 9º a 12º da Lei nº6/2006, de 27/2, dispõe-se no art.10º, na redacção introduzida pela Lei nº43/2017, de 14/6, e para o que aqui interessa:
“1 - A comunicação prevista no nº1 do artigo anterior considera-se realizada ainda que:
a) A carta seja devolvida por o destinatário se ter recusado a recebê-la;
b) - O aviso de receção tenha sido assinado por pessoa diferente do destinatário.
2 - O disposto no número anterior não se aplica às cartas que:
a) Constituam iniciativa do senhorio para a transição para o NRAU e actualização da renda, nos termos dos artigos 30º e 50º;
b) Integrem título para pagamento de rendas, encargos ou despesas ou que possam servir de base ao procedimento especial de despejo, nos termos dos artigos 14º-A e 15º, respectivamente, salvo nos casos de domicílio convencionado nos termos da alínea c) do nº7 do artigo anterior;
c) Sejam devolvidas por não terem sido levantadas no prazo previsto no regulamento dos serviços postais.
3 - Nas situações previstas no número anterior, o senhorio deve remeter nova carta registada com aviso de receção decorridos que sejam 30 a 60 dias sobre a data do envio da primeira carta.
4 - Se a nova carta voltar a ser devolvida, nos termos da alínea a) do nº1, considera-se a comunicação recebida no 10º dia posterior ao do seu envio.
…”.
Pelo que, se o nº1 do art.9º da referida Lei nº6/2006 ainda podia suscitar dúvidas, as mesmas encontram-se totalmente esclarecidas no art.10º daquela lei, supra transcrito: as cartas que integram o título para pagamento de rendas, encargos ou despesas devem ser enviadas sob registo e com aviso de recepção. Neste sentido cfr. Leis do Arrendamento Urbano Anotadas, Coordenação de MENEZES CORDEIRO, 406: “As comunicações previstas no 14º-A devem observar o regime estabelecido nos 9º a 12º. A inobservância de qualquer aspecto deste regime torna a comunicação ineficaz e, portanto, implica que esta seja insusceptível de integrar a base para a constituição do título executivo”.
Em conclusão, a comunicação efectuada pelo exequente, nos termos do disposto no art.14º-A, da Lei nº6/2006, de 27/2, foi efectuada por carta registada; não resultando, todavia, provado que o tenha sido também com aviso de recepção – ponto F) dos factos provados.
Estamos, assim, perante uma falta ou insuficiência do título executivo – art.726º, nº2, al. a), do CPC. Insuprível – não obstante a matéria constante do ponto T) dos factos provados – atento, até, o disposto no nº4 daquele preceito legal. O que conduz à rejeição da execução, com a sua consequente extinção – art.734º, nº2, do CPC.
*
*
Pelo que o recurso merece provimento. Ficando, assim, prejudicada a apreciação da segunda questão colocada.
*
*
Acorda-se, em face do exposto, e julgando procedente a apelação, em rejeitar a execução, declarando-a, em consequência, extinta, com o que se revoga a sentença recorrida.
Custas pelo recorrido.

Porto,13-06-2018
Abílio Costa
Augusto de Carvalho
Carlos Gil